Aula 03: As ideias estão no seu lugar ? Rec 3402 Desenvolvimento e pensamento econômico Brasileiro 1º semestre 2017 Aula passada: Existe um pensamento econômico Brasileiro ? Existe, se definirmos Pensamento econômico brasileiro: • não no sentido dado por Schumpeter à história da “análise econômica”: das teorias, dos conceitos, da ciência econômica Não existem fortes contribuição à teoria econômica oriundas do Brasil, nem um história brasileira neste sentido (ou pelo menos não é este o objeto do curso) • Mas sim no que Schumpeter definia como: 1. História dos “sistemas de economia política”, que podemos chamar hoje de história das doutrinas econômicas, no nosso caso de como estas doutrinas, estas “idéias” econômicas, foram apropriadas no Brasil, foram adaptadas, foram transformadas ou até onde um conjunto doutrinário “novo” chega a ser criado aqui 2. História do “pensamento econômico”, ou seja o “conjunto das opiniões e desejos referentes a temas econômicos e especialmente de proposições e defesa de políticas em um determinado tempo e lugar” No nosso caso, história dos debates em tornos das proposições e dos temas objeto de política econômica Deve-se aqui também abordar o problema da recepção e difusão de idéias externas • Como idéias elaboradas originalmente em outro contexto (na metrópole, no “centro capitalista” etc) comportam-se num outro contexto social e político [numa (ex) colônia, num centro periférico, dependente]? • Especificamente (mas não exclusivamente) o papel do liberalismo no Brasil do século XIX, sua recepção e adaptabilidade • A partir do liberalismo (ou dos liberalismos) estabelecidos nos países centrais o que se desenvolveu exatamente no Brasil ? • Décadas de 70-90: existiu um debate sobre esta questão que ficou conhecido como debate das “idéias e de seu lugar” • Envolve vários autores (não ligados à economia): Roberto Schwarz, Maria Sylvia Carvalho Franco, Wanderley Guilherme dos Santos, Fernando Henrique Cardoso • Antes disto Furtado já se expressava sobre seus antecessores “Constituindo a economia brasileira uma dependência dos centros industriais, dificilmente se podia evitar a tendência a ‘interpretar’, por analogia com o que ocorria na Europa, os problemas econômicos do país. A ciência econômica européia penetrava através das escolas de direito e tendia a transformar-se em um ‘corpo de doutrina’, que se aceitava independentemente de qualquer tentativa de confronto com a realidade. Ali onde a realidade se distanciava do mundo ideal da doutrina, supunha-se que tinha início a patologia social. Dessa forma passava-se diretamente de uma interpretação idealista da realidade para a política, excluindo qualquer possibilidade de crítica da doutrina em confronto com a realidade. Celso Furtado Uma rápida volta ao Ensino de economia no Brasil em priscas eras ..... A Economia em termos acadêmicos • Economia no inicio é matéria nas Faculdades de Direito e de engenharia 1827 – primeiros cursos superiores no Brasil: Direito (São Paulo, Pernambuco) depois: Medicina (Ba) e Engenharia (RJ) (militar): formação da elite no país (antes Portugal – Coimbra) • Economia Politica dado no ultimo ano de Direito e no 3º ano de Engenharia Aulas de comércio (segundo grau / profissionalizante) – Menos elitizados • Primeiros cursos de economia Déc. de 20 – algumas aulas passam a ter diploma de ensino superior 1931- reforma Francisco Campos: ampliação dos cursos superiores 1946 –Faculdades publicas de economia Rio de Janeiro (Fac. Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil) e São Paulo (FEA-USP) 1964/66 – reformas 64 - curricular FEA-SP (americanização); 1966 – “seminário de Itaipava” e criação dos centros de pos graduação 1973 - Criação da ANPEC Os primórdios do Ensino de economia • formação em “economia” duas opções (Império e Primeira República) • para a elite havia “disciplinas de economia” nos cursos jurídicos e nas escolas politécnicas, cadeiras ligadas à formação de uma cultura geral do aluno cujo conteúdo dizia respeito aos problemas econômicos - como a própria cadeira de Economia Política • mas não existiam escolas de alto nível voltadas exclusivamente para o ensino da Economia ou outra especialização parecida até fim da primeira república • para os segmentos médios-urbanos da sociedade, existiram, desde o início do Império, os cursos profissionalizantes na área comercial - as Aulas e os Cursos de Comércio, • estes conferiam os diplomas de contador e, na década de 20, de Bacharel em Economia quando alguns se transformam em cursos superiores. • Alguns dos Cursos Superiores de Comércio já levavam o nome de Faculdade na Primeira República. • Em 1929 • ensino superior especializado (profissionalizante): 32000 alunos, • cursos de comércio oferecidos: 185 unidades com 23000 alunos. • ensino superior geral (voltados para as elites): aproximadamente 13000 alunos • sendo 3200 nos cursos jurídicos, 7500 nos cursos médico-cirúrgico e farmacêuticos e 2300 nas escolas politécnicas A cátedra de Economia Politica e o seu inicio no Brasil • O ensino de Economia Política no Brasil teve seu marco inicial na Cátedra de Economia Política atribuída pelo príncipe regente D. João VI ao baiano José da Silva Lisboa (posteriormente Visconde de Cairu) em fevereiro de 1808. Cátedra não exercida • Cairu passou assim a ser considerado o primeiro “professor” de economia do país pois também publicou o 1º livro escrito por um brasileiro: 1804: Princípios de Economia Política de Jose da Silva Lisboa (Portugal). • Várias outras publicações em Economia, foi Censor Régio, e responsável pela Imprensa Régia (criada em 13.05.1808) além de Inspetor Geral dos estabelecimentos literários • Precocidade em termos internacionais: • Cuidado: debates sobre primeira cátedras, efetivas ou não etc • Em tese: França: Say (1819); GB – 1825 (Nassau Senior), Portugal : 1836 A Economia Política nos Cursos de Direito (1) • Na regulamentação dos cursos incluiu-se no quinto ano do curso, a cadeira de Economia Política. • nos curso ministrados em Coimbra não existia, então, a cadeira de Economia Política. • a cadeira de Economia foi instituída nos cursos de jurídicos franceses apenas em 1864, sendo obrigatória apenas em 1877. • Mudanças ao longo do tempo em relação a esta disciplina • Não existiram grandes transformações em relação ao ensino de Economia Política dentro dos cursos jurídicos. • Em 1885 foram acrescentadas as cadeiras de Ciências das Finanças e Contabilidade do Estado e de Direito Administrativo e Ciência da Administração. • Em 1911, quando o curso de Direito passou a ter seis séries, as cadeiras de Economia Política e Ciência das Finanças passaram a ser ministradas na segunda série Conteúdo a ser ensinado • Nos estatutos de 1825 estabelecia-se para cada disciplina do curso, algo de seu conteúdo, a forma de ministrá-los e os livros básicos de referência que deveriam inspirar os docentes na preparação de suas aulas e servir de complemento para o estudo dos alunos. • Para Economia Política aconselham orientação, ao mesmo tempo analítica e expositiva, em que se contemple as várias escolas em sua seriação histórica, e em suas consequências para a vida social. • Dentre os Compêndios de referência foram selecionados os seguintes autores: Adam Smith, Thomas Malthus, David Ricardo, Jean Baptiste Say, Simonde de Sismondi e William Godwin. • Bentham e Beccaria também foram autores selecionados como de referência, mas para a cátedra de Direito Penal • Em 1826 debateu-se na Assembleia se os Compêndios eram ou não assunto a ser determinado pelo Legislativo. Foi aprovado que os lentes deveriam “adotar um compendio, ou escrever um, não existindo feito, contando que as doutrinas não fossem desconforme o sistema jurado pela nação” • Os compêndios escritos deveriam ser aprovados pela Congregação para serem usados internamente e se fossem aprovados também pela Assembleia Geral, o governo os mandaria imprimir e fornecer às escolas. A Economia Política no Curso de Direito Pernambucano: os lentes e seus Compendios • Pedro Autran de Mata Albuquerque • Também ministrou aulas no Instituto de Comércio da Corte • Publicações • Elementos de Economia Política, 1844, • Novos Elementos de Economia Política1851 • Prelecções de Economia Política em 1859 (estes três primeiros usados no curso de Recife e por vezes em S. Paulo) • 1873 publicou um Manual de Economia Política destinado aos alunos do Instituto Comercial do Rio de Janeiro. • Catecismo de Economia Política 1880 • Forte Influência de James Mill Demais lentes e compêndios Pernambucanos • Lourenço Trigo de Loureiro (foi lente de economia Politica ?) • Elementos de Economia Política (1854) – discussões com Autran • Asprígio Justiniano da Silva Guimarães • Estudos de Economia Política (1876) • Influencia de Stuart Mill, • sociologia econômica • Clovis Bevilacqua (foi lente de economia Politica ?) • 1883 Estudos de direito e economia política • José Joaquim Tavares Belford, • Sofrônio Eutiquiano da Paz Portela A Economia Política no Largo São Francisco • Os cursos de Economia Política também se iniciaram em 1832. Seus primeiros lentes não publicaram de obras didáticas de importância, como o fizeram os professores da Faculdade de Olinda (e depois de Recife). • Carlos Carneiro de Campos:(terceiro) Visconde de Caravelas.: Adotou durante toda sua docência, o Catecismo de Economia Política de Jean Baptiste Say. • Luís Pedreira de Couto Ferraz • João da Silva Carrão: sem publicação mas traduz em 1873 Elementos de Economia Política elaborado por H. D. MacLeod. • Este autor foi introduzido no curso a partir de 1869 e terá profunda e continuada influência no pensamento desenvolvido na escola paulistana nos anos subsequentes; além de MacLeod,, também exerceram significativa influência sobre este lente, Frederic Bastiat e Michel Chevalier. • Joaquim José Vieira de Carvalho. catedrático da cadeira de Economia Política em 1881 e, em fevereiro de 1896, passou a ser catedrático da cadeira de Economia Política, Ciência das Finanças e Contabilidade do Estado • também não deixou obra escrita, mas foi o primeiro a introduzir autores italianos no ensino de Economia Políticca i) Luigi Cossa, da Universidade de Pavia, teve os seus Elementos de Economia Política traduzidos e utilizados em São Paulo e; ii) Antonio Ciccone, professor da Real Universidade de Nápoles. A definição de uma escola Maclodista • José Luis da Almeida Nogueira • Curso Didático de Economia Política ou Ciência do Valor, escrito em 1913 • Filiado a escola Maclodista de economia • José Joaquim Cardozo de Mello Neto • Usa compendio de Almeida Nogueira A Economia Política nos Cursos de Engenharia • Foi a partir da criação, em 1810, da Academia Real Militar, que se iniciaram os cursos de engenharia; a partir de 1842, a Academia passou a dar diplomas específicos em ciências matemáticas e físicas. • Em 1858 se efetivou uma grande reforma dividindo a Academia Militar em três: a Escola Militar de Aplicação, a Escola Militar Preparatória da província de São Pedro do Rio Grande do Sul e a Escola Central. • Escola Central forma os engenheiros: dentro desta Escola foi criado em 1864 a Cadeira de Economia Política. • Mudanças no trato da economia politica nos cursos de engenharia • Em 1873 foi novamente reformada a Escola Central, separando-se desta vez o ensino militar de engenharia, do ensino civil. Este último ficou a cargo da Escola Politécnica então criada. • Nesta escola incluiu-se uma cadeira de Economia Política, Direito Administrativo e Estatística, oferecida nos últimos anos do curso. • Em 1890 reformou-se o currículo e dividiu-se a cadeira em duas: a) Economia Política e Finanças; b) Estatística, Direito Constitucional e Administrativo. Neste última, por alguns anos, incluiu-se também Contabilidade. Os Principais Docentes de Economia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro • O primeiro responsável pela cadeira de Economia Política dos cursos de engenharia do Rio de Janeiro foi José Maria da Silva Paranhos, o Visconde de Rio Branco. • ocupou, a partir de 1864, a cátedra de Economia Política na Escola Central, passando a seguir para a Escola Politécnica, vindo a se jubilar em 1878 • O sucessor do Visconde de Rio Branco na cátedra de Economia Política, em 1877, foi Luis Raphael Vieira Souto. • Economia Política. Primeiro Volume. Introdução e Produção; em 1917 • Aarão Leal de Carvalho Reis • • Economia Política, Finanças e Contabilidade de 1918 positivismo • Tobias Lacerda de Martins Moscoso • Escola racional • Jorge Felipe Kafuri • Este autor exercerá considerável influência na disseminação dos métodos quantitativos dentro da Economia. • forte diferença entre o ensino de economia no Rio de Janeiro, ligado às ciências matemáticas, nas décadas subsequentes quando comparadas com o desenvolvimento deste ensino em São Paulo, que se manteve por algum tempo atrelado aos cursos jurídicos Ouros cursos de Engenharia • Em 1892 foi criada a Escola Politécnica de São Paulo • Quando de sua criação constava uma cadeira denominada “Higiene e Economia Industrial”. • Em 1893, incluiu-se no quinto ano a cadeira de Economia Política, Estatística Aplicada e Organização Administrativa. • Os principais docentes responsáveis por estas disciplinas foram: Brasílio de Campos (1898), Francisco Ferreira Ramos (1920), Jaime Castro Barbosa (1929). • Também na Escola de Engenharia do Rio Grande do Sul foi criada, em 1912, uma cadeira denominada “Finanças e Economia Política. Administração. Técnica Comercial”, transformada, em 1922, para “Economia Política, Finanças e Contabilidade”. • Na Escola de Engenharia de Pernambuco, em Recife, a Economia Política era ministrada no quinto ano na cadeira “Estatística, Economia Política e Finanças.” As Aulas de comércio • Brasil: alvará de 15 de julho de 1809 prevê “Aulas de Comércio”, supervisionadas pela Real Junta de Comércio Agricultura, Fábrica e Navegação • Em Portugal, a Aula de Comércio teve origem no contexto da reforma do ensino realizada pela Marquês de Pombal que possibilitou a criação de escolas especializadas, dentre as quais a a Aula de Comércio, voltada para a preparação em práticas contábeis e mercantis, de perfil prático • A Aula do Comércio foi originalmente criada pelo decreto de 30 de setembro de 1755, que também criou a Junta do Comércio deste Reino e seus Domínios, mas só foi efetivamente organizada em 1759, quando recebeu seus estatutos • Primeiro curso técnico profissionalizante europeu A Aula de comercio da corte • O curso da Aula de Comércio da Corte tinha duração de três anos e regulava-se pelos estatutos de 1759, aprovados para sua congênere em Portugal. • José Antônio Lisboa foi nomeado primeiro lente da Aula de Comércio da Corte • O lente observou, em representação na qual prestava conta dos compêndios utilizados na Aula do Comércio, que acrescentou o ensino de princípios de geometria plana, geografia e economia política ao estudo da aritmética, álgebra, comércio e escrituração, que eram previstos originalmente nos estatutos do curso. • Forte presença de economia politica – livro de Cairu • O curso completo da Aula do Comércio na Corte estruturava-se da seguinte forma: • 1º ano: aritmética, álgebra, regra conjunta; 2º ano: geometria, geografia, comércio (que compreende agricultura, mineração, artes mecânicas, fontes, artes liberais, pesca e caça, colônias, navegação, moedas, câmbios, seguros, leis gerais, usos, máximas, meios); 3º ano: escrituração, economia política. • Os compêndios utilizados eram : em aritmética, álgebra e geometria, era utilizado o livro de Bezout; geografia era ensinada por meio de um folheto reduzido do brasileiro Manoel Inácio Lisboa; em comércio adotavam-se os dois tomos da obra de Manoel Teixeira Cabral de Mendonça e, em economia política, a obra de Jose da Silva Lisboa . • Obras de Lisboa • Reflexões sobre o Banco do Brasil. Rio de Janeiro, 1821.; Observações sobre o melhoramento do meio circulante no Império do Brasil. Rio de Janeiro, 1835.; Projeto de lei sobre o sistema monetário. Rio de Janeiro, 1835; Estatística do Brasil. Rio de Janeiro, 1822 Mudanças na aulas de comercio • Em 1846, as Aulas de Comércio da Corte foram reformulados, passando a ser ministradas em dois anos. Primeiro Ano Segundo Ano Aritmética e Álgebra História do Comércio. Comércio Marítimo e Terrestre Direito Comercial Operações Bancárias Escrituração Mercantil Geografia Geral e do Brasil Matemática Comercial e Financeira • Houve uma nova reorganização da Aula de Comércio da Corte, pelo decreto n. 1.763, de 14 de maio de 1856. • Esse ato concedeu um novo e extenso estatuto à instituição, mudando seu nome para Instituto Comercial do Rio de Janeiro e alterando significativamente o conteúdo das disciplinas ministradas, em comparação ao regulamento anterior • Nesta reforma explicitamente foi introduzida a disciplina Economia Política com Aplicação especial ao Comércio e à Indústria. As disciplinas passaram a ser Primeiro Ano Segundo Ano Contabilidade e Escrituração Mercantil Geografia e Estatística Comercial Direito Mercantil Economia Política com Aplicação Especial ao Comércio e à Indústria Dificuldades e reestruturação na republica • em 1863, o decreto n. 3.058 reformou novamente os estatutos, tendo como principal mudança a ampliação do curso de dois para quatro anos, com a inclusão de mais disciplinas. Essa nova estrutura foi mantida até o final da década de 1870 • o curso de Economia Política acabou por deixar de ser ministrado, pelo menos até 1871. A partir deste ano a cadeira voltou a ser oferecida e um de seus lentes responsáveis foi Pedro Autran da Mata Albuquerque, que redigiu em 1873 uma monografia especialmente dedicada a esta disciplina: Manual de Economia Política. • Curso passa por muitas dificuldades – poucos alunos e chega a ser fechado • As modificações começam a surgir no início deste século, com o surgimento em 1902 da Academia de Comércio do Rio de Janeiro e da Escola Prática de Comércio de São Paulo. • a criação da Academia de Comércio do Rio de Janeiro se deve a Cândido Mendes de Almeida e para a sua manutenção foi criada a Sociedade Brasileira de Instrução. • Dentre os colaboradores desta iniciativa encontramos Luis Raphael Vieira Souto, lente de Economia Política da Escola Politécnica., na verdade os primeiros cursos foram ministrados no prédio da própria Escola Politécnica. • A Escola Prática de Comércio de São Paulo, teve como principal artífice Horácio Berlinck. A reforma de 1905 • Em 1905, no governo Rodrigues Alves, foi estabelecida uma legislação tida como o marco inicial do ensino superior voltado para a área comercial no Brasil e dentro deste do ensino específico de economia. • Pela legislação considerou-se a Academia do Rio de Janeiro como de utilidade pública e seus diplomas passaram a ser oficialmente reconhecidos. Os diplomas da Escola paulistana também foram reconhecidos oficialmente. • Pela mesma legislação a Academia carioca passou a se constituir no padrão oficial para o ensino comercial no Brasil, de modo que os outros cursos deviam a ela se equiparar. Em 1909, por exemplo, foi criada a Escola de Comércio de Porto Alegre anexa à Faculdade Livre de Direito da mesma cidade • A legislação dividiu os cursos de comércio em dois; o curso geral e o curso superior. • O curso geral, de quatro anos, tinha uma exame de admissão mais ou menos próximo às exigências da escola primária, possuía um caráter prático e uma função propedêutica em relação ao Curso Superior. Ele conferia o título de contador aos concludentes. (este curso deu origem ao curso de perito contábil e depois ao de técnico em contabilidade • O Curso Superior de Comércio era desenvolvido ao longo de três anos e, as disciplinas ministradas no curso Superior até 1926, eram: Geografia Comercial e Estatística; História do Comércio e da Indústria; Tecnologia Industrial e Mercantil; Direito Comercial e Marítimo; Economia Política; Ciência das Finanças; Contabilidade Pública; Direito Internacional e Diplomacia; História dos Tratados e Correspondência Diplomática; Alemão, Italiano e Espanhol; Matemática Superior; Contabilidade Mercantil Comparada e Banco Modelo. As Faculdades de economia no fim da primeira republica • Estas escolas, foram a origem das Faculdades de Ciências Econômicas, mesmo por que conferiam o título de graduados em Ciências Econômicas e Comerciais e, depois de 1926 de Bacharéis em Economia e vários cursos se intitulavam Faculdade de Ciências Econômicas • Mas não existiam matérias teóricas relacionadas ao próprio objeto da Economia, que naqueles anos já estava relativamente bem definido, da mesma forma nota-se a falta de maiores considerações matemáticas e sobretudo estatísticas, que já se faziam notar nos cursos desenvolvidos na Escola Politécnica • Deste modo, a formação oferecida pelo curso é eminentemente prática destinada aos trabalhos rotineiros de gestão e controle das empresas privadas, assim como no auxílio da administração pública. “Constituindo a economia brasileira uma dependência dos centros industriais, dificilmente se podia evitar a tendência a ‘interpretar’, por analogia com o que ocorria na Europa, os problemas econômicos do país. A ciência econômica européia penetrava através das escolas de direito e tendia a transformar-se em um ‘corpo de doutrina’, que se aceitava independentemente de qualquer tentativa de confronto com a realidade. Ali onde a realidade se distanciava do mundo ideal da doutrina, supunha-se que tinha início a patologia social. Dessa forma passava-se diretamente de uma interpretação idealista da realidade para a política, excluindo qualquer possibilidade de crítica da doutrina em confronto com a realidade. Celso Furtado Deve-se aqui também abordar o problema da recepção e difusão de idéias externas • Como idéias elaboradas originalmente em outro contexto (na metrópole, no “centro capitalista” etc) comportam-se num outro contexto social e político [numa (ex) colônia, num centro periférico, dependente]? • Especificamente (mas não exclusivamente) o papel do liberalismo no Brasil do século XIX, sua recepção e adaptabilidade • A partir do liberalismo (ou dos liberalismos) estabelecidos nos países centrais o que se desenvolveu exatamente no Brasil ? • Décadas de 70-90: existiu um debate sobre esta questão que ficou conhecido como debate das “idéias e de seu lugar” • Envolve vários autores (não ligados à economia): Roberto Schwarz, Maria Sylvia Carvalho Franco, Wanderley Guilherme dos Santos, Fernando Henrique Cardoso • Antes disto Furtado já se expressava sobre seus antecessores Ainda Celso Furtado ... • “Essa inibição mental para captar a realidade de um ponto de vista crítico-científico é particularmente óbvia no que diz respeito aos problemas monetários. (...) O político brasileiro, com a formação de economista, estava preso por uma série de preconceitos doutrinários em matéria monetária, que eram as regras do padrão-ouro. • Na moeda que circulava no Brasil via-se apenas o aspecto ‘patológico’, ou seja, sua ‘inconversibilidade’. E ao tentar aplicar essa moeda ‘inconversível’ as regras do padrão-metálico - particularmente aquelas que derivavam da teoria quantitativa - era levado a afastar-se mais e mais da realidade. • Ao historiador das idéias econômicas no Brasil não deixará de surpreender a monótona insistência com que se acoima de aberrativo e anormal tudo que ocorre no país: a inconversibilidade, os deficits, as emissões de papel-moeda. Essa ‘anormalidade’ secular não chega, entretanto, a constituir objeto de estudo sistemático. • Não se faz nenhum esforço sério para compreender tal anormalidade, que em última instância era a realidade dentro da qual se vivia. Todos os esforços se gastam numa tarefa que a experiência histórica demonstrava ser vã: submeter o sistema econômico às regras monetárias que prevaleciam na Europa. Esse enorme esforço de mimetismo - que derivava de uma fé inabalável nos princípios de uma doutrina que não tinha fundamento na observação da realidade - se estenderá pelos três primeiros decênios do século XX.” As idéias estão ou não fora do lugar ? • Roberto Schwarz em 1973 publica uma artigo na revista Estudos CEBRAP que tem por titulo “As idéias fora do lugar” • Texto dentro do contexto de crítica literária, estudos sobre José de Alencar, Machado de Assis etc. • Existe uma inadequação entre os ideais liberais e o ambiente social brasileiro, • Provoca debate em história das idéias no Brasil e repercute em diferentes campos desta história das idéias • Recupera uma velha tese: a oposição entre o Brasil real e o Brasil “ideal” • Maria Sylvia Carvalho Franco concede uma entrevista à revista Cadernos de Debate que sai publicado com o título “As idéias estão no lugar” As idéias fora do lugar • Schwarz começa o artigo citando Torres Bandeira de 1863 e afirmando: “Toda ciência tem princípios de que deriva o seu sistema. Um dos princípios da economia Política é o trabalho livre” • E completa “Ora no Brasil, domina o fato ‘impolítico e abominável’ da escravidão” • Mais a frente, Schwarz conclui: “Está montada [no Brasil] uma comédia ideológica, diferente da européia” • Europa: liberdade do trabalho, igualdade perante a lei eram a ideologia que corresponde às aparências escondendo o essencial: a exploração do trabalho • Brasil: estas ideias são mais falsas não correspondem nem as aparências, para que servem as abstrações liberais? • Para Schwarz as ideais liberais no Brasil-Império, não tem correspondência com a realidade local, devido à disparidade entre a sociedade brasileira e o liberalismo europeu • O termo “fora do lugar” denuncia que algo não está em seu contexto, sugerindo que o contexto deveria ser determinante na produção e circulação das idéias • As idéias liberais são “desmentidas” por várias realidades dentre elas Schwarz destaca duas: a escravidão e o clientelismo (favor) • a escravidão e o favor são incompatíveis com o liberalismo, no Brasil adoção do liberalismo submete as idéias liberais a um deslocamento, a uma distorção criando um padrão particular, diferente do original mas ainda sim não ajustado pois distorce princípios fundamentais para tentar se adequar a realidade e/ou se posiciona subtraindo a própria realidade • Dizer que liberalismo e escravidão eram incompatíveis, que o liberalismo era uma “idéia fora do lugar” em uma sociedade escravista e clientelista, significa afirmar que os intelectuais que compatibilizaram essas idéias: • ou não haviam entendido o que era liberalismo e portanto eram todos incompetentes, limitados intelectualmente e não perceberam a contradição entre sua fala e sua prática • ou eram hipócritas, percebem a contradição e não se importam com isto Crítica a Schwarz • Críticos: se os nossos escravistas defendiam idéias liberais e se os nossos ideólogos liberais possuíam escravos, é porque a idéia estava em seu lugar, • é porque era viável ser liberal e escravista, é porque a ideologia liberal poderia funcionar na prática como forma de apreender a realidade de um país escravocrata • A questão da mão de obra não era, na prática, um problema essencial dentro da construção liberal, pelo menos no que importa aos liberais brasileiros • Mesmo entre liberais europeus (Locke, Say), escravidão não é incompatível com liberalismo • De que liberalismo estamos falando ? Ainda a critica: de que liberalismo estamos falando ? • Se no Brasil, o liberalismo era uma “idéia fora de lugar”, incongruente e incompatível com as práticas econômicas, sociais e políticas cotidianas, onde ele não o foi? • Existiu, em algum lugar, esse liberalismo puro, essa superposição perfeita entre discurso e prática liberal? • Na década de 1850, ao mesmo tempo em que, segundo Schwarz, José de Alencar, escrevia romances fracos e artificiais por tentar aplicar ideais burgueses a uma realidade clientelista, • a Suíça era o único estado europeu que tinha sufrágio universal masculino – de que liberalismo estamos falando politicamente • A maior parte das nações ascendentes (Alemanha, EUA) repetiam a Inglaterra quando da sua ascensão e tinham práticas protecionistas, lembrando que como afirmava List a Inglaterra na verdade chutou a escada - de que liberalismo estamos falando economicamente • Quanto países mantinham a escravidão (pelo menos nas suas colônias) e tb proferiam o liberalismo: França até 1848, EUA etc ... • ou as idéias também estão fora do lugar na Europa ou estão tão no lugar lá como cá Resposta de Alfredo Bosi: “Até meados do século [XIX], o discurso, ou o silêncio de todos, foi cúmplice do tráfico e da escravidão. O seu liberalismo, parcial e seletivo, não era incongruente: operava a filtragem dos significados compatíveis com a liberdade intra-oligárquica e descartava as conotações importunas, isto é, as exigências abstratas do liberalismo europeu que não se coadunassem com as particularidades da nova nação.” (A Dialetica da Colonização – 1992)