MUSICALIDADE A voz humana Profª Luciane Cuervo Primórdios Há evidências de atividade humana no homem pré-moderno. Música não foi fossilizada, porém instrumentos musicais sim. Diversas teorias existem para explicar a origem e função da música na humanidade. Questões para refletir: Teoria da atração sexual – seleção natural? Coesão grupal/social? Subproduto da linguagem/Entretenimento? Teria sido uma forma de comunicação nos primórdios da humanidade? Música e linguagem "Houve e há, apesar das desordens que a civilização traz, pequenos povos encantadores que aprendem música tão naturalmente como se aprende a respirar. O seu conservatório é o ritmo eterno do mar, o vento nas folhas e mil pequenos ruídos que escutaram com atenção, sem jamais terem lido despóticos tratados.“ Claude Débussy (1862-1918), compositor francês Os primeiros cantos e instrumentos O canto provavelmente foi a primeira forma de expressão musical, anterior às flautas mais antigas. ¹ Quando um comportamento ou um traço está amplamente disseminado pelos membros de uma espécie, consideramos que foi codificado no genoma (independentemente de ter sido uma adaptação ou uma característica).¹ Os seres humanos precisam de vínculos sociais para fazer a sociedade funcionar, e a música é um deles.¹ ¹LEVITIN, D. A Música no seu Cérebro. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 289-292 Prontidão inata? A forma melódica da fala dos adultos no diálogo com os bebês é uma característica universal. Pesquisadores como o arqueólogo cognitivo Mithen, da Universidade de Reading, na Inglaterra, teorizam que a linguagem e a música evoluíram a partir de uma protolinguagem musical usada por nossos ancestrais. “Estruturas de cordas vocais de neandertais e outros hominídeos extintos sugerem que eles poderiam cantar. E eles certamente tocavam instrumentos, pois pesquisadores recuperaram flautas pré-históricas feitas de ossos.” “Talvez nunca saibamos por que a música existe. Ainda assim podemos usá-la para nos animar ou acalmar, amenizar dores e ansiedade ou formar vínculos. Como escreveu Sacks, talvez a música seja o que temos mais próximo da telepatia” (Schrock, 2012). Voz da mãe desempenha papel especial Imagem: Estas imagens mostram a atividade do cérebro de uma criança ao ouvir a voz de sua mãe, e então a voz de um estranho. Vemos claramente a ativação do lado esquerdo do cérebro (responsável pela aprendizagem de línguas) em primeiro lugar, e o lado direito do cérebro (reconhecimento de voz), no segundo. Crédito: doi: 10.1093/cercor/bhq242 Cerebral Cortex, Oxford University Press Vida intrauterina Experiências com hidrofones (microfones que funcionam em meios líquidos) comprovaram que “as conversas de fora podem, sim, ser ouvidas, mas atenuadas pela gordura e pelos tecidos da mãe – um grito lá fora soa como um lamento em voz baixa. Os resultados apontaram outra novidade: vozes graves, como a masculina, chegam mais fortes que sons agudos, como a voz feminina.” A voz da mãe chega com relativa clareza até os ouvidos do filho. “Ele se habitua a ela”, diz a psicóloga Iaconeli. “Por isso, mesmo um recémnascido reconhece a fala materna e se acalma com ela, o que prova que a relação foi construída durante a gestação.” Aos 5 meses de vida intrauterina a criança escuta e aos seis meses a audição está totalmente pronta e as vozes do ambiente externo irão habituá-la à língua materna. Fonte: O feto aprende. Revista Superinteressante. N. 130, jul/1998. Bebês: Predisposição para a música Os estudos sobre a competência musical dos bebês e os avanços na área de desenvolvimento humano nos permitem dizer que todo o ser humano nasce com predisposições biológicas e culturais para a música, dependendo, no entanto, das trocas no meio sócio-cultural para promover o seu desenvolvimento (Maffioletti, 2011, p. 67)¹ ¹MAFFIOLETTI, L. A. Aprendizagens sociais propiciadas pela música na infância. In: SANTIAGO, D; BROOCK, A., CARVALHO, T. Educação Musical Infantil. Salvador: PPGMUS-UFBA, 2011. Musicalidade: capacidade humana A natureza encarnada da música, a indivisibilidade entre movimento e som, caracteriza o fazer musical em todas as culturas e em todos os tempos. Blacking, 1995. O ser humano possui capacidade para a musicalidade assim como para a cultura (Cross, 2012). PARTICULARIDADES UNIVERSALIDADES CROSS, I. Musicality and the human capacity for culture. In: Cognitive function, origin, and evolution of music emotions. Musicae Scientiae. Julj, 2012. Vol. 16. p. 185-199. Amusia Em torno de 4% da população sofre um déficit de percepção musical que não pode ser explicado pela perda auditiva, dano cerebral, deficiências cognitivas ou falta de exposição à música. Este distúrbio musical, vulgarmente conhecido como surdez e agora denominado amusia congênita, afeta principalmente a dimensão melódica. Amusia congênita é hereditária e associada com a matéria cinza anormal e da matéria branca no córtex auditivo e o córtex frontal inferior (Peretz, 2001). Conceito de Musicalidade A reflexão sobre o conceito de musicalidade teve sua relevância enfatizada por Maffioletti (2001, p. 62): “é importante analisarmos qual o conceito de musicalidade que temos, porque esse conceito vai inspirar nossas práticas pedagógicas.” Musicalidade é uma característica humana (Blacking, 1995; Gembris, 1997; Sacks, 2008; Cuervo e Maffioletti, 2009; Levitin, 2010; Cross, 2012) a qual todos nascem com os mecanismos necessários ao seu desenvolvimento. É um conhecimento a ser construído, consistindo na capacidade de geração de sentido através do fazer musical que engloba não somente cantar ou tocar, mas criar e apreciar música. (Cuervo, 2009). Resumindo... Diálogo cultura-biologia. Musicalidade é uma característica humana. Os bebês preferem o canto à fala OBRIGADA! Perguntas?... Contato: [email protected] www.ufrgs.br/musicalidade Referências BLACKING, J. Music, Culture and Experience. Chicado: University of Chicago Press, 1995. CUERVO, L. Reflexões sobre o conceito de musicalidade. CUERVO, Luciane. Música para um cérebro em transformação: a música na adolescência. Anais do SIMCAM. São Paulo: USP, 2008. CROSS, I. Musicality and the human capacity for culture. In: Cognitive function, origin, and evolution of music emotions. Musicae Scientiae. Julj, 2012. Vol. 16. p. 185-199. HERCULANO-HOUZEL, S. Entre só ouvir e cantarolar também. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1707200816.htm LOUZADA, F. A Construção social do cérebro. Revista Neuroeducação, 1ª ed., São Paulo, Segmento, 2012. MAFFIOLETTI, L. Musicalidade Humana: aquela que todos podem ter (2001). Disponível em: http://paginas.ufrgs.br/musicalidade/ovas/criatividade-emusicalidade/MAFFIOLETTI_Musicalidade.pdf PIAGET, J. Problemas de psicologia genética. Petrópolis: Vozes, 1972. SACKS, O. Alucinações Musicais: relatos sobre a música e o cérebro. São Paulo: Cia. Das Letras, 2007. SLOBODA, J. A Mente Musical: A psicologia definitiva da música. Trad. de Beatriz Ilari e Rodolfo Ilari. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2008. TREHUD, E. Sandra. Predisposição musical na infância: uma atualização. In: PERETZ, I., ZATORRE, Robert. The cognitive neuroscience of music. New York: Oxford University Press, 2003.