Capítulo 15 – “A crítica à metafísica” Iluminismo – século XVIII Vemos a VERDADE, envolta em intensa luz, ladeada à esquerda pela IMAGINAÇÃO (a poesia), e à direita pela RAZÃO (a filosofia). Esse gesto faz alusão à palavra grega alétheia, “verdade”, que etimologicamente significa “não oculto”, e, portanto, o que é “desvelado”, “descoberto”, “trazido à luz” pela razão. Na obra, destaca-se a esperança depositada nos benefícios do progresso da técnica e no poder da razão de combater o fanatismo, a intolerância, inclusive religiosa, a escravidão, a tortura, a guerra. Detalhe do frontispício da Enciclopédia, ou Dicionário analítico de ciências, artes e ofícios. Charles Nicolas Cochin, o jovem, 1764. A crença na razão como guia na busca da verdade acentuou o processo que vinha da modernidade, desde que Descartes destacou o poder do sujeito de atingir o que era indubitável. No século XIX, Hegel, Comte e Marx, entre outros, aprofundaram as divergências abrindo novas perspectivas, sobretudo a partir do desenvolvimento tecnológico e industrial. A Ilustração: o Século das Luzes O século XVIII, conhecido como Iluminismo, Século das Luzes, Ilustração ou Aufklärung, trata do otimismo em reorganizar o mundo humano por meio das luzes da razão. Desde o Renascimento desenrola-se uma luta contra o princípio da autoridade. O racionalismo e o empirismo do século XVII deram o substrato filosófico dessa reflexão. Revolução científica levada a efeito por Galileu no século XVII. Kant: o criticismo Sua filosofia é chamada de criticismo porque Kant coloca a razão em um tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento não tem fundamento. Segundo o próprio Kant, a leitura da obra de Hume o despertou do “sono dogmático” em que estavam mergulhados os filósofos que não se questionavam se as ideias da razão correspondem mesmo à realidade. O conhecimento deve constar de juízos universais, da mesma maneira que deriva da experiência sensível. Immanuel Kant (1724-1804) nasceu na Prússia em Königsberg, cidade de onde nunca saiu. Era profundamente religioso e levou vida metódica, dedicando-se a estudar e ensinar. Foi um dos maiores expoentes do Iluminismo, ao superar o racionalismo e o empirismo. Examinou as possibilidades e limites da razão em sua obra “Crítica da razão pura”. Defendeu a autonomia moral do sujeito. Sensibilidade e entendimento Para superar a contradição entre racionalistas e empiristas, Kant explica que o conhecimento é constituído a posteriori e a priori. Matéria (experiência sensível) e forma(sensibilidade e entendimento) atuam ao mesmo tempo. A sensibilidade é a faculdade receptiva, pela qual obtemos as representações exteriores, enquanto o entendimento é a faculdade de pensar ou produzir conceitos. Segundo Kant: “Nenhum conhecimento em nós precede a experiência, e todo o conhecimento começa com ela. Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto daquilo que recebemos por impressões e daquilo que nossa própria faculdade de conhecimento [...] fornece de si mesma. [...] Tais conhecimentos denominam-se a priori e distinguem-se dos empíricos, que possuem suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência.” As ideias da razão e a metafísica Kant garante a possibilidade do conhecimento científico como universal e necessário. (fenomênico) Poderíamos conhecer a “coisa em si” (o noumenon) ? O que seria a coisa em si? São as ideias da razão para as quais a experiência não nos dá o conteúdo necessário. O ser humano deseja ir além da experiência e nisso consiste o trabalho da razão, que investiga as ideias de alma, mundo e Deus, justamente os objetos da metafísica. Argumentos contraditórios que se opõem em tese e antítese: A ideia de liberdade tanto pode ter argumentos a favor como contra; Pode-se argumentar tanto que o mundo tem um início e é limitado ou que não teve início e é ilimitado; Tanto se argumenta que o mundo existe a partir de uma causa necessária, que é Deus, ou que não existe um ser absolutamente necessário que seja a causa do mundo. kant conclui não ser possível conhecer as coisas tais como são em si. Crítica da razão pura. Decorre dessa constatação a impossibilidade do conhecimento metafísico. Trata-se de um agnoticismo (incapacidade de afirmar ou negar a existência do mundo, da alma e de Deus). Distingue-se do ateísmo, que nega a existência de Deus. Entretanto, em outra obra, Crítica da razão prática, Kant recupera as realidades da metafísica, voltando-se para a ação moral, que só é possível porque os seres humanos podem agir mediante ato de vontade, por autoderminação. Kant justifica-se: “tive de suprimir o saber para encontrar lugar para a fé.” A herança kantiana O pensamento kantiano é conhecido como idealismo transcendental. O próprio Kant descreveu sua filosofia crítica como uma “revolução copernicana”: Kant afirma que se a metafísica anterior admitia que o nosso conhecimento devia regular-se pelos objetos, agora admitimos que os objetos regulam-se pelo nosso conhecimento. Portanto, são os objetos que se adaptam ao conhecimento e não o contrário. Da crítica feita por Kant à metafísica, na Crítica da razão pura, surgiram duas linhas divergentes entre os filósofos do século XIX: A primeira, representada pelos materialistas (Feuerbach) e positivistas (Comte). Para Feuerbach a matéria é anterior ao espiritual e o determina; Posteriormente, os materialistas dialéticos Karl Marx e Friedrich Engels incorporaram ao materialismo de Feuerback a noção hegeliana de dialética. Para Comte, a ciência (o saber positivo) é a forma mais adequada de conhecimento. A segunda, dos idealistas, que levaram às últimas consequências a capacidade que Kant atribuía à razão de impor formas a priori ao conteúdo dado pela experiência. Um novo tempo No final do século XVIII e começo do século XIX ocorreram significativas transformações: As revoluções: independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789) foram celebradas como conquistas das Luzes. A implantação do Terror na França por Robespierre e posteriormente a instauração do Império por Napoleão: tudo parecia contradizer o espírito do Iluminismo. O monge à beira-mar, de Gaspar David Friedrich, 1809 “Duas coisas tem o poder de comover o meu espírito: o céu estrelado (Universo) e a constatação da força da lei moral interior (voz da consciência).” - Kant Hegel: o idealismo dialético O alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (17701831) aos dezenove anos, celebrou a Revolução Francesa com o plantio simbólico de uma árvore. Sua admiração por Napoleão, pela capacidade humana de transformação e pelo elogio aos movimentos políticos revolucionários refletiu-se em sua concepção filosófica de história e em sua epistemologia. Hegel criticou a filosofia transcendental de kant por ser muito abstrata. Sua vasta erudição e a transformação que realiza em conceitos tradicionais tornam sua filosofia de difícil interpretação, às vezes hermética. Conceitos como ser, lógica, absoluto e dialética assumem sentidos radicalmente novos. O ser está em constante mudança: esta é a dialética hegeliana, inspirada no pré-socrático Heráclito. Hegel explica a mudança pela contradição. A dialética Hegel introduz uma noção nova, a de que a razão é histórica, ou seja, a verdade é construída no tempo. Propõe o que se chama filosofia do devir, do ser como processo, como movimento, como vir-a-ser. Desse ponto de vista, o ser está em constante transformação, donde surge a necessidade de fundar uma nova lógica que não parta do princípio de identidade, que é estático, mas do princípio de contradição, para dar conta da dinâmica do real. A sua nova lógica Hegel chama dialética. A história, segundo Hegel, não é simplesmente acumulação e justaposição de fatos acontecidos no tempo. Resulta de um processo cujo motor interno é a contradição dialética. Exemplo das três etapas da dialética com o desenvolvimento da planta, que passa pelo botão, flor, e fruto: O botão: é a afirmação; A flor: é a contradição, é a negação do botão; O fruto: é uma categoria superior, a superação da contradição entre botão e flor. Para refletir: O que seria a crise da adolescência senão a contradição entre aquilo que fomos na infância e o que negamos dela? Por isso confrontamos nossos pais e seus valores, ao mesmo tempo que esses valores fazem parte de nós. A maturidade é que irá superar a contradição, ao nos constituirmos como sujeitos livres... Até que outras contradições surjam para serem superadas. Você viveu ou vive essas contradições em sua adolescência? Dê um exemplo. Conhecer a gênese é conhecer o real. Por esse movimento, a razão passa por todos os graus, desde o da natureza inorgânica, da natureza viva, da vida humana individual até a vida social. O idealismo O que Hegel entende por espírito? Se expressa em três momentos distintos: 1. O espírito subjetivo é o espírito individual, ainda encerrado na sua subjetividade (como ser de emoção, desejo, imaginação); ². O espírito objetivo opõe-se ao espírito subjetivo. O espírito objetivo realiza-se naquilo que se chama mundo da cultura; ³. O espírito absoluto, ao superar o espírito objetivo, realiza a síntese final em que o espírito, terminando o seu trabalho, compreende-o como realização sua. A mais alta manifestação do espírito absoluto é a filosofia, saber de todos os saberes, quando o espírito atinge a absoluta autoconsciência, depois de ter passado pela arte e religião. Por isso Hegel chama a filosofia de “pássaro de Minerva que chega ao anoitecer”. A razão nasce no momento em que a consciência adquire “a certeza de ser toda a realidade” por meio das etapas fenomenológicas da razão no processo dialético. É esta a principal contribuição de Hegel: a defesa de uma concepção processual de tudo o que existe. Na filosofia posterior a Hegel, tornou-se fecunda a ideia de que a razão é histórica e transforma-se a partir de conflitos e contradições. Comte: o positivismo Durante a Revolução Industrial, ciência e técnica tornaram-se aliadas. A exaltação diante dos novos saberes e formas de poder levou à concepção do cientificismo, que se caracteriza pela valorização da ciência. Ela se tornou o único conhecimento possível, e o método das ciências da natureza passou a ser o único válido. A doutrina positivista, cujo principal representante foi o francês Augusto Comte (1798-1857), nasceu nesse ambiente cientificista. A lei dos três estados Segundo a qual o espírito humano teria passado por três estados históricos diferentes: Teológicos, as explicações dos fenômenos supõem uma causalidade sobrenatural; os fenômenos da natureza, a origem dos seres, os costumes são explicados pela ação dos deuses. Metafísico, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas; por exemplo, na sua metafísica, Aristóteles explica a queda dos corpos pela essência dos corpos pesados, cuja natureza os faria “tender para baixo”, para o seu “lugar natural”. Positivo, decorreu do desenvolvimento das ciências modernas, as ilusões teológicas e metafísicas foram superadas pelo conhecimento das relações invariáveis dos fatos, por meio de observações e do raciocínio, que visam alcançar leis universais. O estado positivo corresponde à maturidade do espírito humano. A classificação das ciências Segundo Comte, cabe à filosofia a sistematização das ciências, a generalização dos mais importantes resultados da física, da química, da história natural. Comte reconhece que a matemática desde a Antiguidade teria atingido o estado positivo. Elaborou então a classificação das ciências – cinco, ao todo: astronomia, física, química, fisiologia (biologia) e “física social” (sociologia). A sociologia, ciência soberana Comte é o fundador da sociologia. Definiu-a como física social, mas na verdade tomou os modelos da biologia e explicou a sociedade como um organismo coletivo. Entusiasmara-se pela então recente teoria frenológica de Gall. Inspirado por essa teoria, afirmava que apenas uma elite teria capacidade de desenvolver a parte frontal do cérebro, sede da faculdade superior. Reconhece que o indivíduo, submetido à consciência coletiva, tem pouca possibilidade de intervenção nos fatos sociais. A sociologia de Comte gira em torno de núcleos constantes, como a propriedade, a família, o trabalho, a pátria, a religião. É a ideia de ordem que dominou seu trabalho de sistematização da filosofia. É o próprio Comte que afirma: “Nenhum grande progresso pode efetivamente se realizar se não tende finalmente para a evidente consolidação da ordem”. A religião da humanidade A rígida construção teórica de Comte culminou com a concepção da religião positivista. Não deixa de ser incoerente a criação de uma religião, pois, o estado teológico é o mais arcaico e infantil da humanidade. No entanto, desde seus primeiros escritos já aparecia essa noção de espiritualidade, que não se confundia com a religião tradicional. Por meio da criação de uma Igreja Positivista, procurou convencer o proletariado a abandonar o projeto revolucionário. A religião do positivismo integra a sociedade dos vivos na comunidade dos mortos, na trindade formada pelo Grande Ser (a humanidade), pelo Grande Feitiço ( a Terra) e pelo Grande Meio (o Universo). Seria a religião da humanidade que forneceria o enquadramento social para colocar os indivíduos ao abrigo das convulsões históricas. A religião positivista produziria então o milagre da harmonia social. O positivismo no Brasil O positivismo exerceu grande influência no pensamento latino-americano. Em 1876, foi fundada a Sociedade Positivista do Brasil e, em 1881, Miguel Lemos e Teixeira Mendes fundaram a Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, cujo templo se situa no Rio de Janeiro. São eles também os idealizadores da bandeira brasileira, com o seu dístico “Ordem e Progresso”. Muitos positivistas eram militares, médicos e engenheiros, o que denotava a valorização do conhecimento científico. A herança positivista Além da influência na proclamação da República, o positivismo, no Brasil, repercutiu de maneira decisiva na concepção cientificista. Durkheim (1858-1917) quis fazer da sociologia uma ciência objetiva, examinando os fatos sociais como “coisas”. Marx: materialismo e dialética Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (18201895) sempre estiveram um ao lado do outro por convicções de pensamento e por amizade. Observaram que o avanço técnico aumentara o poder humano sobre a natureza e foi responsável por riquezas e progresso e contraditoriamente trouxera a escravização crescente da classe operária, cada vez mais empobrecida. Aproveitaram a dialética de Hegel. No contexto dialético a consciência humana não é pura passividade: o conhecimento das relações determinantes possibilita ao ser humano agir sobre o mundo, até mesmo no sentido de uma ação revolucionária.