defende filosofia

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Ciência e Fé
Módulo VII – A Revolução Científica
Outubro de 2011 a Fevereiro de 2012
Ciência e Fé
Estrutura do Curso
I - Introdução
II - Filosofia grega e cosmologia grega
III - Filosofia medieval e ciência medieval
IV - Inquisição e Ciência
V e VI - O caso Galileu
VII - A revolução científica
VIII - Darwin e a Igreja Católica
IX - Os Argumentos Cosmológico e Teleológico
X - Filosofia da Mente e Inteligência Artificial
XI - Milagres e Ciência
XII - Desafios ao diálogo entre Ciência e Fé
Índice
1. Introdução
2. Francis Bacon
3. René Descartes
4. John Locke
5. Isaac Newton
6. Conclusão
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Introdução
Porque é abandonada a tradição escolástica?
A resposta do costume: “porque a Ciência refutou os erros do aristotelismo”
Resposta enganadora:
A “nova” física (Oxford, Paris, Domingo de Soto, Galileu, etc.) refutou a física aristotélica
A “nova” cosmologia (Copérnico) refutou a cosmologia ptolemaica
No entanto, a metafísica de Aristóteles (incluindo a sua ontologia) não foi refutada
Alguns conceitos ontológicos aristotélico-tomistas ainda válidos e não refutados (inevitáveis!):
Acto e Potência
Substância e acidente
Causas final, formal, eficiente e material
Essência e existência (conceitos tomistas)
A tradição escolástica, no século XVII e XVIII, estava “infectada” por duas “doenças”:
O averroísmo, perigoso pela tese da “dupla verdade” e pelo fanatismo aristotélico
O nominalismo, perigoso pela negação dos universais e pelo subjectivismo do conhecimento
Finalmente, a tradição escolástica era a “espinha dorsal” filosófica da teologia católica
A escolástica pretendia retratar fielmente e racionalmente a realidade: escorava o realismo católico
Derrubar a escolástica permitiria propagar uma visão individual e privada da religião e da moral
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Introdução
Porque é abandonada a tradição escolástica?
Um averroísta típico do Renascimento: Cesare Cremonini (1550-1631)
Um dos mais admirados filósofos da época (mesmo fora de Itália)
Professor de Filosofia Natural:
1573-1590: Professor em Ferrara
1591-1631: Professor em Pádua (dobro do salário de Galileu)
Materialista (ateu), rejeitava a imortalidade da alma
Considerado por Galileu como o protótipo do aristotélico fanático
Foi investigado pela Inquisição devido ao seu averroísmo:
Mortalidade da alma humana
Separação entre razão (filosofia) e fé
Que a razão e a fé poderiam estar em contradição (“dupla verdade”)
Lema pessoal: “Intus ut liber, foris ut moris est”, ou seja, “interiormente livre, exteriormente de acordo
com os costumes”; Cremonini não admitia publicamente o seu ateísmo, mas todos o tinham por ateu
Quando Galileu observou a Lua com o telescópio (1610), Cremonini recusou-se a usar o aparelho
Cremonini defendia que Aristóteles tinha provado que a Lua era uma esfera perfeita
O averroísmo torna muito difícil defender de forma credível a compatibilidade entre Fé e Razão
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Introdução
Porque é abandonada a tradição escolástica?
Três tipos de coisas que “parecem” ser imateriais:
Universais: “triangularidade”, “unicidade”, “multiplicidade”, “humanidade”, “animalidade”, etc.
Números
Proposições (afirmações verdadeiras ou falsas)
Qual é o estatuto ontológico destas coisas?
Realismo
Defende que estas coisas existem na realidade, e são objectivas, ou seja, distintas dos
sujeitos que pensam nelas
Toda a humanidade poderia desaparecer, e estas coisas continuariam a existir
Conceptualismo
Defende que estas coisas existem na realidade, mas apenas na mente de quem pensa nelas
Assim, os universais, os números e as proposições necessitam de uma mente para existirem
Nominalismo
Defende que estas coisas não existem na realidade
Os universais, os números e as proposições corresponderiam a meros “padrões” de
actividade neuronal, reflectindo hábitos e convenções sociais e culturais
Introdução
Porque é abandonada a tradição escolástica?
Realismo platónico
Os universais, números e proposições existem num “mundo das formas”
Essa existência é autónoma e independente de processos mentais
Realismo cristão (aristotélico-tomista)
Os universais, números e proposições existem no intelecto de Deus
Requerem o intelecto de Deus para existirem de forma perfeita
Podem ser instanciados na Natureza de forma imperfeita
No entanto, o intelecto humano pode aceder a eles, e mesmo ter deles uma
concepção perfeita, operando sobre dados sensoriais
Exemplo: triangularidade, humanidade, etc.
Introdução
Porque é abandonada a tradição escolástica?
Guilherme de Ockham (c.1288-c.1348), franciscano inglês e filósofo escolástico
Terá estudado em Oxford entre 1319 e 1321, sem completar o mestrado
Em 1323, alguém viajou de Inglaterra para a corte Papal em Avignon, para o
denunciar como herege
Em 1324, Ockham tem que se deslocar a Avignon para ser interrogado
Permanece em Avignon entre 1324 e 1328, e envolve-se em controvérsias
Em 1328, foge para Pisa com o seu superior, Miguel de Cesena, e outros
Em 1329, sob a protecção do Imperador Luís da Baviera, seguem para Munique
Excomungado por ter fugido de Avignon, Guilherme fica em Munique até à sua morte em 1347
Legado:
A “navalha de Ockham”: não se devem multiplicar as entidades para lá do necessário
A expressão é atribuída a Ockham, mas não surge na sua obra
O também chamado “princípio da economia, ou da parcimónia” é muito antigo e comum
A sua Suma de Lógica faz dele um dos mais importantes lógicos medievais
Por negar os universais, Ockham é considerado o pai do nominalismo *
Céptico acerca das causas finais: “todas as causas são imediatas”
Céptico acerca da eficácia da razão em Teologia: tendia para o fideísmo
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Introdução
Porque é abandonada a tradição escolástica?
Uma boa parte da escolástica ensinada no tempo da Revolução Científica era nominalista
Esse nominalismo passará para alguns filósofos-chave da Revolução Científica, como John Locke
Os perigos da filosofia de Ockham para a moral e para a Ciência:
Fideísmo: a vontade de Deus determina a moral, não há acesso racional a verdades morais,
apenas pela Fé; a vontade de Deus é soberana, e sobrepõe-se a eventuais “leis” científicas
Nominalismo: a negação dos universais implica negar que certas coisas tenham essências em
comum: deixa de ser defensável que causas do tipo A gerem regularmente efeitos do Tipo B
A negação dos universais implica negar categorias como “causas do tipo A” ou “efeitos do tipo B”
As ideias de Ockham sobre causalidade sofrem deste problema grave, fruto do seu nominalismo
As ideias de David Hume (1711-1776) sobre causalidade também sofrem do mesmo problema
O nominalismo não serve apenas para deitar fora provas da existência de Deus (segunda via tomista)
Também serve para deitar fora a Ciência, que não pode prescindir da causalidade e dos universais
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Introdução
Porque é abandonada a tradição escolástica?
David Hume (1711-1776), filósofo escocês:
«Quando percorremos bibliotecas, persuadidos destes
princípios, que devastação devemos fazer? Se tomarmos
nas nossas mãos algum volume; de divindade ou de
metafísica escolástica, por exemplo; perguntemos: Contém
algum raciocínio abstracto respeitante à quantidade ou ao
número? Não. Contém algum raciocínio experimental
respeitante a material de facto e existência? Não. Que seja
então lançado às chamas. Pois não pode conter nada
senão sofismas e ilusão.»
Hume não consegue (ou não quer) distinguir a escolástica (a filosofia aristotélico-tomista clássica) das
suas deformações averroístas e nominalistas
Hume tinha uma compreensão muito rudimentar (e errada) das principais questões metafísicas
“A razão é, e deve apenas ser, escrava das paixões”: uma ideia muito perigosa para toda a Ciência
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Índice
1. Introdução
2. Francis Bacon
3. René Descartes
4. John Locke
5. Isaac Newton
6. Conclusão
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Francis Bacon
Francis Bacon (1561-1626)
Filósofo, estadista, cientista e jurista inglês
Propõe um novo método de obtenção de conhecimento científico
Novum Organum Scientiarum (Londres, primeira edição em 1620)
O título refere-se ao Organon, o corpo de seis tratados que Aristóteles dedicou
à lógica; Bacon propõe um novo “órgão” (ou método) em lugar do antigo
O método baconiano é empírico e indutivo:
Recolher dados através da experimentação e da observação
Formalizar leis científicas induzidas a partir desses dados
Das observações e experiências particulares às leis gerais
Bacon propõe o abandono das causas finais (teleológicas)
Bacon sobre as formas (ou causas formais), objecto da Metafísica:
As formas “não são mais do que aquelas leis e determinações (…)
que governam e constituem cada natureza simples, como calor, luz,
peso, em cada tipo de matéria ou sujeito (…)”
As causas eficiente e material são do domínio da Física
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Francis Bacon
Francis Bacon (1561-1626)
Para Aristóteles e para a escolástica, a forma é uma causa das coisas naturais: é a causa formal
Bacon equipara “forma” com “lei científica”
Ao fazer isso, perde-se o carácter causal da forma
As leis científicas não causam nada: apenas quantificam uma regularidade na Natureza
A lei da gravidade (de Newton) não causa nada: quantifica a relação entre massa e força gravítica:
No fenómeno da atracção gravítica, a massa é a causa e a força gravítica é o efeito
A fórmula de Newton apenas descreve a relação quantitativa entre causa e efeito
Não é a fórmula de Newton que provoca a atracção entre corpos com massa!
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Índice
1. Introdução
2. Francis Bacon
3. René Descartes
4. John Locke
5. Isaac Newton
6. Conclusão
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René Descartes
René Descartes (1596-1650)
Filósofo e matemático francês, considerado o “pai” da filosofia moderna
Estudou no Collège Royal Henry-le-Grand (Jesuíta), em La Flèche
Cria a geometria analítica, unindo álgebra e geometria através do seu
sistema de coordenadas: as figuras geométricas podem ser descritas por
equações cujas variáveis são coordenadas num sistema de eixos ortogonais
Viveu vinte anos nos Países Baixos, de 1628 a 1649
Morreu a 11 de Fevereiro de 1650 em Estocolmo, onde estava ao serviço da rainha Cristina da Suécia
A sua atitude filosófica é a oposta da escolástica: em vez dos primeiros princípios, a utilidade prática:
«Mas logo que adquiri algumas noções gerais sobre física e que, tendo-as posto à prova em diversas
dificuldades particulares, notei até onde elas podem conduzir e quanto diferem dos princípios até agora
aceites, convenci-me de que não poderia guardá-las só para mim sem pecar muito contra a lei que nos
obriga a contribuir tanto quanto possível para o bem geral. Com efeito, essas noções mostraram-me que é
possível chegar a conhecimentos muito úteis à vida e que em vez dessa filosofia especulativa que se ensina
nas escolas se pode encontrar uma outra [filosofia] prática que, conhecendo o poder e as acções do fogo, da
água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente como
conhecemos os diversos misteres dos nossos artífices, os poderíamos utilizar de igual modo em tudo aquilo
para que servem, tornando-nos assim como que senhores e possuidores da natureza», Discurso do Método
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René Descartes
O fundamento da verdade
Descartes distingue na sua ontologia dois tipos radicalmente distintos de substância:
Substância pensante (“res cogitans”)
Substância extensa (“res extensa”)
Este dualismo implica que a forma e a finalidade não fazem parte da essência das substâncias extensas
O dualismo cartesiano leva a uma visão mecanicista da realidade natural
Descartes defende que o ser humano possui ideias inatas
Primeira coisa “clara e distinta” para Descartes:
“Penso, logo existo” (“cogito, ergo sum”)
“Estou certo que eu sou uma coisa pensante”, mas como se pode ter a certeza disto?
«Não sei então [depois de ter descoberto o cogito] também o que se requer para tornarme certo de qualquer coisa? Neste primeiro conhecimento não há nada para além do
que uma percepção clara e distinta daquilo que conheço, que não seria
indubitavelmente suficiente para assegurar-me da verdade da coisa, se pudesse ocorrer
que uma coisa que concebesse tão clara e distintamente fosse falsa.»
Segundo Descartes, um “génio maligno” poderia gerar em nós falsas “ideias claras e distintas”
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René Descartes
O fundamento da verdade
A “percepção clara e distinta” não é, então, suficiente para obter conhecimento verdadeiro:
«Posso persuadir-me de [eu] ter sido feito de tal modo pela natureza que me
pudesse facilmente enganar, mesmo nas coisas que julgo perceber de
maneira evidentíssima»
E no entanto, a filosofia moderna montou toda uma epistemologia “subjectiva” em cima do “cogito”!
Que propõe, então, Descartes, para se sair desta incerteza?
«Depois que percebi verdadeiramente que Deus existe, juntamente entendi
que todas as coisas dependem dele e que ele não é enganador. Assim vejo
claramente que a certeza e a verdade de toda ciência dependem só do
conhecimento do Deus verdadeiro, de sorte que, antes de o conhecer, nada
poderia saber perfeitamente de coisa alguma»
Descartes propõe a existência de Deus como fundamento da verdade!
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René Descartes
O fundamento da verdade
Da ideia inata do “cogito”, Descartes chega à ideia inata da existência de Deus
Contrariamente ao aristotelismo-tomismo, a existência de Deus não seria demonstrável “a posteriori”
A existência de Deus decorria de Deus ser um ser perfeito, por uma espécie de argumento ontológico
Apesar da preocupação cristã de Descartes, a filosofia moderna “deitou fora” essa ideia inata de Deus
A filosofia moderna aproveitará o “cogito” de Descartes, fundamento de todo o subjectivismo filosófico:
A teoria do conhecimento da escolástica assenta no realismo: confiança na razão e nos sentidos
A de Descartes assenta do cepticismo: desconfiança de tudo, excepto do “acto pensante”
Descartes “despromove” o Deus cristão para um mero “artífice” cuja função é apenas criar:
«Em suma, a essência do Deus de Descartes é determinada sobretudo pela sua função filosófica de
criar, isto é, preservar o mundo mecanicista-científico concebido pelo próprio Descartes. Ora, é
verdadeiro que um Criador é um Deus eminentemente cristão, mas um Deus cuja essência consista
em ser Criador não é um Deus cristão. A essência do verdadeiro Deus cristão não é criar, é Ser.
‘Aquele que é’ (Ex. 3, 14) pode também criar se quiser, mas não é quem é enquanto cria (…); pode
criar enquanto é absolutamente.» - Etienne Gilson, Deus e a Filosofia
É como o Deus do “intelligent design”: um “artífice cósmico” separado da Criação e não omnipresente 17
René Descartes
A física cartesiana: muita intuição, pouca experimentação…
A sua obra principal sobre Filosofia Natural, Princípios de Filosofia (1644)
Três tipos de matéria: subtil, fina e grosseira
A matéria era contínua e indivisível (contra o atomismo)
A teoria dos vórtices:
A matéria move-se em bandas circulares
Todo o Universo é uma complexa rede de vórtices
Pretendia explicar os movimentos planetários sem ser
necessária a força gravítica (que ele via como obscura)
Permitia evitar problemas com a Igreja Católica após 1633
Descartes colocava a Terra num vórtice em órbita do Sol
A Terra permanecia imóvel relativamente ao vórtice
Esta teoria não se adapta os dados experimentais
Será abandonada em favor da física newtoniana
Descartes rejeitou a lei galileana da queda livre, que estava certa
Tenta explicar a refracção da luz através de uma analogia com bolas de ténis (ABI)
O seu mecanicismo leva-o a uma má analogia: ao atravessar um pano CBE a bola afasta-se da normal
Com a luz, sucede o contrário (e Descartes sabia-o), mas preferiu manter essa analogia mecanicista
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Índice
1. Introdução
2. Francis Bacon
3. René Descartes
4. John Locke
5. Isaac Newton
6. Conclusão
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John Locke
John Locke (1632-1704)
Filósofo e físico britânico, protestante, considerado o “pai” do liberalismo
A importância da sua obra para a política moderna e contemporânea
é imensa (em Berkeley, Voltaire, Jefferson, Hume, Mill, Russell, entre outros)
Contra Descartes, Locke defendeu que nascemos com o intelecto como
uma “tábua rasa”, rejeitando as “ideias inatas” cartesianas
As correntes filosóficas contestadas por Locke:
Num extremo, a escolástica e a doutrina e moral que esta acarreta
O racionalismo cartesiano e a sua defesa das “ideias inatas” (segundo
Locke, elas implicariam dogmatismo e limites à liberdade intelectual)
No outro extremo, o empiricismo e o cepticismo radicais de Thomas Hobbes (1588-1679)
As ideias-chave da filosofia de Locke, repleta de tensões e inconsistências:
A ênfase nas ciências naturais como paradigma de racionalidade
Cepticismo (não radical) acerca da tradição e da autoridade
Minimalismo teológico: alma imaterial persistente após a morte, existência de Deus, e pouco mais
Tolerância religiosa (o ponto anterior é visto como o caminho para esta tolerância)
Direitos individuais (contra o absolutismo defendido por Hobbes para evitar a anarquia do “estado natural”)
Necessidade do consenso dos cidadãos para legitimar um governo (democracia)
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Índice
1. Introdução
2. Francis Bacon
3. René Descartes
4. John Locke
5. Isaac Newton
6. Conclusão
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Isaac Newton
Isaac Newton (1643-1727)
Físico, matemático, astrónomo, teólogo, filósofo e alquimista inglês
É difícil exagerar a importância científica da obra de Newton
“Pai” do cálculo integral e diferencial (Leibniz também, em paralelo)
A sua obra principal: Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica (1687)
É uma das mais importantes obras científicas de sempre:
Três leis de Newton do movimento: inércia, “F=ma”, acção-reacção
Lei de Newton da gravitação universal
A derivação das leis planetárias de Kepler
Kepler chegara às suas leis por via empírica (observações)
Newton demonstra-as por via matemática
A sua obra científica está permeada de ideias teológicas
Newton defende que Deus actua permanentemente para manter o movimento regular do Cosmos
Esta acção permanente é entendida como uma causa eficiente, e não como manter o Cosmos no “ser”
Leibniz (mais alinhado com a escolástica) defende que o Cosmos opera por “causas segundas”
Leibniz indigna-se com a ideia de que Deus não teria capacidade de criar algo com movimento perpétuo
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Isaac Newton
Isaac Newton (1643-1727), Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica (pp. 138-139)
23
Isaac Newton
Isaac Newton (1643-1727)
Da sua obra sobre Óptica:
«Pois enquanto os cometas se movem em órbitas muito
excêntricas em todo o tipo de posições, o destino cego nunca
conseguiria fazer mover os planetas de uma só forma em órbitas
concêntricas, salvo irregularidades desprezáveis que podem
resultar da acção mútua entre cometas e planetas, e que tendem
a aumentar, até que este sistema precise de uma reforma.»
Neste trecho, Newton formula um argumento de “design”
Nesse mesmo trecho, Newton defende a intervenção contínua de Deus na Natureza:
Para provocar e manter permanentemente as órbitas regulares e concêntricas
Para “reformar”, de tempos a tempos, um sistema afectado por irregularidades acumuladas
Leibniz criticava Newton, dizendo que a acção contínua de Deus equivalia a um milagre contínuo
Este conceito newtoniano de Deus é o prelúdio ao “Deus relojoeiro” dos deístas
Se Newton estivesse vivo hoje, ele aceitaria sem problemas os argumentos do “intelligent design”
24
Isaac Newton
Isaac Newton (1643-1727), o teólogo-alquimista
Diagrama do Templo de Salomão, da obra The Chronology of Ancient Kingdoms (1728)
25
Isaac Newton
Isaac Newton (1643-1727), o teólogo-alquimista
The Hieroglyphical figures of Nicholas Flammel explained (início da década de 1680)
Astronomical calculations and the Barbarian invasions (início do Séc. XVIII, sobre o livro do Apocalipse)
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Índice
1. Introdução
2. Francis Bacon
3. René Descartes
4. John Locke
5. Isaac Newton
6. Conclusão
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Conclusão
As ideias-chave do aristotelismo-tomismo
A Ciência é uma actividade louvável: consiste no estudo do “livro da Criação” e é uma actividade
especialmente adequada ao ser humano, porque o ser o humano é o único ser intelectual na Natureza
A existência de Deus é demonstrável racionalmente (essas provas são os “preâmbulos da Fé”)
A moral divina (das Escrituras) é conciliada com a moral natural (da Razão e da Natureza)
Isto implica que é possível ao Homem chegar a uma moral universal e objectiva usando a razão
O fim do Homem é o seu aperfeiçoamento moral, o abandono do pecado, procurar Deus e louvá-Lo
O objectivo desta vida terrena consiste nesse aperfeiçoamento moral, tendo em vista a vida eterna
Viver em sociedade é natural e a sociedade deve dar ao Homem condições para atingir esse objectivo
As ideias-chave da filosofia moderna no tempo da Revolução Científica
Não se nega a existência de Deus, mas separa-se conhecimento científico de fé religiosa
A fé cristã já não é defendida com o vigor racional de quem fala acerca da realidade das coisas
A fé cristã passa a ser vista como algo apenas do foro privado e aceite por tradição (fideísmo)
O fim do Homem é a procura do bem-estar comum nesta vida terrena
A Ciência é vista como o caminho para o “domínio da Natureza”, devendo ser aplicada para fins úteis
A Ciência vale mais pela sua utilidade, e não tanto por nos dar a conhecer a realidade
28
Conclusão
Porque é abandonada a tradição escolástica?
É verdade que a escolástica deu prioridade à filosofia em detrimento da experimentação:
«A contemplação da natureza e da sua beleza certamente que atrasou a pesquisa
científica da sua estrutura propriamente física. Os sábios entendem que este erro não
pode ser repetido e a violência dos seus ataques contra o finalismo [contra as causas
finais] explica-se pelo menos em parte por isto. Se este receio não fosse hoje supérfluo,
diríamos que era justificado. No entanto, é supérfluo porque nada impede os dois pontos
de vista de coexistir, e se a sua coexistência pacífica é possível, ela é desejável. Uma
meia verdade não vale mais que uma verdade inteira, e, de facto, estas duas partes da
verdade coexistiram, mesmo depois de [Francis] Bacon, nos espíritos científicos de longe
superiores ao seu; mesmo depois de Descartes, em génios que não lhe eram certamente
inferiores» - Etienne Gilson (1884-1978)
A filosofia moderna fez o inverso: deu prioridade à experimentação em detrimento da filosofia
Como consequência, é inegável que houve acelerado progresso científico e tecnológico
Mas também é verdade que o retrocesso filosófico teve (e tem) consequências negativas para a Ciência
Exemplo: a constante cosmológica de Einstein, um erro devido à sua crença na eternidade do Cosmos 29
Conclusão
Os motivos para esta mudança radical
Uma inegável decrepitude da escolástica (por causa do averroísmo e do nominalismo)
O crescente interesse pela experimentação, sobretudo a partir dos sucessos de Galileu
No protestantismo, a mudança filosófica teve importantes motivações políticas:
A crítica protestante ao aristotelismo-tomismo serviu o combate ao catolicismo
Uma nova filosofia mais céptica e subjectivista ajudava a apaziguar intensas disputas religiosas
Mas há também motivações psicológicas mais generalistas:
A “libertação” das obrigações morais do jusnaturalismo (“lei natural”) aristotélico-tomista
O desejo de “respeitabilidade social” por parte de certa elite intelectual agnóstica ou ateia
O desejo de mais liberdade individual, pois as verdades morais eram vistas como anti-libertárias
Há dois factos importantes a reter acerca da Revolução Científica:
1. Os pensadores da Revolução Científica não refutaram a
metafísica aristotélico-tomista!
2. Logo, o impressionante progresso científico e tecnológico
não se deveu a essa (inexistente) refutação!
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Conclusão
Porque é abandonada a tradição escolástica?
«Animosidade, atitude, agenda, mas pouco em termos de argumento. Isto,
como sugeri, foi o que esteve por detrás da revolução intelectual que removeu a
filosofia clássica de Platão e Agostinho, e especialmente a de Aristóteles e [São
Tomás de] Aquino, e entronou a filosofia moderna de [Francis] Bacon, Hobbes,
Descartes, Locke, Hume e outros. Mas “pouco” [em termos de argumento] não
é “nada”, e existiram alguns argumentos, apesar de nenhum deles ser muito
impressionante.» - Edward Feser
A actividade científica requer um equilíbrio entre tradição e
inovação. A tradição está em preservar o saber recebido,
no difícil acesso a jornais “peer reviewed”, na autoridade
do professor, no respeito pelos graus académicos.
O abandono do aristotelismo-tomismo é um corte radical
com uma tradição multissecular que nunca foi refutada.
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