PERSONALIDADE, TEMPERAMENTO E CARÁTER: INFLUÊNCIAS CULTURAIS E AMBIENTAIS SOBRE A CONSTITUIÇÃO E O DESENVOLVIMENTO Estudo descritivo dos conceitos Os conceitos de personalidade, temperamento, caráter são entidades apresentadas de maneiras diversas por diferentes autores, em esquemas referenciais que abordam a natureza humana. Leslie Stevenson publicou um livro apontando sete teorias sobre a natureza humana, em que os conceitos são moldados de acordo com os esquemas referenciais de seus autores. Nessa obra, ele descreve as teorias de Platão, do cristianismo, de Marx, de Freud, de Sartre, de Skinner e de Lorenz6. Estudo descritivo dos conceitos Embora existam muitas definições de personalidade, de temperamento e de caráter, observamos que, de um modo geral, os autores apresentam uma invariante ao elaborá-las. Observa-se que termos como constituição, temperamento e caráter se referem às funções parciais do organismo humano como um todo. O termo personalidade, entretanto, implica em abranger o homem como um todo. Não se pode entender a personalidade, fornecendo um conceito que seja aceito pela unanimidade dos autores, pois os conceitos elaborados por cada um deles não se superpõem. Há elementos na personalidade que são comuns a todos os seres humanos e que dependem da organização biológica da espécie e também das condições comuns a todas as sociedades. Entretanto, em certos aspectos, cada ser humano é diferente dos demais que o circundam. Esta individualidade é uma função da personalidade. A personalidade é determinada pela herança e pelo ambiente. Uma das definições de personalidade é a empregada por Sheldon: “A personalidade é a organização dinâmica dos aspectos cognitivos, afetivos, conativos, fisiológicos e morfológicos do indivíduo”. Estudo descritivo dos conceitos O temperamento é o modo habitual de reação emocional de um indivíduo. O temperamento depende da constituição afetiva do indivíduo. A necessidade de classificar os modos habituais de reação emocional dos indivíduos, ou seja, os temperamentos, e de relacionálos com a constituição física vem de longa data. Autores como Kretschmer, Sheldon e Jung são os exemplos mais usados nos estudos de tipos psicológicos. Kretschmer classificou, de acordo com as constituições físicas, os seguintes tipos: pícnico, leptossomático (astênico), atlético e displásico. Ele correlacionou as constituições físicas com dois tipos principais de temperamento: o ciclotímico e o esquizotímico. O temperamento ciclotímico é caracterizado pela oscilação de humor, com períodos de alegria e de tristeza em tonalidades exageradas. São comunicativos, loquazes, de relacionamento fácil. Estudo descritivo dos conceitos O temperamento esquizotímico é caracterizado por atitudes de retraimento; relacionam-se com distanciamento emocional e costumam ser sérios ou sóbrios, muitas vezes lacônicos. Segundo Kretschmer, estes dois tipos opostos seriam, respectivamente, a base constitucional para a psicose maníacodepressiva, no primeiro caso, e para a esquizofrenia, no segundo. Sheldon classifica os tipos em: ectomórficos (altos, delgados, delicados), mesomórficos (musculatura desenvolvida, esqueleto sólido) e endomórficos (predomínio do desenvolvimento visceral, tipo grosso). Os ectomórficos apresentariam um temperamento com tendências obsessivas e seriam propensos a sofrer doenças mentais; os mesomórficos seriam inclinados à atividade física e propensos à mania; e os endomórficos apresentariam marcada inclinação ao prazer sexual, à vida social e seriam propensos a oscilações afetivas. Estudo descritivo dos conceitos Jung estabeleceu dois tipos de temperamento: o introvertido e o extrovertido. Para ele, a ambiversão caracterizaria um tipo intermediário entre o introvertido e o extrovertido. No introvertido, a extroversão estaria em menor proporção, e vice-versa. Essas classificações apresentam apenas um modelo geral; na prática, encontramos muitas exceções e divergências em relação a esses modelos. O termo caráter procede do grego e significa ‘esculpir, gravar’. O conceito de caráter faz alusão à parte conativa da personalidade e tem implicações morais. O caráter é fundamentalmente uma entidade psicossociológica e está condicionado pelos fatores adquiridos pela vivência, enquanto o temperamento é fundamentalmente hereditário e biológico, segundo autores que admitem os tipos constitucionais. Estudo descritivo dos conceitos O caráter compreende os sentimentos psíquicos, os valores e as atitudes frente a si mesmo e aos demais. O temperamento é constituído pelos impulsos e sentimentos vitais do indivíduo. O temperamento e o caráter integram-se no interior da estrutura da personalidade. Salientamos mais uma vez que todas essas definições são apenas um esforço didático, posto que na realidade não atingem a unanimidade dos teóricos que estudam o assunto. A personalidade, o temperamento e o caráter são entidades estudadas por psicólogos, médicos, sociólogos, antropólogos, etólogos e outros, e cada qual as compreende de acordo com a sua área de conhecimento, extraindo os elementos que lhe interessam sobre o assunto. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter Quando um pesquisador escreve sobre assuntos como a evolução da personalidade, a família humana e outros, sente-se obrigado a tomar conhecimento ao menos de parte do grande acervo de informações relevantes oriundas de fontes ocidentais e orientais do globo. A tendência de tecer generalizações sobre o comportamento humano, baseadas em experiências pessoais e pequenas amostras localizadas, de povos de uma determinada região do globo, peca pelo risco de considerar uma visão apenas parcial do homem. Os antropólogos recolheram indícios de que: 1.as doenças mentais tomam diferentes formas nas diversas sociedades que compõem a humanidade; 2.cada sociedade apresenta um modo diferente de definir o que é comportamento anormal; 3.cada povo apresenta diferentes índices de perturbações mentais. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter Algumas sociedades da África, por exemplo, apresentam índices de suicídio muitos baixos, porém revelam freqüentes explosões maníacas. Por outro lado, certas sociedades européias revelam altos índices de suicídio e de depressão, e índices mais baixos de explosões maníacas. Muitos povos consideram normal que os indivíduos sofram de alucinações, visões e transes. Entre os povos de Bali, por exemplo, várias cerimônias importantes incluíam o transe como parte normal do ritual. O fato de que um comportamento considerado anormal numa sociedade seja considerado perfeitamente normal em outras cria sérios problemas para qualquer tentativa de estabelecer um conceito universal de sanidade mental. Os antropólogos não descobriram nenhuma característica biológica humana que não tenha sido afetada pela experiência de vida e pelas condições ambientais. Por outro lado, não se pode considerar nenhuma característica de pensamento ou ação que não seja afetada pelos fatores biológicos herdados geneticamente. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter Esses mesmos antropólogos afirmam que qualquer estudo do comportamento humano será incompleto se não levar em consideração informações sobre as características biológicas, culturais, sociais e psicológicas do homem, juntamente com informações sobre o ambiente biofísico em que vive. Alguns trabalhos clássicos da antropologia forneceram-nos alguns elementos para reflexão. Entre eles, podemos citar Margaret Mead, que permaneceu dois anos, entre 1931 e 1932, na Nova Guiné, onde pesquisou os costumes e o comportamento dos povos Arapesh e Mundugumor2. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter Devemos lembrar que o propósito básico de Margaret Mead, em sua pesquisa na Nova Guiné, era descobrir até que ponto as diferenças temperamentais entre os sexos eram inatas ou culturalmente determinadas e, além disso, investigar minuciosamente os mecanismos educacionais ligados a essas diferenças. Ao estudar as crenças dos arapeshes ou observar os indivíduos em seu cotidiano, Margaret não encontrou diferenças temperamentais entre os sexos. Quando deixou a aldeia dos arapeshes, Mead inferiu que tais diferenças constituíam uma questão puramente cultural. A autora ficou surpreendida com a cultura mundugumor, pelo contraste com a cultura arapesh. Esses dois povos, que compartilham traços econômicos e sociais e fazem parte de uma mesma área cultural, vivendo separados por apenas cem milhas, aproximadamente, apresentam personalidades sociais totalmente distintas. O menino mundugumor nasce num mundo hostil. Um mundo onde a maioria dos membros do seu próprio sexo será seu inimigo, onde seu melhor instrumento para o êxito deve ser a capacidade para a violência, para vingar insultos e julgar muito superficialmente sua própria segurança e mais ainda a vida dos outros. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter Quando a mulher mundugumor conta ao esposo que está grávida, ele não fica satisfeito. Muitas vezes, ele a ofende por ter engravidado tão depressa e amaldiçoa a magia que ela teria posto em ação para obter a concepção. O interesse do pai, ao invés de estar ao lado do filho, já se coloca contra ele na concepção. A mulher grávida muitas vezes associa seu estado à privação sexual, à ira e ao repúdio do marido, ao risco constante de que ele arranje outra esposa e a abandone temporariamente. Essa atitude para com os filhos condiz com o individualismo desumano, a sexualidade peculiarmente agressiva e a hostilidade entre os sexos dos mundugumores. Antes de a criança nascer, há muita discussão sobre o futuro da criança, se deverá ser poupada ou não, baseando-se a argumentação, em parte, no sexo da criança, uma vez que o pai prefere conservar a menina e a mãe, o menino. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter A probabilidade de sobrevivência de uma criança mundugumor aumenta com a ordem de nascimento, tendo a primeira criança menos chance. O pai e a mãe ficam cada vez menos transtornados com a chegada das crianças posteriores. Além disso, depois de nascido um filho, é absolutamente necessário que tenha uma irmã para trocar por uma esposa. É nesse mundo tenso, um mundo constantemente predisposto à hostilidade e ao conflito, que nasce a criança mundugumor. Os bebês são mantidos e carregados numa cesta de traçados muito apertados e grosseiros, que as mulheres levam suspensa na testa, enquanto as mulheres arapeshes levam suas cestas na rede. Enquanto a bolsa de malha dos arapeshes é flexível e macia, adaptando-se ao corpo da criança e exercendo pressão para que ela dobre o corpo em seu interior, numa posição pré-natal, sendo ademais tão leve que não se interpõe nenhuma barreira entre a criança e o corpo cálido de sua mãe, a cesta mundugumor é áspera, dura e opaca. O corpo da criança tende a acomodar-se às linhas rígidas da cesta, ficando deitada quase de bruços, com os braços praticamente manietados nas laterais. Quando uma criança chora, não é alimentada imediatamente. A mãe, ou outra mulher ou menina que esteja cuidando dela, começa a arranhar com a unha a parte exterior da cesta, produzindo um som áspero. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter As crianças são acostumadas a reagir a este som; o seu choro, originalmente motivado pelo desejo de calor, de água ou de alimento, é condicionado a aceitar em lugar disso, freqüentemente, essa resposta remota e estéril. Se o choro não cessa, a criança é eventualmente amamentada. As mulheres mundugumores aleitam os filhos em pé, segurando a criança com uma das mãos, numa posição que força os braços da mãe e prende os braços da criança. Não há nada do prazer sensual e divertido que a mãe arapesh sente ao alimentar o filho. No momento em que a criança pára de mamar, é devolvida rapidamente para o cesto, não fica em contato com o corpo da mãe. O caráter mundugumor é idêntico em ambos os sexos. Homens e mulheres são competitivos, violentos, ciumentos e prontos para identificar e vingar insultos, deliciando-se com a ostentação, a ação e a luta. Os mundugumores escolheram esses tipos de homens e mulheres como ideal de comportamento, o que no meio arapesh é considerado tão incompreensível que a sua ocorrência mal é permitida. O ideal mundugumor é que todo homem seja como um leão, lutando altivamente por seu quinhão e rodeado por várias leoas, igualmente violentas. Na prática cotidiana, há um número razoável de carneiros na sociedade: jovens a quem não atraem o orgulho, a violência e a competição, e é exatamente por causa desses homens que algumas regras se conservam, sendo transmitidas às gerações seguintes. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter A atmosfera de luta e conflito se tornaria insuportável e seria praticamente impossível manter o grupo se não fossem esses outros homens, que se apresentam como carneiros. Entre os mundugumores, a mulher dócil, receptiva, cálida e maternal, bem como o homem dócil, receptivo, cálido e paternal, sofre desvantagem social. As pesquisas dos antropólogos culturais, como Margaret Mead, Kardiner e muitos outros, demonstraram que existe uma correspondência estreita entre as relações mãe e filho e as atitudes sociais na vida adulta. Kardiner1, em seu estudo sobre a tribo Alora, relata que, nessa coletividade, a mulher trabalha no campo, enquanto o marido fica afastado dessas atividades. A mulher alimenta a criança pela manhã e a abandona durante o dia aos cuidados cheios de ódio e ressentimento de outra criança, apenas um pouco mais velha. Essa carência de cuidado não é esporádica, porém uma influência constante. A criança jamais pode gozar do carinho e da solicitude materna. Quando cresce, ela é obrigada a ajudar sua mãe. Cada pessoa adulta da comunidade Alora queixa-se de que a mãe a abandonou desde a infância. Os aloras adultos não são estreitamente ligados aos pais. Eles são desconfiados, tímidos, inseguros e, por carecer de autoconfiança, sentem-se constantemente ameaçados. Não são cooperantes, não fazem amigos e brigam nas trocas comerciais, em que cada um tenta prejudicar o outro. A hostilidade que cada um apresenta contra toda e qualquer pessoa é chocante. O tema principal do seu folclore é o ódio aos familiares. Vértice etológico Nas primeiras décadas do século XX, a etologia, biologia do comportamento, mas também fisiologia do movimento, iniciou seu percurso como ciência constituída. A etologia clássica separou de forma estrita os componentes que seriam supostamente inatos (aprendidos pelas espécies ao longo das suas adaptações filogenéticas) dos adquiridos (aprendidos pelo indivíduo no decurso de sua vida singular), considerando estes como acessórios e dependentes daqueles, e procurou sistematizar a seqüência de movimentos próprios de cada espécie. Vértice etológico O behaviorismo recusou todas as construções conceituais que não se baseassem em fatos diretamente observáveis, como, por exemplo, o conceito de consciência, inconsciente, intencionalidade, etc. O seu rigor metodológico e o seu empirismo acabaram isolando os órgãos e as suas funções em estudo nos animais experimentais em relação à totalidade do organismo e do ecossistema a que pertenciam. Um outro campo da ciência que surgiu foi a psicologia da intencionalidade, de MacDougall e Tolman. Estes autores, naturalistas atentos à globalidade dos comportamentos animais nos seus meios naturais, adotaram, contudo, um modelo de evolução do comportamento de cunho vitalista, que explicava a evolução por forças e tendências concedidas aos organismos vivos, suscetíveis de guiar sua evolução ao transmitir hereditariamente a sua experiência com suposta finalidade adaptativa. Vértice etológico A etologia tentou evitar simultaneamente a redução empírica do behaviorismo e a teleologia (a evolução orientada para um fim) da psicologia da intencionalidade. Os fundadores da etologia propuseram um método de observação dos animais no seu habitat genuíno, sem intervir no comportamento ou adiantar quaisquer soluções preconcebidas e funções. Entre diversos autores, Lorenz insistiu no significado, nas condições e no alcance das chamadas experiências de privação, através das quais supunha que se poderia distinguir, no comportamento de cada espécie animal, a co-participação do inato e do adquirido. Na década de 1950, a teoria etológica clássica foi alvo de crítica por parte dos psicólogos do comportamento norte-americanos, que recusavam a validade da dicotomia inato-adquirido e propunham uma leitura epigenética dos fenômenos do comportamento. Vértice etológico Uma antinomia dos conceitos e métodos que visavam opor o inato ao aprendido confrontava os etólogos europeus e os behavioristas. As objeções metodológicas formuladas a respeito da etologia suscitaram resposta de Lorenz contra os autores americanos de orientação psicológica e ambientalista e, também, contra os novos etólogos europeus, que eram mais abertos ao papel do meio na gênese do comportamento, e a quem Lorenz chamou, pejorativamente, de etólogos modernos. Surgiram trabalhos polêmicos, como o de Skinner, em 1971, e outros, contra o posicionamento de Lorenz. Chomsky adotou um modelo inatista da linguagem. A hipótese de um esquema inato da linguagem humana, fundamentada em argumentos biológicos e lingüísticos, foi aproximada da teoria etológica. Segundo a imagem de Chomsky (1979), se o cérebro de uma aranha integra centenas de milhares de unidades celulares e contém inscrito o plano de comportamento de construção específico da teia; o cérebro humano, dispondo de 1011 neurônios e 1014 sinapses, pode conter o esquema das potencialidades (comprovadamente universais) da linguagem, esquema que, pela aprendizagem, atualiza em idiomas particulares. Vértice etológico A atribuição do Prêmio Nobel de Fisiologia, em 1973, a Konrad Lorenz, veio chamar a atenção de múltiplos setores científicos para a etologia. Clarificouse a vantagem de uma convergência de métodos e modelos com outras disciplinas na intersecção das ciências do homem com as ciências da natureza: a fisiologia, a sociologia, a lingüística, a antropologia física e cultural, a ecologia, a psicologia. O livro de Wilson sobre a sociobiologia propõe estudar sistematicamente as bases biológicas de toda e qualquer forma de comportamento social em todo e qualquer organismo, incluindo o homem. Esta nova ciência resulta da convergência da biologia genética, da ecologia, da etologia e da etologia social. Tal síntese, de que Wilson foi autor, suscitou um grande debate teórico. A teoria sociobiológica postula que os comportamentos sociais operam de modo a promover uma estratégia dos genes que os veiculam. A evidência de que o homem atual não apareceu sobre a terra feito e acabado tem raízes num passado longínquo, tendo herdado não só o essencial da sua morfologia e fisiologia, com os seus componentes e processos imunitários, como também uma parte dos seus comportamentos e tendências. Estudo dos vértices antropológico e sociológico da personalidade, do temperamento e do caráter Isso levou os precursores históricos da etologia, sobretudo Lorenz e posteriormente o sociobiólogo Wilson, a postular um fundo biológico da cultura, da ética e, por fim, da própria religião. Reacendeu-se recentemente um novo cenário epistemológico, para discutir a controvérsia entre a importância do inato e do adquirido nos comportamentos animais e humanos. Os genes asseguram a semelhança e a variação. Onde o etnólogo procura a diferença, o etólogo estabelece a identidade. Para os etólogos, a recusa, sob instigação ideológica, dos dados inequívocos da hereditariedade e da genética dos comportamentos é tão absurda como os intentos de refutação da prova experimental, feita por Pasteur, da inexistência da geração espontânea nas condições presentes do mundo. Os psicólogos comportamentalistas Os comportamentalistas criticam a tentativa de explicar o comportamento em termos da estrutura do indivíduo, das proporções do corpo, da forma da cabeça, etc. Por meio desta tipologia, tem-se dito que há uma previsão de como a pessoa poderia comportar-se. Muitas relações válidas entre comportamento e tipo físico proporcionam bases falsas para previsões. Estudos dos tipos físicos de homens e mulheres predispostos a diferentes espécies de distúrbios têm, de tempos em tempos, chamado a atenção dos estudiosos e psicólogos do comportamento. A classificação mais recente da estrutura corporal é a de Sheldon, que tem sido aplicada na predição do temperamento e de várias formas de delinqüência. Mesmo quando se demonstra uma correlação entre comportamento e estrutura corporal, nem sempre se distingue qual é a causa, qual é a conseqüência. Apesar de métodos estatísticos poderem demonstrar que os homens gordos são especialmente propensos à alegria, ainda assim não se pode concluir que o físico determina o temperamento. Os psicólogos comportamentalistas As pessoas obesas assumem várias desvantagens, que poderiam levá-las a desenvolver um comportamento folgazão como uma técnica competitiva especial. As pessoas bonachonas podem engordar, porque estão livres de distúrbios emocionais que levam outras pessoas a sobrecarregar-se de trabalho ou a negligenciar a dieta ou a saúde. Os obesos podem ser alegres por sentirem que suas necessidades são satisfeitas através do comer excessivo. Para os comportamentalistas, a hereditariedade é uma explicação fantasiosa no que diz respeito ao comportamento. Mesmo quando pode ser demonstrado que certos aspectos do comportamento são inatos ou se devem a um tipo físico ou a uma constituição genética, o possível uso deste conhecimento é muito limitado. Pode ajudar na previsão do comportamento, mas é de mínimo valor em uma análise experimental ou no controle do comportamento, por se tratar de uma condição que não pode ser modificada depois que o indivíduo foi concebido, nem ser submetida a um método científico ou experimental para validar a sua influência real. Para os comportamentalistas, o que se pode dizer é que o conhecimento do fator genético nos capacita a fazer melhor uso de outras causas. Se soubermos que o indivíduo tem certas limitações inerentes, poderemos usar nossas técnicas de controle com mais eficiência, mas não poderemos alterar o fator genético. Os psicólogos comportamentalistas Outra crítica dos comportamentalistas refere-se à utilização de causas internas para explicar o comportamento, como, por exemplo, um agente interior, sem dimensões físicas, chamado mental ou psíquico. Os comportamentalistas lembram que a explicação psíquica mais pura aparece no animismo dos povos pré-letrados. Estes povos crêem que a imobilidade do corpo após a morte deve-se a um espírito responsável pelo movimento, que nele habitava e o abandonou. Com um pouco mais de refinamento, atribui-se a cada aspecto do comportamento de um organismo físico um correspondente interior, da mente ou da personalidade. Considera-se que o homem interior guia o corpo da mesma maneira que o volante comanda a direção do automóvel. Os conceitos freudianos de ego, superego e id são usados desta maneira. Freqüentemente, são considerados como entidades dentro do sujeito, sem substância em conflito violento, cujas vitórias ou derrotas resultam no comportamento ajustado ou desajustado do organismo físico no qual residem. Evidentemente, Freud definiu esses eventos como “subjetivos”, de tal forma que ficam excluídos de qualquer possibilidade de utilização em uma análise causal. Ele insistiu nesta ênfase e no papel do inconsciente. Qualquer evento mental que seja inconsciente é necessariamente inferido, e sua explicação não se baseia em observações independentes de uma causa válida. Os psicólogos comportamentalistas O hábito de buscar dentro do organismo uma explicação para o comportamento tende a obscurecer as variáveis que estão ao alcance de uma análise científica. Essas variáveis, da qual o comportamento é uma função, estão fora do organismo e devem ser pesquisadas no ambiente imediato, que possui um status físico, para o qual as técnicas usuais da ciência são adequadas, permitindo uma explicação do comportamento nos moldes de outros objetos explicados pela ciência. Essas variáveis independentes são de diversas espécies, e suas relações com o comportamento são quase sempre sutis e complexas; não se pode esperar uma explicação adequada para o comportamento sem analisá-las. Watson geralmente é reconhecido como o fundador do behaviorismo psicológico. Quando, em 1913, ele proclamou que a matéria de estudo da psicologia devia ser o comportamento, e não a consciência, encontrou pronta aceitação de muitos outros estudiosos da psicologia, posto que o comportamento dos animais e dos homens é publicamente observável; suas descrições podem substituir dados objetivos para o estudo científico. Foi, portanto, uma total rejeição do método introspectivo usado até então pela maioria dos autores. Skinner, professor de Psicologia da Universidade de Harvard, é um dos psicólogos experimentais mais influentes na tradição behaviorista. Os psicólogos comportamentalistas Watson acredita que os únicos traços herdados do comportamento são os reflexos; os demais seriam atribuídos ao aprendizado. Daí a sua afirmação: “Dê-me uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas e um mundo próprio para criá-las, e eu garanto que, tomando qualquer uma delas ao acaso, poderei treiná-la para tornar-se qualquer tipo de especialista, médico, advogado, artista, comerciante e até mesmo um mendigo ou ladrão, independentemente de seus talentos, gostos, habilidades, vocações ou raça de seus antepassados”. Skinner4 levou adiante o projeto de Watson, aderindo à metodologia behaviorista mais rigorosa, que evita toda referência às entidades não observáveis. Mostra, também, uma fé semelhante no projeto de explicar todo o comportamento dos homens e dos animais como efeito do ambiente, relacionado a alguns processos básicos de condicionamento. Alguns cientistas são cristãos, outros são humanistas; alguns são de esquerda, outros de direita. Skinner parece pensar que somente a ciência pode responder a qualquer tipo de questão. Não encontra base científica para a crença em Deus e trata a religião como uma instituição social para manipular o comportamento humano. Os juízos de valor são, na sua opinião, a expressão típica da pressão para a conformidade que é exercida por qualquer grupo social, como uma espécie de comando disfarçado. Os juízos de valor só teriam uma base científica objetiva se constituíssem meios para atingir fins. Os psicólogos comportamentalistas Skinner diz que o estudo empírico do comportamento humano é o único caminho para se chegar a uma verdadeira teoria sobre a natureza humana. Rejeita, assim, qualquer tentativa de explicar o comportamento humano por meio de entidades mentais, sejam elas conceitos cotidianos de desejos, impulsos e decisões, sejam as postulações freudianas de id, ego e superego. Skinner admite a possibilidade de descoberta de precondições fisiológicas do comportamento (os estados internos), mas sustenta que, mesmo que a fisiologia acabe esclarecendo essas condições internas, teríamos de ultrapassar a fisiologia e procurar diretamente as causas ambientais do comportamento. Skinner define a psicologia como um estudo do comportamento. Ele esboça uma compreensão do comportamento, obtida em suas experiências com animais (principalmente ratos e pombos), e aplica esta compreensão aos homens e às instituições sociais, ou seja, ao governo, à religião, à psicoterapia, à economia e à educação. Os psicólogos comportamentalistas É bem possível que as descobertas de Skinner sobre os ratos e os pombos se apliquem a estas espécies (e talvez a outras espécies mais próximas a elas), mas não a animais mais complexos, especialmente os homens. Ele parece partir do pressuposto, igualmente injustificado, de que tudo que se aplica a animais de laboratório também se aplica (apenas com uma diferença de complexidade) aos homens. Skinner aplicou suas teorias a uma área muito importante do comportamento humano: a linguagem, tentando demonstrar que a fala humana pode ser atribuída ao condicionamento dos falantes por seu ambiente. Os defeitos básicos desta concepção foram apontados por Chomsky, cuja obra deu uma nova perspectiva à pesquisa lingüística e à psicologia no século XX. Chomsky sugere que os traços criativos e estruturais da linguagem humana, a maneira como falamos e compreendemos frases que nunca ouvimos antes, só por nosso conhecimento do vocabulário e da gramática da língua, diferenciam a linguagem de qualquer outro tipo conhecido de comportamento animal. Se isso é verdade, a tentativa de analisar a fala humana baseando-se no comportamento dos animais inferiores está condenada. O mesmo se poderia dizer de outras formas do comportamento distintamente humanas. Chomsky também acha que as teorias de Skinner não funcionam quando aplicadas à linguagem humana, pois não consideram os fatores herdados e a contribuição do próprio falante (e não do meio) ao aprendizado da linguagem. Os psicólogos comportamentalistas Toda criança normal aprende uma língua, enquanto nenhum outro animal pode aprender qualquer coisa que se assemelhe à linguagem humana, considerando o aspecto fundamental da formação de um número infinito de sentenças complexas de acordo com as regras gramaticais. Assim, parece que a capacidade de aprender este tipo de linguagem é peculiar à espécie humana. É evidente que a fala não é a única atividade humana, mas é particularmente representativa das capacidades mentais superiores do ser humano. Se as teorias de Skinner não conseguem explicá-la adequadamente, devemos concluir que, mesmo quando essas teorias explicam um determinado comportamento humano, não podem dar conta da natureza humana como um todo. Skinner chega a afirmar que a psicologia pode fornecer técnicas para a manipulação e o controle do comportamento humano e a transformação da sociedade humana, para melhor ou pior, desde que abandonemos as ilusões de dignidade e liberdade individual. Poderíamos, então, criar uma vida mais feliz, condicionando o comportamento de todos de maneira adequada. Psicodinamistas Psicodinamistas são pesquisadores que admitem uma psicodinâmica estruturada na mente do indivíduo, que seria a causa do seu comportamento. Esses estudiosos acreditam que, para essa psicodinâmica, existem causas genéticas ou hereditárias, causas ambientais e causas que resultam da relação entre o indivíduo e a pessoa que o acolheu no início do seu desenvolvimento. René A. Spitz, professor de Clínica Psiquiátrica da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos, estudou a relação mãe e filho no início de seu estabelecimento5. Spitz verificou que essa relação fornece informações sobre as fases de desenvolvimento e a sua dinâmica. Psicodinamistas Baseando-se na observação da relação de grande número de crianças com a mãe ou a pessoa encarregada de cuidar delas, retirou informações preciosas sobre o desenvolvimento normal e patológico da personalidade. De um total de 170 crianças, observadas durante um ano e meio, Spitz, encontrou 34 crianças que, depois de um mínimo de seis meses de boas relações com suas mães, foram separadas delas por um período mais ou menos longo. O substituto oferecido no lugar da mãe, durante o período de separação, não satisfez a criança. Essas 34 crianças apresentavam um quadro clínico progressivo, mês a mês, em função da duração do período de separação. No primeiro mês, as crianças tornaram-se choramingonas, exigentes, agarrando o observador que entrava em contato com elas. No segundo mês, o choro se transformou em guinchos e houve perda de peso, com parada do progresso no desenvolvimento. No terceiro mês, houve recusa de contato. As crianças permaneciam na maioria das vezes deitadas sobre o ventre, apresentavam insônia, perda de peso contínua e tendência a contrair doenças intercorrentes. Houve um retardamento motor. Psicodinamistas Depois do terceiro mês, a rigidez do rosto tornou-se constante, o choro cessou e foi substituído por gemidos raros; o retardamento aumentou e ocorreu a letargia. Essa perturbação desapareceria, com uma rapidez surpreendente, se, antes que tivesse passado um período crítico (entre o fim do terceiro e o fim do quinto mês), a mãe fosse restituída à criança, ou fosse encontrado um substituto aceitável para ela. A esse estado involutivo da criança, Spitz deu o nome de “depressão anacrítica”. Esses são exemplos de privação afetiva parcial citados por Spitz. Um outro estudo feito por ele foi o de carência total. O material de estudo, neste caso, consistiu de 91 lactentes residentes em um orfanato situado fora dos Estados Unidos. Essas crianças, durante os três primeiros meses de vida, foram criadas no seio pelas mães. Durante esse período, os lactentes comportaram-se e desenvolveram-se de acordo com a média das crianças normais da região do orfanato. Após o terceiro mês, os lactentes foram desmamados e ficaram sob os cuidados de uma enfermeira que se ocupava, em média, de 19 crianças ou mais. Psicodinamistas No que concerne ao ponto de vista físico, as crianças recebiam cuidados perfeitos de nutrição, higiene e outros, e eram até mais bem cuidadas do que em outras instituições observadas pelo autor. Porém, como a enfermeira se ocupava de muitas crianças, elas recebiam escassas provisões maternais, o que constituiu uma carência afetiva completa. Depois de terem sido separadas das mães, o estado inicial dessas crianças era de privação parcial. A seguir, o retardo motor tornouse evidente: ficavam prostradas no leito, com o rosto inexpressivo, ar imbecilizado, coordenação ocular geralmente defeituosa e nível de desenvolvimento que apresentava diminuição contínua. Essas crianças foram observadas até a idade de 4 anos. Ao fim do segundo ano, o nível de desenvolvimento atingiu uma média de apenas 45% do normal: é o nível da idiotia. A baixa resistência contra as infecções, de um lado, e a deterioração progressiva, de outro, conduziram uma porcentagem elevada de crianças ao marasmo e à morte. Psicodinamistas Das 91 crianças que foram observadas durante dois anos nesse orfanato, 37% morreram. Em contrapartida, observando 220 crianças de outras instituições, que eram cuidadas pelas próprias mães, verificou-se que, durante quatro anos, não houve nenhum caso de morte. Esta comparação fornece elementos que nos conduzem a pensar que a carência afetiva completa leva a uma deterioração progressiva, diretamente proporcional à duração do período de carência a que o lactente é submetido. A depressão anacrítica e o hospitalismo demonstraram que a ausência de relações objetivas, ocasionada pela carência de afeto, retarda o desenvolvimento de todos os setores da personalidade. A partir dessas observações, Spitz concluiu que o estado normal de fusão dos dois instintos, o de vida e o de morte, ou seja, a agressão, tem um papel comparável ao de uma onda condutora, que torna possível dirigir os dois instintos para o meio ambiente; mas, se o impulso agressivo não é fundido ao libidinoso ou, alternativamente, ocorre uma difusão, a agressão se volta para a própria pessoa, no caso, a criança, e a libido não pode ser dirigida para o exterior. Uma neutralização do impulso, isto é, a transformação da energia instintiva em energia neutralizada, poderia evitar as conseqüências perniciosas da difusão. Psicodinamistas A neutralização pressupõe uma certa medida de integração do Eu, e a criança não é capaz disso antes do último trimestre do primeiro ano. A primeira grande fase de integração do Eu ocorre no período em que se encontram o segundo e o terceiro organizadores, entre o 8o e o 18 mês de vida, e termina com a aquisição da função simbólica da linguagem. Esse processo de integração do Eu é um passo decisivo na humanização da espécie. De acordo com Spitz, para que isso ocorra, as seguintes condições devem ser satisfeitas: Psicodinamistas 1.um clima de segurança, isento de perigo, é indispensável (um clima que somente o objeto libidinoso pode assegurar); 2.as tendências agressivas, assim como as libidinosas, devem ter uma via contínua que possibilite uma descarga livre; essa descarga ocorre sob a forma de afetos dirigidos para o objeto libidinoso e, também, por meio de trocas de ações entre a criança e este mesmo objeto; 3.no caso de um clima afetivo de segurança, uma alteração dos processos psíquicos ocorre depois da constituição do Eu (assinalamos que a expressão “processo psíquico” compreende, entre outros, o mecanismo de defesa no sentido mais amplo do termo). 4.Depois da constituição do Eu, a criança irá elaborar esses mecanismos de maneira crescente e deles se servirá para adaptação, defesa e também para a formação de sua personalidade. Portanto, isso influi na formação do caráter. Conceito de caráter, segundo as concepções psicanalíticas A investigação psicanalítica apresenta uma teoria sobre o caráter baseada nas pesquisas de Freud, K. Abraham, Otto Fenichel, W. Reich e outros autores, que foram os pioneiros a sistematizar o conceito de caráter sob o ponto de vista psicanalítico. Entre estes pioneiros, W. Reich foi um dos autores que mais aprofundou o estudo das teorias psicanalíticas sobre o caráter. O estudo das funções e da estrutura do caráter deslocou o interesse dos estudiosos da focalização nos sintomas do indivíduo para o estudo das teorias do caráter. O primeiro a chamar atenção para isso foi Sigmund Freud, que demonstrou que certas particularidades do caráter podem explicar-se historicamente pela persistência de tendências instintivas primitivas modificadas pela influência do ambiente. Freud sistematizou as chamadas “séries complementares”, que demonstram, historicamente, a origem do caráter. Assim, ele esquematiza: os traços do caráter resultam da disposição de fixação da libido acoplada a acontecimentos na vida adulta, como, por exemplo, as frustrações. O acoplamento dessas duas funções, ou destes dois fatores, depende, por sua vez, originariamente, das disposições hereditárias das chamadas tendências parciais acopladas a disposições adquiridas na infância, através dos acontecimentos. Conceito de caráter, segundo as concepções psicanalíticas Freud foi o primeiro a estudar, no ano de 1908, “o caráter e o erotismo anal”, chamados por ele de “instintos parciais anais”, que foram considerados o substrato dos traços caracteriológicos posteriores (avareza, ordem, etc.). Observadas por um leigo, as pessoas se classificam em meigas, duras, agressivas, impulsivas, frias, etc. Estes traços de caráter encontram no estudo psicanalítico profundas raízes históricas dessas formações; assim, às vezes, a excessiva cortesia encobre um caráter defensivo contra impulsos subjacentes de violência e sadismo. Em psicanálise, o termo caráter é usado no sentido de expressar a forma habitual de uma determinada reação do indivíduo e sua relativa constância. Nessas condições, estímulos diferentes produzem reações similares. A repressão, a fixação e a regressão são conceitos básicos na gênese do caráter anal. Conceito de caráter, segundo as concepções psicanalíticas Os conceitos de fase oral, anal e genital são elementos estruturantes do caráter; estas fases formam as defesas caracteriológicas. Assim, a defesa contra impulsos instintivos pode ser expressada no mundo exterior por atitudes constantes de oposição. Agindo assim, expressa, no outro, a frustração constante do não, que é a expressão exterior do não interior intolerado. Os traços são conglomerações de conflitos instintivos em geral. O caráter é misto, pois apresenta vários traços, embora um ou outro possa predominar. Podemos encontrar predomínio de defesas histéricas, obsessivas, maníacas ou fóbicas. Assim, observamos pessoas que apresentam um caráter com traços predominantemente histéricos, obsessivos, maníacos ou fóbicos. A fixação de certos mecanismos de defesa e as atitudes caracteriológicas dependem: Conceito de caráter, segundo as concepções psicanalíticas 1.da natureza dos impulsos instintivos que devem ser reprimidos; 2.da época em que ocorreu o conflito (quanto mais precoce, mais intensas as perturbações posteriores); 3.das perturbações do período oral, as quais são muito mais desastrosas que as do período genital, por exemplo; 4.da introjeção e da projeção que ocorrem em idade bem precoce, anteriormente ao uso da repressão e da regressão; 5.das formações reativas, que dependem de uma atividade mais desenvolvida do Ego; 6.da intensidade das frustrações; 7.do fato de haver ou não, no momento das frustrações, gratificações substitutivas. Conceito de caráter, segundo as concepções psicanalíticas Wilhelm Reich usa a expressão “couraça caracteriológica” para expressar aquele estado de comportamento crônico, em que o indivíduo se protege de perigos internos e externos inconscientes por meio de uma atitude constante de comportamento. É como uma membrana celular que separa o mundo interno do externo. Se há flexibilidade na couraça caracteriológica, estamos frente a um caráter normal; porém, se há rigidez, trata-se de um caráter neurótico. O grau de flexibilidade guarda uma relação proporcional com a saúde mental. Caráter anal Organização pré-genital da libido, com regressão a etapas em que predominam impulsos anais sádicos e agressivos. Neste estado, surgem defesas obsessivas contra o material defendido na fixação anal, que são o sadismo e a violência. Alguns indivíduos apresentam atitudes de extrema limpeza e ordem exageradas. Essas pessoas se concentram exageradamente em pormenores e se fixam neles; os pensamentos freqüentemente são interrompidos por idéias compulsivas irracionais, que torturam o indivíduo. Muitos deles praticam rituais defensivos. Satisfazem-se em colocar pessoas sob sua dependência, para depois expressar o sadismo no relacionamento. Caráter anal O caráter anal produz traços de obstinação e teimosia característicos, que, em alguns casos, podem ser positivos, quando colocados a serviço da persistência e escrupulosidade de atitudes sociais construtivas, enquanto, em outros casos, fixam-se obstinadamente em comportamentos irracionais. Há indivíduos obstinados em colecionar objetos. Junto a esses traços, surgem outros, de natureza diametralmente oposta, como falta de limpeza e desordem. Caráter oral O erotismo oral é também uma fonte na formação do caráter. Enquanto os elementos anais necessitam ser defendidos frente à situação social, os elementos do erotismo oral não necessitam dessa defesa. Devemos ter em mente que o prazer do período oral é, em grande medida, o prazer de receber algo, de tomar algo. De acordo com o nível de satisfação ou frustração na fase oral, o traço de caráter será predominantemente pessimista ou otimista. Os indivíduos oralmente insatisfeitos apresentam traços de alguém que vive pedindo, reivindicando algo como uma indenização de um passado. Sua necessidade de receber algo é transformada, muitas vezes, em necessidade de falar ininterruptamente. Há uma descarga oral, através da verbalização; o indivíduo espera receber algo e descarrega impulsos hostis. Em geral, as pessoas oralmente satisfeitas na infância apresentam um grau de generosidade elevado: trata-se de uma identificação com a mãe gratificadora. Caráter genital O caráter genital é o mais alto nível da organização da libido. Esta fase só é alcançada quando a libido atingiu sua capacidade de amor objetal. É na fase genital que surgem o complexo de Édipo e as suas conseqüências. A observação nos ensina que nenhuma etapa evolutiva é superada ou reprimida completamente; essa etapa final não é narcisista, pois caracteriza uma relação objetal completa. Pode haver, nessa fase, o acoplamento de traços patológicos, como, por exemplo, o chamado caráter fálico-narcisista. Caráter fóbico São pessoas que utilizam o processo de evitação, esquivando-se de situações que originalmente podem ter sido desejadas. Esse processo de evitação pode ser localizado, por exemplo, em locais fechados ou de aglomeração de pessoas, em situação de casamento constituído juridicamente, etc. Assim, por exemplo, impulsos violentos, ou seja, desejos de descarga de violência podem ser expressados pelo medo de um espaço fechado. Há pessoas que têm traços de caráter fóbico e apresentam esses elementos como destaque, entre outros traços de sua personalidade. Caráter histérico São pessoas propensas à sugestionabilidade, à teatralização do relacionamento e à substituição de emoções autênticas por emoções representadas, como se fossem reais; mentem rotineiramente. Essas pessoas usam este caráter de representação como defesa contra a vivência de emoções autênticas. Caráter fálico-narcisista Segundo Reich, enquanto o caráter obsessivo é predominantemente inibido, bloqueado, lento, o histérico é nervoso, ágil e rápido. O caráter fálico-narcisista é seguro de si mesmo, porém com elementos de forte arrogância e traços imponentes e agressivos. Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma criança, segundo alguns estudiosos do assunto Sargent e Stafford, em seu livro Ensinamentos básicos dos grandes psicólogos, fornecem-nos uma compilação de diferentes fontes, onde podemos constatar a influência do ambiente e da hereditariedade no desenvolvimento da criança. Esses autores escreveram algumas histórias dramáticas de crianças abandonadas na selva e criadas entre os animais, como se fossem um deles. Embora esses relatos sejam raros, e com informações incompletas e imprecisas, sua existência merece atenção3. Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma criança, segundo alguns estudiosos do assunto 1.Em 1799, caçadores descobriram um garoto selvagem nas florestas do sul da França. Aparentava cerca de 11 anos de idade e se comportava como um animal. Capturado e levado para Paris, ficou aos cuidados do doutor Jean Itard, que tentou civilizá-lo. O garoto parecia débil mental e seus sentidos estavam embotados; emitia grunhidos ocasionais. Durante cinco anos, o médico tentou ensiná-lo. O garoto progrediu, embora nunca se tornasse completamente normal. Aprendeu a responder o seu nome, a falar e a ler de uma maneira rudimentar. Não se acostumou a brincar e socializar-se com as outras crianças. Este caso tem versões diferentes na forma de interpretá-lo: uma versão supõe que o garoto já poderia ser deficiente mental e, por isso, foi abandonado na floresta; outra atribui ao ambiente não humano, no qual ele permaneceu durante tanto tempo, a causa do seu retardamento na aprendizagem; uma terceira admite a coexistência desses dois fatores. Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma criança, segundo alguns estudiosos do assunto 2.Em 1920, duas meninas, chamadas de Kamala e Amala, foram encontradas vivendo com os lobos na floresta de Bengala, na Índia. Kalama parecia ter cerca de 9 anos e Amala, 2 anos. Foram levadas a um orfanato, onde o diretor, o reverendo Singh, e sua esposa cuidaram delas e as ensinaram. No começo, as crianças se comportavam como animais, andando de quatro, parando em pé apenas ocasionalmente e apresentando os sentidos de audição e olfato muito aguçados. Lambiam a comida como um cachorro, comiam vorazmente carne, que chegavam a roubar. Amala morreu pouco tempo depois de sua captura. Kamala aprendeu a usar roupas, comer em um prato, caminhar na posição vertical, embora muitas vezes caísse ao correr. Gradualmente, foi abandonando seus modos animais, aprendendo a falar e a usar cerca de cem palavras, demostrando iniciativa, e desenvolveu um modo de vida humano. Não foram chamados psicólogos ou profissionais habilitados para estudar essa criança, e parece que ela viveu mais nove anos depois de sua captura. Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma criança, segundo alguns estudiosos do assunto Embora o fato de crianças humanas viverem em ambiente não humano (animal) seja inusitado, é possível encontrar histórias como essas e observações importantes sobre o meio ambiente no desenvolvimento da criança. Essas crianças, encontradas em estado selvagem, apresentavam, em geral, ausência de raciocínio, de linguagem e de conduta social. Entretanto, ao serem reeducadas, puderam aprender o uso do raciocínio, da linguagem e da conduta social. Afinal, concluiu-se que, quanto mais tempo tenham estado isoladas de influência humana, mais difícil torna-se ensiná-las e menor é a possibilidade de adquirirem uma condição humana normal. Existem casos de isolamento e privação da criança em ambiente humano, em que carecem de relacionamento com outras pessoas. Há relatos de crianças que, por razões políticas ou outras circunstâncias, foram conservadas prisioneiras em calabouços e isoladas de toda a comunicação com o mundo exterior, muitas delas desde tenra infância. Em geral, crescem sem desenvolver a linguagem, o raciocínio e a conduta social, porém, quando reeducadas, progridem, readquirindo a condição humana normal. Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma criança, segundo alguns estudiosos do assunto O estudo comparativo da influência da hereditariedade e do ambiente no desenvolvimento da criança foi feito por muitos autores. Assim, por exemplo, foram estudados gêmeos univitelinos separados desde o nascimento e criados em ambientes diferentes, ou crianças adotadas e criadas com filhos de sangue pelos mesmos pais, no mesmo ambiente. Todas essas pesquisas, em geral, foram feitas com uma metodização científica, por meio da aplicação de testes. Em geral, os fatores mais pesquisados nesses testes são o desenvolvimento e a inteligência. É evidente que, para analisarmos os fatores hereditariedade e ambiente, temos de delimitar o referencial de avaliação, nesse caso, a inteligência ou a emoção na forma de relacionamento do indivíduo. Essa delimitação é necessária, pois cada aspecto da personalidade implica determinantes diferentes. Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma criança, segundo alguns estudiosos do assunto Os autores não são unânimes em relação à influência da hereditariedade e do ambiente no desenvolvimento da criança. Há os chamados extremistas, que apontam disparidades extremas em suas afirmações. Assim, em 1920, Rudolf Pintner afirmou: “o poder do ambiente não é particularmente tão importante quanto se supõe... As capacidades de uma criança são determinadas por seus ancestrais e tudo que o ambiente pode fazer é dar oportunidade para o desenvolvimento de suas potencialidades. Não pode criar novos poderes ou capacidades adicionais”. Como citamos anteriormente, em 1925, J. B. Watson afirmou: “Dê-me uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas e um mundo próprio para criá-las, e eu garanto que, tomando qualquer uma delas ao acaso, poderei treiná-las para tornar-se qualquer tipo de especialista, médico, advogado, artista, comerciante e até mesmo um mendigo ou ladrão, independentemente de seus talentos, gostos, habilidades, vocações ou raça dos seus antepassados”. A relação entre hereditariedade e ambiente continua a ser fonte de controvérsias e, às vezes, de má interpretação dos fatos; poucos estudiosos, no entanto, se colocariam hoje com o extremismo de Watson e Pintner. A estrutura física e as capacidades motoras são estreitamente determinadas pela hereditariedade e pouco afetadas pelo ambiente. Muitos pesquisadores tendem a colocar, também, a inteligência como resultante do fator hereditariedade. Entretanto, os traços da personalidade são fortemente influenciados pelo ambiente. Referências bibliográficas 1.KARDINER, A. The Psychological Frontiers of Society. Apud: SPITZ, R. Desenvolvimento emocional do recém-nascido. São Paulo: Pioneira, 1960. 2.MEAD, M. Sexo e temperamento. São Paulo: Perspectiva, 1969. 3.SARGENT, S. S. & STAFFORD, K. R. Ensinamentos básicos dos grandes psicólogos. Porto Alegre: Globo, 1969. 4.SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 5.SPITZ, R. Desenvolvimento emocional do recém-nascido. São Paulo: Pioneira, 1960. 6.STEVENSON, L. Sete teorias sobre a natureza humana. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976.