Personalidade,temperamento e caráter

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PERSONALIDADE, TEMPERAMENTO E
CARÁTER: INFLUÊNCIAS CULTURAIS E
AMBIENTAIS SOBRE A CONSTITUIÇÃO
E O DESENVOLVIMENTO
Estudo descritivo dos conceitos
Os conceitos de personalidade, temperamento, caráter são
entidades apresentadas de maneiras diversas por diferentes
autores, em esquemas referenciais que abordam a natureza
humana. Leslie Stevenson publicou um livro apontando sete teorias
sobre a natureza humana, em que os conceitos são moldados de
acordo com os esquemas referenciais de seus autores. Nessa obra,
ele descreve as teorias de Platão, do cristianismo, de Marx, de
Freud, de Sartre, de Skinner e de Lorenz6.
Estudo descritivo dos conceitos
Embora existam muitas definições de personalidade, de
temperamento e de caráter, observamos que, de um modo geral, os
autores apresentam uma invariante ao elaborá-las. Observa-se que
termos como constituição, temperamento e caráter se referem às
funções parciais do organismo humano como um todo. O termo
personalidade, entretanto, implica em abranger o homem como um
todo. Não se pode entender a personalidade, fornecendo um conceito
que seja aceito pela unanimidade dos autores, pois os conceitos
elaborados por cada um deles não se superpõem. Há elementos na
personalidade que são comuns a todos os seres humanos e que
dependem da organização biológica da espécie e também das
condições comuns a todas as sociedades. Entretanto, em certos
aspectos, cada ser humano é diferente dos demais que o circundam.
Esta individualidade é uma função da personalidade. A personalidade é
determinada pela herança e pelo ambiente. Uma das definições de
personalidade é a empregada por Sheldon: “A personalidade é a
organização dinâmica dos aspectos cognitivos, afetivos, conativos,
fisiológicos e morfológicos do indivíduo”.
Estudo descritivo dos conceitos
O temperamento é o modo habitual de reação emocional de um
indivíduo. O temperamento depende da constituição afetiva do
indivíduo. A necessidade de classificar os modos habituais de reação
emocional dos indivíduos, ou seja, os temperamentos, e de relacionálos com a constituição física vem de longa data. Autores como
Kretschmer, Sheldon e Jung são os exemplos mais usados nos
estudos de tipos psicológicos.
Kretschmer classificou, de acordo com as constituições físicas, os
seguintes tipos: pícnico, leptossomático (astênico), atlético e displásico.
Ele correlacionou as constituições físicas com dois tipos principais de
temperamento: o ciclotímico e o esquizotímico.
O temperamento ciclotímico é caracterizado pela oscilação de humor,
com períodos de alegria e de tristeza em tonalidades exageradas. São
comunicativos, loquazes, de relacionamento fácil.
Estudo descritivo dos conceitos
O temperamento esquizotímico é caracterizado por atitudes de
retraimento; relacionam-se com distanciamento emocional e costumam
ser sérios ou sóbrios, muitas vezes lacônicos.
Segundo Kretschmer, estes dois tipos opostos seriam,
respectivamente, a base constitucional para a psicose maníacodepressiva, no primeiro caso, e para a esquizofrenia, no segundo.
Sheldon classifica os tipos em: ectomórficos (altos, delgados,
delicados), mesomórficos (musculatura desenvolvida, esqueleto sólido)
e endomórficos (predomínio do desenvolvimento visceral, tipo grosso).
Os ectomórficos apresentariam um temperamento com tendências
obsessivas e seriam propensos a sofrer doenças mentais; os
mesomórficos seriam inclinados à atividade física e propensos à mania;
e os endomórficos apresentariam marcada inclinação ao prazer sexual,
à vida social e seriam propensos a oscilações afetivas.
Estudo descritivo dos conceitos
Jung estabeleceu dois tipos de temperamento: o introvertido e o
extrovertido. Para ele, a ambiversão caracterizaria um tipo
intermediário entre o introvertido e o extrovertido. No introvertido, a
extroversão estaria em menor proporção, e vice-versa.
Essas classificações apresentam apenas um modelo geral; na
prática, encontramos muitas exceções e divergências em relação a
esses modelos.
O termo caráter procede do grego e significa ‘esculpir, gravar’. O
conceito de caráter faz alusão à parte conativa da personalidade e tem
implicações morais. O caráter é fundamentalmente uma entidade
psicossociológica e está condicionado pelos fatores adquiridos pela
vivência, enquanto o temperamento é fundamentalmente hereditário e
biológico, segundo autores que admitem os tipos constitucionais.
Estudo descritivo dos conceitos
O caráter compreende os sentimentos psíquicos, os valores e as
atitudes frente a si mesmo e aos demais. O temperamento é
constituído pelos impulsos e sentimentos vitais do indivíduo. O
temperamento e o caráter integram-se no interior da estrutura da
personalidade.
Salientamos mais uma vez que todas essas definições são apenas
um esforço didático, posto que na realidade não atingem a
unanimidade dos teóricos que estudam o assunto. A personalidade, o
temperamento e o caráter são entidades estudadas por psicólogos,
médicos, sociólogos, antropólogos, etólogos e outros, e cada qual as
compreende de acordo com a sua área de conhecimento, extraindo os
elementos que lhe interessam sobre o assunto.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
Quando um pesquisador escreve sobre assuntos como a evolução da
personalidade, a família humana e outros, sente-se obrigado a tomar
conhecimento ao menos de parte do grande acervo de informações
relevantes oriundas de fontes ocidentais e orientais do globo. A
tendência de tecer generalizações sobre o comportamento humano,
baseadas em experiências pessoais e pequenas amostras localizadas,
de povos de uma determinada região do globo, peca pelo risco de
considerar uma visão apenas parcial do homem.
Os antropólogos recolheram indícios de que:
1.as doenças mentais tomam diferentes formas nas diversas
sociedades que compõem a humanidade;
2.cada sociedade apresenta um modo diferente de definir o que é
comportamento anormal;
3.cada povo apresenta diferentes índices de perturbações mentais.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
Algumas sociedades da África, por exemplo, apresentam índices de
suicídio muitos baixos, porém revelam freqüentes explosões maníacas.
Por outro lado, certas sociedades européias revelam altos índices de
suicídio e de depressão, e índices mais baixos de explosões maníacas.
Muitos povos consideram normal que os indivíduos sofram de
alucinações, visões e transes. Entre os povos de Bali, por exemplo,
várias cerimônias importantes incluíam o transe como parte normal do
ritual. O fato de que um comportamento considerado anormal numa
sociedade seja considerado perfeitamente normal em outras cria sérios
problemas para qualquer tentativa de estabelecer um conceito
universal de sanidade mental. Os antropólogos não descobriram
nenhuma característica biológica humana que não tenha sido afetada
pela experiência de vida e pelas condições ambientais. Por outro lado,
não se pode considerar nenhuma característica de pensamento ou
ação que não seja afetada pelos fatores biológicos herdados
geneticamente.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
Esses mesmos antropólogos afirmam que qualquer estudo do
comportamento humano será incompleto se não levar em consideração
informações sobre as características biológicas, culturais, sociais e
psicológicas do homem, juntamente com informações sobre o ambiente
biofísico em que vive.
Alguns trabalhos clássicos da antropologia forneceram-nos alguns
elementos para reflexão. Entre eles, podemos citar Margaret Mead, que
permaneceu dois anos, entre 1931 e 1932, na Nova Guiné, onde
pesquisou os costumes e o comportamento dos povos Arapesh e
Mundugumor2.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
Devemos lembrar que o propósito básico de Margaret Mead, em sua
pesquisa na Nova Guiné, era descobrir até que ponto as diferenças
temperamentais entre os sexos eram inatas ou culturalmente
determinadas e, além disso, investigar minuciosamente os mecanismos
educacionais ligados a essas diferenças. Ao estudar as crenças dos
arapeshes ou observar os indivíduos em seu cotidiano, Margaret não
encontrou diferenças temperamentais entre os sexos. Quando deixou a
aldeia dos arapeshes, Mead inferiu que tais diferenças constituíam uma
questão puramente cultural.
A autora ficou surpreendida com a cultura mundugumor, pelo contraste
com a cultura arapesh. Esses dois povos, que compartilham traços
econômicos e sociais e fazem parte de uma mesma área cultural, vivendo
separados por apenas cem milhas, aproximadamente, apresentam
personalidades sociais totalmente distintas. O menino mundugumor nasce
num mundo hostil. Um mundo onde a maioria dos membros do seu próprio
sexo será seu inimigo, onde seu melhor instrumento para o êxito deve ser
a capacidade para a violência, para vingar insultos e julgar muito
superficialmente sua própria segurança e mais ainda a vida dos outros.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
Quando a mulher mundugumor conta ao esposo que está grávida, ele
não fica satisfeito. Muitas vezes, ele a ofende por ter engravidado tão
depressa e amaldiçoa a magia que ela teria posto em ação para obter a
concepção. O interesse do pai, ao invés de estar ao lado do filho, já se
coloca contra ele na concepção. A mulher grávida muitas vezes associa
seu estado à privação sexual, à ira e ao repúdio do marido, ao risco
constante de que ele arranje outra esposa e a abandone
temporariamente. Essa atitude para com os filhos condiz com o
individualismo desumano, a sexualidade peculiarmente agressiva e a
hostilidade entre os sexos dos mundugumores. Antes de a criança
nascer, há muita discussão sobre o futuro da criança, se deverá ser
poupada ou não, baseando-se a argumentação, em parte, no sexo da
criança, uma vez que o pai prefere conservar a menina e a mãe, o
menino.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
A probabilidade de sobrevivência de uma criança mundugumor
aumenta com a ordem de nascimento, tendo a primeira criança menos
chance. O pai e a mãe ficam cada vez menos transtornados com a
chegada das crianças posteriores. Além disso, depois de nascido um
filho, é absolutamente necessário que tenha uma irmã para trocar por
uma esposa. É nesse mundo tenso, um mundo constantemente
predisposto à hostilidade e ao conflito, que nasce a criança
mundugumor. Os bebês são mantidos e carregados numa cesta de
traçados muito apertados e grosseiros, que as mulheres levam
suspensa na testa, enquanto as mulheres arapeshes levam suas
cestas na rede. Enquanto a bolsa de malha dos arapeshes é flexível e
macia, adaptando-se ao corpo da criança e exercendo pressão para
que ela dobre o corpo em seu interior, numa posição pré-natal, sendo
ademais tão leve que não se interpõe nenhuma barreira entre a criança
e o corpo cálido de sua mãe, a cesta mundugumor é áspera, dura e
opaca. O corpo da criança tende a acomodar-se às linhas rígidas da
cesta, ficando deitada quase de bruços, com os braços praticamente
manietados nas laterais. Quando uma criança chora, não é alimentada
imediatamente. A mãe, ou outra mulher ou menina que esteja cuidando
dela, começa a arranhar com a unha a parte exterior da cesta,
produzindo um som áspero.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
As crianças são acostumadas a reagir a este som; o seu choro, originalmente
motivado pelo desejo de calor, de água ou de alimento, é condicionado a
aceitar em lugar disso, freqüentemente, essa resposta remota e estéril. Se o
choro não cessa, a criança é eventualmente amamentada. As mulheres
mundugumores aleitam os filhos em pé, segurando a criança com uma das
mãos, numa posição que força os braços da mãe e prende os braços da
criança. Não há nada do prazer sensual e divertido que a mãe arapesh sente
ao alimentar o filho. No momento em que a criança pára de mamar, é devolvida
rapidamente para o cesto, não fica em contato com o corpo da mãe. O caráter
mundugumor é idêntico em ambos os sexos. Homens e mulheres são
competitivos, violentos, ciumentos e prontos para identificar e vingar insultos,
deliciando-se com a ostentação, a ação e a luta. Os mundugumores
escolheram esses tipos de homens e mulheres como ideal de comportamento,
o que no meio arapesh é considerado tão incompreensível que a sua
ocorrência mal é permitida. O ideal mundugumor é que todo homem seja como
um leão, lutando altivamente por seu quinhão e rodeado por várias leoas,
igualmente violentas. Na prática cotidiana, há um número razoável de carneiros
na sociedade: jovens a quem não atraem o orgulho, a violência e a competição,
e é exatamente por causa desses homens que algumas regras se conservam,
sendo transmitidas às gerações seguintes.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
A atmosfera de luta e conflito se tornaria insuportável e seria praticamente
impossível manter o grupo se não fossem esses outros homens, que se apresentam
como carneiros. Entre os mundugumores, a mulher dócil, receptiva, cálida e maternal,
bem como o homem dócil, receptivo, cálido e paternal, sofre desvantagem social.
As pesquisas dos antropólogos culturais, como Margaret Mead, Kardiner e muitos
outros, demonstraram que existe uma correspondência estreita entre as relações mãe
e filho e as atitudes sociais na vida adulta. Kardiner1, em seu estudo sobre a tribo
Alora, relata que, nessa coletividade, a mulher trabalha no campo, enquanto o marido
fica afastado dessas atividades. A mulher alimenta a criança pela manhã e a abandona
durante o dia aos cuidados cheios de ódio e ressentimento de outra criança, apenas
um pouco mais velha. Essa carência de cuidado não é esporádica, porém uma
influência constante. A criança jamais pode gozar do carinho e da solicitude materna.
Quando cresce, ela é obrigada a ajudar sua mãe. Cada pessoa adulta da comunidade
Alora queixa-se de que a mãe a abandonou desde a infância. Os aloras adultos não
são estreitamente ligados aos pais. Eles são desconfiados, tímidos, inseguros e, por
carecer de autoconfiança, sentem-se constantemente ameaçados. Não são
cooperantes, não fazem amigos e brigam nas trocas comerciais, em que cada um
tenta prejudicar o outro. A hostilidade que cada um apresenta contra toda e qualquer
pessoa é chocante. O tema principal do seu folclore é o ódio aos familiares.
Vértice etológico
Nas primeiras décadas do século XX, a etologia, biologia do
comportamento, mas também fisiologia do movimento, iniciou seu
percurso como ciência constituída. A etologia clássica separou de forma
estrita os componentes que seriam supostamente inatos (aprendidos
pelas espécies ao longo das suas adaptações filogenéticas) dos
adquiridos (aprendidos pelo indivíduo no decurso de sua vida singular),
considerando estes como acessórios e dependentes daqueles, e procurou
sistematizar a seqüência de movimentos próprios de cada espécie.
Vértice etológico
O behaviorismo recusou todas as construções conceituais que não se
baseassem em fatos diretamente observáveis, como, por exemplo, o
conceito de consciência, inconsciente, intencionalidade, etc. O seu rigor
metodológico e o seu empirismo acabaram isolando os órgãos e as suas
funções em estudo nos animais experimentais em relação à totalidade do
organismo e do ecossistema a que pertenciam. Um outro campo da
ciência que surgiu foi a psicologia da intencionalidade, de MacDougall e
Tolman. Estes autores, naturalistas atentos à globalidade dos
comportamentos animais nos seus meios naturais, adotaram, contudo,
um modelo de evolução do comportamento de cunho vitalista, que
explicava a evolução por forças e tendências concedidas aos organismos
vivos, suscetíveis de guiar sua evolução ao transmitir hereditariamente a
sua experiência com suposta finalidade adaptativa.
Vértice etológico
A etologia tentou evitar simultaneamente a redução empírica do
behaviorismo e a teleologia (a evolução orientada para um fim) da
psicologia da intencionalidade. Os fundadores da etologia propuseram um
método de observação dos animais no seu habitat genuíno, sem intervir
no comportamento ou adiantar quaisquer soluções preconcebidas e
funções. Entre diversos autores, Lorenz insistiu no significado, nas
condições e no alcance das chamadas experiências de privação, através
das quais supunha que se poderia distinguir, no comportamento de cada
espécie animal, a co-participação do inato e do adquirido.
Na década de 1950, a teoria etológica clássica foi alvo de crítica por
parte dos psicólogos do comportamento norte-americanos, que
recusavam a validade da dicotomia inato-adquirido e propunham uma
leitura epigenética dos fenômenos do comportamento.
Vértice etológico
Uma antinomia dos conceitos e métodos que visavam opor o inato ao
aprendido confrontava os etólogos europeus e os behavioristas. As objeções
metodológicas formuladas a respeito da etologia suscitaram resposta de
Lorenz contra os autores americanos de orientação psicológica e
ambientalista e, também, contra os novos etólogos europeus, que eram mais
abertos ao papel do meio na gênese do comportamento, e a quem Lorenz
chamou, pejorativamente, de etólogos modernos. Surgiram trabalhos
polêmicos, como o de Skinner, em 1971, e outros, contra o posicionamento
de Lorenz. Chomsky adotou um modelo inatista da linguagem. A hipótese de
um esquema inato da linguagem humana, fundamentada em argumentos
biológicos e lingüísticos, foi aproximada da teoria etológica. Segundo a
imagem de Chomsky (1979), se o cérebro de uma aranha integra centenas
de milhares de unidades celulares e contém inscrito o plano de
comportamento de construção específico da teia; o cérebro humano,
dispondo de 1011 neurônios e 1014 sinapses, pode conter o esquema das
potencialidades (comprovadamente universais) da linguagem, esquema que,
pela aprendizagem, atualiza em idiomas particulares.
Vértice etológico
A atribuição do Prêmio Nobel de Fisiologia, em 1973, a Konrad Lorenz, veio
chamar a atenção de múltiplos setores científicos para a etologia. Clarificouse a vantagem de uma convergência de métodos e modelos com outras
disciplinas na intersecção das ciências do homem com as ciências da
natureza: a fisiologia, a sociologia, a lingüística, a antropologia física e
cultural, a ecologia, a psicologia.
O livro de Wilson sobre a sociobiologia propõe estudar sistematicamente as
bases biológicas de toda e qualquer forma de comportamento social em todo
e qualquer organismo, incluindo o homem. Esta nova ciência resulta da
convergência da biologia genética, da ecologia, da etologia e da etologia
social. Tal síntese, de que Wilson foi autor, suscitou um grande debate
teórico. A teoria sociobiológica postula que os comportamentos sociais
operam de modo a promover uma estratégia dos genes que os veiculam. A
evidência de que o homem atual não apareceu sobre a terra feito e acabado
tem raízes num passado longínquo, tendo herdado não só o essencial da sua
morfologia e fisiologia, com os seus componentes e processos imunitários,
como também uma parte dos seus comportamentos e tendências.
Estudo dos vértices antropológico e sociológico da
personalidade, do temperamento e do caráter
Isso levou os precursores históricos da etologia, sobretudo Lorenz e
posteriormente o sociobiólogo Wilson, a postular um fundo biológico da
cultura, da ética e, por fim, da própria religião. Reacendeu-se
recentemente um novo cenário epistemológico, para discutir a
controvérsia entre a importância do inato e do adquirido nos
comportamentos animais e humanos. Os genes asseguram a semelhança
e a variação. Onde o etnólogo procura a diferença, o etólogo estabelece a
identidade. Para os etólogos, a recusa, sob instigação ideológica, dos
dados inequívocos da hereditariedade e da genética dos comportamentos
é tão absurda como os intentos de refutação da prova experimental, feita
por Pasteur, da inexistência da geração espontânea nas condições
presentes do mundo.
Os psicólogos comportamentalistas
Os comportamentalistas criticam a tentativa de explicar o
comportamento em termos da estrutura do indivíduo, das proporções do
corpo, da forma da cabeça, etc. Por meio desta tipologia, tem-se dito que
há uma previsão de como a pessoa poderia comportar-se.
Muitas relações válidas entre comportamento e tipo físico proporcionam
bases falsas para previsões. Estudos dos tipos físicos de homens e
mulheres predispostos a diferentes espécies de distúrbios têm, de tempos
em tempos, chamado a atenção dos estudiosos e psicólogos do
comportamento. A classificação mais recente da estrutura corporal é a de
Sheldon, que tem sido aplicada na predição do temperamento e de várias
formas de delinqüência. Mesmo quando se demonstra uma correlação
entre comportamento e estrutura corporal, nem sempre se distingue qual
é a causa, qual é a conseqüência. Apesar de métodos estatísticos
poderem demonstrar que os homens gordos são especialmente
propensos à alegria, ainda assim não se pode concluir que o físico
determina o temperamento.
Os psicólogos comportamentalistas
As pessoas obesas assumem várias desvantagens, que poderiam levá-las a
desenvolver um comportamento folgazão como uma técnica competitiva especial.
As pessoas bonachonas podem engordar, porque estão livres de distúrbios
emocionais que levam outras pessoas a sobrecarregar-se de trabalho ou a
negligenciar a dieta ou a saúde. Os obesos podem ser alegres por sentirem que
suas necessidades são satisfeitas através do comer excessivo.
Para os comportamentalistas, a hereditariedade é uma explicação fantasiosa no
que diz respeito ao comportamento. Mesmo quando pode ser demonstrado que
certos aspectos do comportamento são inatos ou se devem a um tipo físico ou a
uma constituição genética, o possível uso deste conhecimento é muito limitado.
Pode ajudar na previsão do comportamento, mas é de mínimo valor em uma
análise experimental ou no controle do comportamento, por se tratar de uma
condição que não pode ser modificada depois que o indivíduo foi concebido, nem
ser submetida a um método científico ou experimental para validar a sua
influência real. Para os comportamentalistas, o que se pode dizer é que o
conhecimento do fator genético nos capacita a fazer melhor uso de outras causas.
Se soubermos que o indivíduo tem certas limitações inerentes, poderemos usar
nossas técnicas de controle com mais eficiência, mas não poderemos alterar o
fator genético.
Os psicólogos comportamentalistas
Outra crítica dos comportamentalistas refere-se à utilização de causas internas
para explicar o comportamento, como, por exemplo, um agente interior, sem
dimensões físicas, chamado mental ou psíquico. Os comportamentalistas
lembram que a explicação psíquica mais pura aparece no animismo dos povos
pré-letrados. Estes povos crêem que a imobilidade do corpo após a morte deve-se
a um espírito responsável pelo movimento, que nele habitava e o abandonou.
Com um pouco mais de refinamento, atribui-se a cada aspecto do comportamento
de um organismo físico um correspondente interior, da mente ou da
personalidade. Considera-se que o homem interior guia o corpo da mesma
maneira que o volante comanda a direção do automóvel. Os conceitos freudianos
de ego, superego e id são usados desta maneira. Freqüentemente, são
considerados como entidades dentro do sujeito, sem substância em conflito
violento, cujas vitórias ou derrotas resultam no comportamento ajustado ou
desajustado do organismo físico no qual residem. Evidentemente, Freud definiu
esses eventos como “subjetivos”, de tal forma que ficam excluídos de qualquer
possibilidade de utilização em uma análise causal. Ele insistiu nesta ênfase e no
papel do inconsciente. Qualquer evento mental que seja inconsciente é
necessariamente inferido, e sua explicação não se baseia em observações
independentes de uma causa válida.
Os psicólogos comportamentalistas
O hábito de buscar dentro do organismo uma explicação para o comportamento
tende a obscurecer as variáveis que estão ao alcance de uma análise científica.
Essas variáveis, da qual o comportamento é uma função, estão fora do organismo
e devem ser pesquisadas no ambiente imediato, que possui um status físico, para
o qual as técnicas usuais da ciência são adequadas, permitindo uma explicação
do comportamento nos moldes de outros objetos explicados pela ciência. Essas
variáveis independentes são de diversas espécies, e suas relações com o
comportamento são quase sempre sutis e complexas; não se pode esperar uma
explicação adequada para o comportamento sem analisá-las.
Watson geralmente é reconhecido como o fundador do behaviorismo
psicológico. Quando, em 1913, ele proclamou que a matéria de estudo da
psicologia devia ser o comportamento, e não a consciência, encontrou pronta
aceitação de muitos outros estudiosos da psicologia, posto que o comportamento
dos animais e dos homens é publicamente observável; suas descrições podem
substituir dados objetivos para o estudo científico. Foi, portanto, uma total rejeição
do método introspectivo usado até então pela maioria dos autores. Skinner,
professor de Psicologia da Universidade de Harvard, é um dos psicólogos
experimentais mais influentes na tradição behaviorista.
Os psicólogos comportamentalistas
Watson acredita que os únicos traços herdados do comportamento são os
reflexos; os demais seriam atribuídos ao aprendizado. Daí a sua afirmação: “Dê-me
uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas e um mundo próprio para criá-las,
e eu garanto que, tomando qualquer uma delas ao acaso, poderei treiná-la para
tornar-se qualquer tipo de especialista, médico, advogado, artista, comerciante e
até mesmo um mendigo ou ladrão, independentemente de seus talentos, gostos,
habilidades, vocações ou raça de seus antepassados”. Skinner4 levou adiante o
projeto de Watson, aderindo à metodologia behaviorista mais rigorosa, que evita
toda referência às entidades não observáveis. Mostra, também, uma fé semelhante
no projeto de explicar todo o comportamento dos homens e dos animais como
efeito do ambiente, relacionado a alguns processos básicos de condicionamento.
Alguns cientistas são cristãos, outros são humanistas; alguns são de esquerda,
outros de direita. Skinner parece pensar que somente a ciência pode responder a
qualquer tipo de questão. Não encontra base científica para a crença em Deus e
trata a religião como uma instituição social para manipular o comportamento
humano. Os juízos de valor são, na sua opinião, a expressão típica da pressão para
a conformidade que é exercida por qualquer grupo social, como uma espécie de
comando disfarçado. Os juízos de valor só teriam uma base científica objetiva se
constituíssem meios para atingir fins.
Os psicólogos comportamentalistas
Skinner diz que o estudo empírico do comportamento humano é o único
caminho para se chegar a uma verdadeira teoria sobre a natureza
humana. Rejeita, assim, qualquer tentativa de explicar o comportamento
humano por meio de entidades mentais, sejam elas conceitos cotidianos
de desejos, impulsos e decisões, sejam as postulações freudianas de id,
ego e superego. Skinner admite a possibilidade de descoberta de
precondições fisiológicas do comportamento (os estados internos), mas
sustenta que, mesmo que a fisiologia acabe esclarecendo essas
condições internas, teríamos de ultrapassar a fisiologia e procurar
diretamente as causas ambientais do comportamento. Skinner define a
psicologia como um estudo do comportamento. Ele esboça uma
compreensão do comportamento, obtida em suas experiências com
animais (principalmente ratos e pombos), e aplica esta compreensão aos
homens e às instituições sociais, ou seja, ao governo, à religião, à
psicoterapia, à economia e à educação.
Os psicólogos comportamentalistas
É bem possível que as descobertas de Skinner sobre os ratos e os pombos se
apliquem a estas espécies (e talvez a outras espécies mais próximas a elas), mas
não a animais mais complexos, especialmente os homens. Ele parece partir do
pressuposto, igualmente injustificado, de que tudo que se aplica a animais de
laboratório também se aplica (apenas com uma diferença de complexidade) aos
homens. Skinner aplicou suas teorias a uma área muito importante do
comportamento humano: a linguagem, tentando demonstrar que a fala humana
pode ser atribuída ao condicionamento dos falantes por seu ambiente. Os defeitos
básicos desta concepção foram apontados por Chomsky, cuja obra deu uma nova
perspectiva à pesquisa lingüística e à psicologia no século XX. Chomsky sugere que
os traços criativos e estruturais da linguagem humana, a maneira como falamos e
compreendemos frases que nunca ouvimos antes, só por nosso conhecimento do
vocabulário e da gramática da língua, diferenciam a linguagem de qualquer outro
tipo conhecido de comportamento animal. Se isso é verdade, a tentativa de analisar
a fala humana baseando-se no comportamento dos animais inferiores está
condenada. O mesmo se poderia dizer de outras formas do comportamento
distintamente humanas. Chomsky também acha que as teorias de Skinner não
funcionam quando aplicadas à linguagem humana, pois não consideram os fatores
herdados e a contribuição do próprio falante (e não do meio) ao aprendizado da
linguagem.
Os psicólogos comportamentalistas
Toda criança normal aprende uma língua, enquanto nenhum outro
animal pode aprender qualquer coisa que se assemelhe à linguagem
humana, considerando o aspecto fundamental da formação de um
número infinito de sentenças complexas de acordo com as regras
gramaticais.
Assim, parece que a capacidade de aprender este tipo de linguagem é
peculiar à espécie humana. É evidente que a fala não é a única atividade
humana, mas é particularmente representativa das capacidades mentais
superiores do ser humano. Se as teorias de Skinner não conseguem
explicá-la adequadamente, devemos concluir que, mesmo quando essas
teorias explicam um determinado comportamento humano, não podem
dar conta da natureza humana como um todo. Skinner chega a afirmar
que a psicologia pode fornecer técnicas para a manipulação e o controle
do comportamento humano e a transformação da sociedade humana,
para melhor ou pior, desde que abandonemos as ilusões de dignidade e
liberdade individual. Poderíamos, então, criar uma vida mais feliz,
condicionando o comportamento de todos de maneira adequada.
Psicodinamistas
Psicodinamistas são pesquisadores que admitem uma psicodinâmica
estruturada na mente do indivíduo, que seria a causa do seu
comportamento. Esses estudiosos acreditam que, para essa
psicodinâmica, existem causas genéticas ou hereditárias, causas
ambientais e causas que resultam da relação entre o indivíduo e a pessoa
que o acolheu no início do seu desenvolvimento.
René A. Spitz, professor de Clínica Psiquiátrica da Universidade de
Colorado, nos Estados Unidos, estudou a relação mãe e filho no início de
seu estabelecimento5. Spitz verificou que essa relação fornece
informações sobre as fases de desenvolvimento e a sua dinâmica.
Psicodinamistas
Baseando-se na observação da relação de grande número de crianças
com a mãe ou a pessoa encarregada de cuidar delas, retirou informações
preciosas sobre o desenvolvimento normal e patológico da personalidade.
De um total de 170 crianças, observadas durante um ano e meio, Spitz,
encontrou 34 crianças que, depois de um mínimo de seis meses de boas
relações com suas mães, foram separadas delas por um período mais ou
menos longo. O substituto oferecido no lugar da mãe, durante o período
de separação, não satisfez a criança. Essas 34 crianças apresentavam
um quadro clínico progressivo, mês a mês, em função da duração do
período de separação. No primeiro mês, as crianças tornaram-se
choramingonas, exigentes, agarrando o observador que entrava em
contato com elas. No segundo mês, o choro se transformou em guinchos
e houve perda de peso, com parada do progresso no desenvolvimento.
No terceiro mês, houve recusa de contato. As crianças permaneciam na
maioria das vezes deitadas sobre o ventre, apresentavam insônia, perda
de peso contínua e tendência a contrair doenças intercorrentes. Houve
um retardamento motor.
Psicodinamistas
Depois do terceiro mês, a rigidez do rosto tornou-se constante, o choro
cessou e foi substituído por gemidos raros; o retardamento aumentou e
ocorreu a letargia. Essa perturbação desapareceria, com uma rapidez
surpreendente, se, antes que tivesse passado um período crítico (entre o
fim do terceiro e o fim do quinto mês), a mãe fosse restituída à criança, ou
fosse encontrado um substituto aceitável para ela. A esse estado
involutivo da criança, Spitz deu o nome de “depressão anacrítica”. Esses
são exemplos de privação afetiva parcial citados por Spitz.
Um outro estudo feito por ele foi o de carência total. O material de
estudo, neste caso, consistiu de 91 lactentes residentes em um orfanato
situado fora dos Estados Unidos. Essas crianças, durante os três
primeiros meses de vida, foram criadas no seio pelas mães. Durante esse
período, os lactentes comportaram-se e desenvolveram-se de acordo com
a média das crianças normais da região do orfanato. Após o terceiro mês,
os lactentes foram desmamados e ficaram sob os cuidados de uma
enfermeira que se ocupava, em média, de 19 crianças ou mais.
Psicodinamistas
No que concerne ao ponto de vista físico, as crianças recebiam
cuidados perfeitos de nutrição, higiene e outros, e eram até mais bem
cuidadas do que em outras instituições observadas pelo autor. Porém,
como a enfermeira se ocupava de muitas crianças, elas recebiam
escassas provisões maternais, o que constituiu uma carência afetiva
completa. Depois de terem sido separadas das mães, o estado inicial
dessas crianças era de privação parcial. A seguir, o retardo motor tornouse evidente: ficavam prostradas no leito, com o rosto inexpressivo, ar
imbecilizado, coordenação ocular geralmente defeituosa e nível de
desenvolvimento que apresentava diminuição contínua. Essas crianças
foram observadas até a idade de 4 anos. Ao fim do segundo ano, o nível
de desenvolvimento atingiu uma média de apenas 45% do normal: é o
nível da idiotia. A baixa resistência contra as infecções, de um lado, e a
deterioração progressiva, de outro, conduziram uma porcentagem
elevada de crianças ao marasmo e à morte.
Psicodinamistas
Das 91 crianças que foram observadas durante dois anos nesse orfanato, 37%
morreram. Em contrapartida, observando 220 crianças de outras instituições, que
eram cuidadas pelas próprias mães, verificou-se que, durante quatro anos, não
houve nenhum caso de morte. Esta comparação fornece elementos que nos
conduzem a pensar que a carência afetiva completa leva a uma deterioração
progressiva, diretamente proporcional à duração do período de carência a que o
lactente é submetido.
A depressão anacrítica e o hospitalismo demonstraram que a ausência de
relações objetivas, ocasionada pela carência de afeto, retarda o desenvolvimento
de todos os setores da personalidade. A partir dessas observações, Spitz concluiu
que o estado normal de fusão dos dois instintos, o de vida e o de morte, ou seja, a
agressão, tem um papel comparável ao de uma onda condutora, que torna
possível dirigir os dois instintos para o meio ambiente; mas, se o impulso
agressivo não é fundido ao libidinoso ou, alternativamente, ocorre uma difusão, a
agressão se volta para a própria pessoa, no caso, a criança, e a libido não pode
ser dirigida para o exterior. Uma neutralização do impulso, isto é, a transformação
da energia instintiva em energia neutralizada, poderia evitar as conseqüências
perniciosas da difusão.
Psicodinamistas
A neutralização pressupõe uma certa medida de integração
do Eu, e a criança não é capaz disso antes do último
trimestre do primeiro ano. A primeira grande fase de
integração do Eu ocorre no período em que se encontram o
segundo e o terceiro organizadores, entre o 8o e o 18 mês de
vida, e termina com a aquisição da função simbólica da
linguagem.
Esse processo de integração do Eu é um passo decisivo na
humanização da espécie. De acordo com Spitz, para que isso
ocorra, as seguintes condições devem ser satisfeitas:
Psicodinamistas
1.um clima de segurança, isento de perigo, é indispensável (um clima que
somente o objeto libidinoso pode assegurar);
2.as tendências agressivas, assim como as libidinosas, devem ter uma via
contínua que possibilite uma descarga livre; essa descarga ocorre sob a
forma de afetos dirigidos para o objeto libidinoso e, também, por meio de
trocas de ações entre a criança e este mesmo objeto;
3.no caso de um clima afetivo de segurança, uma alteração dos
processos psíquicos ocorre depois da constituição do Eu (assinalamos
que a expressão “processo psíquico” compreende, entre outros, o
mecanismo de defesa no sentido mais amplo do termo).
4.Depois da constituição do Eu, a criança irá elaborar esses mecanismos
de maneira crescente e deles se servirá para adaptação, defesa e
também para a formação de sua personalidade. Portanto, isso influi na
formação do caráter.
Conceito de caráter, segundo as concepções
psicanalíticas
A investigação psicanalítica apresenta uma teoria sobre o caráter baseada nas
pesquisas de Freud, K. Abraham, Otto Fenichel, W. Reich e outros autores, que
foram os pioneiros a sistematizar o conceito de caráter sob o ponto de vista
psicanalítico. Entre estes pioneiros, W. Reich foi um dos autores que mais
aprofundou o estudo das teorias psicanalíticas sobre o caráter. O estudo das
funções e da estrutura do caráter deslocou o interesse dos estudiosos da
focalização nos sintomas do indivíduo para o estudo das teorias do caráter.
O primeiro a chamar atenção para isso foi Sigmund Freud, que demonstrou que
certas particularidades do caráter podem explicar-se historicamente pela
persistência de tendências instintivas primitivas modificadas pela influência do
ambiente. Freud sistematizou as chamadas “séries complementares”, que
demonstram, historicamente, a origem do caráter. Assim, ele esquematiza: os
traços do caráter resultam da disposição de fixação da libido acoplada a
acontecimentos na vida adulta, como, por exemplo, as frustrações. O
acoplamento dessas duas funções, ou destes dois fatores, depende, por sua vez,
originariamente, das disposições hereditárias das chamadas tendências parciais
acopladas a disposições adquiridas na infância, através dos acontecimentos.
Conceito de caráter, segundo as concepções
psicanalíticas
Freud foi o primeiro a estudar, no ano de 1908, “o caráter e o erotismo
anal”, chamados por ele de “instintos parciais anais”, que foram
considerados o substrato dos traços caracteriológicos posteriores
(avareza, ordem, etc.). Observadas por um leigo, as pessoas se
classificam em meigas, duras, agressivas, impulsivas, frias, etc. Estes
traços de caráter encontram no estudo psicanalítico profundas raízes
históricas dessas formações; assim, às vezes, a excessiva cortesia
encobre um caráter defensivo contra impulsos subjacentes de violência e
sadismo.
Em psicanálise, o termo caráter é usado no sentido de expressar a
forma habitual de uma determinada reação do indivíduo e sua relativa
constância. Nessas condições, estímulos diferentes produzem reações
similares. A repressão, a fixação e a regressão são conceitos básicos na
gênese do caráter anal.
Conceito de caráter, segundo as concepções
psicanalíticas
Os conceitos de fase oral, anal e genital são elementos estruturantes do
caráter; estas fases formam as defesas caracteriológicas. Assim, a defesa
contra impulsos instintivos pode ser expressada no mundo exterior por
atitudes constantes de oposição. Agindo assim, expressa, no outro, a
frustração constante do não, que é a expressão exterior do não interior
intolerado.
Os traços são conglomerações de conflitos instintivos em geral. O
caráter é misto, pois apresenta vários traços, embora um ou outro possa
predominar. Podemos encontrar predomínio de defesas histéricas,
obsessivas, maníacas ou fóbicas. Assim, observamos pessoas que
apresentam um caráter com traços predominantemente histéricos,
obsessivos, maníacos ou fóbicos. A fixação de certos mecanismos de
defesa e as atitudes caracteriológicas dependem:
Conceito de caráter, segundo as concepções
psicanalíticas
1.da natureza dos impulsos instintivos que devem ser reprimidos;
2.da época em que ocorreu o conflito (quanto mais precoce, mais
intensas as perturbações posteriores);
3.das perturbações do período oral, as quais são muito mais desastrosas
que as do período genital, por exemplo;
4.da introjeção e da projeção que ocorrem em idade bem precoce,
anteriormente ao uso da repressão e da regressão;
5.das formações reativas, que dependem de uma atividade mais
desenvolvida do Ego;
6.da intensidade das frustrações;
7.do fato de haver ou não, no momento das frustrações, gratificações
substitutivas.
Conceito de caráter, segundo as concepções
psicanalíticas
Wilhelm Reich usa a expressão “couraça caracteriológica” para
expressar aquele estado de comportamento crônico, em que o indivíduo
se protege de perigos internos e externos inconscientes por meio de uma
atitude constante de comportamento.
É como uma membrana celular que separa o mundo interno do externo.
Se há flexibilidade na couraça caracteriológica, estamos frente a um
caráter normal; porém, se há rigidez, trata-se de um caráter neurótico. O
grau de flexibilidade guarda uma relação proporcional com a saúde
mental.
Caráter anal
Organização pré-genital da libido, com regressão a etapas em que
predominam impulsos anais sádicos e agressivos. Neste estado, surgem
defesas obsessivas contra o material defendido na fixação anal, que são
o sadismo e a violência. Alguns indivíduos apresentam atitudes de
extrema limpeza e ordem exageradas.
Essas pessoas se concentram exageradamente em pormenores e se
fixam neles; os pensamentos freqüentemente são interrompidos por
idéias compulsivas irracionais, que torturam o indivíduo. Muitos deles
praticam rituais defensivos. Satisfazem-se em colocar pessoas sob sua
dependência, para depois expressar o sadismo no relacionamento.
Caráter anal
O caráter anal produz traços de obstinação e teimosia característicos,
que, em alguns casos, podem ser positivos, quando colocados a serviço
da persistência e escrupulosidade de atitudes sociais construtivas,
enquanto,
em
outros
casos,
fixam-se
obstinadamente
em
comportamentos irracionais.
Há indivíduos obstinados em colecionar objetos. Junto a esses traços,
surgem outros, de natureza diametralmente oposta, como falta de limpeza
e desordem.
Caráter oral
O erotismo oral é também uma fonte na formação do caráter. Enquanto
os elementos anais necessitam ser defendidos frente à situação social, os
elementos do erotismo oral não necessitam dessa defesa. Devemos ter
em mente que o prazer do período oral é, em grande medida, o prazer de
receber algo, de tomar algo. De acordo com o nível de satisfação ou
frustração na fase oral, o traço de caráter será predominantemente
pessimista ou otimista. Os indivíduos oralmente insatisfeitos apresentam
traços de alguém que vive pedindo, reivindicando algo como uma
indenização de um passado. Sua necessidade de receber algo é
transformada, muitas vezes, em necessidade de falar ininterruptamente.
Há uma descarga oral, através da verbalização; o indivíduo espera
receber algo e descarrega impulsos hostis. Em geral, as pessoas
oralmente satisfeitas na infância apresentam um grau de generosidade
elevado: trata-se de uma identificação com a mãe gratificadora.
Caráter genital
O caráter genital é o mais alto nível da organização da libido. Esta fase
só é alcançada quando a libido atingiu sua capacidade de amor objetal. É
na fase genital que surgem o complexo de Édipo e as suas
conseqüências. A observação nos ensina que nenhuma etapa evolutiva é
superada ou reprimida completamente; essa etapa final não é narcisista,
pois caracteriza uma relação objetal completa.
Pode haver, nessa fase, o acoplamento de traços patológicos, como, por
exemplo, o chamado caráter fálico-narcisista.
Caráter fóbico
São pessoas que utilizam o processo de evitação, esquivando-se de
situações que originalmente podem ter sido desejadas. Esse processo de
evitação pode ser localizado, por exemplo, em locais fechados ou de
aglomeração de pessoas, em situação de casamento constituído
juridicamente, etc. Assim, por exemplo, impulsos violentos, ou seja,
desejos de descarga de violência podem ser expressados pelo medo de
um espaço fechado. Há pessoas que têm traços de caráter fóbico e
apresentam esses elementos como destaque, entre outros traços de sua
personalidade.
Caráter histérico
São pessoas propensas à sugestionabilidade, à teatralização do
relacionamento e à substituição de emoções autênticas por emoções
representadas, como se fossem reais; mentem rotineiramente. Essas
pessoas usam este caráter de representação como defesa contra a
vivência de emoções autênticas.
Caráter fálico-narcisista
Segundo Reich, enquanto o caráter obsessivo é predominantemente
inibido, bloqueado, lento, o histérico é nervoso, ágil e rápido. O caráter
fálico-narcisista é seguro de si mesmo, porém com elementos de forte
arrogância e traços imponentes e agressivos.
Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma
criança, segundo alguns estudiosos do assunto
Sargent e Stafford, em seu livro Ensinamentos básicos dos grandes
psicólogos, fornecem-nos uma compilação de diferentes fontes, onde
podemos constatar a influência do ambiente e da hereditariedade no
desenvolvimento da criança.
Esses autores escreveram algumas histórias dramáticas de crianças
abandonadas na selva e criadas entre os animais, como se fossem um
deles. Embora esses relatos sejam raros, e com informações incompletas
e imprecisas, sua existência merece atenção3.
Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma
criança, segundo alguns estudiosos do assunto
1.Em 1799, caçadores descobriram um garoto selvagem nas florestas do
sul da França. Aparentava cerca de 11 anos de idade e se comportava
como um animal. Capturado e levado para Paris, ficou aos cuidados do
doutor Jean Itard, que tentou civilizá-lo. O garoto parecia débil mental e
seus sentidos estavam embotados; emitia grunhidos ocasionais. Durante
cinco anos, o médico tentou ensiná-lo. O garoto progrediu, embora nunca
se tornasse completamente normal. Aprendeu a responder o seu nome, a
falar e a ler de uma maneira rudimentar. Não se acostumou a brincar e
socializar-se com as outras crianças. Este caso tem versões diferentes na
forma de interpretá-lo: uma versão supõe que o garoto já poderia ser
deficiente mental e, por isso, foi abandonado na floresta; outra atribui ao
ambiente não humano, no qual ele permaneceu durante tanto tempo, a
causa do seu retardamento na aprendizagem; uma terceira admite a
coexistência desses dois fatores.
Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma
criança, segundo alguns estudiosos do assunto
2.Em 1920, duas meninas, chamadas de Kamala e Amala, foram
encontradas vivendo com os lobos na floresta de Bengala, na Índia.
Kalama parecia ter cerca de 9 anos e Amala, 2 anos. Foram levadas a um
orfanato, onde o diretor, o reverendo Singh, e sua esposa cuidaram delas
e as ensinaram. No começo, as crianças se comportavam como animais,
andando de quatro, parando em pé apenas ocasionalmente e
apresentando os sentidos de audição e olfato muito aguçados. Lambiam a
comida como um cachorro, comiam vorazmente carne, que chegavam a
roubar. Amala morreu pouco tempo depois de sua captura. Kamala
aprendeu a usar roupas, comer em um prato, caminhar na posição
vertical, embora muitas vezes caísse ao correr. Gradualmente, foi
abandonando seus modos animais, aprendendo a falar e a usar cerca de
cem palavras, demostrando iniciativa, e desenvolveu um modo de vida
humano. Não foram chamados psicólogos ou profissionais habilitados
para estudar essa criança, e parece que ela viveu mais nove anos depois
de sua captura.
Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma
criança, segundo alguns estudiosos do assunto
Embora o fato de crianças humanas viverem em ambiente não humano (animal)
seja inusitado, é possível encontrar histórias como essas e observações
importantes sobre o meio ambiente no desenvolvimento da criança. Essas
crianças, encontradas em estado selvagem, apresentavam, em geral, ausência de
raciocínio, de linguagem e de conduta social. Entretanto, ao serem reeducadas,
puderam aprender o uso do raciocínio, da linguagem e da conduta social. Afinal,
concluiu-se que, quanto mais tempo tenham estado isoladas de influência
humana, mais difícil torna-se ensiná-las e menor é a possibilidade de adquirirem
uma condição humana normal.
Existem casos de isolamento e privação da criança em ambiente humano, em
que carecem de relacionamento com outras pessoas. Há relatos de crianças que,
por razões políticas ou outras circunstâncias, foram conservadas prisioneiras em
calabouços e isoladas de toda a comunicação com o mundo exterior, muitas delas
desde tenra infância. Em geral, crescem sem desenvolver a linguagem, o
raciocínio e a conduta social, porém, quando reeducadas, progridem, readquirindo
a condição humana normal.
Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma
criança, segundo alguns estudiosos do assunto
O estudo comparativo da influência da hereditariedade e do ambiente no
desenvolvimento da criança foi feito por muitos autores. Assim, por
exemplo, foram estudados gêmeos univitelinos separados desde o
nascimento e criados em ambientes diferentes, ou crianças adotadas e
criadas com filhos de sangue pelos mesmos pais, no mesmo ambiente.
Todas essas pesquisas, em geral, foram feitas com uma metodização
científica, por meio da aplicação de testes. Em geral, os fatores mais
pesquisados nesses testes são o desenvolvimento e a inteligência. É
evidente que, para analisarmos os fatores hereditariedade e ambiente,
temos de delimitar o referencial de avaliação, nesse caso, a inteligência
ou a emoção na forma de relacionamento do indivíduo. Essa delimitação
é necessária, pois cada aspecto da personalidade implica determinantes
diferentes.
Estudo da relação entre hereditariedade e ambiente no desenvolvimento de uma
criança, segundo alguns estudiosos do assunto
Os autores não são unânimes em relação à influência da hereditariedade e do
ambiente no desenvolvimento da criança. Há os chamados extremistas, que apontam
disparidades extremas em suas afirmações. Assim, em 1920, Rudolf Pintner afirmou:
“o poder do ambiente não é particularmente tão importante quanto se supõe... As
capacidades de uma criança são determinadas por seus ancestrais e tudo que o
ambiente pode fazer é dar oportunidade para o desenvolvimento de suas
potencialidades. Não pode criar novos poderes ou capacidades adicionais”. Como
citamos anteriormente, em 1925, J. B. Watson afirmou: “Dê-me uma dúzia de crianças
saudáveis, bem formadas e um mundo próprio para criá-las, e eu garanto que,
tomando qualquer uma delas ao acaso, poderei treiná-las para tornar-se qualquer tipo
de especialista, médico, advogado, artista, comerciante e até mesmo um mendigo ou
ladrão, independentemente de seus talentos, gostos, habilidades, vocações ou raça
dos seus antepassados”.
A relação entre hereditariedade e ambiente continua a ser fonte de controvérsias e,
às vezes, de má interpretação dos fatos; poucos estudiosos, no entanto, se colocariam
hoje com o extremismo de Watson e Pintner. A estrutura física e as capacidades
motoras são estreitamente determinadas pela hereditariedade e pouco afetadas pelo
ambiente. Muitos pesquisadores tendem a colocar, também, a inteligência como
resultante do fator hereditariedade. Entretanto, os traços da personalidade são
fortemente influenciados pelo ambiente.
Referências bibliográficas
1.KARDINER, A. The Psychological Frontiers of Society. Apud: SPITZ, R.
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3.SARGENT, S. S. & STAFFORD, K. R. Ensinamentos básicos dos grandes
psicólogos. Porto Alegre: Globo, 1969.
4.SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes,
1989.
5.SPITZ, R. Desenvolvimento emocional do recém-nascido. São Paulo: Pioneira,
1960.
6.STEVENSON, L. Sete teorias sobre a natureza humana. Rio de Janeiro: Labor
do Brasil, 1976.
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