FUNDAMENTOS DE QUÍMICA ORGÂNICA Programa teórico 2006-2007 Agronomia Professor responsável: Alfredo Cravador (Programa provisório) INTRODUÇÃO ESTRUTURA ELECTRÓNICA DOS ÁTOMOS A LIGAÇÃO QUÍMICA COVALENTE Valências múltiplas Hibridação das orbitais Ligações múltiplas Átomos com pares de electrões não compartilhados Polaridade das ligações Modos de representação das ligações Representações no espaço CONSTITUIÇÃO DAS MOLÉCULAS ORGÂNICAS Grupos funcionais Nomenclatura Cadeias ramificadas Nomes triviais de radicais Isomeria Isomeria constitucianal Isomeria de posição Isomeria funcional Isomeria geométrica Isomeria óptica INFLUÊNCIA ESTRUTURAL DAS LIGAÇÕES ORGÂNICAS Efeitos electrónicos : indutivo electrómero hiperconjugação Efeitos estéricos A REACÇÃO ORGÂNICA Aspecto balanço substituição adição eliminação transposição Aspecto mecanístico reagentes nucleófilos e electrófilos Aspecto cinético ALCANOS Nomenclatura Métodos de preparação 1. Redução dos haloalcanos 2. Redução dos organometálicos 3. Acoplamento dos haloalcanos 4. Redução dos alcenos Reacções dos alcanos 1. Oxidação 2. Cracking 3. Halogenação ALCENOS Nomenclatura Reacções dos alcenos 1. Adições: a.Catalítica b.Electrófila: 2. Oxidações: 3. 4. Polimerização Substituição de halogéneo de ácido hidroboração c.Radicalar d.Orientação da adição: Markovnikov Anti-Markovnikov KMnO4 OsO4 Cromatos e dicromatos Ozonólise Epoxidação Orientação Compostos poliénicos (hidrocarbonetos poli-insaturados) 1. Ligações duplas separadas por 3C ou mais 2. Ligações duplas separadas por 2C (ligações duplas conjugadas) Propriedades dos dienos conjugados: reacções de adição 1,2 e 1,4. Reacção de cicloadição de Diels-Alder Polimerização 3. Ligações duplas consecutivas (cumulenos) Estrutura e propriedades ópticas Preparação dos alcenos 1. Eliminação a. Desidratação b. Desidroalogenação c. Desalogenação 2. Redução das ligações triplas 3. Reacção de Wittig ALCINOS Nomenclatura Preparação dos alcinos 1. Desidroalogenação 2. A partir de alcinos com formação de ligação C-C Propriedades Químicas 1. Reacções de adição: a.de ácido b. de água 2. Reacções ligadas ao carácter ácido DERIVADOS HALOGENADOS Nomenclatura 2 Preparação 1. Halogenação de alcanos 2. Adição de HX ou de X2 aos alcenos 3. A partir dos alcoois a) Acção dos ácidos halogenados minerais b) Acção de haletos de ácidos minerais 4. Degradação de sais de prata de ácidos carboxílicos Preparação de halogenados vinílicos 1. Adição de HX aos alcinos 2. Eliminação de di-halogenados (geminais e vicinais) Propriedades químicas 1. Substituição Nucleofílica a) Poder nucleofílico, polarisabilidade e basicidade b) Utilização da reacção SN na preparação de diversas classes de compostos orgânicos c) Estudo do mecanismo das reacções SN1 e SN2 (aspectos cinéticos e estereoquímicos) 2. Reacções de Eliminação 3. Reacção com derivados metálicos 4. Redução em alcanos Derivados halogenados não saturados 1. Haletos vinílicos - propriedades químicas 2. Haletos alílicos - propriedades químicas Propriedades dos derivados poli-halogenados 1. Halofórmios (síntese, teste do iodofórmio) 2. Casos particulares (solventes, fosgeno, polifluorados, pvc, clorofluorocarbonados, pesticidas, herbicidas) lacrimonogénios, ÁLCOOIS Nomenclatura Propriedades físicas Ligações H, P.fusão, solubilidade na água Preparação 1. SN a partir dos derivados halogenados 2. Hidratação dos hidrocarbonetos insaturados a. H2S04 + H20 b. Hidroboração c. Oximercuração d. Hidroxilação e. Epoxidação 3. Redução dos derivados carbonilados a. Aldeídos b. Cetonas c. Ésteres d. Ácidos carboxílicos 4. Redução dos epóxidos 5. A partir dos organometálicos 6. Hidrólise dos ésteres carboxílicos Propriedades Químicas 1. Carácter ácido-base; distinção entre álcoois primários, secundários e terciários 2. Oxidação dos álcoois (1ªrios, 2ªrios) 3. Transformação dos álcoois em ésteres 4. Desidratação dos álcoois a. Em alcenos 3 b. Formação de éteres (SN1 ou SN2) ÉTERES Nomenclatura Preparação 1. A partir dos álcoois a. Método de Willianson b. Método do diazometano c. Desidratação bimolecular d. Adição aos alcenos Propriedades Químicas 1 Fraca reactividade 2 Carácter basico de Lewis a. SN com HI b. Reacções com ácidos de Lewis . Eteratos . Sais de trialquiloxónio (agentes de alquilação) 3. Reacções com radicais e com oxigénio CETONAS E ALDEÍDOS Nomenclatura Preparação 1. Comum a. Oxidação dos álcoois 1ªrios e 2 ªrios ) Com DMSO ) Reacção de troca (oxidação de Openauer) b) Ruptura glicolítica (oxidativa dos glicois) c) Ozonólise das ligações duplas C=C d) Hidrólise dos derivados halogenados geminados e) Pirólise dos sais de Ca f) Hidrólise de derivados de aldeídos e de cetonas 2. Particular dos aldeídos a. Redução de Rosenmund de cloretos de ácido 3 Particular das cetonas a. Adição de reagentes organometálicos aos ácidos e aos seus derivados ) A partir de cloreto de ácido ) A partir de nitrilos Propriedades Físicas Propriedades Químicas: Comuns 1) Adição/ C=O 2) Oxido-Redução 3) Enois e enolatos 1) Adição nucleofílica a) H (-) variante : Reacção de Meerwein-Pondorf-Verley b) R (-) (RMgX) c) (-)CN d) H2O e) NaHSO3 f) ROH c/ eliminação de H2O g) H2NY ) Y= OH ) Y= NH2 ) Y= NHC6H5 ) Y= NH-(2-4-diNO2)C6H3 ) Y= NHCONH2 4 2) Reduções a) De Clemmensen b) de Wolff Kischner 3) Reacções decorrentes do carácter ácido do H em do C=O a) Condensação aldólica b) Halogenação Propriedades particulares dos aldeídos 1) Carácter redutor dos aldeídos a) Reagente de Tollens b) Solução de Fehling 2) Polimerização Aldeídos não saturados Acroleína Cetenos Dialdeídos e dicetonas Glioxal Dipentanona (Tautomeria ceto-enol e preparação) Ácidos Nomenclatura Preparação: 1. Oxidação 2. Hidrólise 3. Carboxilação c/organometálicos 1. Oxidação 2. Hidrólise a. Aldeidos b. Cetonas c. Álcoois a. Cloretos de ácido, ésteres, amidas b. Nitrilos 3. Carboxilação Propriedades Físicas PEb Solubilidade Propriedades Químicas a. Carácter ácido b. Reacções conduzindo a ruptura C-O . Cloretos de ácido . Ésteres . Anidridos . Amidas e nitrilos c. Reacções de degradação . Electrólise . Fusão de sais de ácido . Pirólise de ácidos e sais de cálcio . Descarboxilação . Reacções decorrentes do carácter ácido do H . Propriedades particulares do ácido fórmico Ácidos não saturados 5 Nomenclatura Preparação Diácidos Nomenclatura Propriedades Diácidos não saturados Exemplos e propriedades Aminas Nomenclatura Preparação 1. Alquilação a. Aminas primárias (Método de Gabriel) b. Aminas secundárias 2. Redução de outros derivados azotados 3. Degradação das amidas (degradação de Hoffmann 4. Degradação de Schmidt 5. Transposição de Beckmann Propriedades físicas Propriedades químicas 1. Carácter ácido-base 2. Reacção com derivados halogenados 3. Acilação 4. Distinção entre aminas primárias, secundárias e terciárias 5. Oxidação Série benzénica ou aromática Estrutura do benzeno Energia de conjugação Aromaticidade Propriedades do anel benzénico Reacções de Substituição Electrófila Reacções gerais: Halogenação Nitração Sulfonação Alquilação Acilação Mecanismo Efeitos de activação dos substituintes: Grupos captores Grupos dadores Benzeno substituído com dois substituintes: efeitos de activação Homólogos do benzeno (oxidação, polimerização) Derivados halogenados (benzénicos,benzílicos) Preparação Propriedades químicas Ácidos sulfónicos Preparação Carácter ácido Outras propriedades químicas (reactividade, derivados) Derivados nitrados Preparação Propriedades (efeito captor, redução) 6 Aminas aromáticas Preparação Propriedades Alguns termos e derivados Derivados diazoicos Preparação Reacções Derivados hidroxilados Grupo OH na cadeia lateral Propriedades e síntese Grupo OH ligado ao núcleo aromático- fenóis Preparação Propriedades (semelhantes e diferentes das dos alcoois) Aldeídos e cetonas Preparação Propriedades (semelhantes às da série alifática e particulares) Reacçãode Cannizzaro Reacção de Perkin Formação de benzoínas e transposição benzílica Ácidos e derivados Compostos polinucleares BIBLIOGRAFIA Francis A. Carey. Organic Chemistry. McGraw-Hill International Editions Stanley H. Pine. Organic Chemistry. McGraw-Hill International Editions K. Peter Vollhardt, Neil E. Schore. Organic Chemistry. W. H.Freeman and Company Morrison, Boyd. Organic Chemistry. Prentice-Hall International Editions T. W. Graham Solomons. Organic Chemistry. John Wiley & Sons, Inc. Robert J. Ouellette, J. David Rawn. Organic Chemistry.Prentice Hall R.M. Silverstein & G.C. Bassler. Spectrometric Identification of Organic Compounds.Wiley International Edition QUÍMICA ORGÂNICA 7 Introdução Pensa-se que as primeiras moléculas orgânicas apareceram na terra há biliões de anos, num momento em que a atmosfera terrestre era composta por CO2, vapor de água, N2, NH3 e CH4. Segundo o químico russo Oparine, as primeiras moléculas orgânicas complexas, moléculas que são precursoras da vida formaram-se a partir das moléculas que constituíam a atmosfera. Estes gases simples seriam dissociados nos seus elementos constitutivos pela energia fornecida pelas descargas eléctricas na atmosfera durante as tempestades e pela desintegração de substâncias radioactivas terrestres. Estes elementos poderiam então recombinar-se em compostos mais complexos. Stanley Miller confirmou as ideias de Oparine ao reproduzir no laboratório as condições atmosféricas hipotéticas e simulando as tempestades através de descargas a que submetia a mistura de gases. Pôde assim mostrar que se formavam moléculas orgânicas, e nomeadamente aminoácidos, que são as moléculas a partir das quais são formadas todas as proteínas, constituintes principais da matéria viva. Toda a matéria viva é composta dum pequeno número de elementos - C, H, O e N - que representam 98% da matéria dos tecidos vivos. Com excepção do oxigénio estes elementos são constituintes raros da crosta terrestre, na qual existem em proporção de menos de 1%. Ao longo dos processos do aparecimento da vida e da evolução, o átomo de carbono, conjuntamente com a água e um pequeno número de elementos, desempenha um papel absolutamente essencial. Porque razão é o átomo de carbono o elemento central à volta do qual está organizada a química da vida? Um organismo simples como a bactéria Escherichia coli é constituído por 5000 compostos químicos diferentes, dos quais 3000 são proteínas. O corpo do homem contém cerca de 5 106 proteínas diferentes entre elas e diferentes das dos outros organismos. Considerando a multiplicidade de espécies que vivem actualmente na terra (cerca de 1.200.000) pode-se calcular que cerca de 1012 proteínas diferentes participam no conjunto dos processos vitais. Apesar desta fantástica diversidade é o átomo de C que fornece o esqueleto de todas estas moléculas proteicas. E não só das proteínas. É o caso igualmente dos ácidos nucleicos (DNA e RNA), dos lípidos e dos glícidos. Porque é o átomo de C tão apropriado para os processos vitais e não o são os outros cerca de 100 elementos conhecidos? A resposta a esta questão reside no estudo da estrutura atómica do C. O átomo de C possui quatro electrões na sua camada externa e cada um deles pode ser posto em comum com os electrões dos outros elementos que podem completar as suas camadas electrónicas pela formação de ligações covalentes. N, H e O são elementos que se podem ligar desta maneira. Um átomo de C isolado pode assim compartilhar no máximo 4 pares de electrões com 4 outros átomos para formar compostos como o metano CH 4. H H C H H 8 Mas a particularidade mais característica do C, a que a distingue de todos os outros elementos (excepto do Si) e que explica o papel fundamental que desempenha na origem da evolução da vida é a sua capacidade para pôr em comum os seus pares de electrões com outros átomos de C, formando ligações covalentes carbonocarbono. Este fenómeno simples constitui o fundamento de toda a química orgânica, permitindo a formação duma imensa variedade de estruturas carbonadas lineares, ramificadas, cíclicas ou em gaiola, complementada com átomos de hidrogénio, oxigénio, de azoto ou de outros elementos susceptíveis de se ligarem de maneira covalente. Só os elementos que possuem quatro electrões na sua camada mais externa podem formar longas cadeias estáveis, combinando-se entre eles por ligações covalentes. O silício é o único átomo, para além do átomo de carbono, que dá origem a cadeias de átomos relativamente estáveis. No entanto estes compostos, com ligações Si-Si não podem subsistir na atmosfera terrestre rica em oxigénio. São oxidados em SiO 2, que é o constituinte principal do quartzo e da areia. Esta é a razão pela qual, pelo menos na Terra, o carbono é o único átomo capaz de fornecer o esqueleto das moléculas constitutivas da matéria viva. Estrutura electrónica dos átomos Segundo o princípio fundamental da mecânica ondulatória, os electrões comportam-se como ondas e como tal podem ser descritos por uma equação de onda, da mesma maneira que as ondas luminosas e as ondas sonoras. A equação que serve de modelo matemático para os electrões é a equação de Schrödinger. As soluções desta equação são por seu lado outras equações que são funções de onda chamadas orbitais. Cada orbital é na realidade uma função matemática que descreve uma distribuição possível do electrão no espaço. A cada uma destas orbitais está associada uma energia E. O electrão possui uma destas distribuições e o átomo a energia correspondente, I.É., para uma distribuição dada do electrão no espaço, o átomo possui uma energia dada. Se bem que exista teoricamente um número infinito de soluções, cada uma com a sua energia respectiva, não existem soluções com uma energia situada entre as energias correspondentes a duas soluções sucessivas. Só existem soluções da equação de Schrödinger para certos valores de energia, I.É., a energia é quantificada. Esta noção não é nova e significa que existem certos níveis de energia ocupados pelo electrão, o qual não pode ocupar níveis intermédios. As soluções, sendo equações, podem ser representadas graficamente. Estes gráficos são representações tridimensionais da densidade dos electrões no espaço. Uma das soluções corresponde à energia mais baixa possível do electrão e tem uma distribuição simétrica e esférica da densidade electrónica à volta do núcleo. z x 9 y A densidade aumenta a partir do núcleo em todas as direcções, até atingir um máximo e em seguida decresce rapidamente. O máximo corresponde ao raio de Bohr ao: h2 a0 4 2 me 2 Em que e é a carga do electrão, m a sua massa e h a constante de Planck. Se bem que a densidade electrónica não seja nula a uma distância infinita do núcleo (porque é uma probabilidade e esta nunca é nula) é possível representar uma esfera em que o raio é quatro a cinco vezes o raio de Bohr. Esta nuvem electrónica, que tem uma simetria esférica é uma orbital s. Como corresponde ao nível mais baixo possível é chamada 1s. No nível seguinte de energia encontram-se quatro orbitais. Uma é a orbital 2s, que como a 1s é esférica e que além disso contém um espaço nodal, que é uma região do espaço em que a probabilidade de encontrar o electrão é muito reduzida, praticamente nula. As outras 3 são as orbitais 2p: px, py, e pz que não possuem simetria esférica e se situam ao longo dos eixos x, y, z. Uma orbital p consiste em dois lobos separados por um plano nodal. Neste caso o plano nodal é o plano inteiro xy. 10 z y x Existem ainda orbitais de energia superior, chamadas d e f, que são muito mais complicadas e relativamente menos importantes em química orgânica. Existem também orbitais s e p de energia mais elevada 3s, 3p, 4s etc. Um electrão, o do átomo de H, por exemplo, pode ocupar só uma das orbitais num dado momento, não pode situar-se simultaneamente em duas orbitais. Contudo um electrão pode passar duma orbital para outra. Sempre que isto ocorre, a orbital ocupada previamente torna-se um estado potencial e a nova orbital fica ocupada. Para passar de uma orbital de energia mais baixa para uma de energia superior, é necessário fornecer energia ao electrão. Quando passa de um estado de energia mais elevada para um de mais baixa energia, o electrão liberta energia. As transições de um estado energético, de uma orbital para outra não são arbitrárias, algumas não são permitidas e existem regras de selecção que determinam quais são as que podem ocorrer. Quando o electrão está na orbital 1s, o átomo de H está no estado fundamental. Todos os níveis ocupados, acima do estado fundamental são chamados estados electronicamente excitados. As estruturas electrónicas dos primeiros cerca de 20 átomos da tabela periódica de Mendeliev podem ser determinadas aplicando os princípios seguintes: 1. Em qualquer átomo as orbitais disponíveis para serem ocupadas por electrões têm formas semelhantes às do átomo de hidrogénio, se bem que as energias sejam diferentes. Utilizam-se as mesmas designações 1s, 2s, 2p. 11 2. No estado fundamental do átomo os electrões ocupam o nível de energia mais baixo. O átomo já se encontra num estado excitado, mesmo se só um electrão estiver numa orbital de energia mais elevada que uma orbital vazia. 3. O número máximo de electrões que podem estar presentes numa orbital é de 2 e têm que possuir spins opostos. É o princípio de exclusão de Pauli. O spin é uma propriedade do electrão para o qual 2 e unicamente 2 estados possíveis existem. 4. Quando existem orbitais degeneradas (I.É., de energia idêntica) disponíveis, e não há electrões em número suficiente para as ocupar totalmente, todas as orbitais serão semiocupadas antes que uma delas seja completamente preenchida. É a regra de Hund. O átomo de azoto, por exemplo, tem 7 electrões, quatro dos quais ocupam as duas orbitais de energia mais baixa, as orbitais 1s e 2s. Acima delas situam-se as 3 orbitais p que podem comportar um máximo de 6 electrões. A regra de Hund exige que cada um dos 3 electrões restantes irá para uma orbital 2p diferente. A configuração do estado fundamental do átomo de azoto é 1s2, 2s2, 2px1, 2py1, 2pz1 e não 1s2, 2s2, 2px2, 2py1. A regra de Hund é válida porque a situação na qual 2 electrões têm spins paralelos tem uma energia inferior à situação em que os spins são de orientação oposta, devido à maior repulsão mútua entre os electrões de spins opostos. No caso da configuração 2px2, 2py1, dois dos electrões têm que possuir spins opostos, senão não poderiam ocupar a mesma orbital, enquanto que na configuração 2px1, 2py1, 2pz1, todos os spins são paralelos. Para os átomos acima do H, a energia das orbitais é na ordem crescente 1s<2s<2p<3s<3p<4s. Exemplo: preenchimento das orbitais do átomo de N: 3d 3p 3s 2p 2s 1s Estrutura electrónica dos primeiros 8 átomos: H 1s1 He 1s2 Li 1s2, 2s1 Be 1s2, 2s2 B 1s2, 2s2, 2p1 C 1s2, 2s2, 2px1, 2py1 N 1s2, 2s2, 2px1, 2py1, 2pz1 O 1s2, 2s2, 2px2, 2py1, 2pz1 12 A ligação química covalente Se a equação de Schrödinger pudesse ser resolvida para as moléculas podia-se ter uma imagem exacta da forma e tamanho das orbitais disponíveis para cada electrão e conhecer a energia exacta de cada orbital. É, no entanto, preciso recorrer a aproximações para obter uma ideia das orbitais moleculares. Um dos métodos de aproximação, chamado método da orbital molecular, considera que a ligação resulta da sobreposição de orbitais atómicas. Quando um certo número de orbitais atómicas se sobrepõem, elas desaparecem e são substituídas pelo mesmo número de novas orbitais chamadas orbitais moleculares. As orbitais moleculares diferem das orbitais atómicas pelo facto de serem nuvens electrónicas rodeando os núcleos de dois ou mais átomos em vez de um só. Numa ligação localizada o número de orbitais atómicas que se sobrepõem é de 2 (cada uma contendo 1 electrão), sendo assim criadas 2 orbitais moleculares. Uma destas orbitais, chamada orbital ligante, tem uma energia inferior às orbitais atómicas originais e a outra orbital, chamada orbital anti-ligante tem uma energia superior. Cada um dos electrões das orbitais atómicas de origem ocupa agora a nova orbital molecular ligante, visto cada orbital poder comportar 2 electrões. A orbital anti-ligante permanece vazia no estado fundamental. σ* σ Representação das orbitais ligantes e anti-ligantes formadas pela sobreposição de 2 electrões s. Quanto maior for a sobreposição, mais forte será a ligação, se bem que a sobreposição total seja impedida pela repulsão entre os núcleos. 13 A orbital anti-ligante possui uma região nodal entre os núcleos e portanto não existe praticamente densidade electrónica nesta área. Por isso esta orbital não poderá ligar-se bem. As orbitais moleculares formadas pela sobreposição de duas orbitais atómicas, quando os centros da densidade electrónica estão no eixo comum dos dois núcleos, são chamadas orbitais . As anti-ligantes correspondentes são designadas *. Como a energia total é conservada, quando as orbitais moleculares se formam a partir das orbitais atómicas, a energia total das orbitais e * deve ser igual à energia total das duas orbitais atómicas. Assim, a orbital * é destabilizada numa quantidade de energia igual àquela pela qual a orbital é estabilizada. As orbitais podem formar-se, não só pela sobreposição de 2 orbitais s, mas também pela sobreposição de qualquer espécie de orbital atómica já mencionada, s, p, d ou f, sejam elas de mesmo tipo ou de tipo diferente, e podem ser representadas com uma forma aproximadamente elíptica. Valências múltiplas O exemplo que estudámos refere-se a um átomo univalente (H), em que só uma orbital está disponível para formar uma ligação. Os átomos com a valência de 2 ou mais vão formar ligações utilizando pelo menos 2 orbitais. Já vimos que o átomo de oxigénio tem duas orbitais semipreenchidas, o que lhe confere uma valência de 2. Formará ligações simples por sobreposição daquelas orbitais com as orbitais de dois outros átomos. Os dois núcleos destes átomos deveriam formar um ângulo de 90º com o núcleo do oxigénio, de acordo com o princípio da sobreposição máxima, visto as duas orbitais disponíveis do oxigénio serem orbitais p, que são perpendiculares. Da mesma maneira seria de esperar que o átomo de azoto, que tem três orbitais p, mutuamente perpendiculares tivesse ângulos de ligação de 90º, ao formar 3 ligações simples. Contudo, estes não são os ângulos observados. No caso da água (H2O), o ângulo é de 105º e no caso do amoníaco (NH3) de 107º. Para compreender esta “anomalia” é necessário estudar primeiro o fenómeno da hibridação das orbitais. 14 Hibridação das orbitais Consideremos, a título de exemplo, o átomo do boro, cuja estrutura atómica é a seguinte: 1s2, 2s2, 2p1 Este átomo tem só uma orbital semi-preenchida e, no entanto, possui uma valência de 3. Podemos explicar este facto, imaginando que um dos electrões 2s é transferido para uma orbital vazia 2p. Obtém-se assim a configuração seguinte: 1s2, 2s2, 2p1 1s2, 2s1, 2px1, 2py1 Nesta configuração, o átomo de boro tem 3 orbitais semi-preenchidas, que não são equivalentes (uma s e duas p). Ao formarem-se ligações por sobreposição destas orbitais com as orbitais de outros átomos, as três ligações não seriam equivalentes, porque as ligações formadas a partir das orbitais 2p seriam mais estáveis que a formada a partir da orbital 2s, já que é possível uma maior sobreposição electrónica com as orbitais p. Uma situação mais estável é a que se obtém quando, no momento da formação das ligações, a orbital 2s e as duas orbitais 2p se combinam para formarem três novas orbitais que são equivalentes. 1s2, 2s1, 2px1, 2py1 1s2 (2sp2)3 120° 120° 120° Como estas orbitais são uma mistura das três orbitais de origem, são designadas orbitais híbridas. Cada uma delas chama-se sp2 porque provêm da fusão de uma orbital s e de duas orbitais p. Cada uma das orbitais híbridas consiste num lobo grande e num lobo pequeno e dispõem-se num plano separadas por ângulos de 120º, que correspondem a um afastamento máximo no espaço, provocado pela repulsão mútua. São orbitais atómicas, se bem que só se concretizem no momento da ligação, ao sobreporem cada um dos lobos grandes com a orbital dum outro átomo. Esta pode ser qualquer orbital atómica, s, p, d ou f, ou uma outra orbital híbrida. A orbital molecular criada é designada por orbital , visto obedecer à definição que demos anteriormente, para este tipo de orbital. A ligação correspondente a esta orbital molecular formada a partir da orbital híbrida sp2 é mais forte do que a que seria formada com as orbitais s ou p, porque as orbitais híbridas permitem uma maior sobreposição electrónica por se estenderem mais no espaço na direcção da outra orbital atómica. O trifluoreto de boro, BF3 é um exemplo de molécula com ligações formadas a partir de orbitais híbridas sp2. É uma molécula planar com as três ligações afastadas de 120º, minimizando a repulsão. O átomo de carbono pode ser representado da seguinte forma: 15 1s2, 2s2, 2px1, 2py1 1s2, 2s1, 2px1, 2py1, 2pz1 1s2(2sp3)4 Existem 4 orbitais equivalentes, cada uma designada por sp3, que apontam para os vértices dum tetraedro regular, a partir do seu centro. H H H C H C H H H H Os ângulos de ligação do metano CH4 são de 109,5º, correspondentes a um tetraedro regular e ao afastamento máximo das orbitais que minimiza a sua repulsão mútua. A estrutura electrónica do átomo de carbono tetravalente pode-se resumir assim: no nível de energia mais baixo encontra-se a orbital 1s ocupada com 2 electrões; num nível intermédio, a orbital 2s ocupada com 1 electrão; no nível de energia mais elevado encontram-se os 3 electrões nas orbitais 2p; na forma hibridada as orbitais sp3 ocupam um nível energético intermédio entre as orbitais 2p e a 2s. E 2p 2sp3 2s 1s não hibridado hibridado O nível das orbitais 2sp3 é, pois, inferior em energia ao das orbitais 2p. 16 No caso do azoto e do oxigénio as ligações com o hidrogénio que levam à formação de NH 3 e de H2O respectivamente realizam-se através de orbitais sp3. Em vez de formarem ligações pela sobreposição de 2 (ou 3) orbitais p com a orbital 1s do hidrogénio, as orbitais 2s e 2p hibridam-se formando 4 orbitais sp3 e utilizam só duas (ou três) delas para se ligarem ao átomo de hidrogénio. As outras permanecem ocupadas por pares de electrões não compartilhados. Esta estrutura explica que os ângulos de ligação do amoníaco e da água sejam próximos de 109º. As ligações múltiplas No metano o átomo de C está ligado a 4 átomos de hidrogénio. Em muitas outras moléculas orgânicas cada átomo de carbono está ligado a 4 outros átomos, utilizando as orbitais sp3. É o caso de todos os alcanos. Em certas moléculas, no entanto, o átomo de C, permanecendo sempre tetravalente, está ligado a um número de átomos inferior a 4. A molécula mais simples é a do etileno: CH2=CH2 Cada átomo de C está ligado a 3 outros átomos. O carbono utiliza orbitais sp2 para estabelecer as ligações com os 3 átomos a que está ligado. Estas orbitais derivam da hibridação dos electrões 2s1, 2px1 e 2py1. É o caso sempre que um átomo de C está ligado só a 3 outros átomos. Cada átomo de C do etileno está, assim, ligado por 3 ligações : uma com cada átomo de hidrogénio e uma com o outro átomo de C. Cada átomo de C possui por consequência outro electrão na orbital 2pz, que devido ao princípio da repulsão máxima é perpendicular ao plano das orbitais sp2. As duas orbitais 2pz paralelas podem sobrepor-se lateralmente dando origem a duas novas orbitais, uma ligante e uma anti-ligante. No estado fundamental os dois electrões vão para a orbital ligante e a não ligante permanece vazia. As orbitais moleculares que são formadas pela sobreposição de orbitais atómicas, cujos eixos são paralelos, são designadas por orbitais (ligantes) e * (anti-ligantes). Orbital σ Orbital É importante observar que as duas orbitais que constituem a ligação dupla não são equivalentes. A orbital é elipsoidal e simétrica à volta do eixo C-C. A orbital tem a forma de dois elipsóides, um acima e outro abaixo 17 do plano. O plano representa uma região nodal para a orbital . As orbitais devem permanecer paralelas afim de manterem uma sobreposição máxima. Isto tem como consequência que não é possível uma rotação livre à volta da ligação dupla, porque as duas orbitais p teriam que reduzir a sua sobreposição para permitir uma rotação dum plano H-C-H em relação ao outro. As ligações duplas são mais curtas que as ligações simples correspondentes, porque se atinge a estabilidade máxima quando as orbitais p se sobrepõem ao máximo. As ligações duplas C=O e C=N podem ser representadas de maneira semelhante. Nos compostos com ligação tripla, o átomo de C está ligado unicamente a 2 outros átomos e consequentemente utiliza a hibridação sp, o que significa que os 4 átomos envolvidos se situam numa linha recta, como no exemplo do acetileno H-CC-H Cada átomo de carbono possui duas orbitais p que sobram com um electrão em cada uma delas. Estas orbitais são perpendiculares uma à outra e ao eixo C-C. Sobrepõem-se para formarem 2 orbitais . As ligações triplas entre o átomo de carbono e o átomo de azoto podem representar-se de maneira idêntica. Pares de electrões não compartilhados Dois compostos correntes, o amoníaco NH3 e a água H2O, servem de exemplos para mostrar como pares de electrões não compartilhados podem afectar a estrutura molecular. No amoníaco, o átomo de azoto assemelha-se ao carbono do metano: o azoto é sp3, mas só possui 3 electrões não compartilhados, que ocupam 3 das orbitais sp3. A sobreposição destas orbitais com as orbitais s do hidrogénio dá origem ao amoníaco. A quarta orbital sp3 do azoto contém um par de electrões. N 1s2, 2s2, 2p1x, 2p1y, 2p1z hibridação sp3 1s2, 2(sp3)5 18 E 2p 2sp3 2s 1s não hibridado hibridado A força máxima de ligação obtém-se com um máximo de sobreposição e a energia mínima obtém-se minimizando a repulsão entre as orbitais. A estrutura tetraédrica corresponde a este critério: os três átomos de hidrogénio situam-se, no amoníaco em três dos vértices do tetraedro e o 4º vértice é ocupado pelo par de electrões não compartilhados. Esta região ocupada pelos dois electrões da orbital sp3 não compartilhada possui uma elevada densidade electrónica, fonte atractora de átomos e centros electrodeficientes (moléculas, grupos ávidos de electrões). É esta particularidade estrutural que confere propriedades básicas ao NH3. Com o amoníaco pode ocorrer uma inversão na orientação espacial dos seus átomos, visto não ser uma molécula rígida: H H N H H N H H A energia correspondente à barreira de inversão é relativamente baixa. O par de electrões num dado instante aponta numa direcção, e no seguinte, aponta na direcção oposta. O par de electrões não compartilhados do amoníaco não pode manter um arranjo tetraédrico particular, ao contrário da ligação C-H, no metano, CH4, o qual não sofre inversão. A molécula da água apresenta uma situação semelhante à da molécula do amoníaco, mas o oxigénio possui somente dois electrões não compartilhados ocupando orbitais sp3: O 1s2, 2s2, 2px2, 2py1, 2pz1 hibridação 1s2, 2(sp3)6 19 E 2p 2sp3 2s 1s não hibridado hibridado Por isso, o átomo de oxigénio liga-se só a dois átomos de hidrogénio, que ocupam dois vértices do tetraedro. Os outros dois vértices são ocupados pelos dois pares de electrões não compartilhados. H H O A água também é básica, devido aos pares de electrões não compartilhados, se bem que menos que o amoníaco. Esta definição de basicidade, no sentido de Lewis, considera que uma base é uma substância capaz de fornecer um par de electrões para formar uma ligação covalente, e que um ácido é uma substância que pode captar um par de electrões para formar uma ligação covalente. Um protão é ácido porque é deficiente em electrões e precisa de 1 electrão para completar a sua camada de valência. H2O e NH3 são bases porque possuem pares de electrões disponíveis para compartilhar. Em resumo, segundo Lewis, um ácido é um aceitador de electrões e uma base é um doador de electrões. Na molécula de BF3 o boro tem só 6 electrões nas suas orbitais mais externas, como vimos, e tem tendência para aceitar um outro para completar o seu octeto. Por isso se combina com as bases: F F F B + NH 3 B NH3 F F ácido F base sal Polaridade das ligações Os átomos ligados por ligações covalentes compartilham os electrões de orbitais semi-preenchidas. Os seus núcleos estão rodeados e são mantidos juntos pela mesma nuvem electrónica. No entanto, na maioria dos 20 casos os dois núcleos não se compartilham os electrões de maneira homogénea. A nuvem electrónica é mais densa à volta dum dos átomos. Uma extremidade da ligação é parcialmente negativa e a outra parcialmente positiva, criando-se um pólo positivo e um pólo negativo. Diz-se que a ligação é polar, que possui uma polaridade. H F O H N H H H H A ligação covalente será polar se os átomos ligados diferem pela sua electronegatividade, I.É., se um dos átomos tiver mais tendência para atrair os electrões que o outro. Quanto maior for a diferença de electronegatividade mais polar será a ligação. Os átomos mais electronegativos estão localizados no canto superior direito da tabela periódica dos elementos. O flúor é o mais electronegativo, os metais (M) os menos electronegativos: F > O > Cl ; N > Br > C, H > M As polaridades das ligações estão intimamente relacionadas com as propriedades físicas e químicas das moléculas. A polaridade afecta as temperaturas dos pontos de fusão e de ebulição, a solubilidade, o tipo de reacção e pode até afectar a reactividade das ligações vizinhas. Modos de representação das ligações Os átomos de carbono podem ligar-se entre si formando cadeias abertas, como os compostos acíclicos, ou ciclos como os compostos cíclicos: C ...... C C C C ...... C C C C C Estes dois tipos de compostos podem comportar cadeias laterais carbonadas: 21 ...... C C C C C C C ...... C C C C C C C C Os compostos cíclicos que contêm pelo menos 1 átomo diferente do átomo de carbono no ciclo (um heteroátomo) chamam-se compostos heterocíclicos. Exemplo: C C C X C X = N, O, S, P C Os heteroátomos são em geral o oxigénio, o azoto ou o enxofre e por vezes o fósforo. Estas representações estruturais das moléculas descrevem a conexão entre os átomos, I.É., a suas constituições, mas não fornecem informações sobre a sua forma tridimensional. Quando estudámos as orbitais moleculares descrevemos a sua orientação no espaço. São estas orientações que condicionam a posição espacial relativa dos átomos duma molécula. Existem certas representações, que são convenções estereoquímicas, correntemente utilizadas pelos químicos orgânicos. O prefixo estéreo, de origem grega, significa sólido, e é utilizado no sentido de “mais que uma dimensão” (por exemplo estereofónico). Em química refere-se à 3ª dimensão. A representação seguinte não tem informação tridimensional: C-H enquanto que a seguinte representação: C H significa que o átomo de carbono está no plano da figura, e o átomo de hidrogénio está do lado da frente desse plano. A representação: C H significa que o átomo de H está por detrás do plano em que se situa o C. 22 A representação seguinte: Cl C H significa que os átomos de C e de Cl estão num mesmo plano (o plano da figura) e o átomo de H para o lado da frente do plano. Já vimos que o metano tem uma geometria tetraédrica, em que o átomo de C sp 3 está no centro do tetraedro e os átomos de H nos seus vértices: H H H C H C H H H H Para descrever as estruturas tridimensionais dos outros alcanos, pode-se utilizar o mesmo tipo de representações: H H H C C CH 3 H H Propano Os ângulos das ligações H- C - H e C - C - H são de 109,5º 3º e os comprimentos das ligações são de 1.09 Å para C -H e de 1.54 Å para C -C. A estrutura no espaço das moléculas tem que ter conta a geometria tetraédrica do C sp3, a estrutura planar do C sp2 e a geometria linear do C sp. A estrutura tridimensional dos átomos de C nos compostos orgânicos, não só alcanos, mas em muitos outros derivados, é extremamente importante porque muitas propriedades e processos químicos e bioquímicos dependem da geometria do átomo de C. A representação corrente das moléculas orgânicas faz-se num plano por razões de simplicidade: a) Efectua-se uma projecção da molécula num plano e obtém-se, por exemplo, para o esqueleto carbonado: C C C C C C C 23 em que as ligações C - C se sucedem em ziguezague; b) Para maior simplificação é ainda mais corrente representar as cadeias carbonadas numa recta: C C C C C C C mas sem esquecer que nem os C sp3 , nem os sp2 se situam numa linha recta. Na série dos alcanos, as fórmulas estruturais mostram explicitamente as ligações, como exemplificado com o metano, o etano, o propano, o butano: H H C H H H H H C C H H H H H H H C C C H H H H H H H H H C C C C H H H H H Estas representações descrevem como os átomos estão ligados entre si. Como a fórmula estrutural requer tempo para desenhar todas as ligações são utilizadas c) fórmulas estruturais abreviadas: CH3 - CH2 - CH2 - CH3 em que só as ligações entre os átomos de carbono estão representadas, ou ainda mais simplesmente sem explicitar estas ligações: CH3CH2CH2CH3 d) As fórmulas moleculares são muito menos informativas: Exemplo: C4H10 n-butano e são por isso menos utilizadas. Representações no espaço Consideremos o exemplo do etano. Representando no espaço todas as ligações, seguindo a convenção acima indicada, obtém-se: 24 H H C C H H H H C H H H H C H H Uma rotação livre de 60º à volta da ligação simples C-C, converte as duas conformações uma na outra. Estas conformações podem ser representadas segundo a projecção de Newman, e são designadas eclipsada e alternada: H HH H H H H H H eclipsada H H H alternada A conformação alternada é mais estável porque minimiza a repulsão entre os átomos de H, que estão mais próximos uns dos outros no espaço na conformação eclipsada. A barreira de energia de rotação necessária para converter uma conformação na outra é relativamente baixa no caso do etano (2,8 kcal/mole). O diagrama seguinte esquematiza todos estes dados: 25 As conformações de uma molécula são arranjos tridimensionais que diferem unicamente pela rotação à volta de ligações simples. Analisemos as conformações da molécula do ciclohexano. A sua representação no espaço, correspondente à conformação de menor energia é chamada cadeira. Esta conformação pode converter-se na conformação barco por rotação livre à volta de ligações simples. H H H H ring flip H H cadeira barco cadeira CONSTITUIÇÃO DAS MOLÉCULAS ORGÂNICAS As moléculas orgânicas podem esquematicamente ser consideradas como constituídas por um esqueleto e por grupos funcionais. As ligações C-C e C-H são em geral ligações extremamente estáveis. A reactividade é relativamente fraca ao nível destas ligações. Ela está em geral localizada nos sítios das ligações do C com os heteroátomos ou nas ligações múltiplas. Podemos em muitos casos distinguir duas partes na molécula orgânica: uma parte constituída pelo esqueleto relativamente inerte e outra parte constituída pelos grupos funcionais. Estes grupos funcionais são responsáveis pela reactividade química e pelas propriedades físicas das moléculas orgânicas. Por conseguinte, as moléculas com o mesmo grupo funcional, mas com esqueletos diferentes têm em geral propriedades próximas, o que facilita o estudo da química orgânica. Um milhão de compostos orgânicos podem ser estudados em cerca de 20 grupos funcionais, o que representa um factor de simplificação enorme. 26 Uma série homóloga é uma série na qual dois compostos sucessivos diferem por um só grupo CH 2. As séries dos alcanos, dos alcenos e dos alcinos obedecem assim às fórmulas gerais seguintes: grupo funcional CnH2n+2 alcanos - CnH2n alcenos C=C CnH2n-2 alcinos CC A série dos cloroalcanos primários, por exemplo, tem como três primeiros membros: CH3Cl, CH3CH2Cl, CH3CH2CH2Cl Do ponto de vista estrutural um grupo funcional pode fazer parte do esqueleto. Os éteres são um exemplo deste género de estrutura: CH3CH2-O-CH2CH3 (éter dietílico) O heteroátomo (oxigénio) faz parte do esqueleto carbonado. Do ponto de vista da reactividade o esqueleto também pode sofrer modificações. Pode haver ruptura parcial, degradação do esqueleto ou adição de átomos de C ao esqueleto. Sempre que houver funções integradas no esqueleto, este pode apresentar reactividade. Os alcenos RCH=CH-R’ e os alcinos R-CC-R’, por exemplo são bastante reactivos. Os compostos que contêm unicamente C e H são designados hidrocarbonetos. Os hidrocarbonetos dividem-se em 3 grandes grupos: 1) Alcanos que não apresentam grupos funcionais e são também designados hidrocarbonetos saturados, visto só possuírem ligações (sp3 + s). 2) Alcenos e 3) Alcinos designados hidrocarbonetos insaturados e que possuem ligações C-C. Grupos de átomos ligados a um outro átomo duma molécula podem, para facilidade, ser designados por R (radical). Os radicais hidrocarbonetos, por exemplo, são grupos de átomos de C e de H. R- designação derivado de CH3- metilo metano CH3CH2- etilo etano CH3CH2CH2- propilo propano CH3CH2CH2CH2- butilo butano ........................................................................................... 27 Substituindo o sufixo ano dos alcanos de que derivam os radicais, pelo sufixo ilo, obtém-se a designação dos radicais. A nomenclatura dos compostos orgânicos recorre frequentemente a estas designações: 1 2 3 4 CH3-CH2-CH2-CH3 butano CH3-CH-CH2-CH3 R se R = CH3: 2-metilbutano a) Funções monovalentes O C está ligado por uma única valência a um heteroátomo. 1) Derivados halogenados (X= F, Cl, Br, I) Dividem-se em três classes: halogenados primários, secundários e terciários. A classe está relacionada com o número de átomos de H ligados ao C portador do heteroátomo. O derivado halogenado é primário quando o C ligado ao halogéneo está ligado a 2 átomos de H, secundário se existe um só átomo de H ligado ao C portador do halogéneo e terciário se não existe nenhum H: R-CH2-Cl primário R-CH-Cl R’ secundário R-C-Cl / \ R’ R’’ terciário Quando existe mais de um heteroátomo várias situações são possíveis. Por exemplo: Derivado di-halogenado R-CH-CH2-CH2-Br Br Derivado dihalogenado ou di-halogenado vicinal R-CH-CH2-Cl Cl Derivado di-halogenado geminado R-CH-I I Se R= CH3 estes derivados designam-se 1,3-dibromobutano, 1,2-dicloropropano e 1,1-diiodoetano respectivamente. 2) Derivados oxigenados O átomo de oxigénio pode estar ligado a vários átomos. 28 ) Álcoois Álcool primário R-CH2-O-H Álcool secundário R-CH-OH R’ Álcool terciário R-C-OH /\ R’ R’’ ) Éteres O oxigénio está situado entre 2 átomos de carbono. Ex.: RCH2 - O - CH -R’ R’’ ) Ésteres Resultam da condensação formal ou duma reacção catalisada entre um álcool e um ácido. Exemplo em que o ácido é mineral (ácido sulfúrico): O II RCH2-OH + HO-S-OH II O O II RCH2 -O - S - OH + H2O II O Obtém-se um éster mineral, neste caso um éster do ácido sulfúrico (sulfato). Exemplo dum éster de ácido carboxílico: O RCH2-OH + HO-C-R' O RCH2-O-C-R' 3) Derivados do enxofre S RCH2 -SH tiol (equivalente dum álcool em que o oxigénio foi substituído por enxofre) RCH2 - S -CHR’R’’ tioéter (o S está ligado a dois C) 4) Derivados do azoto 29 RCH2 - NH2 amina primária (azoto ligado a 2 H) RCH2 - NHR’ amina secundária (azoto ligado a 1 H) RCH2 - NR’R’’ amina terciária (azoto ligado a zero H) 5) Derivados organometálicos O átomo de carbono está ligado a um átomo de metal M (C - M) RCH2-Li RR’CH-MgCl organolítico organocloromagnésico b) Funções bivalentes O átomo de C está ligado por duas ligações a heteroátomos. Exemplos: 30 O R Aldeído C H O R C Cetona R' NH R C R' (H) Imina c) Funções trivalentes (C ligado por 3 ligações a heteroátomos) O R C ácido carboxílico OH Todas as outras funções com um átomo de carbono ligado por três ligações a heteroátomos são derivados de ácido carboxílico. O R C OR' Éster 31 O R Cloreto de ácido C Cl O R C Amida primária NH 2 O R C Amida secundária NHR' O R C Amida terciária NR'R'' O R C O R Anidrido C O d) Carbono ligado por 3 ligações directamente a um heteroátomo trivalente RCN nitrilo Esta lista de grupos funcionais não é exaustiva. NOMENCLATURA Os químicos desenvolveram um sistema padrão para designar os compostos orgânicos. Foram criadas regras conhecidas por regras I.U.P.A.C. (International Union of Pure and Applied Chemistry). Apresentamos aqui um sumário de algumas destas regras. 1) A nomenclatura dos alcanos constitui a base para designar todos os compostos orgânicos. 32 2) O sufixo caracteriza a substância de base. 3) O prefixo designa o número de átomos de carbono segundo os radicais numéricos gregos. Na série homóloga dos alcanos, por exemplo, o sufixo consagrado é ano. Os 4 primeiros compostos da série são excepção à regra 3, porque não são designados por números gregos. metano CH4 etano CH3 - CH3 propano CH3 - CH2 - CH3 butano CH3 - CH2 - CH2 - CH3 Pentano, hexano, heptano, octano, nonano, decano....... icosano, comportam respectivamente 5, 6, 7, 8, 9, 10....... 20 átomos de carbono. O sufixo consagrado para os alcenos é eno (buteno, penteno..) e para os alcinos é ino (butino, pentino...) 4) Localiza-se a cadeia carbonada principal. Para os alcanos é a cadeia mais comprida. Esta fornece o nome de base, de acordo com o número de carbonos da cadeia. 1CH Ex : 3 I CH3 2CH I CH3 3CH 4CH2 5CH CH3 I 6CH 7CH 2 3 Este composto é um heptano. Uma vez definido o número de carbonos da cadeia principal, localizam-se os substituintes. 5) a) A cadeia principal é numerada de maneira que o primeiro ponto de substituição tenha o número mais baixo. Assim o composto acima indicado tem a designação de 2,3,5-trimetilheptano. b) Quando existe mais de um substituinte, estes são designados por ordem alfabética. Se há vários substituintes idênticos estes são designados pelos prefixos numéricos di, tri, tetra ... Ex : Br I CH3 CH CH2 C CH3 I I 33 Cl Br 2,2-dibromo-4-cloropentano Cadeias ramificadas O número de átomos de carbono aos quais está ligado directamente um átomo de carbono desempenha um papel importante na reactividade química. Foram por isso atribuídos nomes a estes diferentes tipos de carbono. Um átomo de carbono ligado a um único átomo de carbono designa-se por carbono primário. Por exemplo, na molécula de propano os carbonos metílicos estão ligados a um só átomo de C : são carbonos primários. O carbono metilénico CH2 é um carbono secundário porque está ligado a 2 outros átomos de carbono. CH3 CH2 CH3 1ário 2 ário 1ário Um átomo de carbono ligado a 3 átomos de carbono é um carbono terciário. O C central do 2-metilpropano é um exemplo de carbono terciário: CH3 CH CH3 I CH3 2-metilpropano Um átomo de carbono ligado a 4 átomos de carbono é um carbono quaternário. É o caso do C central do 2,2dimetilpropano: CH3 I CH3 C CH3 I CH3 2,2-dimetilpropano Nomes triviais de radicais Certos grupos de átomos são habitualmente designados por nomes triviais que são aceites internacionalmente. Os mais utilizados figuram na lista seguinte, ao lado dos nomes correspondentes à nomenclatura sistemática. Nome trivial Fórmula Nomenclatura sistemática isopropilo CH3 CH CH3 1-metiletilo 34 I sec-butilo CH3 CH2 CH CH3 I 1-metilpropilo isobutilo CH3 CH CH2 I CH3 2-metilpropilo ter - butilo C H3 I CH3 C I CH3 1,1-dimetiletilo neopentilo C H3 I CH3 C CH2 I CH3 2,2-dimetilpropilo Os nomes triviais surgiram no começo da Química Orgânica, quando muitos compostos foram isolados antes de as estruturas serem completamente conhecidas. A atribuição daquelas designações provém da necessidade de catalogar e descrever os novos compostos. Só mais tarde as estruturas químicas foram determinadas e foi possível estabelecer uma nomenclatura sistemática. ISOMERIA Segundo a definição mais geral 2 compostos são ditos isómeros se possuírem a mesma fórmula molecular. Enquanto que para o metano, o etano e o propano só existe um único arranjo possível dos átomos, para as moléculas com 4 ou mais carbonos, é possível a existência de isómeros. Existem vários tipos de isomeria. 35 Isomeria constitucional Na isomeria constitucional ou estrutural os compostos isómeros diferem na sequência pela qual os átomos estão ligados entre si. Assim, existem dois isómeros constitucionais para um hidrocarboneto saturado com 4 átomos de carbono, o n-butano e o 2-metilpropano, ambos com a fórmula molecular C4H10. I I I I C C C C I I I I I I I CCC I I I C I Quando o número de átomos de carbono aumenta o número de isómeros aumenta exponencialmente. Assim, o composto de fórmula molecular C9H20 possui 35 isómeros constitutivos, 35 arranjos diferentes para 9 carbonos. Isomeria de posição dos substituintes Neste tipo de isomeria, um ou mais heteroátomos situam-se em posições diferentes numa cadeia hidrocarbonada. Ex: I I I I C C C C Cl I I I I 1-clorobutano I I I I C CCC I I I I Cl 2-clorobutano Um caso particular é o da isomeria de posição relativa: I I I I C C C C Cl I I I I Cl I I I I Cl C C C C Cl I I I I 1,2-diclorobutano 1,4-diclorobutano Isomeria funcional Corresponde a compostos com a mesma fórmula molecular e diferentes grupos funcionais. Por exemplo a fórmula molecular C3H6O2 pode ser um éster ou um ácido: 36 O C CH 3 OCH 3 éster O CH 3CH 2 C ácido OH caso particular: O CH 3 OH C CH3 CH 3 cetona C CH2 enol equilíbrio tautomérico ceto-enol Isomeria geométrica Os isómeros que resultam dum arranjo diferente à volta duma ligação dupla são frequentemente designados isómeros geométricos. Um exemplo simples é o do 2-buteno. Existem duas estruturas possíveis: uma em que os dois grupos metilo estão do mesmo lado da ligação dupla e a outra em que estão do lado oposto, designados respectivamente isómero cis e isómero trans. H H C H C CH 3 CH 3 C CH3 CH 3 cis-2-buteno C H trans-2-buteno São dois estereoisómeros: possuem arranjos espaciais diferentes dos seus átomos. Não são convertíveis um no outro por rotação à volta duma ligação simples, é necessário que haja ruptura de ligação para obter uma interconversão. cis trans 45 kcal/mole ruptura da ligação Esta isomeria é um caso particular de estereoisomeria, chamada diaestereoisomeria. Compostos estereoisómeros não são sobre-poníveis por reflexão num espelho (v. isomeria óptica) Para descrever a estereoquímica das ligações duplas foram adoptados dois termos E e Z, que têm um valor mais geral que os termos cis e trans e que permitem descrever a ligação dupla de maneira não equívoca. Aplicam-se as regras seguintes: 37 1) Determina-se uma prioridade para os dois grupos de átomos ligados a cada um dos átomos de C sp 2, aplicando as convenções de Cahn-Ingold-Prelog (v. configuração absoluta, mais abaixo). A prioridade estabelece-se da seguinte maneira: considera-se primeiro o átomo de cada grupo, directamente ligado a cada um dos átomos de C sp2. Atribui-se a prioridade ao que possuir o número atómico mais elevado, associando-lhe a letra a. Atribui-se a letra b ao grupo ligado pelo átomo de menor número atómico. Quando dois destes átomos são de mesmo número atómico, considera-se, para a atribuição de prioridade, os átomos que a eles estão ligados. Procede-se assim de próximo em próximo até desfazer a igualdade. b) Se os dois grupos de prioridade a estiverem do mesmo lado do plano passando pelos dois C sp2 e perpendicular ao plano definido por esses C e seus substituintes (abreviadamente do mesmo lado da ligação dupla), a configuração é dita Z (do alemão zusammen). c) Se os dois grupos de prioridade a estiverem do lado oposto da ligação a configuração é dita E (do alemão entgegen). Segundo esta regra de nomenclatura, o 3-metil-2-penteno abaixo representado tem a configuração E. a CH 2CH 3 b H C a C CH 3 CH 3 b E-3-metil-2-penteno Outros exemplos: CH 3 CH 3CH 2 CH 3 C C CH 2CH 3 CH 3CH 2 CH 3 C C CH 3 Z CH 2CH 3 E 3,4-dimetil-3-hexeno CH 3 H C C CH 2CH 3 C H C H H E,Z- 2-4-heptadieno Existem 2n isómeros possíveis se houver n ligações duplas C=C. 38 Isomeria óptica a) Definição do fenómeno A luz tem um carácter ondulatório, vibrando num plano perpendicular à direcção de propagação e possuindo neste plano todas as orientações possíveis. A luz pode ser polarizada por intermédio dum polarizador que a vai fazer vibrar numa só orientação (num só plano bem determinado). Certas substâncias têm a propriedade de fazer rodar de um certo ângulo o plano de polarização da luz polarizada: a luz passará a vibrar num outro plano depois de ter atravessado a substância. Se o plano de polarização rodar para a direita em relação ao observador colocado à saída da luz, diz-se que a substância é dextrogira, se o plano rodar para a esquerda chama-se levogira; a substância possui actividade óptica. b) Condição para que uma substância apresente actividade óptica A condição essencial é que a substância não apresente nenhum elemento de simetria na sua molécula: a molécula não pode possuir, nem plano, nem eixo, nem centro de simetria. Existem substâncias muito simples que não apresentam elementos de simetria. Por exemplo, o átomo de C com 4 substituintes diferentes (derivado do metano): 39 a b C c d Este átomo de C designa-se assimétrico: C*, ou centro quiral (designação genérica para qualquer átomo substituído assimetricamente). O composto apresenta actividade óptica e a substância é dita quiral. A sua imagem num espelho não lhe é sobreponível: é o seu isómero óptico. Estes dois compostos são isómeros ópticos ou enantiómeros. Um é dextrogira e o outro é levogira. a a b C d c c C b d Estas moléculas são a imagem não sobreponível uma da outra num espelho. As suas propriedades químicas são idênticas e as propriedades físicas (por exemplo: P eb), são todas iguais, excepto as propriedades ópticas, ao contrário, por exemplo dos isómeros constitucionais ou outros tipos de isómeros, que possuem propriedades químicas e físicas diferentes. c) Poder rotatório de uma molécula. É o ângulo pelo qual a molécula faz rodar o plano de polarização da luz. Na prática observa-se que o ângulo é proporcional ao comprimento l da amostra atravessada e também à concentração c da substância: = l x c rotação específica: = l expresso em dm; c em g/ml; em graus a lc d) Configuração absoluta Para poder caracterizar os isómeros ópticos é necessário desenvolver um novo sistema de nomenclatura. Neste sistema os símbolos utilizados para os dois enantiómeros são R (do latim rectus) e S (do latim sinister) que descrevem o arranjo no espaço dos quatro grupos ligados ao centro quiral. Este sistema é baseado nas regras de prioridade de Cahn-Ingold-Prelog. A cada grupo ligado ao centro quiral é atribuído um número -1, 2, 3 ou 4 - ou uma letra - a, b, c ou d - baseado no número atómico do átomo directamente ligado ao centro assimétrico; a tem a prioridade mais elevada e d a mais baixa. Por exemplo, no 2-butanol a = OH, b = CH2CH3, c = CH3 e d = H. 40 Quando dois destes átomos têm o mesmo número atómico, considera-se, para a atribuição de prioridade, os átomos que a eles estão ligados. Procede-se assim de próximo em próximo até desfazer a igualdade. Assim, no 2butanol o grupo etilo tem prioridade sobre o grupo metilo. A molécula é observada à volta do centro quiral colocando no primeiro plano a face do tetraedro contendo a, b e c e o vértice correspondente a d para trás do centro quiral. A configuração é R se para o observador a sequência a, b c aparecer no sentido dos ponteiros dum relógio e S se aparecer no sentido contrário. R OH (a) C* S OH (a) CH2CH3 (b) C* H (d) CH3 (c) (d) H CH3(c) CH2CH3 (b) Assimetria de torção Certos compostos possuem interacções entre grupos volumosos não directamente ligados entre si, que inibem uma rotação livre à volta duma ligação devido à existência duma tensão de torção. Nalguns casos estes compostos podem ser separados em pares de enantiómeros. A assimetria molecular resulta da inibição da rotação livre provocada pela tensão de torção. Os compostos bifenílicos, são um exemplo deste tipo de compostos, quando grupos estericamente volumosos estão ligados às posições orto de cada ciclo aromático: a rotação livre à volta da ligação simples que une os dois ciclos é impedida devido às repulsões estéricas (v. efeito estérico mais abaixo). espelho plano CO 2H Cl HO C Cl 2 HO 2C CO 2H Cl Cl Um outro exemplo interessante de molécula possuindo um estereoisomerismo óptico, na ausência de átomos de C assimétricos, é o hexaheliceno. Esta molécula tem uma torção do tipo espiral e pode ser resolvida em dois enantiómeros estáveis, que correspondem a hélices de passo direito e de passo esquerdo. 41 espelho plano hexaheliceno INFLUÊNCIA ESTRUTURAL NAS LIGAÇÕES ORGÂNICAS A influência da estrutura nas ligações entre átomos faz-se sentir através de 2 tipos de efeitos: Efeitos electrónicos Efeitos estéricos Existem 2 tipos de efeitos electrónicos. 1- Efeito indutivo 42 Consideremos a molécula: H3C-CH3 Esta molécula é simétrica e por consequência os dois electrões da ligação C-C encontram-se repartidos de maneira idêntica a igual distância dos dois núcleos C-C. É uma ligação covalente. No entanto, na maioria dos casos, quando dois átomos estão ligados, um atrai mais os electrões que o outro. Por exemplo, no iodometano CH3-I o iodo é mais electronegativo e atrai parcialmente na sua direcção o par de electrões que o ligam ao átomo de carbono. + CH3 I- Este efeito tem 3 características: 1 Exerce-se ao longo do eixo dos núcleos. 2 Os electrões afectados são electrões . 3 Não há modificação da estrutura electrónica: cada átomo conserva apesar de tudo os seus electrões. O efeito assim definido é um efeito de indução designado I. Se o átomo ligado ao carbono for um metal M, este é menos electronegativo que o carbono e os electrões são atraídos na direcção do carbono. H3C- M+ Existem duas atracções em sentido inverso: na direcção do átomo de C, ou na direcção do elemento ligado ao C. É pois preciso escolher um sinal. Quando um elemento atrai na sua direcção o par de electrões da ligação o efeito é designado -I. Quando um elemento repele os electrões na direcção do átomo de C o efeito é +I. Um metal tem um efeito +I, enquanto que um halogéneo tem um efeito -I. O elemento de referência é o H, de electronegatividade semelhante à do átomo de C, tem um efeito I = 0. Os não metais são mais electronegativos que o H, têm um efeito -I. Os metais são mais electropositivos que o H, são +I. M H Não metais (N<O<F) +I I=O -I Constatou-se que um grupo CH3 - possui um certo efeito +I e que CH3-CH2 - tem um efeito maior. CH3 < CH3 - CH2 < CH3 HC < CH3 CH3 C 43 CH3 CH3 Qualquer grupo carregado positivamente possui um efeito –I, logicamente. NH3+ por exemplo possui um efeito -I elevado . NH 3 C Para uma mesma família da tabela periódica quanto menor for o átomo maior será a sua electronegatividade. Assim, na família dos halogéneos, a ordem de electronegatividade é a seguinte: I < Br < Cl < F 2- Efeito electrómero As características deste efeito E são essencialmente 3: 1. Exerce-se fora do eixo dos núcleos. 2. Afecta os electrões 3. Origina uma modificação da atmosfera electrónica. Consideremos a ligação dupla: C C A ligação é relativamente frágil. A atmosfera electrónica pertencente a um carbono, pode deslocar-se parcialmente ou totalmente para o outro carbono. C C C C Este fenómeno chama-se ressonância. Sob influência de um reagente exterior, o deslocamento da ligação pode ser total. Consideremos agora a ligação dupla, C=O: C O C O 44 Neste caso duma função carbonilo C=O a forma de direita é muito mais importante que no 1º caso C=C, porque o oxigénio tem uma tendência muito maior para atrair os electrões. O efeito electrónico é mais elevado quando um dos elementos é mais electronegativo. C O > C N H > C C E Pode-se constatar que este efeito afecta a ligação , modifica a atmosfera electrónica e se exerce fora do eixo dos núcleos. Qual é o sinal de E ? Consideremos a estrutura seguinte: RCH2C = O | que pode ser considerada como tendo-se substituído um H de RCH3 por um grupo C=O. Este grupo atrai os electrões em relação ao H. Portanto um grupo C=O tem um efeito -E; um efeito negativo atrai os electrões em relação ao H, enquanto que um efeito positivo repele os electrões em relação ao H. Exemplos de grupos que possuem um efeito -E: C C N O C N O N H C N N O O O O efeito +E é possível?. Este efeito pode ser encontrado em certos átomos possuindo pares de electrões livres. NH 2 45 Por doação de electrões exerce-se um efeito +E, que só é possível se o átomo adjacente, o carbono, ou um heteroátomo possuir uma ligação . Portanto, o grupo dador tem que estar ligado a um átomo que possua electrões . No caso seguinte é impossível haver efeito +E: RCH2NH2 Os grupos que podem ter um efeito +E são por exemplo as aminas, os álcoois, os halogenados: NH2 > O H > X O efeito +E é tanto maior quanto o átomo é menos electronegativo. Hiperconjugação Um grupo alquilo, tal como CH3 não deveria exercer efeito E porque não possui electrões livres. Na realidade os grupos alquilo, que possuem pelo menos um H ligado ao C implicado na ligação tais como CH 3 -, também exercem um certo efeito +E. Este é interpretado da maneira seguinte: A sobreposição das orbitais C e H não é completa. Existe uma certa disponibilidade electrónica em que a ligação é parcialmente covalente. Os electrões mais ou menos disponíveis podem passar para o átomo vizinho. H H C C Chama-se a este fenómeno hiperconjugação. O grupo alquilo tem que estar adjacente a um carbono portador de ligação . C C CH3 C C CH2 H CH2 H C C Este efeito está ligado à presença de átomos de hidrogénio no carbono que exerce o efeito +E. Como consequência, este efeito de hiperconjugação diminui com o número de átomos de H. Os grupos alquilo podem assim classificar-se por ordem crescente de capacidade de exercerem efeito de hiperconjugação +E: 46 CH 3 CH 3 CH 3 C < CH3 CH 3 Alquilo C H < CH3 <H H H terciário C H secundário C H primário Efeito estérico O efeitos estéricos resultam da interacção entre átomos não ligados entre si. Resultam de repulsões entre nuvens electrónicas que rodeiam átomos forçados a aproximarem-se no espaço, apesar de estarem separados por pelo menos 3 ou 4 ligações. Por exemplo, na conformação eclipsada do n-butano, 2 átomos de hidrogénio dos grupos metilo são forçados a aproximarem-se. A distância entre estes dois H é inferior à soma dos seus raios de Van der Waals, e existe uma interacção repulsiva entre eles. H H H C C H H H C H H3CCH 3 H C H H H H H H É por esta razão que a conformação alternada é mais estável que a eclipsada. O volume dum grupo de átomos ou dum átomo pode influenciar a reactividade química. O grupo tertiobutilo, por exemplo, é muito volumoso e pode resultar em impedimentos estéricos da reactividade de átomos situados na proximidade, devido à barreira que opõe à passagem dum reagente. CH 3 CH 3 C CH 3 47 A REACÇÃO ORGÂNICA Aspecto balanço Ao fazer o balanço duma reacção química podemos classificar as reacção nos seguintes tipos: a) Reacção de substituição C A + B C B+ A b) Reacção de adição: São necessários grupos não saturados para que a reacção seja possível: 48 C C + A B C C A B D E É válido também para ligações duplas ou triplas ligando átomos diferentes. c) Reacção de eliminação É a reacção inversa da reacção de adição: E D d) Reacção de transposição Nesta reacção um átomo ou um grupo de átomos mudam de posição sobre uma cadeia carbonada. Aspecto mecanístico Numa reacção química ocorre formação e/ou ruptura de ligações. O mecanismo segundo o qual a ruptura se efectua pode variar. A reacção pode, por exemplo, ser de tipo iónico: a) Reacção do tipo iónico C X C + X Neste tipo de reacção a ruptura da ligação é uma ruptura heterolítica. A ruptura da ligação C X far-se-á segundo o carácter electronegativo ou electropositivo do grupo X. Se X for mais electronegativo que o C, partirá com os electrões da ligação e ficará com uma carga negativa. O átomo de C, perdendo o electrão da ligação adquire uma carga positiva. O átomo de C carregado positivamente assemelha-se a um catião e é designado carbocatião. Que estrutura possui um carbocatião? As três ligações que se mantiveram têm tendência a repartir-se de maneira homogénea no espaço, afastando-se no máximo, afim de minimizarem as repulsões electrónicas, dando lugar a uma estrutura plana com 120º entre as orbitais. 120 º C Se X for menos electronegativo que o carbono, terá tendência a partir abandonando o par de electrões ao átomo de carbono. Teremos um carbono carregado negativamente chamado carbanião. 49 C X C + X Do ponto de vista estrutural o carbanião tem tendência a guardar a estrutura tetraédrica. O 2º tipo de ruptura, a ruptura homolítica é consequência das reacções radicalares. b) Reacções radicalares Estas reacções dão lugar a uma ruptura homolítica em que cada átomo parte com um electrão. C Y C + Y radicais com um electrão livre desemparelhado Os aniões são ricos em electrões, enquanto que os radicais e os catiões são deficientes. Aniões, catiões e radicais são intermediários muito reactivos. A estabilidade destes intermediários depende evidentemente da sua estrutura. Consideremos a série seguinte de radicais catiónicos alquilo, em que a ordem de estabilidade aumenta da direita para a esquerda: CH 3 CH 3 CH 3 C > CH3 CH 3 C H > CH3 C H >H H H C H A mesma ordem prevalece com os intermediários radicais alquilo radicalares. CH 3 CH 3 CH 3 C CH 3 > CH3 C H H > CH3 C H H >H C H A densidade electrónica mais elevada à volta do átomo de carbono portador dum substituinte alquilo, tornao mais apto que o H para estabilizar um carbono deficiente em electrões. Um radical alquilo terciário, devido ao 50 efeito indutivo doador dos três grupos alquilo, é mais estável que um secundário e que um primário, que só possuem dois e um grupo alquilo, respectivamente. Os produtos duma reacção podem ser previstos com base na relação entre estrutura e estabilidade dos intermediários. Se um reagente puder originar vários intermediários diferentes, pode-se prever qual será formado com base nas estabilidades relativas. Reagentes nucleófilos e reagentes electrófilos Os reagentes podem dividir-se em 2 grupos importantes: Nucleófilos, ricos em electrões e electrófilos, deficientes em electrões. Os nucleófilos são, frequentemente, electronicamente neutros ou carregados negativamente, enquanto que os electrófilos são electronicamente neutros ou carregados positivamente. Numa reacção iónica um nucleófilo Y compartilha um par de electrões com um electrófilo Z, no processo de formação da ligação. Y + Z Y Z Ex.: F F F B + NH3 F B NH3 F F As bases de Lewis (doadores de pares de electrões) são nucleófilos e os ácidos de Lewis (captores, sal ácido base aceitadores de pares de electrões) são electrófilos. Exemplos: Nucleófilos Electrófilos H O H R O Br C N NO 2 X (F , Cl, Br, I ) BF3 R AlCl 3 O H N H2O 51 Aspecto cinético A cinética é o estudo da velocidade com que se desenrola uma reacção. É um instrumento precioso para estudar mecanismos de reacções, porque através da medição de velocidades fornece indicações sobre o número e a natureza das moléculas e sobre as etapas determinantes. A velocidade está relacionada com a concentração dos reagentes através de uma constante específica de velocidade k, característica de uma reacção dada. Consideremos, por exemplo, a reacção seguinte: A+ B C+ D A velocidade com que se formam os produtos da reacção é função das concentrações dos reagentes, segundo uma relação que pode ser mais ou menos complexa, dependendo do mecanismo. Se tiver sido determinado experimentalmente a relação seguinte: v = k A B em que a velocidade é directamente proporcional às concentrações de A e de B (ambas com um expoente de 1), a reacção é de ordem 2 (de ordem 1 em relação a cada uma das concentrações). O exemplo concreto da reacção do hidroxilião com o cloroetano é uma reacção deste tipo: CH3 - CH2 - Cl + HO- CH3 - CH2 - OH + Clem que A = CH3 -CH2 Cl e B = OH- É uma reacção de substituição em que um nucleófilo HO- reage com um electrófilo, substituindo-se ao cloreto Cl-. CH3 -+CH2 Cl HO- Do ponto de vista mecanístico é uma reacção de substituição (S), em que o nucleófilo HO- ataca um carbono deficiente em electrões (submetido ao efeito -I do átomo de Cl) e substitui o ião cloreto (o Cl parte com os 2 electrões da ligação C -Cl). A reacção designa-se substituição nucleófila SN. Do ponto de vista cinético é uma reacção de 2ª ordem, ou bimolecular. A ordem da reacção SN define a dependência da velocidade em relação à concentração dos reagentes. Neste exemplo é de 2ª ordem e designa-se SN2. 52 Mas a velocidade pode depender da concentração (com um expoente de 1) de um só dos reagentes. Uma reacção com uma dependência deste tipo: v = k A é, do ponto de vista cinético, de ordem 1, ou monomolecular. A reacção seguinte é um exemplo concreto deste tipo de cinética: CH 3 CH 3 C CH 3 Cl + HO CH 3 C CH 3 OH + Cl CH 3 em que a velocidade depende unicamente da concentração do cloreto de tertio-butilo (2-metil-2-propanol). Do ponto de vista mecanístico é uma reacção de substituição nucleófila, em que o nucleófilo é o hidroxilão. A reacção desenrola-se em 2 etapas. A etapa determinante, a que impõe a velocidade global, é a formação do carbocatião tertio-butílico. CH 3 CH 3 C CH 3 Esta reacção de substituição nucleofílica monomolecular é designada SN1. 53