V Mostra de Pesquisa - Sintaxe: o pulo do gato

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V Mostra de Pesquisa
da Pós-Graduação
Identificação do Constituinte: o
ponto de partida para a análise de
uma sentença.
Ana Márcia Martins da Silva,
Profª. Dr. Ana Maria Tramunt Ibaños (orientador)
Faculdade de Letras, PUCRS, Programa de PósGraduação
1. Introdução
Partindo do pressuposto de que uma sentença é uma
entidade mental, que tem uma forma abstrata, mas
coerentemente organizada pela Faculdade da Linguagem,
este estudo pretende mostrar, a partir de estratégias
apresentadas por Adger (2003) e Haegeman (2007), como
se identificam os constituintes de uma sentença, que são
projetados pelo léxico, e como eles se organizam para que
ela seja gramatical. Serão utilizados nessa identificação os
testes de Substituição, Elipse, Movimento e Clivagem em
frases do PB[1] que farão parte do corpus em análise na
tese.
[1] Português Brasileiro
2. Testes de identificação de constituintes
As estruturas sintáticas são hierárquicas:
pequenos constituintes tornam-se maiores e se
combinam com outros para formar uma sentença. Essa
combinação é denominada Merge e parte do menor
elemento, que será sempre um item lexical. A partir do
exemplo em (01), mostraremos a identificação intuitiva
que fazemos ao lidar com uma sentença.
(01) Aqueles garotos cabeludos de Liverpool
deveriam receber o título de patrimônio da
humanidade.
PRIMEIRA HIPÓTESE
(02) [aqueles garotos cabeludos de
Liverpool] [deveriam receber] [o título de
patrimônio da humanidade]
SEGUNDA HIPÓTESE
(03) [aqueles garotos cabeludos de
Liverpool] [deveriam [receber [o título de
patrimônio da humanidade]]].
Reconhecemos em (02) três unidades: (i)
aqueles garotos cabeludos de Liverpool, (ii)
deveriam receber e (iii) o título de patrimônio
da humanidade.
Em (03), são duas grandes unidades: (i)
aqueles garotos cabeludos de Liverpool, (ii)
deveriam receber o título de patrimônio da
humanidade.
Diante dessas duas hipóteses, qual
escolher? Qual é a mais adequada para a análise
que pretendemos, (2) ou (3)? Ou ambas servem?
Para dirimir tais dúvidas, vamos aplicar os testes
propostos por Adger (2003) e Haegeman (2007) a
fim de chegarmos a um diagnóstico sintático.
2.1 Substituição
Consiste em substituir uma sequência de palavras por
uma única palavra, sem que haja mudança sintática e desde
que a mudança de significado seja mínima. Em (04 a),
reproduzimos nosso exemplo de (01) e aplicamos a ele, em
(04 b), o teste de substituição.
(04) a) Aqueles garotos cabeludos de Liverpool deveriam
receber o título de patrimônio da humanidade.
b) Eles deveriam recebê-lo.
A sequência “aqueles garotos cabeludos de Liverpool” é
o antecedente do pronome “eles”, e o “o título de patrimônio
da humanidade”, do pronome “lo”. Isso corrobora nossa
primeira hipótese, ou seja, que essas sequências são
unidades coesas e coerentes; são, portanto, constituintes.
Ainda podemos aplicar o teste de substituição
para extrair constituintes menores dos maiores
identificados em (04 b). É o que fazemos em (05 b).
(05) a) [aqueles garotos cabeludos de Liverpool]
b) aqueles lá
Temos agora uma estrutura um pouco mais
complicada do que a de (04 b), mas tão eficiente
quanto ela.
(06) [aqueles [garotos cabeludos de Liverpool]]
deveriam receber o título de patrimônio da
humanidade]
Essa substituição demonstra que as
sentenças são organizadas em constituintes, e que
estes são organizados em constituintes menores,
permitindo-nos chegar ao item lexical básico.
Resta-nos verificar se o NP “o título de patrimônio da
humanidade” faz parte do VP, como em (03), ou não, como
em (02). Para essa verificação, construiremos em (07) uma
sentença complexa a partir de (01).
(07) Aqueles garotos cabeludos de Liverpool deveriam
receber o título de patrimônio da humanidade, mas, para isso,
eles precisariam se candidatar.
Neste caso, “isso” substitui “receber o título de
patrimônio da humanidade”, confirmando a segunda hipótese,
isto é, a de que o NP “o título de patrimônio da humanidade”
faz parte do constituinte encabeçado pelo verbo, ou seja, do
VP.
O teste de substituição, então, aplicado aos exemplos
das hipóteses de (02) e (03) mostrou que ambas são válidas
e que uma não exclui a outra.
2.2 Elipse
Um constituinte é considerado elíptico quando é
deletado da estrutura. Em (08), adaptamos (01) e aplicamos
o teste de elipse.
(08) [Aqueles garotos cabeludos de Liverpool]¡ deveriam
receber o título de patrimônio da humanidade, mas t¡ não se
candidataram a isso.
Observamos aí que a elipse do sujeito da segunda
oração não modificou sintaticamente a oração, nem criou
problemas de significado, já que o traço está perfeitamente
coindexado com “aqueles garotos cabeludos de Liverpool”.
Para submetermos o VP a este teste, precisaremos de
uma nova adaptação na sentença, o que é feito em (09).
(09) Aqueles garotos cabeludos de Liverpool não [receberam
o título de patrimônio da humanidade]¡, mas queriam t¡.
Neste caso, o t¡ coindexa-se com “receber(am) o título
de patrimônio da humanidade”.
2.3 Movimento
Se uma sequência de palavras é movida com um
mínimo de modificação no significado, ela corresponde a
um constituinte. Em (10), moveremos algumas sequências
de (01) para verificar se são, ou não, constituintes.
(10) a) Deveriam receber o título de patrimônio da
humanidade aqueles garotos cabeludos de Liverpool.
b) O título de patrimônio da humanidade aqueles
garotos cabeludos de Liverpool deveriam receber.
c) *De patrimônio da humanidade deveriam receber
aqueles garotos cabeludos de Liverpool o título.
d) *Garotos aqueles cabeludos de Liverpool deveriam
receber o título de patrimônio da humanidade.
Em (10 a, b), a sentença não sofreu mudança
de significado nem comprometimento da estrutura;
já, em (10 c, d), o movimento provocou
agramaticalidade, embora “garotos” e “título” sejam
itens lexicais e, portanto, constituintes mínimos. Tal
agramaticalidade é provocada não porque
movemos um não constituinte, mas porque o
fizemos ilegitimamente, não respeitando a proibição
de movimentar um constituinte para além de sua
subjacência a outro elemento do mesmo
constituinte.
Isso evidencia uma peculiaridade dos testes
de movimento: se um deles falha, não significa que
o elemento não seja um constituinte, uma vez que
as razões do erro são independentes e há outros
testes que podem ser feitos, como a clivagem,
processo aplicado no item 2.4.
2.4 Clivagem
Clivada é uma sentença cuja estrutura é ser + X + que
+ X, em que X representa constituintes de uma sentença.
(11) a) São os Beatles que são aqueles garotos cabeludos
de Liverpool.
b) São as canções dos Beatles que ainda fazem
sucesso.
c) É o Abbey Road que é o estúdio dos Beatles.
Podemos observar que todas essas clivadas
correspondem a sentenças simples.
(12)
a) Os Beatles são aqueles garotos cabeludos de
Liverpool.
b) As canções dos Beatles ainda fazem sucesso.
c) O Abbey Road é o estúdio dos Beatles.
Em (13), especificamos como acontece o processo
de clivagem a partir de uma sentença simples.
(13)
a) Os Beatles são aqueles garotos cabeludos de
Liverpool →
b) Os Beatles + aqueles garotos cabeludos de
Liverpool →
c) São os Beatles + aqueles garotos cabeludos de
Liverpool →
d) São os Beatles que são aqueles garotos cabeludos
de Liverpool.
A sentença em (13) indica que “Os Beatles” é um
constituinte, o que pode ser comprovado se aplicarmos o
teste de substituição, já que podemos substituí-lo pelo
pronome “eles”.
(14) Eles são aqueles garotos cabeludos de Liverpool.
Confirmamos,
portanto,
que
as
clivadas
correspondem a sentenças simples que apresentam uma
estrutura argumental completa, com seus constituintes
coerentemente hierarquizados.
3. Conclusão
Com os testes de identificação de constituintes que
examinamos neste trabalho, pudemos observar que a
formação sintática de uma sentença é organizada em
vários agrupamentos. Além disso, corroboramos a ideia de
que constituintes maiores contêm menores, que, por sua
vez, também contêm outros menores.
Essas constatações serão de extrema valia para a
pesquisa que estamos desenvolvendo, pois nos permitirão
identificar os constituintes que podem exercer a função de
sujeito agente, o que determinará se uma sentença pode –
ou não – ser apassivada. E essa é uma questão
fundamental para aquilo a que nos propomos, qual seja
sugerir uma revisão na Nomenclatura Gramatical Brasileira
a fim de que passe a classificar adequadamente os verbos
do PB.
4. Referências
ADGER, D., Core Syntax: a minimalist
approach. Oxford University Press, USA, 2003.
CHOMSKY, N. Aspects of the theory of sintax.
Cambridge: MIT Press, 1965.
________. On binding. Linguistic Inquiry, 1980.
_________. Language and problems of
knowledge. The Managua Lectures, Cambridge:
MIT Press, 1988.
HAEGEMAN, L. M. V., Thinking syntactically : a
guide to argumentation and analysis. Blackwell
Publishing, USA, 2007.
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