filosóficas filosofia

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Ciência e Fé
Módulo II – Filosofia Grega e Cosmologia Grega
Outubro de 2011 a Fevereiro de 2012
Ciência e Fé
Estrutura do Curso
I - Introdução
II - Filosofia grega e cosmologia grega
III - Filosofia medieval e ciência medieval
IV - Inquisição e Ciência
V e VI - O caso Galileu
VII - A revolução científica
VIII - Darwin e a Igreja Católica
IX - Os Argumentos Cosmológico e Teleológico
X - Filosofia da Mente e Inteligência Artificial
XI - Milagres e Ciência
XII - Desafios ao diálogo entre Ciência e Fé
Índice
1. Introdução
2. Os filósofos pré-socráticos
3. Sócrates
4. Platão
5. Aristóteles
6. Cosmologia grega
2
A Ciência é a única fonte de conhecimento verdadeiro?
O debate Craig vs. Atkins
William Lane Craig (1949-)
Peter Atkins (1940-)
Norte-americano
Britânico
Cristão evangélico
Ateu
Professor de Filosofia (Talbot/Biola, Califórnia)
Professor de Química (Oxford, Reino Unido)
Explica que H1 é uma falácia genética
Demonstra que a Ciência não é omnipotente,
logo que H2 é falsa
H1: A religião surgiu porque as pessoas precisam
“desesperadamente” de acreditar em Deus
H2: Ciência é omnipotente e não precisa de Deus
C: Logo, Deus não existe
A Ciência é a única fonte de conhecimento verdadeiro?
O debate Craig vs. Atkins
Exemplos dados por William Lane Craig
Verdades da lógica e da matemática
Há outras mentes para além da minha
O mundo externo a mim é real
O passado não foi criado há cinco minutos com a aparência de antiguidade
Crenças éticas e afirmações morais
Juízos de estética
A própria Ciência apoia-se em pressupostos não demonstrados cientificamente
A Ciência é a única fonte de conhecimento verdadeiro?
Os princípios da Lógica
Em lógica clássica, aceitamos sem prova científica estes três princípios:
Identidade (P = P)
Não contradição (P ≠ ~P)
Exclusão do terceiro termo (P V ~P)
Há certos princípios que sabemos que têm que ser verdadeiros, mesmo sem prova científica!
Podíamos abdicar desta confiança na Lógica… ou sermos mais “flexíveis” acerca da Lógica…
Mas o abandono do rigor lógico é o suicídio do intelecto, é a irracionalidade
Parece que as verdades da Lógica são inevitáveis!
Parece que são objectivas (válidas para tudo e todos) e não meramente subjectivas
Se todos os seres inteligentes do Universo desaparecessem, a Lógica desaparecia?
O que é que isto nos diz acerca da realidade?
A Ciência é a única fonte de conhecimento verdadeiro?
Não há conhecimento sem certos “axiomas” indiscutíveis…
Existo, ou seja, faço parte
da realidade existente
Sou distinto do que me rodeia
A minha memória é minimamente
fiável (mas não infalível)
Há uma realidade objectiva que
existiria mesmo sem mim
Os meus sentidos reflectem, de
certo modo, a realidade
Sei distinguir, quase sempre,
entre sonhar e estar acordado
O meu intelecto é capaz de compreender
certos aspectos da realidade
Há certos princípios que aceitamos como verdadeiros,
mesmo sem provas empíricas (físicas, científicas)!
A Ciência é a única fonte de conhecimento verdadeiro?
O método filosófico de “retorsão” (Aristóteles)
“Há proposições”
Se tento refutar (“não há proposições”) faço uma proposição
“Há proposições verdadeiras”
Se tento refutar (“não há proposições verdadeiras”) dou um tiro no pé
Acabámos de refutar o cepticismo!
“De duas proposições, das quais uma é a negação da outra, uma delas é
necessariamente falsa”
Se tento refutar, reforço o que queria negar
“De duas proposições, das quais uma é a negação da outra, uma delas é
necessariamente verdadeira”
“Posso enganar-me”
Se tento refutar, dizendo “nunca me engano” então eu estava enganado em
primeiro lugar
Se tento fugir, dizendo “engano-me sempre”, estou em contradição
Há muitas verdades não comprovadas cientificamente!
A Ciência é a única fonte de conhecimento verdadeiro?
Vamos supor que sim...
P: A Ciência é a única fonte de conhecimento verdadeiro!
A proposição P é de que tipo?
Científica?
Filosófica?
Outro tipo?
Claramente não é uma proposição científica, ou seja, provada pela Ciência!
Logo, se P for verdadeira, P terá que ser falsa!
Se a Ciência for a única fonte de conhecimento verdadeiro, e essa afirmação não for
científica, então essa afirmação não pode ser verdadeira...
A frase auto-refuta-se!
Terminologia
Ciência, Epistemologia, Filosofia da Mente, Metafísica
Ciência
Construção de hipóteses ou modelos acerca da realidade natural
Concepção e execução de testes para comprovar ou refutar essas hipóteses ou modelos
Recolha de dados empíricos (mensuráveis directa ou indirectamente por via sensorial)
Confronto entre os resultados dos testes (dados empíricos) e as hipóteses ou modelos
Epistemologia (ramo da Filosofia)
Estudo do conhecimento em si mesmo (“episteme”) e da sua fundamentação racional
Demarca o âmbito do conhecimento e fundamenta o seu método
Filosofia da Mente
O problema da dualidade “corpo – mente” e da natureza do intelecto
O problema do livre arbítrio: tomamos decisões livres?
O problema da percepções subjectivas na consciência (“qualia”, p.ex., “vermelhidão”)
Metafísica (ramo da Filosofia)
Primeiros princípios (p. ex.: lógica, silogismos), estudo do “ser” (Ontologia)
O problema do estatuto ontológico das matemáticas e dos conceitos abstractos
A Metafísica não é Teologia - há filósofos ateus neste ramo do conhecimento!
O ressurgimento da filosofia cristã
Catálogo da Oxford University Press (2000-2001, total de 273 obras) *
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Filosofia da Religião
(teístas)
94
Filosofia da Religião
(teístas e ateístas)
Filosofia da Linguagem
61
51
Epistemologia
Metafísica
28
23
Filosofia da Mente
14
2
Filosofia da Ciência
Áreas da Filosofia
* Fonte: Quentin Smith
O ressurgimento da filosofia cristã
Albert Einstein (“Physics and Reality”, 1936)
«Tem sido dito várias vezes, e certamente com justificação, que o homem de ciência é
um fraco filósofo»
Hawking/Mlodinow (“The Grand Design”, 2010)
«Tradicionalmente, estas são questões para a filosofia, mas a filosofia está morta. A filosofia
não acompanhou os modernos desenvolvimentos em ciência, em partícular [em] física. Os
cientistas tornaram-se os portadores da tocha da descoberta na nossa busca de
conhecimento.»
Quentin Smith (Revista “Philo”, “The Metaphilosophy of Naturalism”, Vol. 4, N.º 2)
«Os naturalistas observaram passivamente enquanto versões realistas do teísmo, muito
influenciadas pelas obras de Plantinga, começaram a varrer a comunidade filosófica, até que hoje
talvez um quarto a um terço dos professores de filosofia são teístas, sendo a maioria deles Cristãos
ortodoxos (…) Deus não está “morto” no mundo académico; ele voltou à vida no final da década de
1960 e está agora vivo e de boa saúde no seu último baluarte, os departamentos de filosofia.»
«(…) a vasta maioria dos filósofos naturalistas mantém (desde o final da década de 1960) uma
crença injustificada no naturalismo.»
O ressurgimento da filosofia cristã
Alvin Plantinga (1932-), filósofo cristão norte-americano
“Where the conflict really lies: science, religion and naturalism” (2011)
Alegado conflito entre Ciência e Religião:
Cristianismo e evolução
Milagres e Ciência
Conflito superficial entre Ciência e Religião:
Psicologia evolutiva
Criticismo histórico da Bíblia
Concordância entre Ciência e Religião:
Afinação (“fine-tuning”) do Universo
Finalidade (“design”) em Biologia
O teísmo cristão e as raízes profundas da Ciência
Profunda discordância entre Ciência e Naturalismo:
Se o evolucionismo naturalista está certo, então as nossas faculdades
cognitivas, resultado de um processo não guiado, não são fiáveis
Se não são fiáveis, não podemos defender nenhuma tese
Logo, o evolucionismo materialista não é defensável (auto-refuta-se)
12
Índice
1. Introdução
2. Os filósofos pré-socráticos
3. Sócrates
4. Platão
5. Aristóteles
6. Cosmologia grega
13
Os filósofos pré-socráticos
Tales de Mileto (c. 620-546 a.C.) e Pitágoras de Samos (c. 570-495 a.C)
Tales é tido como o fundador da filosofia natural, das explicações filosóficas da realidade natural
Tales sugere que o primeiro princípio (“archê”) da realidade natural é a água
Anaximandro (c. 610-546 a.C.), seu aluno, sugere que o “archê” é infinito e indeterminado (“apeiron”)
Anaxímenes (c. 585-528 a.C.), aluno de Anaximandro, sugere que o “archê” é o ar
Pitágoras, possível aluno de Tales e Anaximandro, sugere que o “archê” é o número (a Matemática)
Tales de Mileto (c. 620-546 a.C.)
Pitágoras de Samos (c. 570-495 a.C.)
Θαλῆς ὁ Μιλήσιος
Ὁ Πυθαγόρας ὁ Σάμιος
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Os filósofos pré-socráticos
Tales de Mileto (c. 620-546 a.C.) e Pitágoras de Samos (c. 570-495 a.C)
Tales representa um extremo ontológico: a realidade última é material (água)
Pitágoras representa o outro extremo ontológico: a realidade última é imaterial (números, matemática)
Para Tales, o fundamento da realidade é sensorial, enquanto que para Pitágoras é intelectual
Ambos rompem com o passado
A realidade natural tem regras próprias, não está sujeita aos caprichos dos deuses do panteão grego
Tales de Mileto (c. 620-546 a.C.)
Pitágoras de Samos (c. 570-495 a.C.)
Θαλῆς ὁ Μιλήσιος
Ὁ Πυθαγόρας ὁ Σάμιος
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Os filósofos pré-socráticos
Heráclito de Éfeso (c. 535-475 a.C.) e Parménides de Eleia (c. 515-450 a.C)
Heráclito afirma que a essência da realidade é a mudança e a inconstância: “todas as coisas se
movem e nada permanece quieto”, “não se entra duas vezes no mesmo rio”
Parménides afirma que a mudança é impossível, e que a essência da realidade é a imutabilidade e
a constância, e que a aparência de mudança provém dos sentidos, que não são fiáveis
Heráclito de Éfeso (c. 535-475 a.C.)
Parménides de Eleia (c. 500 a.C.)
Ἡράκλειτος ὁ Ἐφέσιος
Παρμενίδης ὁ Ἐλεάτης
16
Os filósofos pré-socráticos
Leucipo e Demócrito de Abdera (c. 460-370 a.C)
Os primeiros atomistas queriam resolver o problema de Parménides, ou seja, explicar a mudança
Introduzem o “átomo” (entidade indivisível), partícula base de toda a realidade, juntamente com o vazio
A mudança resultaria da deriva e agregação de átomos que se movem no vazio
A indivisibilidade é introduzida de forma a resolver os paradoxos de Zenão (discípulo de Parménides)
O vazio é um conceito extremamente problemático para a filosofia grega devido à relação causa-efeito
Demócrito de Abdera (c. 460-370 a.C.)
Δημόκριτος
17
Índice
1. Introdução
2. Os filósofos pré-socráticos
3. Sócrates
4. Platão
5. Aristóteles
6. Cosmologia grega
18
Sócrates
Sócrates (c. 469-399 a.C), ateniense
Criticou duramente os sofistas, quer do ponto de vista filosófico quer do ponto de vista moral
Não cuidava da sua aparência, vivia apaixonado pela reflexão e pelos debates filosóficos
Tinha uma abordagem radical ao ensino: diálogo com os alunos em vez de aula formal
Foi condenado à morte, acusado de não venerar os deuses da cidade e de corromper a juventude
Platão, seu discípulo, tinha 25 anos quando Sócrates foi condenado à morte
Sócrates (c. 469-399 a.C.)
Σωκράτης
19
A filosofia grega até Sócrates
Pontos-chave
Tales de
Mileto
Inaugura a interpretação objectiva da Natureza, que é despersonalizada (os deuses não são
vistos como agentes da Natureza), baseada num primeiro princípio material, a água
Pitágoras
Sugere que a matemática, e os objectos matemáticos, constituem o fundamento da realidade
Heráclito e
Parménides
Como explicar a mudança e a permanência? Para Heráclito, tudo é mudança, e para
Parménides, a realidade última é a permanência; a mudança é uma ilusão dos sentidos
Demócrito
Para Demócrito, a realidade última é composta por átomos e vazio: a deriva e agregação dos
átomos no vazio explica, quer a mudança, quer a (temporária e aparente) permanência
Sócrates
Ao fazer a crítica dos sofistas, defende uma visão objectiva e racional do Mundo, acreditando
nas faculdades do intelecto e na concordância entre verdades filosóficas e morais
Platão…
… é fortemente marcado por Sócrates e herda a sua motivação filosófica; Platão concebe o
primeiro sistema filosófico dotado de uma metafísica e de uma ontologia abrangentes
20
Índice
1. Introdução
2. Os filósofos pré-socráticos
3. Sócrates
4. Platão
5. Aristóteles
6. Cosmologia grega
21
Platão
Platão (c. 429-347 a.C.), ateniense
Discípulo de Sócrates, fundador da Academia de Atenas (*)
Pela sua obra filosófica abrangente, Platão é considerado justamente como o pai da filosofia ocidental
As suas obras apresentam os temas e debates filosóficos sob a forma de diálogo
Nas suas obras, Sócrates surge quase sempre em primeiro plano, como que o paradigma do filósofo
Platão (c. 429-347 a.C.)
Πλάτων
22
Platão
A Teoria das Formas
Também é conhecida como a “Teoria das Ideias”, mas o termo mais preciso e correcto é “Formas”
A Forma é o que captura a essência imutável de uma coisa, é o seu arquétipo
Para Platão, a Forma não é:
Um objecto físico ou detectado pelos sentidos (empírico)
Uma entidade subjectiva, existente apenas nas nossas mentes
Um conceito convencional, derivado do uso frequente em contexto social
Para Platão, a Forma é:
Abstracta, em vez de concreta
Imaterial, em vez de material
Universal, em vez de particular
Objectiva, em vez de subjectiva (não depende sujeitos ou de mentes subjectivas)
Apreensível pelo intelecto, em vez de o ser pelos sentidos
Descoberta, em vez de inventada
23
Platão
Um exemplo: a forma de “triangularidade”…
“Triangularidade”
Instâncias: entidades concretas e particulares que
“materializam” a forma abstracta de “triangularidade”
24
Platão
Instâncias de uma forma…
São exemplificações concretas e particulares de uma forma abstracta e universal
São apreendidas pelos sentidos
Possuem outras propriedades estranhas à forma (no exemplo atrás: a cor, o traçado, o material, etc.)
Nunca reflectem a perfeição da forma: são imperfeitas
Nunca esgotam o número de possíveis instâncias de uma dada forma
Podem aparecer ou desaparecer, sem que isso afecte a forma, que permanece imutável e existente
Mesmo que todas as instâncias de uma forma não existissem, a forma permaneceria existente
Mesmo que não existisse ninguém para a inteligir, a forma permaneceria existente
Logo, a forma possui um maior grau de realidade do que as suas instâncias
Se uma forma não existisse, as suas instâncias nunca existiriam
A existência de uma ou várias instâncias de uma forma depende da existência desta
25
Platão
A Teoria das Formas – uma estrutura hierárquica da realidade
A Forma do Bem
Formas
Pensamentos/raciocínios
que dependem dos sentidos
Objectos materiais
Sombras, imagens, ilusões, etc.
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Platão
A Forma do Bem
A teoria platónica das formas introduz um critério objectivo (e não subjectivo) de “bem”
Uma coisa é tão melhor quanto mais perfeitamente instanciar a sua forma
Um triângulo desenhado num computador pode ser mais perfeito do que um desenhado à mão
Se o “bem” corresponde à medida de perfeição de uma coisa, então há uma forma para esse “bem”
Essa forma é a Forma do Bem (“τοῦ ἀγαθοῦ ἰδέαν”)
Para Platão, a Forma do Bem é superior a todas as formas e é o fundamento último da realidade
Não é certo se Platão identificou a Forma do Bem com Deus, mas muitos neoplatonistas fizeram-no
A Alegoria da Caverna
Sombras na parede: imagens (dados sensoriais)
Estatuetas: objectos físicos concretos
Fogueira: o Sol
Sombras e reflexos no exterior: os conceitos
Objectos no exterior: as formas
Sol no exterior: a Forma do Bem
Platão
O “Timeu”
Um dos últimos diálogos de Platão (c. 360 a.C.), trata da formação do Universo
Timeu defende a estrutura matemática do Universo
Os quatro elementos teriam, cada um, a sua partícula específica sob determinada forma poliédrica
A Terra baseada em cubos: 6 faces quadradas
A Água baseada em icosaedros: 20 faces triangulares
O Ar baseado em octaedros: 8 faces triangulares
O Fogo baseado em tetraedros: 4 faces triangulares
Cada face de cada poliedro seria composta por triângulos rectângulos isósceles ou escalenos
O “Timeu” foi o único diálogo platónico acessível durante a Idade Média (trad. Calcídio, séc. IV d.C.)
TERRA
ÁGUA
AR
FOGO
Platão
O “Timeu”
O uso de sólidos platónicos (poliedros regulares) ainda surge na obra de Kepler (1596)
Platão
Realismo, conceptualismo, nominalismo
Três tipos de coisas que “parecem” ser imateriais: universais, números e proposições
Qual é o estatuto ontológico destas coisas?
Realismo
Defende que estas coisas existem na realidade, e são objectivas, ou seja, distintas dos
sujeitos que pensam nelas
Toda a humanidade poderia desaparecer, e estas coisas continuariam a existir
Conceptualismo
Defende que estas coisas existem na realidade, mas apenas na mente de quem pensa nelas
Assim, os universais, os números e as proposições necessitam de uma mente para existirem
Nominalismo
Defende que estas coisas não existem na realidade
Os universais, os números e as proposições corresponderiam a meros “padrões” de
actividade neuronal, reflectindo hábitos e convenções sociais e culturais
Índice
1. Introdução
2. Os filósofos pré-socráticos
3. Sócrates
4. Platão
5. Aristóteles
6. Cosmologia grega
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Aristóteles
Aristóteles de Estagira (c. 384-322 a.C.)
Aos 17 anos é enviado para Atenas, para estudar na Academia com Platão até à morte deste (347 a.C.)
Após três anos a viver em casa de Hermeias, governador de Assos (Ásia Menor), muda-se para Lesbos
Passa dois anos na ilha, onde se casa com Pítias (sobrinha de Hermeias), de quem tem a filha Pítias
Em 343, a pedido do Rei Filipe II da Macedónia, Aristóteles muda-se para Pela, a capital da Macedónia,
para ser o tutor do seu filho Alexandre, então com 13 anos
Em 335 está de volta a Atenas, onde funda o Liceu (*)
Em 323, após a morte de Alexandre na Babilónia, crescem os sentimentos antimacedónios em Atenas
Aristóteles abandona Atenas e muda-se para Cálcis, na ilha grega de Eubeia, onde morre em 322 a.C.
Aristóteles (c. 384-322 a.C.)
Ἀριστοτέλης
32
Aristóteles
Primeiros princípios ontológicos
Há multiplicidade na realidade
Existem múltiplas coisas, distintas e individuais
Há unidade na realidade, e a unidade tem dois aspectos:
1. Todas as coisas são unas, quando consideradas individualmente (em si mesmas)
2. Certas coisas distintas têm características (propriedades) comuns que as unem
Em última análise, todas as coisas existentes têm a característica de existir
O fenómeno da multiplicidade é explicado pelo princípio da individuação
Sem um princípio que individua as coisas, não existe real multiplicidade
Se nada na realidade fosse individuável, tudo o que existe seria uma e uma só coisa
O fenómeno da unidade (sob o segundo aspecto, ponto 2 acima) é explicado pelo princípio da essência
Este princípio é constitutivo, e não meramente descritivo ou explicativo
Sem um princípio que dá identidade às coisas, não existe real unidade de coisas idênticas
Se as coisas não têm essências, não existem coisas distintas com características comuns
Se as coisas não têm essências, tudo é distinto de tudo (nada é idêntico a nada)
Todas as coisas têm essências reais que lhes são constitutivas
33
Aristóteles
Primeiros princípios ontológicos
As essências das coisas são meras convenções humanas ou são reais?
Parece que as essências das coisas são meras convenções humanas (convencionalismo)...
No entanto, o convencionalismo é auto-refutatório, o que se prova deste modo:
Suponhamos que todas as essências das coisas são convenções humanas (princípio geral)
Logo, a essência do ser humano seria convenção humana (aplicação particular do princípio geral)
Logo, o que é um ser humano seria algo determinado por convenção humana
Logo, a convenção do que é um ser humano seria logicamente anterior ao ser propriamente dito
Mas os seres humanos são a fonte das convenções humanas
Logo, os seres humanos são logicamente anteriores às convenções humanas, e não o inverso
Logo, antes de formadas as convenções humanas, existe uma essência do que é o ser humano
A única forma de escapar a esta refutação seria a de estipular uma excepção para o ser humano
Assim, diríamos que todas as essências das coisas são convenções, excepto a essência do ser humano
Mas porquê postular esta excepção “ad hoc”?
O convencionalismo acerca das essências é uma forma de nominalismo e padece dos seus problemas
As essências das coisas não são meras convenções humanas!
34
Aristóteles
Acto e Potência
As coisas naturais são finitas (limitadas): não há infinitos na Natureza
As coisas naturais são limitadas:
Pelo seu âmbito espacial e temporal (não são omnipresentes nem eternas)
Pelas suas características (e pelas características que não têm)
Pelas características que não têm (presentemente) mas são capazes de ter (potenciais)
Parece que há coisas que mudam e também coisas que permanecem…
Parménides: nada de novo pode surgir do que já existe, senão já existiria; nada de novo pode
surgir do nada, porque o “nada” é precisamente a não existência
Heráclito: no fluxo constante, nada permanece…
Proposta de Aristóteles: todas as coisas naturais são parte “acto”, parte “potência”:
“Acto”: o que uma coisa é, num dado momento
“Potência”: o que uma coisa não é, num dado momento, mas que poderia vir a ser
Não existem coisas de pura potência: tudo o que existe, por esse mesmo facto, é-o em acto
O potencial é subordinado ao actual: uma coisa ser potencialmente outra é poder vir a sê-la em acto
Uma potência não se actualiza por si mesma, sem algo que seja actual e que a actualize: uma causa
Toda a realidade está dividida entre actualidade e potencialidade
35
Aristóteles
Substância e acidente
As coisas naturais podem ser analisadas no que lhes é substancial e no que lhes é acidental
“Substancial” é tudo o que uma coisa não pode deixar de ser, sem deixar de ser o que é
“Acidental” é tudo o que uma coisa pode ser, ou não ser, sem deixar de ser o que é
Nenhuma substância pode ser predicado de outra, ou seja, ser um acidente de outra
Nenhum acidente é substancial, ou seja, nenhum acidente pertence à substância de uma coisa
Os acidentes não existem por si mesmos, mas sempre como predicados de uma substância (por
exemplo, não existe “a cor amarela” em si mesma, mas apenas como predicado de um dado objecto)
Dois tipos de mudança:
Mudança acidental: uma parede que é pintada de outra cor (não deixa de ser parede)
Mudança substancial: uma parede que é destruída ou desmontada (deixa de ser parede)
Predicação
Instanciação
Substância Particular
Acidente Particular
Sócrates
Sabedoria de Sócrates
Substância Universal
Acidente Universal
Homem
Sabedoria
Predicação
Instanciação
36
Aristóteles
A mudança é real?
Toda a mudança real (substancial ou acidental) implica:
Corrupção (substancial ou acidental): o fim da existência de uma substância ou acidente
Geração (substancial ou acidental): o início da existência de uma substância ou acidente
Duas teorias principais acerca do tempo (McTaggart, 1908)
Teoria A (tensed): o passar do tempo é real; cada evento pertence ao passado, ou ao presente
ou ao futuro; um evento do passado já não existe, e um evento do futuro ainda não existe; só os
eventos presentes é que existem
Teoria B (tenseless): o passar do tempo é uma ilusão: passado, presente e futuro são reais; a
dimensão temporal é considerada inteiramente existente e realizada, tal como as espaciais
Se a mudança é real, então a teoria correcta é a Teoria A (ainda por cima, é validada pelos sentidos)
Problemas da Teoria B:
É incompatível com o livre arbítrio: se o futuro já existe, não existem decisões livres
Se passado e futuro são reais, em teoria seria possível “aceder” a eventos passados ou futuros, o
que iria gerar paradoxos: poderíamos alterar o passado ou o futuro, e criar contradições
A mudança seria uma ilusão, nada mudaria: Parménides teria razão!
A mudança (substancial ou acidental) é real!
37
Aristóteles
Acto e Potência
Se todas as coisas fossem actuais, nada de novo poderia surgir: não haveria geração de coisas novas
As coisas actuais também não podem vir do nada, porque do nada, nada vem
A única forma de explicar a realidade da mudança passa por introduzir o conceito de potência
A potência é o conceito que explica a mudança de uma coisa actual P para uma coisa actual Q:
Potência
Dois tipos de potência:
Coisa
actual P
Coisa
actual Q
Mudança:
•
Corrupção da coisa P (deixa de ser actual)
•
Geração da coisa Q (passa a ser actual)
•
Temporalidade: requer teoria A do tempo
•
Causalidade: a causa é o agente da mudança
Activa: baseada em capacidades ou propriedades actuais (exemplo: a água tem a potência para
quebrar o elo Sódio-Cloro - dissolver o sal comum - devido à polaridade das moléculas de água)
Passiva: totalmente indiferente à forma como é activada, é uma potencialidade não actuante
A potência de que fala Aristóteles é uma potência puramente passiva
O potencial não é temporalmente anterior ao actual, mas pode ser visto como logicamente anterior
Uma potência não se actualiza por si mesma, sem algo que seja actual e que a actualize: uma causa
38
Aristóteles
Hilemorfismo
As coisas naturais são compostas de algo potencial (matéria, “hyle”) e algo actual (forma, “morphos”)
Exemplo:
Matéria: tijolos, “pladur”, blocos de calcário, vidro, ferro, etc.
Forma: “barreira física sólida erigida na vertical”
O hilemorfismo é hierárquico, e pode-se repetir a análise macro ou microscopicamente; num tijolo:
Matéria: betão, argila, terracota, etc.
Forma: “paralelepípedo sólido”
Matéria-prima: pura potencialidade, capaz de receber qualquer forma, que não existe por si mesma
A forma de uma coisa é o que ela é, em acto, incluindo a substância da coisa e os seus acidentes
A forma substancial de uma coisa é a forma da substância da coisa, sem os seus acidentes
Exemplo:
A forma de Ghandi, no fim da vida, era a de um homem magro, calvo e que usava óculos, etc.
A forma substancial de Ghandi era a de um homem
Uma coisa muda acidentalmente quando acidentes potenciais são actualizados na mesma substância
Uma coisa muda substancialmente quando a potência da sua matéria é actualizada noutra substância39
Aristóteles
Os quatro tipos de causas das coisas naturais
Causa final
P: Para que é que foi feita a coisa?
R: Para retratar a a beleza feminina / divina
Causa formal
P: O que é a coisa?
R: Uma estátua de mármore da Vénus de Milo
Causa eficiente
P: Como foi feita a coisa?
R: A técnica do escultor no manusear do martelo e escopo
Causa material
P: De que é feita a coisa?
R: De mármore
Por vezes, as causas coincidem na mesma coisa: p.ex.: a alma, que para
Aristóteles é a forma dos seres vivos, pode ser causa final, formal e eficiente.
Aristóteles
O conceito aristotélico de alma
A alma (do latim “anima”) é o nome dado por Aristóteles à forma substancial de um ser vivo
Aristóteles discute o tema na sua obra “Da Alma” (Περὶ Ψυχῆς, “Perì Psūchês”)
Aristóteles classifica as faculdades da alma de acordo com a seguinte hierarquia:
Nutrição, crescimento, reprodução
Locomoção, percepção
Intelecção
Esta hierarquia permite classificar a alma em três categorias:
Alma nutritiva (plantas)
Alma sensitiva (todos os animais), que inclui as faculdades da alma nutritiva
Alma intelectiva (ser humano), que inclui as faculdades das almas nutritiva e sensitiva
O ser vivo, como todas as coisas naturais, é uma substância composta (de matéria e forma):
Matéria: o corpo
Forma: a alma
A distinção corpo-alma não permite a sua separação: tal como a distinção matéria-forma, o corpo e a
alma são dois aspectos da mesma coisa natural: o ser vivo
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Aristóteles
Vantagens do aristotelismo
Baseia-se em muitas e persistentes
observações da Natureza
Confia nos sentidos, mas sujeita o
conhecimento sensorial ao intelecto
É confirmado pelo senso comum e
é muito intuitivo
É um sistema amplo e
abrangente de conhecimento:
Biologia, Filosofia, Psicologia,
Política, Ética, Meteorologia,
Matemática, Física, Metafísica,…
Possui um método próprio de catalogação
do conhecimento humano
Apresenta uma grande amplitude e poder
explicativo para os mais variados
aspectos da Natureza
O aristotelismo “reinou” durante 19 séculos, e a sua
metafísica ainda hoje é estudada como válida
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