atencaobasica.org.br Interação Um simples ato de comunicação ou uma relação entre indivíduos? Talvez você já tenha ouvido falar em interação em algum momento. No mundo em que vivemos, parece que a interação está inserida em tudo. Na internet temos blogs, e-mails, facebook, twitter, videoconferências. Fala-se em interatividade nos videogames, nos programas de rádio e televisão. Podemos ouvir em situações banais, como um cinema interativo, ou um brinquedo interativo. Já teve até anúncio de tênis (“Esse interage com seus pés!”) Ela está no senso comum, confundindo-se com vários termos, como o diálogo, a comunicação, a ação involuntária, entre outros. Referência do termo Segundo estudos em linguística histórica de Starobinski (2002): ● a palavra interação não possui antecedentes na língua latina; ● o substantivo interaction surgiu no Oxford English Dictionary, em 1832 (como neologismo); ● em 1839, surge o verbo to interact, significando "agir reciprocamente"; ● na França, a palavra surge em 1867 depois de outro neologismo, a "interdependência". Ela também está na Física, na Informática, na Matemática, na Saúde, na Educação, nas relações sociais e em outras áreas do conhecimento. A interação é base para compreensão de processos interpessoais, informáticos, educativos, psicológicos e sociais. Vamos partir da seguinte definição: Interação é uma "ação entre" (inter+ação). Ela está apoiada no princípio de reciprocidade da ação entre pessoas ou entes (máquinas, substâncias químicas, variáveis estatísticas, etc.). É estabelecida uma relação entre entes. Vejamos alguns exemplos: Interação biológica Relações entre seres vivos e não vivos dentro de um ecossistema. Podem ocorrer de vários tipos. Aqui podemos ver uma interação harmônica do tipo sociedade (de abelhas), com indivíduos da mesma espécie, caracterizado por uma divisão do trabalho. Interação eletrostática (ou lei de Coulomb) A Lei de Coulomb trata da força de interação entre partículas eletrizadas; partículas de mesmo sinal se repelem, e as de sinais opostos se atraem. Fonte: texto e imagem: http://www.efeitojoule.com/2008/09/lei-decoulomb.html Interação entre pessoas Interação social = Interação que ocorre entre uma pessoa e outra, entre uma pessoa e um grupo ou entre um grupo e outro. É um fenômeno estudado pelo campo da sociologia, como podemos ver na teoria da ação social de Max Weber. A ação social não é qualquer ação do indivíduo; ela ocorre quando o indivíduo age com algum sentido na relação com o outro. As ações dos homens carregam propósitos, intenções e significados, e uma das grandes questões sociológicas de Weber era saber decifrar isso. Quando o indivíduo age com o outro, acontece uma relação social. A interação é um dos objetos da ação social, além da presença do outro e do significado. A sociedade é uma totalidade constituída de uma multiplicidade de interações sociais. Com base em Weber, “os indivíduos estão ligados uns aos outros por uma trama de relações sociais, e a interação implicada pela orientação do comportamento em relação a outrem toma lugar, por conseguinte, no seio de um conjunto". (Apud SILVA, 2007). Com base no que vimos até agora, o aspecto mais importante da interação é que ela provoca uma modificação de comportamento nos indivíduos envolvidos, como resultado do contato e da comunicação que se estabelece entre eles. Essa relação precisa fazer sentido aos envolvidos. Quando falamos de interação social, levamos em consideração as relações, o comportamento, as mudanças de comportamento, sabendo que o indivíduo é produto de um sistema complexo, com culturas, símbolos e linguagens diferentes. Significados de determinados gestos e comportamentos variam de uma cultura para outra, de uma época para outra, concordam? Do Interacionismo Simbólico Por Herbert Mead e Herbert Blumer (discípulo de Mead) “A sociedade nasce das interações individuais. Nenhuma ação humana existe separada da interação. Quase tudo o que uma pessoa é e faz é formado no processo de interatuar simbolicamente com outras pessoas. A interação consiste num mútuo levar-em-conta e responder, e a sociedade resulta de cada pessoa coordenar a sua própria conduta como a dos outros. Mas a vida em grupo e a conduta individual modelam-se através do processo em curso de interação simbólica.” (LITTLEJOHN, 1982) E quando levamos essa discussão para os ambientes criados pelas novas tecnologias? Quando se trata de computadores, além do termo interação, ouvimos muito o termo interatividade. "Este site tem interatividade!" "O curso a distância tem um grau elevado de interatividade por apresentar uma animação que praticamente fala com a gente." O Professor Alex Primo (2005) prefere usar o conceito de interação mediada pelo computador. Mas, como vimos, a interação deve valorizar a ação recíproca e a interdependência. Para isso, Primo problematiza alguns enfoques que se dão ao termo interação, principalmente por conta das visões limitadas de comunicação. Enfoque transmissionista A interação está limitada à polarização "Webdesigner" e "Usuário"(*). Há uma crítica ao modelo tradicional de comunicação, de emissor que transmite a informação por um canal para o receptor. (SHANNON e WEAVER, 1949). Esse modelo ajuda a pensar a comunicação de massa (de um emissor para muitos receptores, como é a televisão), e a lógica do webdesigner que disponibiliza. * Para Primo (2005), “usuário” é aquele que está à mercê de alguém hierarquicamente superior, que disponibiliza um pacote para uso baseado em determinadas regras. Primo prefere usar o termo interagente, pois que emana dele a ideia de interação. Feedback Mensagem Emissor Receptor Meio Meio Enfoque informacional Esse enfoque incorpora os pressupostos da Teoria da Informação, mas valoriza a possibilidade de escolha entre alternativas disponíveis. Nessa perspectiva, a interatividade é classificada a partir do número de escolhas que o programador coloca à disposição do "usuário" e de como este usuário pode reagir (seleção entre alternativas). Somos reféns de um programador, que pode nos dar poucas ou muitas possibilidades de escolha. Isso não contempla pensar em dinâmicas como criação compartilhada (wiki, por exemplo). Por exemplo, um formulário online de múltipla escolha. São escolhas limitadas, predeterminadas por alguém. Enfoque tecnicista Por sempre remeter ao aparato tecnológico, esse enfoque da interação mediada por computador destaca características técnicas, abordando a capacidade do canal (quantidade de informações que pode transmitir). Steuer (1999) define interatividade como "a medida da habilidade potencial da mídia em permitir que o usuário manifeste uma influência no conteúdo e/ou forma de comunicação mediada" (PRIMO, 2005, p. 7) Enfoque mercadológico É um argumento de venda. Se há a capacidade de nos incluir na cena e nos fazer crer que estamos inclusos, é interatividade. É nos dar uma resposta rápida, como, por exemplo, uma pesquisa que eu faço no buscador do Google. Não há necessidade de um diálogo. É puro marketing! Enfoque antropomórfico Bairon (1995, p 16): "Por interativo podemos entender todo o sistema de computação onde se manifesta um diálogo entre o usuário e a máquina." O computador dialoga? Quando uso o sistema operacional Windows, estou dialogando com o computador? Abordagem sistêmico-relacional de interação Após problematizar esses enfoques, Primo (2005) vai buscar na comunicação interpessoal o estudo sobre as interações mediadas por computador. Toma como base Gregory Bateson, que visa destacar padrões de interação em vez de atos individuais. Descrever uma amizade entre duas pessoas, por exemplo, não deve ser um estudo separado de cada pessoa, pois a relação que se forma é diferente da soma das características individuais. Segundo Fisher (1982), uma pessoa não comunica, mas se engaja em um processo de comunicação, cria relacionamentos através da interação. A partir dessa abordagem, Alex Primo propõe dois tipos de interação mediada por computador 1) Interação mútua "O relacionamento entre os participantes vai definindo-se ao mesmo tempo que acontecem os eventos interativos (nunca isentos dos impactos contextuais)." (Primo, 2005, p.13 ). É um constante vir-a-ser, que vai se atualizando através das ações na relação entre os interagentes. Nessa interação, há modificações recíprocas dos interagentes durante o processo: um modifica o outro. O comportamento de um afeta o do outro. Vai além da ação de um e da reação do outro. Leva em conta uma complexidade global de comportamentos (intencionais ou não e verbais ou não), além de contextos sociais, físicos, culturais, temporais, etc. Como num fórum de um curso. 2) Interação reativa Baseados no modelo estímulo-resposta, permite uma ação, porém simples e limitada. Depende da previsibilidade e da automatização nas trocas. Podem recorrer a trilhas previsíveis, permitido que uma troca reativa aconteça repetidamente até a exaustão. São os sistemas fechados, com situações previstas de participação do usuário. Como ocorre nas enquetes de redes sociais. Pode haver uma multi-interação várias interações simultâneas Se ao mesmo tempo pode "rolar" uma interação presencial entre duas pessoas através da fala, dos gestos, do perfume... … na mediação do computador, pode rolar interações reativas e mútuas ao mesmo tempo, como é o caso do chat ("rola" a conversa, ao mesmo tempo que a pessoa interage com as limitações da interface do software utilizado). Finalizando Como vimos, a interação social não é apenas o ato de transmitir informação. São ações entre pessoas que implicam reciprocidade, mudanças de comportamento, relações culturais, sociais, territoriais. Isso ocorre nas relações presencias e nas virtuais. Você acha que a Comunidade de Práticas é um espaço potente de interação para as equipes de saúde, para discutir políticas públicas, novos projetos, entre tantos outros encontros entre os profissionais do Sistema Único de Saúde? Se sim, consegue enxergar sua experiência interagindo com outras experiências? Provocando mudanças de comportamento, transformações em outros territórios, ou criando relações? Referências BAIRON, S. . Multimídia. 1. ed. São Paulo: Global, 1995. v. 3.000. 250p . FISHER, B. A. The pragmatic perspective of human communication: a view from system theory. In F.E.X. DANCE (Ed.). Human communication theory. New York: Harper & Row, 1982, p. 192-219 LITTLEJOHN, S.W. Fundamentos teóricos da comunicação humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982. p. 65-86. PRIMO, Alex; CASSOL, Márcio. Explorando o conceito de interatividade: definições e taxonomias . Informática na Educação: teoria & prática, Porto Alegre, v. 2, n. 2, 1999. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/InfEducTeoriaPratica/article/view/6286> Acesso em: 15 abr. 2015. PRIMO, Alex. Enfoques e desfoques no estudo da interação mediada por computador. Salvador, v. 1, n. 45, p. 115, 2005. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/AlexPrimo/enfoques-e-desfoques-no-estudo-da-interaomediada-por-computador> Acesso em: 15 abr. 2015. SHANNON, Claude; WEAVER, W. The Mathematical Theory of Communication. Illinois: University of Illinois Press, 1949. SILVA, M. Sala de aula interativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2007. STAROBINSKI, Jean. Ação e reação: vida e aventuras de um casal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. STEUER, Jonathan. Defining virtual reality: dimensions determining telepresence. Journal of Communication, v.42, n.4, p.72-93, Autumm 1992. UNIVESPTV. Canal no Youtube. Clássicos da Sociologia: Max Weber. <https://www.youtube.com/watch?v=easXQ5rwZ4>. Acesso em: 16 abr. 2015. Dúvidas? Envie e-mail para: [email protected]