Seriam as antas predadoras do próprio habitat? No “toma lá, dá cá” entre plantas e antas, nem tudo se perde. As antas são espécies de grande mobilidade e podem fazer uso sazonal dos habitats em busca de alimento, ingerindo diversas espécies de plantas e frutos e defecando grandes quantidades de sementes - geralmente em um único lugar, nas chamadas latrinas de antas. Assim como outros animais que se alimentam de frutos, as antas podem ser dispersoras de sementes e contribuir com a regeneração de florestas ou, pelo contrário, podem atuar como predadoras de sementes – caso as sementes sejam danificadas pelo trato digestório. Mas, em quais situações o consumo de frutos e a seleção de lugares para defecar fariam das antas um agente regenerador de florestas? A resposta a essa pergunta ajuda a entender qual é o papel do maior herbívoro da América do Sul na manutenção da dinâmica florestal, e a entender se as estratégias alimentares e de deposição de fezes, apresentadas pelas antas, beneficiam ou não a colonização das espécies de plantas que são consumidas. Além disso, tal resposta pode oferecer subsídios para o desenvolvimento de estratégias de conservação baseadas na interação entre plantas e animais, tanto em áreas de mata contínua como em áreas fragmentadas. Para resolver este problema serão identificados os locais onde as antas estabelecem latrinas numa região com diferentes estádios de regeneração da floresta, e as sementes presentes nas fezes serão identificadas quanto a espécie, capacidade e taxa de germinação. O grau de impacto que os herbívoros (i. e. organismos que se alimentam de vegetais) exercem sobre a vegetação depende, principalmente, das partes da planta que são afetadas. Se a parte da planta que é consumida são os frutos, as plantas podem ser beneficiadas através da dispersão das respectivas sementes - caso estas não forem danificadas durante a mastigação ou durante a passagem pelo trato gastrointestinal de seus consumidores e desde que estas sementes consigam germinar no solo depois de depositadas pelas fezes. Uma vez que as antas costumam defecar em locais préestabelecidos, as latrinas, o acúmulo de sementes num mesmo local, por um lado, aumenta a probabilidade de que pelo menos algumas sementes germinem; por outro lado, pode causar uma alta competição entre as sementes - o que diminuiria a taxa de sobrevivência das sementes germinadas. A localização das latrinas também constitui outro fator que pode beneficiar ou não a germinação das sementes. As antas podem depositar suas fezes na água ou próximas a cursos d’água ou em locais de terra firme. O estabelecimento das latrinas em locais mais degradados - em terras firmes ou próximas a cursos d'água - pode favorecer o nascimento de plantas nestes locais e assim, aumentar a taxa de regeneração da floresta. As antas são herbívoros generalistas em sua alimentação, ou seja, consomem as espécies de plantas que estejam disponíveis em seu habitat, tendo preferência pelo consumo de frutos. Classificar as antas como dispersoras ou predadoras de sementes depende das espécies de plantas existentes em seu habitat, cujos frutos são por elas consumidos. Se em um local existirem espécies de plantas cujas sementes permaneçam com o potencial de germinar após serem eliminadas com as fezes, as antas podem atuar como importantes agentes na propagação destas espécies de plantas. Tal conhecimento possibilita identificar de que forma as antas podem beneficiar a dinâmica da floresta, em termos de aumentar a taxa de regeneração ou de preservação da floresta; conseqüentemente, possibilita também a elaboração de argumentos para que as populações remanescentes de antas sejam preservadas, com a criação de unidades de conservação e com projetos educacionais junto às comunidades humanas em conflito direto com esta espécie. A Floresta Atlântica da região da Serra do Mar pode ser usada como cenário para avaliar qual o papel das antas como agentes no processo de regeneração da floresta ou como agente predador de sementes. Esta porção de floresta encerra uma população de antas remanescente do litoral sudeste do Brasil. A floresta nesta região ainda se apresenta contínua em sua grande parte, mas, devido ao estabelecimento de atividades humanas na região, pode ser encontrada em diferentes estádios de regeneração. Com a determinação de um número igual de parcelas amostrais (i.e. áreas de mesmo tamanho) em áreas mais degradadas e em áreas mais preservadas, é possível identificar e quantificar o número de latrinas de antas presentes em cada um destes dois estádios de regeneração da floresta. Com a coleta de amostra de fezes é possível separar as sementes e identificar as espécies de plantas que foram consumidas e realizar um experimento de germinação destas sementes para se verificar quais espécies continuam viáveis após passar pelo trato digestório das antas. Com o acompanhamento periódico das latrinas, é possível inferir as taxas de estabelecimento de novas plantas (número de plantas nascidas por tempo). A comparação do número de latrinas presentes entre as áreas mais degradadas e as mais conservadas bem como a comparação das taxas de germinação das espécies que conseguem estabelecer-se nestes locais, possibilita avaliar se as antas desempenham um papel positivo, negativo ou indiferente no processo de regeneração da floresta. As antas, enquanto dispersoras de sementes com capacidade de germinação, podem contribuir para regeneração de florestas, desde que as latrinas se localizem em terra firme ou próximas a cursos d’água; e, mesmo havendo competição entre as sementes germinadas, ainda assim ocorreria a regeneração, embora em menor grau. Porém, as antas podem ser consideradas predadoras em habitats com plantas cujas sementes são danificadas pelo trato digestório. Contudo, o monitoramento de ambas as situações - a partir do estabelecimento das taxas de germinação e de crescimento de plantas, cujas sementes não se degradam - oferece subsídios para o desenvolvimento de estratégias de conservação tanto das plantas quanto das populações remanescentes de antas. O ideal é que tais estratégias de conservação estejam associadas a projetos educativos com o objetivo de se evitar a ação antrópica negativa sobre o meio ambiente.