A PRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS NAS VISITAS REALIZADAS EM ABRIGOS DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA JUNHO/JULHO, 2011 Principais Aspectos: - Tomada de conhecimento do protocolo que cria e regulamenta o serviço especializado em abordagem social; - Notícias na imprensa sobre o envolvimento de profissionais em operações de recolhimento compulsório de crianças e adolescentes; - Questionamento técnico sobre o protocolo; - Necessidade de pensar tal dispositivo na assistência; - Necessidade conhecer os procedimentos de atendimento de crianças e adolescentes; - Defesa da política de Assistência Social e política de saúde – articulação com Conselhos de Direitos e Políticas / movimentos PROCEDIMENTOS REALIZADOS: Reuniões com as categorias profissionais de Psicólogos e Assistentes Sociais envolvidos, coletando informações sobre o procedimento, e culminando em uma audiência do CRESS com a Secretaria Municipal de Assistência Social; Ação conjunta das fiscalizações dos Conselhos de Serviço Social, Psicologia, Nutricionistas e Enfermagem; Realização de roteiro de fiscalização específico para os referidos abrigos, dada a hibridade peculiar deste equipamento. • Contato mais direto com movimentos sociais e instâncias de controle social que atuam na defesa dos direitos da criança e do adolescente e da luta antimanicomial: Fórum DCA, Fórum Estadual de Saúde Mental, CEDCA, CMDCA, CEAS, OAB. • Participação na coletiva de imprensa que discutiu tecnicamente o protocolo da SMAS/PCRJ, bem como a prática de recolhimento compulsório; • Ato público. AS FISCALIZAÇÕES: Total de Visitas: 4 (quatro) CRP e CRESS: - Casa Viva – Localização: Laranjeiras CRP, CRESS, CRN, COREN – Localização: Pedra de Guaratiba: - CADQ* Ser Criança; - CADQ Bezerra de Menezes; - CADQ Dr. Manoel Filomeno (conveniado com a FIA) * CADQ – Centro de Tratamento de Dependência Química INFORMAÇÕES ESPECÍFICAS DOS ABRIGOS: Casa Viva •Instituição reinaugurada há 4 meses, co-dirigida pela SMAS/PCRJ, com maior parte da mão de obra contratada pela ONG responsável e uma pequena parte cedida pela SMAS; •Equipe Técnica: 03 psicólogos; 02 assistentes sociais; 01 enfermeiros; 07 técnicos de enfermagem; 01 médico clínico; 20 educadores sociais; 02 terapeutas ocupacionais (voluntários); não havia nutricionaistas OBS: Apenas os assistentes sociais e 01 psicóloga são do quadro da PCRJ. Objetivo da instituição: Recebimento de crianças e adolescentes em situação de rua com dependência química – destaque para o uso de CRACK - tratamento para desintoxicação . Vagas Disponíveis: 25 leitos com 20 vagas disponíveis (entre meninos e meninas) – avaliação da equipe da instituição: 15 vagas Vagas ocupadas: 7 meninos no momento da visita Tempo de Permanência: ainda indefinido, ressaltado não construção técnica de perspectiva de intervenção, bem como fluxo de trabalho com as crianças e/ou famílias. (Conseqüência direta nas disponibilidades de vagas) CADQ Ser Criança: Convênio com a SMAS, com mão de obra contratada pela ONG TESLOO; Vagas disponíveis: 20 meninos Vagas ocupadas: 16 meninos no momento da visita. Equipe técnica: 01 psicólogo, 01 assistente social; 04 técnicos em enfermagem; 01 enfermeira (voluntária); 01 médico psiquiatra; 08 educadores sociais; 01 professor de hip-hop (voluntário), não há nutricionista*, 02 manipuladoras de alimentos. Tempo de permanência: informam ser de, no mínimo, 03 meses, mas havia casos de crianças com até 01 ano e 02 meses, proveniente do município de Magé. Espaço físico: trata-se de uma casa, com banheiro, sala, dois quartos, as crianças dormem em treliche, há armários individualizados, entretanto não estão em bom estado. No quintal há uma piscina, que não estava em uso na ocasião, e pouco espaço para atividade física. CADQ Bezerra de Menezes / Dr. Manoel Filomeno: Trata-se de um sítio com duas casas, bem amplo. Cada uma delas é um abrigo específico. A CADQ Bezerra de Menezes é conveniada com a SMAS e CADQ Dr. Manoel Filomeno, com a FIA. Ambas com mão de obra contratada pela ONG TESLOO; Vagas Disponíveis: 47 meninas Vagas Ocupadas: 43 adolescentes meninas no momento da visita (divididas entre duas casas). Equipe técnica: 02 psicólogos, 02 assistentes sociais, 08 técnicos em enfermagem; 01 Enfermeira (voluntária, mesma que a ser criança); 02 médicos psiquiatras; 04 “apoios”; 08 educadores sociais; 01 professor de educação física, 04 oficineiros. Tempo de Permanência: mínimo de 3 meses, com casos que avançam esse tempo – incluindo gestantes, sem nutricionista*, 04 manipuladoras de alimentos. *Ressalta-se que no momento da fiscalização nos foi informada a presença de uma nutricionista, entretanto foi contatado que não há nutricionista designada para os três. CARACTERÍSTICAS DOS ABRIGOS: • Objetivo das instituições: recebimento de crianças em situação de rua com dependência em CRACK, em tratamento para desintoxicação. • Porta de entrada: Trabalho de Abordagem e Recolhimento Compulsório realizado pela SMAS; • Atividade acompanhada pela Promotoria e TJ local; • As instituições não possuem qualquer participação no trabalho de análise da equipe técnica acerca da pertinência do abrigamento/tratamento das crianças e adolescentes; • Período de permanência: variável, mas foram observados vários casos com mais de 6 meses de abrigamento, chegando a 1 ano. No caso do Abrigo Casa Viva, a equipe ainda tem indefinido o tempo de permanência – seja mínimo ou máximo – das crianças e adolescentes na instituição. • Ausência do Plano Político Pedagógico e de Plano individualizado (seja terapêutico, seja socioassistencial); • Visitação das famílias: informam ser a busca ativa uma atividade do Serviço Social para a identificação de possíveis laços sociofamiliares, entretanto, o foco principal do trabalho é de desintoxicação. As visitas são feitas em dias fixos e prédeterminados pelas instituições. • A distância e isolamento da grande maioria das instituições é algo real. Ainda assim, não há qualquer previsão orçamentária para pagamento de passagem ou outra maneira de facilitar e promover o contato das famílias com os abrigados. • Acesso à escola: Não há trabalho neste sentido, nem em qualquer dimensão do processo de escolarização, por conta do foco do trabalho: a desintoxicação. • Acesso a rede de serviços: UPA, Clínica da Família ou CAPSi da região. Também neste quesito, o isolamento e a distância da maioria das instituições dificultam o andamento dos trabalhos necessários aos abrigados em tratamento. • Todos os abrigados fazem uso de psicotrópico principalmente de amplictil e haldol, com prescrição válida de uma semana. Instituição com grande quantidade de medicamentos armazenados, sem controle farmacêutico. • Observado que, apesar de possuir um profissional enfermeiro, não foram evidenciadas normas e rotinas, assim como, as ações desenvolvidas junto clientela assistida, escala de trabalho sem assinatura do profissional enfermeiro, anotação e relatório apenas dos técnicos de enfermagem. Portanto não constatado a existência de ações de enfermagem sistematizadas, na instituição. •Algumas crianças/adolescentes são abrigadas sem a Guia com a Autorização Judicial. •Dificuldade - dada a localização distante dessas instituições - na operacionalização das ações e procedimentos necessários ao abrigamento e tratamento compulsório junto às Varas da Infância e Juventude referenciadas (destaque para a 1ª Vara, que tem como procedimento o despacho documental realizado presencialmente. As demais Varas já operacionalizam por outros meios, como, por exemplo, o correio eletrônico) • Falta de condições físicas para o atendimento com sigilo profissional, bem como material/equipamento básico de trabalho (como telefone, p.ex); • Falta de condições físicas para o atendimento com sigilo profissional, bem como material/equipamento básico de trabalho (como telefone, p.ex); • Os prontuários são individualizados. Apresentam problemas no registro das informações acerca da identificação do profissional e dos procedimentos realizados, dificultando o acesso ao suposto processo terapêutico e socioassistencial por qualquer agente externo à instituição e sua equipe. • Falta de condições que garantam a inviolabilidade do material técnico de trabalho dos profissionais; •A compra e distribuição dos gêneros alimentícios é realizada pela direção da ONG. São seis refeições ao dia, sendo duas grandes e quatro pequenas. No entanto não há plano alimentar individualizado para atender as necessidades específicas. • No caso do CADQ Ser Criança, as condições físicas da cozinha são inadequadas, com precariedade de iluminação, ventilação, exaustão, proteção de janelas e portas. Não há lavatório para manipuladores e nem depósito de lixo. Não havia água no banheiro situado dentro da cozinha. Os meninos realizam as refeições na varanda da casa, em área contígua à cozinha em local coberto, porém aberto. As mesas e cadeiras são de plástico e algumas cadeiras estavam quebradas. • Nos CADQ's Bezerra de Menezes e Dr. Manoel Filomeno, observamos que a área física da cozinha não apresenta irregularidades, no entanto, não há lavatório para as manipuladoras que utilizam um banheiro comum a todos os funcionários da instituição; a exaustão e a iluminação não são adequadas, além do ralo não ser suficiente para o escoamento da água. As meninas realizam as refeições em um refeitório coberto, porém aberto e não há ligação entre a cozinha e o refeitório. Com isso, o transporte de refeições ocorre a céu aberto. Não há balcão térmico e as preparações frias e quentes ficam dispostas sobre uma mesa. CONSIDERAÇÕES FINAIS: • Os Conselhos profissionais não questionam a necessidade de pensar e acolher a questão do tratamento da dependência química (em especial do flagelo do crack), mas entendem que tal trabalho, dada a sua complexidade de fatores, deve ser organizado de forma efetivamente intersetorial – sem hiper ou atrofias desta ou daquela política pública – e na perspectiva da garantia dos direitos humanos; • Verifica-se que a intenção da política de Assistência está desvirtuada de seus princípios, claramente expressos na PNAS, e produz uma sobreposição do tratamento à dependência química frente a esfera do acolhimento socioassistencial; • Não sendo esta uma prática da política de Assistência, e a ausência de apoio estrutural/intersetorial da Saúde, o que está sendo oferecido acaba se configurando em uma prática tecnicamente frágil, descontextualizada e sem o balizamento da saúde; materializado pela falta de sistematização individualizada, rotinas e procedimentos. • Não há autonomia das equipes dessas instituições para avaliar tecnicamente a necessidade da internação; também não há objetividade na descrição dos parâmetros para as equipes (interdisciplinares) avaliar a “Porta de Saída” (o momento adequado para o encerramento deste tratamento); • O distanciamento territorial é contraditório à perspectiva do acolhimento, afastando a possibilidade de se verificar a própria condição familiar do abrigado ou o estabelecimento de novos vínculos sociofamiliares; • A localização dos abrigos, bem como a inexistência da intersetorialidade, nos faz pensar o próprio propósito desta internação, se não uma prática para o confinamento; • O tratamento está fundamentalmente baseado na medicalização dos usuários fixando a desintoxicação. Cabe ressaltar que estas medicações requererem controle, cuidados especializados e acompanhamento adequado, devido ao comprometimento cognitivo, uma vez que esses, se inadequadamente administrados, podem ocasionar toxicidade, provocando sedação, distúrbios do movimento e efeitos colaterais anticolinérgicos como confusão mental, turvamento da visão, constipação, boca seca, tontura, perda do controle ou dificuldade de micção (Fleming e Goetten, 2005). • A gestão em curso da política da Assistência Social , bem como as entidades que a apóiam, acabam violando os direitos fundamentais de crianças e adolescentes ao negar políticas já existentes para esta população.