ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BICHO DE SETE-CABEÇAS? José Ribeiro De Oliveira Delegado de Policia, professor universitário, escritor, compositor, membro da Academia Imperatrizense de letras. e-mail: [email protected] -A Administração Pública é bicho de sete cabeças? -É possível que seja, mas às vezes só tem seis, em alguns casos apenas uma, e há casos em que a Administração Pública não tem uma só cabeça, apenas pés. - Mas para que cabeça se são com os pés que se anda? Sim, são com os pés que caminhamos, mas caminhamos para onde se não tivermos cabeça para comandar a direção? -Tudo bem, mas uma cabeça basta, pois mais de uma poderia causar problemas quando decidissem diferentemente o rumo a seguir. -Depende da cabeça. -E por depender dela é que quanto mais cabeça melhor, ou quanto mais cabeças melhor. Entre a direita e a esquerda existem inúmeras outras direções, que não significam nenhuma nem outra, mas que intermediam entre esta e aquela, como uma terceira opção, um caminho novo, entre tantos outros, nascidos justamente das posições divergentes, dando origem a novos caminhos, novos horizontes. A deliberação nascida de uma pobre cabeça não resistirá ao primeiro obstáculo, e a direção provável diante da hipótese é o recúo, o retorno na direção inversa, mudando completamente a rota e inviabilizando chegar ao destino previamente desejado. Daí se conclui que a Administração Pública é realmente um bicho de sete cabeças, de oito, de dez, ou de apenas uma, não importando o seu número, mas o seu objetivo e a sua finalidade. O administrador público não administra o que é seu, logo, não administra para si. O que lhe é conveniente ou oportuno poderá não ser para administração e consequentemente para o admnistrado. Aos valores individuias sobrepõem-se o interesse público. 1 A vocação do administrdor público é um mister com característica conjugadas no pronome NÓS ao invés do EU. É certo que os resultados da sua atuação também lhe alcançam, como cliente que também é da A. P. E isto é mais um motivo para a sua dedicação, seriedade e empenho. E é assim por ser da sua natureza tal pluralidade. Não o é no sentido metafórico, ilógico, irracional ou cientificamente exigidor de genialidades raras entre nós. Suas peculiaridades estão nos objetivos que ela persegue, pois tais objetivos não atendem a si mesmo, mas ao interesse público. Seus serviços não devem satisfazer a quem os executa, mas àqueles para quem são executados. A consecução dos seus objetivos se entrelaçam entre as normas, a conveniência, oportunidade, a competência e a finalidade. O administrador público não tem conveniência e nem vontade próprias, a menos que coincidam com a conveniência e a vontade da administração e em sintonia com a dos administrados. Nesse âmbito de raciocínio é oportuno e conveniênte ressaltar que toda produção do homem, seja de bens ou de serviços, a ele se destina. Tudo que a capacidade humana permite produzir é direta ou indiretamente para a satisfação ou necessidade do homem. Logo, este ser é o gerador e consumidor do seu talento. O Talento do homem é a reunião de vários fatores agregados, chamados de qualidades, e que são representados pela capacidade, inventiva, criatividade, logicidade de raciocínio, entendimento, discernimento, e tantas outras qualidades, congênitas ou adquiridas, que essencialmente exercem influência na vida e no trabalho de cada um. Tais fatores ou qualidades são inerentes ao ser humano, que subsiste em função do seu trabalho. O trabalho é a ação de produzir alguma coisa, como já falamos antes, a fim de atender a um interesse, satisfação ou necessidade do homem. Dito isto, é efetivamente correto afirmar que, tão importante quanto o trabalho são as relações que ele envolve. Relações de natureza também humana, relações interpessoais diferenciadas em cada indivíduo, mas que se entralaçam num conjunto que traduz-se na força de trabalho e por conseguinte no resultado de um esforço humano, individual ou coletivo. Se o homem é o gerador e destinatário da sua produção; se esta produção tem na sua essencia o esforço individual integralizado no 2 resultado final do trabalho, conclui-se que o trabalho é um esforço do ser humano para o ser humano, logo, essencialmente, precisa ser humanizado. 2. HUMANIZAÇÃO DO TRABALHO Trabalho é o desenvolvimento ordenado das energias humanas (psíquicas ou físicas) dirigido para o sentido de produzir um valor de cunho econômico (produto ou serviço), para satisfação ou necessidade humana. Os Princípios basilares da organização científica do trabalho são: a divisão do trabalho, a racionalização, a especialização e a padronização das atividades humanas dirigidas no sentido de produzir (bens ou serviços) que atendam a estas necessidades ou satisfações humanas. Sendo o trabalho um esforço (psíquico ou físico) do homem, é evidente que a harmonia destes fatores (endógenos) de energia influenciam no resultado do trabalho. Mas não são somente estes fatores que interferem no resultado do labor. A harmonia requer ainda um outro fator, extrínseco, independente da força individual, encontrado no ambiente de trabalho, na sua organização, nas relações horizontais e verticais da direção do trabalho, na valorização do esforço individual ou coletivo e sua recompensa; na capacidade de resolução dos conflitos internos e da aceitação das limitações individuais, além de tantos outros, que entrelaçados numa interdependência relacional, vão percutir no resultado final do trabalho e na qualidade do produto ou serviço. 3. PECULIARIDADES DO SETOR PÚBLICO No Setor Público, a produção do trabalho é essencialmente a prestação de serviços. E diferentemente de qualquer produto, os serviços não podem ser estocados e nem avaliados previamente quanto a sua qualidade. Esta avaliação é feita instantaneamente, no momento exato da sua prestação – do consumo, e pelo usuário do serviço – consumidor, logo após a sua 3 efetivação. Assim sendo, não pode ser consertado, apenas aprovado ou não. Daí concluirmos que em se tratando de serviço, o controle de qualidade deve ser feito diferentemente do produto. Os paradigmas do Setor Público precisam ser repensados e reformulados para que haja uma mudança radical nos seus processos. É mister que se mude a visão de trabalhar com medidas paliativas na busca da melhoria dos processos atuais e se preocupe com uma visão maior e mais ambiciosa, que signifique a escolha de novos processos, com fundamentos em conceitos mais definidos, simplificados, objetivos, voltados verdadeiramente para a eficácia e não somente para a eficiência; que resulte não somente em melhoria, mas em inovação. Há uma enorme diferença entre os conceitos de melhoria e de inovação. Enquanto a melhoria significa a tentativa de aperfeiçoar ou modernizar modelos já existentes, a inovação significa a criação de um modelo novo a ser executado, com novos paradigmas, pressupostos, significando romper com o modelo vigente, que é viciado, arcaico e clientelista, para implementar novos processos e reestruturar com estratégia de ações que possam culminar com os resultados objetivados pelo ente público. Na reorganização preconizada, o modelo não pode prescindir do indivíduo, como agente principal e responsável pela consecução dos objetivos desejados, tendo-o como longa manus do ente público e concomitantemente destinatário das suas ações. Com estes paradigmas, a eficiência do trabalho e por conseguinte a sua eficácia, vai depender dos seus executores, que ao mesmo tempo são destinatários destas ações, e certamentre, primarão pelo melhor resultado. 4. A ATIVIDADE POLICIAL E SUA COMPLEXIDADE Dentre as atividades do Setor Público, a Policial é a mais delicada. Por ser uma atividade que reprime comportamentos incompatíveis com o convívio social, o Policial é visto com uma certa indiferença, em situações de normaldade e como uma solução nos momentos de conflitos. 4 Diz-se que a polícia é como criança, quando está por perto incomoda; estando longe, faz falta. Mas este sentimento é igual em todas as partes do mundo, onde houver polícia. Porém, o que o policial precisa ter da sociedade é o RESPEITO. O respeito gera credibilidade, que gera confiança e esta gera SEGURANÇA, que é a sua finalidade. Não podemos falar da Polícia, como instituição, sem enfatizar o Policial, sem reconhecer a existência de um ser humano no interior da “embalagem” policial. Todos os indivíduos possuem os seus problemas. E é justamente na busca da solução destes problemas, que o controle individual se desequilibra e a regra de convenção social é violada. A sociedade exige do Policial uma postura adequada e uma ação rápida e eficaz quando é solicitado numa ocorrência de natureza policial. As adversidades e as condições de trabalho quase sempre comprometem os resultados das suas ações. Mas é a ele que a sociedade debita o fracasso destas. O trabalho policial é tido como uma das ocupações mais estressantes, não somente pela sua natureza, mais, e principalmente, por ter que fazer o que lhe é exigido pela situação fática, sem que lhe sejam alcançados os meios e instrumentos necessários para a sua atuação e nem valorizado pecuniariamente a altura da sua importância. O policial que se envolve numa situação de confronto com marginais, em troca de tiros, poderá ficar com processo de trauma e apresentar sintomas periódicos ou permanentes, dependendo da situação do, equilíbrio e do preparo psicológico individual. Os sintomas mais comuns apresentados após uma situação de confronto são: -continuação e intensificação dos sintomas pós-incidente (fase de impácto); -reações excessivas de estresse e ansiedade; -obsessão contínua com o incidente; -absenteismo crescente, desmotivação, queda de produtividade; -aumento da raiva e da irritabilidade; -reação excessiva contra agressão; -sub-reação; -propensão ao risco; 5 -aumento dos problemas familiares; -abuso de álcool/drogas; -mania de perseguição, etc. Para combater as conseqüências desgastantes e o estresse da atividade de polícia, é necessário que este servidor possa contar com o apoio institucional, que tenha início na preparação e valorização profissional, treinamentos constantes e acompanhamento permanente do seu bem-estar físico, psíquico, social e familiar; que tenha na estrutura organizacional do seu órgão, serviços de atendimento psicológico, de apoio e acompanhamento; que tenha no seu corpo como instituição, assessoria jurídica para a sua defesa quando for necessário, e finalmemte, que receba formação humana capaz de colocar-se no lugar do OUTRO, para melhor avaliar as questões e conflitos sociais. É preciso especializar e humanizar a atividade policial, valorizando o indivíduo e promovendo o seu desenvolvimento profissional. Especializar as pessoas e não os órgãos. Tão antiga quanto a sociedade é a atividade polial. Na Grecia, era uma das mais altas dignidades, o exercício da função policial. Platão, Aristóteles, Demóstenes, Epaminondas, Plutarco e tantos outros notáveis daquela civilização, iniciaram-se na vida pública pela polícia. Os Egípcios e os Hebreus tiveram as melhores organizações policiais, e foram os pioneiros na divisão das cidades em regiões, bairros, quarteirões e os distritos policiais, chamados Sar Peleck (Intendência ou Prefeitura de Polícia). Na Judéia tinha o nome de Peleck Bathacaram. No Brasil, a Polícia Civil foi criada em 1808, por D. João VI, quando da chegada da Familia Real, ao mesmo tempo em que eram criadas as mais importantes organizações econômicas e sociais do Brasil, transformado àquela época em Capital do Reino. Historicamente a atividade policial tem sido uma função essencial para a convivência do homem e sua integração no grupo através do contrato social, bem como para a manutenção do ordem pública e defesa do ordenamento jurídico garantidor dos direitos individuais e fundamentais, disciplinadores das condutas dos indivíduos e suas relações no convívio social. A Justiça é uma noção da qual a sociedade não pode duvidar, sob pena de perder os valores comuns conquistados para a sua própria sustentação. A Polícia e a Sociedade, precisam engendrar-se num processo de desconstituição das representações pré-concebidas e buscar novos 6 mecanismos de biunivocidade das relações sociais, do conhecimento interativo, das demandas da órdem pública e sua efetiva produção, afim de produzi-las cada vez mais e melhor, em benefício de todos. 7