A INFLUÊNCIA CLIMÁTICA NA INCIDÊNCIA DA DENGUE NA REGIÃO SUL DO BRASIL (UMA INTRODUÇÃO) Francisco Mendonça1 [email protected] Márcia Maria Fernandes de Oliveira2 [email protected] Felipe Vanhoni Jorge3 [email protected] Leandro Rafael Pinto4 [email protected] Universidade Federal do Paraná / Setor de Ciências da Terra / Departamento de Geografia / Programa de Pós-Graduação em Geografia Rua Coronel Francisco H. dos Santos s/n, Centro Politécnico Jardim das Américas, Curitiba - Brasil. / CEP 81531-990 A Dengue é uma doença que tem apresentado considerável expansão geográfica nas ultimas décadas, no Brasil e no mundo. O número de vitimas têm sido cada vez maior, o que produz impactos consideráveis no modo de vida da população e na economia, sendo que demanda medidas urgentes visando o controle da doença. Trata-se de uma doença viral, transmitida pelo mosquito fêmea Aedes aegypti (figura 01), e que apresenta relação direta com as condições de vida da população e com o ambiente - de maneira especial com o clima (Besancenot, 1999; Reiter, 2001 e 2004; IPCC, 2006; Fernandes de Oliveira, 2006). Ela acomete cerca de 100 milhões de pessoas no mundo a cada ano, dais quais aproximadamente 20 mil morrem devido a complicações decorrentes das quais a mais grave é a Febre Hemorrágica da Dengue (FHD). 1 Coordenador do Programa de Pós Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná. Rua: Sete de Abril, n. 1280, apto.14. Bairro Alto da Rua XV, Curitiba/PR. 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná. Avenida Presidente Afonso Camargo. n. 2305, apto. 207. Bairro Cristo Rei, Curitiba/PR. 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná. Rua: Aníbal Dias Paiva, n. 261. Bairro: Jardim Eldorado, Paranaguá/PR. 4 Mestrando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná. Rua: Reverendo Braz Hernandes, n. 171. Bairro: Barreirinha, Curitiba/PR. Figura 1 Embora a incidência da dengue apresente estreita relação com as condições sócioeconomicas, culturais e políticas de uma determinada sociedade, no presente estudo o enfoque volta-se à sua interação com as condições climáticas, pois que o vetor e o vírus da doença respondem diretamente às influências deste componente do ambiente natural. Para ilustrar o presente estudo tomou-se como analise as interações entre a distribuição da Dengue e as condições climáticas na região Sul do Brasil, compreendendo os Estados do Paraná (PR), Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS) - figura 02 - no período de 1999 a 2004. Nesta porção do país os primeiros registros de casos de dengue datam de 1993, mas apresentaram uma considerável evolução após este ano, pois, a partir de 1995 que foram registradas as primeiras epidemias. Métodos e técnicas da pesquisa O presente estudo foi elaborado segundo uma concepção sistêmica na qual a manifestação da dengue (vírus, mosquito e ser humano) responde a influências da sociedade (cultura, economia e política) e do ambiente (clima) na qual está inserida. Trata-se de uma perspectiva multicausal na abordagem do processo saúde-doença da população para a qual o enfoque geográfico reveste-se de suma importância. Para o estudo da manifestação e expansão da dengue na região Sul do Brasil utilizouse do bando de dados do SINAN – Sistema Nacional de Acompanhamento e Notificação – do Ministério da Saúde, bem como de dados fornecidos pelas Secretarias Estaduais de Saúde dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, correspondentes ao período de 1990 a 2004, embora o período analisado no presente estudo seja referente a 1999 a 2003. Os dados meteorológicos foram fornecidos pelo INMET – Instituto Nacional de Meteorologia. Para o tratamento dos dados empregou-se inicialmente o software Excel e, posteriormente, o software Access para organização do banco de dados. Em seguida este banco foi trabalhado no software ArcView GIS 3.3, que serviu para o desenvolvimento da representação espacial da doença analisada, sobre bases cartográficas cedidas pelo IBGE. Os resultados apresentados em forma de tabelas, gráficos e mapas possibilitaram a elaboração de uma análise crítica sobre a espacialidade da dengue e sua evolução na região Sul do Brasil no período aludido, parte deles constituindo-se no conteúdo do presente texto. A dengue na região Sul do Brasil A região Sul do Brasil apresenta uma muito recente (re)introdução da dengue nos registros de saúde, pois que a doença (re)aparece na região somente a partir de meados da década de 1990. A grande maioria dos casos de dengue registrados caracteriza-se como importados, ou seja, foram contraídos em outros estados do país ou em países vizinhos e, somente no Estado do Paraná é que observou-se o registro de casos autóctones da doença. Esta situação parece refletir não somente a distinção de condições de vida / modo de vida da população dos três estados, mas sobretudo a diversidade climática desta região em relação ao restante do país, pois ela se constitui na mais fria (ou menos quente) porção do território nacional. Entre as epidemias registradas na última década no Estado do Paraná, aquela ocorrida no ano de 2003 destacou-se como a mais importante. Nela foram registrados mais de 12.000 casos, dos quais o número de casos autóctones confirmados excedeu a 9.300 (SINAN/SESA-PR). Considerando-se que o numero de casos seja, normalmente, três vezes superior ao total dos registrados, estima-se que mais de 40 mil pessoas tenham sido infectadas pelo vírus naquele ano, o que demanda uma atenção especial da saúde pública. Trata-se de uma doença cujo controle esta embasado no modo de vida, nas políticas públicas e no ambiente, pois que não possui controle clínico. Das 957 hospitalizações registradas na região Sul, no período de 1998 a 2003, 88,30% ocorreram no Paraná, 6,37% no Estado de Santa Catarina e 5,5% no de Rio Grande do Sul. No que diz respeito à evolução anual dos registros, observa-se um aumento do coeficiente de incidência, sobretudo nos dois últimos anos, quando 383 internações foram registradas em 2002 e outras 482 em 2003. Figura 2 A distribuição espacial (figura 03) das internações por Dengue na região Sul demonstra a mais importante concentração de registros na parte do norte-noroeste e sul-sudoeste do Estado do Paraná (predomínio do tipo climático Cfa), no oestenoroeste de Santa Catarina e no noroeste do Rio Grande do Sul. Nestas partes da região do sul predominam tipos climáticos subquentes com verão quente, localidades nas quais registram-se as médias térmicas mais elevadas da região e cujas temperaturas médias na estação mais quente variam de 20oC a 24 oC. Este período do ano é também marcado por uma maior concentração e intermitência das chuvas que, associadas a processos de convecção atmosférica, tornam o ar com movimento menos turbulento e, portanto, mais favorável à atuação do vetor da dengue. Em estudos mais detalhados Mendonça (2003), Paula (2005) e Fernandes de Oliveira (2006) demonstraram haver uma perfeita interação entre as condições climáticas e a incidência da dengue na região Sul do Brasil. Ela se manifesta exatamente nas porções mais quentes da região, particularmente no Paraná e noroeste de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, áreas marcadas por verão mais úmido e com chuvas intermitentes. Observaram estes autores que as condições ambientais / atmosféricas ótimas para a proliferação do Aedes aegypti apresenta as seguintes características: temperatura entre 25°C e 29°C, intervalo entre-chuvas de cerca de 07 a 10 dias e ventos calmos. Figura 3 Dentre os estados da região Sul o Paraná é aquele que apresenta o maior número de casos confirmados de Dengue em todos os anos analisados; nele, observase, o número de casos autóctones como sendo superior ao dos importados em quase todos anos - exceto 1997 e 2004 - atingindo 85,6% do total dos casos do período. Os municípios paranaenses nos quais os casos autóctones de Dengue se destacam são Londrina, Foz do Iguaçu e Maringá, com valores muito expressivos. Em Santa Catarina, assim como no Rio Grande do Sul, observa-se uma quase ausência de casos autóctones no período analisado; em Santa Catarina houve apenas um caso no ano de 2001, quatorze no ano de 2002 e dois em 2003, enquanto no Rio Grande do Sul somente seis casos no ano de 2002 (tabela 01). Tabela 01: Região Sul do Brasil - Municípios com Maior Número de Casos Autóctones de Dengue no período de 1999 a 2004. Municípios 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total Londrina (PR) 15 6 112 339 5357 6 5835 Foz do Iguaçu (PR) 15 654 53 1432 700 4 2858 Maringá (PR) 11 110 150 617 362 0 1250 Itajaí (SC) 0 0 0 8 1 0 9 Crissiumal (RS) 0 0 0 3 0 0 3 Fonte: SINAN/DATASUS, 2004. Conforme os dados analisados observa-se que o ano de 2003 apresentou a maior expansão da doença para o período analisado; somente no Paraná o número de municípios com casos da doença praticamente dobrou, sendo que nos dois anos conseguintes observou-se uma considerável redução no número de casos confirmados (figura 04). Figura 4 Considerações Gerais A dengue é uma doença exclusivamente urbana, o que leva a crer que o modo de vida da população nas cidades - associado às condições sociais, econômicas e políticas - apresente relações diretas com a sua incidência. Mas é imprescindível que condições climáticas e atmosféricas ótimas sejam constituídas para que o vetor, o mosquito Aedes aegypti, possa realizar sua reprodução e também sua ação na disseminação da doença. O Aedes aegypti é um mosquito endêmico na maior parte da zona tropical e subtropical do planeta. O seu papel na transmissão do vírus da dengue é, no entanto, resultado tanto dos fatores de ordem natural como de ordem social. Sua maior concentração foi verificada na porção dominada pelo clima tipo Cfa (inverno de frio a fresco com verão quente - conforme classificação climática de Koeppen) e nas localidades onde predomina o tipo climático Cfb (inverno de frio a fresco com verão fresco), que coincidem com as mais expressivas elevações do relevo regional (acima de 1000m), a presença deste vetor não foi detectada. As condições favoráveis para a atuação dos vetores indicam que a temperatura do ar deve ser de aproximadamente 27°C sob ventos fracos ou calmaria e em momento seqüencial à queda de chuva. Indícios claros de alterações climáticas no âmbito da região Sul do Brasil, particularmente nos últimos trinta anos, revelam uma tendência ao aquecimento da área o que parece favorecer a expansão dos vetores da dengue. Porém, a proliferação destes e sua atuação na transmissão do vírus da dengue também estão relacionadas a fatores de ordem socioeconômica, cujo conhecimento é de domínio púlbico. A influência climática desempenha um papel especial na reprodução do vírus e do mosquito vetor da dengue. Assim, a temperatura, a precipitação e a umidade, possuem uma relação direta na proliferação do mosquito vetor. No caso brasileiro é uma doença eminentemente urbana, onde as características destes espaços geográficos respondem de maneira pronunciada à repercussão da dengue no país. Considera-se, portanto, que a cidade deveria tornar-se mais organizadamente igualitária, acessível à população de baixa renda, que cada vez mais ocupa áreas marginais, precárias ou ilegais. Isso requer soluções técnicas inovadoras, além, de disposições legais e políticas direcionadas para um cenário urbano que seja físico e socialmente não excludente. O clima é, reconhecidamente, um dos principais fatores a responderem pela incidência da dengue, mas não é, isoladamente, o principal agente causal da doença. Referencias bibliográficas. . Besancenot, Jean-Pierre. 1999. Climat et santé. Paris: PUF. . Fernandes de Oliveira, Márcia M. 2006. Condicionantes sócio-ambientais urbanos da incidência da dengue em Londrina / PR. Curitiba/PR : UFPR. Dissertação de Mestrado. . IPCC – International Panel on Climate Change. www.ipcc.ch. Acessado em dezembro, 2006. . Mendonça, Francisco. 2003. Aquecimento global e saúde: Uma perspectiva geográfica- notas introdutórias. Revista Terra Livre, ano 19, vol.1, n. 20, jan/julho, pp.205-221. . Mendonça, Francisco. 2004. Rechauffement global et santé: Aspects généraux et quelques particularités du Monde Tropical. Annales de l´Association Internationale de Climatologie, Vol. 1, pp. 157-175. . Paula, Eduardo V. 2005. Dengue: Uma análise climato-geográfica de sua manifestação no Estado do Paraná (1993-2003). Curitiba: UFPR. Dissertação de Mestrado. . Reiter, Paul. 2004. Global warming and malaria: A call for accuracy. The Lancet – Infectious Diseases. Vol. 4, June, pp. 323-324. (Reflection & Reaction). http: //infection.thelancet.com. . Reiter, Paul. 2001. Climate change and mosquito-borne disease. Environmental health perspectives, vol. 109 [supplement 1], march 2001. pp.141-161.