REVISTA CH 210

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REVISTA CH 210 - NOVEMBRO DE 2004 - EM DIA
Um galope interrompido
Espécies de cavalos-marinhos da costa brasileira encontram-se ameaçadas
O Hippocampus reidi ocorre em toda a costa
brasileira (foto: Renato H. A. de Freitas)
2004 não foi definitivamente um ano de
comemorações na costa brasileira. Neste ano,
duas espécies de cavalo-marinho que ocorrem no
nosso litoral – Hippocampus erectus e
Hippocampus reidi – entraram para a Lista das
Espécies de Peixes e Invertebrados Aquáticos
Ameaçadas de Extinção, Sobreexplotadas ou
Ameaçadas de Sobreexplotação, organizada pelo
Ministério do Meio Ambiente. Com poucos
predadores naturais, a maior ameaça ao simpático
animal é a exploração humana não-sustentável.
Atentos para o problema, pesquisadores
universitários já estão tomando medidas para
reverter esse quadro.
Ao contrário do que sugere a aparência, os cavalos-marinhos são peixes. Peixes ósseos, da família
Syngnathidae, à qual pertencem também os peixes-cachimbo, os dragões marinhos e os cavaloscachimbo. Sua cauda é preênsil – tem a capacidade de se agarrar a substratos como algas, corais e
raízes de mangue. Seu sistema de reprodução é bastante curioso: são os machos que mantêm os
filhotes em uma bolsa incubadora e cuidam deles depois de nascidos.
Preocupados com a exploração predatória de cavalos-marinhos no país, pesquisadores do
Laboratório de Peixes, Ecologia e Conservação (Lapec) da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) vêm estudando esses peixes desde 2000 com o objetivo de elaborar um plano de manejo
para as populações brasileiras dessas espécies. Até então essas populações nunca haviam sido
estudadas no ambiente natural e as pesquisas feitas em laboratório eram insuficientes para que
ações conservacionistas concretas fossem empreendidas. Além disso, o comércio de cavalosmarinhos e suas implicações ecológicas não tinham sido extensamente analisados.
Em 2002, os estudos passaram a ser realizados em parceria com o Instituto Brasileiro de meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com pesquisadores de diversas universidades
brasileiras (UFC, UFPE, UFSCar, UFRPE, UFF, UEPB) e com o Project Seahorse, que coordena as
ações mundiais em prol da conservação dos cavalos-marinhos. O estabelecimento dessa rede de
pesquisa resultou na coleta de uma grande quantidade de informações acerca desses animais e de
seus ambientes no Brasil, assim como no maior entendimento sobre sua captura e comercialização.
A cada ano, milhões de cavalos-marinhos são
comercializados no mundo. A maioria é usada
pela medicina tradicional chinesa, que utiliza
exemplares secos na formulação de
medicamentos. Centenas de milhares de
animais vivos são vendidos pela indústria de
peixes ornamentais. No Brasil, existem ambas
as modalidades de comércio: vendem-se
exemplares secos como suvenires ou amuletos
e exemplares vivos como peixes ornamentais.
Setenta e sete países estão envolvidos no
comércio de cavalos-marinhos, em que o Brasil
exerce um importante papel como exportador.
Os cavalos-marinhos machos mantêm os filhotes em
uma bolsa incubadora e cuidam de sua cria após o
nascimento (fotos: Rudie Kuiter)
“Há pouca ou nenhuma experiência de criação
de cavalos-marinhos em cativeiro no Brasil, de forma que todos os espécimes comercializados,
secos ou vivos, são retirados de seu ambiente natural”, relata a bióloga Ierecê Lucena Rosa,
coordenadora do Lapec e do Probio Cavalos-Marinhos. “Os exemplares vendidos secos geralmente
são capturados por redes para a pesca de camarões. Graças a seu valor comercial, os pescadores
os deixam secando no convés dos barcos para vendê-los em seguida”, lamenta.
Percorrendo recentemente boa parte do litoral do país, pesquisadores do Lapec constataram que
esses animais ocorrem e são pescados em praticamente toda a extensão da costa brasileira. Como
se não bastasse o prejuízo provocado pelo comércio predatório, a localização de seus hábitats
preferenciais – mangues, estuários e recifes – torna os cavalos-marinhos cada vez mais suscetíveis
a danos causados pelas atividades humanas. “O corte de vegetação em manguezais, a descarga de
poluentes em estuários e áreas próximas a recifes e a destruição física desses recifes representam
uma pressão adicional sobre os animais. Eles têm pouca mobilidade e se distribuem em espaços
pequenos dentro do ecossistema, o que dificulta a recolonização de áreas degradadas”, adverte
Ierecê.
Mas existem pontos positivos a serem destacados. Recentemente, os cavalos-marinhos ganharam
uma de área de não-captura no estado do Rio Grande do Norte, dentro dos limites da Reserva
Estadual de Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão. Outra medida importante, por parte do
governo federal, foi a diminuição da cota de exportações anuais desses animais. Em 2001 essa cota
era de 5 mil exemplares por ano por espécie para cada exportador; hoje o número é de 250. Aponta
também nessa direção o recente envolvimento do Ministério do Meio Ambiente na conservação dos
cavalos-marinhos, através do Projeto de Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica
Brasileira (Probio).
A bióloga da UFPB reconhece os avanços conservacionistas. Ainda assim, ela diz que isso não é
suficiente para assegurar a proteção desses animais. “Quando tratamos de questões relativas aos
cavalos-marinhos, o caminho da proibição pode ser o mais curto, mas pode ser também o mais
ineficaz se dissociado de outros fatores, como o conhecimento preciso acerca das causas de
declínio das populações, aspectos socioeconômicos e fiscalização. Devemos trabalhar no sentido
de uma mudança de atitude e de uma tomada de responsabilidade por parte de todos os setores
relevantes para a conservação dos cavalos-marinhos no Brasil ”, alerta.
Tiago Carvalho
Ciência Hoje/RJ
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