A FILOSOFIA NA ÉPOCA TRÁGICA DOS GREGOS: A FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA ENQUANTO MODELO ANTAGONISTA DA METAFÍSICA SOCRÁTICO-PLATÔNICA Mariély Cássia da Silva (PICV/Unioeste/PRPPG), Wilson Antonio Frezzatti Jr. (orientador), e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Oeste do Paraná /Centro de Ciências Humanas e Sociais Palavras-chave: Filosofia trágica; Pré-socráticos; Verdade Resumo: O filósofo alemão Friedrich Nietzsche ataca a filosofia tradicional em seus conceitos centrais. Seu pensamento filosófico, em grande medida, é construído como um sistema oposto à tradição metafísica iniciada por Sócrates. Nietzsche, para se contrapor à metafísica ocidental, critica a crença absoluta na verdade, a separação corpo/alma e aparência/realidade. Assim, como solução ao problema, o filósofo alemão busca nos filósofos pré–socráticos, na filosofia trágica, um pensamento em consonância com a vida, que aceite a vida em toda a sua totalidade. Introdução Além da crença de que podemos encontrar a verdade, as doutrinas da filosofia ocidental, herdeiras das concepções socrático–platônicas, estabelecem a dicotomia entre mundo real e mundo aparente e entre alma e corpo. Na obra Fédon de Platão, a filosofia é colocada como “um exercício de morrer e de estar morto” (PLATÃO, 1972, p.72). Na doutrina platônica, para se encontrar a verdade, há que se “morrer” para o mundo físico, renegar este mundo em prol de um outro onde encontraremos a Verdade, as Idéias eternas e imutáveis. E, como requisito para podermos contemplar as “verdades absolutas”, a nossa alma tem que estar habituada às Idéias. São essas concepções que Nietzsche irá combater veementemente, criticando a filosofia tradicional como aquela que rebaixou o mundo sensível, o corporal, em defesa da promessa de um “mundo verdadeiro” que está para além daquele. Assim, o pensador alemão vai buscar na filosofia anterior a Sócrates e a Platão aquilo que para ele representa a verdadeira filosofia, a filosofia na época trágica dos gregos, pois os gregos pré-socráticos tinham um pensamento que assumiam a vida em sua efemeridade, inconstância e finitude: a filosofia não era separada da vida. Apenas a cultura trágica grega era capaz de unir vida e filosofia, e permitir que o homem grego se desenvolvesse por completo. Materiais e Métodos Para a elaboração desta pesquisa, analisamos e interpretamos o diálogo Fédon de Platão; no que concerne à obra nietzschiana foram utilizados os livros: O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo; Cinco prefácios para cinco livros não escritos (os prefácios “Sobre o Pathos da Verdade”, “A Disputa de Homero”) e A filosofia na idade trágica dos gregos. Também foram utilizados textos de comentadores na complementação deste trabalho. Resultados e Discussão As críticas de Nietzsche aos conceitos axiais da filosofia ocidental, tais como, alma, corpo, e verdade, são fundamentais para se compreender a nova concepção de filosofia que o pensador alemão apresenta. Segundo Nietzsche, Sócrates representa a decadência do mundo grego; não apenas isso, ele é o propagador do declínio, pois foi o responsável pela destruição da Tragédia. O filósofo da praça degradou a Tragédia, expressão do próprio movimento da vida que é constituída por dois impulsos: o apolínio e o dionisíaco. O impulso apolíneo (beleza, representação, individualidade, ordem) se expressa por meio da razão e do discurso e o impulso dionisíaco (desmedida, inconsciência, embriaguez), por meio da música. Esses impulsos se complementam e juntos formam no palco a única representação digna da vida. Sócrates, juntamente com Eurípedes, destruiu a tragédia, exacerbando o impulso apolíneo, ou seja, supervalorizando a razão (“otimismo teórico“), criando uma obsessão pela verdade e condenando o “saber apenas por instinto” (NIETZSCHE, 1992, p.85). Tal conseqüência será nítida em toda a filosofia posterior. Estabelece-se aqui a conseqüência “Sócrates adversário de Dionísio” (NIETZSCHE, 1996, p. 83), a sabedoria teórica contra a arte, a concepção racional contra a concepção trágica. Sócrates, desprezando o impulso dionisíaco, isto é, a música, tenta corrigir a existência instintiva, tenta explicar e calcular a vida e suas dificuldades. Eurípedes atua de maneira racional em suas tragédias, explicando no prólogo, por meio do discurso, o drama ao público. O conhecimento e a razão vigiam a vida, tudo pode ser explicado, calculado. O enquadramento do mundo em que vivemos com a fórmula “bom = belo = verdade”, onde tudo deve ser bom para ser belo (“socratismo estético”: o que é belo pode ser conhecido), extirpa de vez a tragédia grega, o elemento dionisíaco e intuitivo, não racional. Nietzsche faz ressalvas à crença absoluta da verdade: a busca insaciável da verdade também é ilusão. A crença de que podemos encontrar a verdade absoluta e da universalização do conhecimento constituem-se em decadência. Pois, com isso, como conseqüência, se deu o nivelamento dos seres humanos, a massificação, o aniquilamento das diferenças de cada um, todos somos iguais. A luta, o impulso dionisíaco, que se fazia presente nos antigos gregos, a boa Eris, estimula os homens à ação, à disputa: “boa é essa Eris para os homens” (NIETZSCHE, 1996, p. 69). A disputa (o ágon) significa superação, estimula os cidadãos a darem o melhor de si. A busca por algo eterno, imutável e constante, propagada por Sócrates, segundo Nietzsche, mostra que o filósofo grego não suportava o caráter mutável, inconstante e finito da vida, que ele não suportava a vida efetiva. Assim, o filósofo alemão vai buscar na filosofia anterior a Sócrates e Platão um pensamento que se fiasse na vida, o qual considerasse, em conjunto com ela, o elemento dionisíaco e apolíneo juntos novamente. Um pensamento que aceitasse o caráter finito da condição humana, as suas limitações. Os filósofos trágicos uniam sua vida com sua filosofia: a personalidade é sinônimo de sua filosofia, não há a separação entre vida teórica e vida prática. Em uma de suas considerações sobre os pré-socráticos, Nietzsche afirma que sua grandeza se deu ”graças à metamorfose” (NIETZSCHE ,1995 p.21), ou seja, por não se basearem em conceitos eternos e imutáveis: a filosofia pré-socrática trágica estava baseada na mutabilidade da vida, suas mudanças e inconstância, tinha apreço pela vida, não renegando-a em nome de algo eterno. Os filósofos anteriores a Sócrates podem justificar a filosofia, pois só eles possuíam cultura elevada, eles utilizavam o conhecimento para a vida. Pensamento e vida eram interligados. Conclusões Concluímos que Nietzsche propõe uma critica radical aos valores filosóficos estabelecidos. Busca na filosofia pré–socrática uma filosofia do vir-a-ser. Os filósofos pré-socráticos trágicos eram aqueles que aceitavam a vida em toda a sua completude, tanto em sua grandeza como em sua pequenez, em sua efemeridade. Para Sócrates, a vida sem reflexão não vale a pena ser vivida; para Nietzsche, a vida sem arte não vale a pena ser vivida. Arte, como superação do pessimismo, a imutável criação e destruição da vida, constante luta, superar-se buscando sempre novos rumos, não em um além–mundo, em uma estagnação, mas sim como um fluxo, uma mudança, o jogo eterno da inocente criança de Heráclito que constrói e destrói castelos de areia sem finalidade alguma. Agradecimentos Agradeço a Unioeste pela possibilidade de realizar esta pesquisa. Referências PLATÃO. Fédon Tradução: J. Paleitak e J.C. Costa. São Paulo: Abril Cultural,1972. (Os Pensadores). NIETZSCHE, F. W. O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. Tradução: J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. ______________. Cinco prefácios a cinco livros não escritos. 2ª edição. Tradução: P. Sussekind. Rio de Janeiro: 7 Letras, 1996. ______________.A filosofia na idade trágica dos gregos. Lisboa: Edições 70,1995.