Capítulo 7

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CAPÍTULO
10
MAGNETISMO
10.1 – INTRODUÇÃO
Os fenómenos mais simples de magnetismo são conhecidos há milhares de anos: os
chineses e os gregos, sabiam da existência de ímans naturais, pedaços de um mineral de ferro,
a magnetite, encontrada junto à antiga cidade de Magnesia, na Turquia. No século XI, os
chineses começaram a usar a bússola como instrumento de navegação. Hoje, conhecem-se e
exploram-se em múltiplas aplicações uma gama bem mais alargada de propriedades
magnéticas. Por exemplo, usam-se “núcleos de ferro” em motores eléctricos e
transformadores; os magnetes têm um papel importante nas novas tecnologias, em particular
nas ligadas à informação.
Vamos procurar compreender por que razão (só) alguns materiais evidenciam
propriedades magnéticas macroscópicas. Para isso precisamos de começar por investigar o
magnetismo atómico.
10.2 –MOMENTO MAGNÉTICO ATÓMICO
235
Recorrendo ao modelo (clássico) de Bohr podemos supor que cada electrão de um átomo
descreve uma órbita (circular) em torno do núcleo atómico, sendo portanto equivalente a uma
corrente microscópica. Esta corrente origina um campo magnético idêntico ao que seria criado
por um dipolo magnético colocado no centro da corrente circular. Este dipolo equivalente à
corrente circular é caracterizado por um momento magnético, o momento magnético orbital.
Sabemos, além disto, que cada electrão se comporta como se tivesse um momento
magnético intrínseco, o momento magnético de spin (ou simplesmente spin). Esta
contribuição para o momento magnético não tem uma analogia clássica e não pode, por isso,
ser calculada classicamente.
 A resultante dos momentos magnéticos orbitais e de spin associados a todos os
electrões de um átomo é o momento magnético atómico.
Embora o modelo de Bohr seja um modelo clássico e como tal inadequado para investigar
o magnetismo que é essencialmente um efeito quântico, também a teoria quântica prevê que
são os electrões de um átomo a origem do respectivo momento magnético. Além disso, o
resultado obtido a partir da teoria quântica para o momento magnético orbital é igual ao
resultado clássico.
Sabemos que os electrões de um átomo são caracterizados por um conjunto de números
quânticos: n, l , ml , ms . O número quântico orbital, ml , pode tomar valores compreendidos
entre  l e  l , enquanto que ms   1 2 .
Mostra a teoria quântica que, para um átomo com um único electrão, a componente do
momento magnético de spin,  s , na direcção do campo magnético aplicado é:
s  
ems 
e

2m
m
(10-1)
onde m é a massa do electrão. A quantidade e 2m é o magnetão de Bohr; designa-se por
 B e o seu valor em unidades S.I. é 9,27  1024 J T 1 .
Por sua vez, a componente do momento magnético orbital (de um átomo com um único
electrão) na direcção do campo magnético aplicado é:
236
s  
eml 
 ml  B
2m
(10-2)
Conhecidos os momentos magnéticos orbital e de spin de cada electrão analisemos agora
a situação mais complicada de um átomo polielectrónico. O momento angular de spin total
para todos os electrões com iguais números quânticos n, l é:
S   ms
e o momento angular orbital total para os mesmos electrões é:
L   ml
Para uma (sub)camada (electrões com os mesmos números quânticos n, l ) totalmente
preenchida, S e L são nulos: portanto camadas completas não contribuem para o momento
magnético atómico. As regras de Hund determinam os estados ocupados por electrões em
camadas parcialmente preenchidas.

os estados são ocupados de modo que o maior número possível de electrões tenha
spins paralelos, isto é por forma a maximizar S , obedecendo às exigências do
princípio de Pauli.

satisfeita a primeira condição, os estados são ocupados de modo a maximizar L .
O número quântico J para o momento angular total é:

J  L  S se a subcamada estiver menos que meio preenchida;

J  L  S se a subcamada estiver mais que meio preenchida;

J  S , quando a subcamada está meio preenchida e portanto é L  0 .
Como vemos as regras de Hund permitem conhecer os valores dos números quânticos J , L, S
para o átomo com mais do que um electrão. Uma vez conhecido J , pode escrever-se o valor
da componente máxima do momento magnético atómico na direcção do campo magnético:
mJ   g  B J
(10-3)
onde g é o chamado factor de Landé, dado por:
g
3J  J  1  S  S  1  L  L  1
2 J  J  1
237
(10-4)
10.3 – QUANTIDADES MAGNÉTICAS MACROSCÓPICAS
Para descrever as propriedades magnéticas dos materiais usam-se determinadas grandezas,
susceptíveis de ser medidas usando técnicas macroscópicas.

Define-se então a magnetização M de um material como:
 o momento magnético total (soma dos momentos magnéticos dos átomos que
constituem uma dada porção de material) por unidade de volume do material.

A energia magnética de um dipolo de momento dipolar magnético  , na presença de um

campo magnético B é:
 
Emag     B
(10-5)

Se um dado material adquire uma magnetização M na presença de um campo magnético


aplicado, H = 0 B , ( 0 é a permeabilidade magnética do vazio), então a sua
susceptibilidade magnética é:

M 0 M

H
B
H
 0 B 
(10-6)
onde H e B são, respectivamente, os valores algébricos da intensidade dos vectores campo
magnético e indução magnética; no Sistema Internacional estas duas quantidades medem-se
em Tesla (T), enquanto que a susceptibilidade magnética é uma grandeza adimensional. A
grandeza 0 é a permeabilidade magnética do vazio, medida em H m-1 ou T2 m3 J-1. A
magnetização é medida em J T-1 m-3 = A m-1.


Nota: Por vezes confundem-se as grandezas vectoriais H (vector campo magnético) e B
(vector indução magnética), relacionados através da igualdade:



B  H  0 M
(10-7)


No que se segue, tomaremos H como o campo aplicado e B como o campo total, no


interior do material com magnetização M . Em muitos materiais, 0 M é muito pequeno e
portanto
238


BH
10.4 – MOMENTOS MAGNÉTICOS DE SÓLIDOS: diamagnetismo e paramagnetismo
Vimos, na secção 10.2, que átomos com camadas completas têm números quânticos
L  S  0 e portanto J  0 , sendo nulo o respectivo momento magnético. Isto acontece com os
gases inertes e também com materiais iónicos cujos átomos perderam alguns electrões,
transformando-se em iões com camadas completas.
Nos materiais covalentes, a camada exterior está parcialmente preenchida; em princípio, seria
de esperar que estes materiais exibissem um momento magnético não nulo. Contudo, cada ligação
covalente é formada por um par de electrões com spins opostos e momento angular orbital total
nulo. Assim, embora, por exemplo, um átomo de hidrogénio tenha momento magnético não nulo,
a molécula de hidrogénio tem momento nulo. O mesmo acontece com os sólidos covalentes;
poderíamos então concluir que, embora os átomos apresentem momentos magnéticos individuais
não nulos, os efeitos cancelam-se no sólido e a maioria deles apresenta uma magnetização nula.
Contudo eles apresentam em geral um magnetismo fraco, cujas origens vamos agora
investigar.
Ao aplicar-se ao sólido um campo magnético – onde cada electrão é, como vimos, equivalente
a uma corrente microscópica – aumenta o fluxo do campo magnético total ( o criado pela corrente
mais o aplicado) através da área que se apoia sobre cada corrente microscópica; de acordo com a
lei de Lenz, surge uma corrente microscópica induzida (ou seja, é afectado o movimento orbital
do electrão) criando um campo magnético que vai opor-se ao campo aplicado, contrariando assim
a variação inicial de fluxo magnético. Assim, o sólido apresenta uma magnetização (soma dos
momentos magnéticos atómicos) não nula e com sentido oposto ao do campo aplicado.
Chama-se a este efeito, que origina uma susceptibilidade magnética negativa,
  M
H  diamagnetismo.
Existem alguns sólidos que, na presença de um campo magnético aplicado, apresentam uma
magnetização (pequena mas) não nula, com o sentido do campo. Estes materiais dizem-se
239
paramagnéticos. Por exemplo, nos metais, constituídos por arranjos periódicos de iões e um
“mar” de electrões livres, a contribuição dos iões é nula, como vimos atrás; só os electrões livres
contribuem, embora fracamente, para o momento magnético total, ou seja para a magnetização do
sólido. Na presença de um campo magnético aplicado, os respectivos momentos magnéticos
alinham-se na direcção do campo e dão origem ao paramagnetismo (fraco) do metal, contribuindo
portanto para uma susceptibilidade magnética positiva.
Em resumo: a contribuição diamagnética para a susceptibilidade existe em todos os sólidos
mas é muitíssimo pequena..... Em determinados materiais, sobrepõe-se a esta contribuição a
paramagnética que, embora pequena (muito menor que 1), mascara totalmente o diamagnetismo e
o sólido comporta-se como paramagnético.
Há ainda alguns materiais cuja susceptibilidade é positiva e muito maior que a unidade, isto é,
que exibem comportamento magnético forte: são os metais de transição, as terras raras (ou
lantanídeos) e os actinídeos. Todos eles têm uma distribuição electrónica diferente dos restantes
metais, por apresentarem camadas electrónicas incompletas – a camada 3d na primeira série de
metais de transição, cujos electrões, com carácter bastante localizado, participam na ligação
metálica – e electrões de condução, deslocalizados;
são os primeiros, como veremos, os
repensáveis pelo magnetismo nestes materiais.
10.5 – PARAMAGNETISMO DE PAULI
O paramagnetismo de Pauli é devido ao momento magnético associado ao momento angular
de spin dos electrões livres (deslocalizados) de um metal.
Calculemos então a contribuição desses electrões para a susceptibilidade magnética. Na
ausência de campo magnético aplicado, os spins dos
electrões têm orientações aleatórias (ver figura 10-1a) e
portanto o correspondente momento magnético, em

média, é nulo. Contudo, na presença de um campo B0
aplicado ao metal, os spins electrónicos alinham-se
paralela ou antiparalelamente ao campo (figura 10-1b) .
240
Figura 10-1
A energia dos primeiros é   s B0 e a dos segundos é   s B0 , logo a situação mais favorável é
a do alinhamento paralelo. Note-se, contudo, que o princípio de Pauli impede que todos os
electrões livres do metal tenham a energia mínima, pois tal implicaria terem o mesmo número
quântico de spin. Se forem então N  e N  os números de electrões com spins paralelos e
antiparalelos ao campo, respectivamente, a magnetização do metal é determinada pela diferença
N  - N  . No metal, nem todos os electrões livres.
Na ausência de campo
aplicado, seria N  = N  ; na

presença de um campo B0 a
energia dos electrões com
spins paralelos ao campo
diminui e a dos restantes
Figura 10-2
aumenta. As correspondentes
densidades de estados, na ausência e na presença do campo, estão representadas nas figuras 10-2a
e 10-2b. Os electrões mais energéticos com spins antiparalelos ao campo podem ocupar estados
(ainda desocupados) de menor energia, invertendo a orientação do respectivo spin, o que faz com
que seja N   N  .
Se designarmos por g  EF  a densidade de estados sobre a superfície de Fermi, pode provarse que a susceptibilidade magnética de electrões livres é:
 Pauli 
3N  B2 0
2 EF
(10-8)
Deve notar-se que a energia magnética  s B0 é muito pequena comparada com a energia de
Fermi. Portanto, a fracção de electrões de condução do metal que contribuem para a
susceptibilidade de Pauli é muito pequena; a susceptibilidade diamagnética, em parte cancela este
efeito e em alguns casos sobrepõem-se a ele de tal modo que o cobre, a prata e o ouro apresentam
comportamento diamagnético.
241
10.6 – PARAMAGNETISMO DE CURIE
Consideremos agora sólidos constituídos por átomos “magnéticos”, isto é, como foi referido
na secção 10.2, aqueles que, por terem camadas incompletas, apresentam um momento magnético
não nulo. Na ausência de campo magnético aplicado ao sólido, esses
momentos magnéticos atómicos orientam-se aleatoriamente e a
respectiva resultante é nula. Mas, se for aplicado um campo magnético

B0 , a teoria quântica prevê que cada dipolo
magnético precesse em torno da direcção do
campo, fazendo com esta um ângulo  ,
como sugere a figura 10-3a. Este ângulo  é
Figura 10-3a
tal que, para um átomo com número quântico J para o momento
angular total, as ( 2 J  1 ) projecções possíveis do dipolo na direcção
do campo são:
mJ   g  B J ,  g  B  J  1 , ... ,  g  B  J  1 ,  g  B J
(10-9)
Figura 10-3b
projecções que estão representadas na figura 10.3b.

As energias destes dipolos, na presença de um campo magnético B0 são:
 mJ B0   g  B JB0 ,  g  B  J  1 B0 , ... ,  g  B  J  1 B0 ,  g  B JB0
(10-10)
À temperatura T  0 seria de esperar que todos os dipolos ocupassem o estado de energia mais
baixa. Mas, à temperatura T, a probabilidade de um estado de energia E estar ocupado é
proporcional a e E K BT , sendo E uma das energias indicadas em (10-10) . A temperaturas muito
baixas, é de prever que a maioria dos dipolos se encontre nos estados de menor energia, com

mJ  g  B J , ou seja com o maior valor possível da respectiva componente segundo B0 ,
contribuindo para um momento magnético elevado e para uma susceptibilidade magnética
também elevada. A altas temperaturas, uma boa parte destes dipolos magnéticos adoptam outras
orientações às quais corresponde maior energia, isto é, desalinham-se. De facto, à temperatura
ambiente a orientação dos dipolos é quase totalmente aleatória e a susceptibilidade magnética do
242
material torna-se muito pequena. Pode mostrar-se que esta susceptibilidade paramagnética,  p ,
varia com a temperatura T de acordo com a lei de Curie:
p 
C
T
(10-11)
onde C é a chamada constante de Curie, dada por:
C
0 N g 2  B2 J  J  1
3K B
(10-12)
A susceptibilidade magnética de muitos materiais paramagnéticos, por exemplo os que
contêm terras raras (lantanídeos), segue uma lei de Curie; mas a concordância já não é tão boa no
caso dos metais de transição. A razão é a seguinte: nas terras raras, os electrões responsáveis pelo
momento magnético são os da camada 4f; os electrões 5s e 5p de camadas mais exteriores,
impedem que eles interactuem significativamente com outros electrões 4f de átomos vizinhos;
isto é, têm em certa medida um efeito de “blindagem”. Ao contrário, nos metais de transição, os
electrões responsáveis pelo magnetismo são os mais exteriores dos átomos e encontram-se
“expostos” à interacção com os de átomos (iões) vizinhos; esta interacção altera os respectivos
momentos magnéticos e contribui para os desvios observados à lei de Curie.
10.7 – MATERIAIS COM ORDENAÇÃO MAGNÉTICA
Tratámos até agora materiais constituídos por átomos que, quando isolados, apresentam um
momento magnético não nulo. No entanto, na ausência de campo magnético aplicado, estes
materiais apenas exibem diamagnetismo ou paramagnetismo de Pauli, isto é, um magnetismo
fraco. Existem contudo outros, que apresentam uma magnetização não nula e portanto uma
susceptibilidade magnética significativa, mesmo na ausência de campo aplicado. Este
comportamento só pode explicar-se se admitirmos a existência de um qualquer mecanismo
interno que force os momentos magnéticos em átomos vizinhos a adoptarem uma orientação
comum. Tomemos como exemplo os metais de transição 3d. Como vimos na secção anterior os
electrões 3d de um ião interactuam fortemente com os de iões vizinhos e esta interacção tem dois
efeitos:
243
 afecta o momento angular orbital desses electrões tornando nulo o seu valor médio em
átomos vizinhos; consequentemente, o momento magnético orbital anula-se;
 dá origem a um determinado tipo de alinhamento em átomos vizinhos. Chama-se a
esta interacção a interacção de troca, proposta por Heisenberg; à qual está associada
uma energia de troca.
A figura 10.4 ilustra este mecanismo – a
interacção de troca entre dois iões adjacentes,
cada um com um electrão 3d. Se esta interacção
for suficientemente forte como acontece em
alguns
materiais,
é
energeticamente
mais
favorável para esses dois electrões terem spins
paralelos. Logo, os momentos magnéticos dos
Figura 10-4
dois iões são paralelos. Embora esta interacção seja de muito curto alcance – em geral pode
considerar-se que apenas os electrões de dois átomos, vizinhos mais próximos, é efectiva – ela
estende-se a toda a estrutura cristalina do sólido, uma vez que cada ião interactua com o seu
vizinho. O resultado está ilustrado na figura 10.5a; a este tipo de alinhamento chama-se
ferromagnético, o material é um
ferromagnete, e, como se vê, pode
apresentar uma magnetização elevada,
na ausência de campo aplicado.
Existem outros tipos de interacção
Figura 10-5
de
troca
que
levam
a
outros
alinhamentos possíveis dos momentos magnéticos em átomos vizinhos. É o caso do
alinhamento antiparalelo representado na figura 10.5b, característico dos sólidos
antiferromagnéticos (e uma magnetização nula!), ou do ilustrado em 10.5c, um alinhamento
ferrimagnético; é o alinhamento observado por exemplo nos materiais chamados ferrites cuja
fórmula geral é MFe2O4 onde M é um ião duplamente ionizado; na magnetite – cuja estrutura
magnética está representada na figura 10.6 – esse ião é o Mn 2 .
244
Conhecem-se hoje muitos tipos de ordenação
magnética, em diferentes sólidos; num dos mais
comuns, as orientações dos momentos magnéticos
rodam de
um ângulo
fixo
ao
Figura 10-6
passar de um átomo para o átomo adjacente, de
modo que os momentos magnéticos ao longo de
uma direcção dispõem-se em hélice (ver figura
Figura 10-7
10.7). Estes materiais dizem-se helimagnéticos.
10.8 – SUSCEPTIBILIDADE MAGNÉTICA DE MATERIAIS COM ORDENAÇÃO
Para cada material com momentos magnéticos atómicos ordenados, existe uma
temperatura acima da qual a ordenação deixa de existir e os momentos magnéticos se
distribuem com orientações aleatórias. Nos materiais ferromagnéticos, chama-se a esta
temperatura (de transição) a temperatura de Curie (o efeito foi estudado por Pierre Curie nos
finais do século XIX). Acima da temperatura de Curie, portanto, o material comporta-se como
um paramagnete e a sua susceptibilidade magnética é descrita por uma lei de Curie
modificada, a que se chama lei de Curie-Weiss:

C
T  C
onde C representa a temperatura de Curie.
Para o ferro, cobalto e níquel C é maior que a temperatura ambiente, mas em muitos
materiais a temperatura de Curie é mais baixa, o que, obviamente, impede a sua utilização
como magnetes permanentes.
A temperatura de transição para um antiferromagnete chama-se temperatura de Néel.
Como explicar a existência da temperatura de Curie (ou de Néel)?
245
A temperaturas superiores à de transição, as vibrações dos átomos ou iões, com amplitude
elevada, destroem o alinhamento dos momentos magnéticos. Isto acontece quando a energia
térmica K BT é da ordem de grandeza da (ou superior à) energia de interacção que leva ao
alinhamento. Diminuindo a temperatura, diminui a amplitude (e a energia) das vibrações;
quando a temperatura do sólido se aproxima da de transição, a amplitude das vibrações já é
tão pequena que alguns momentos magnéticos vizinhos se alinham, criando um campo
magnético local que por sua vez origina o alinhamento de mais alguns momentos; o campo
local aumenta, e o processo continua até que todos os momentos do sólido ficam alinhados
numa direcção única. Trata-se de um processo dito cooperativo, que leva à transição de um
estado desordenado para um estado ordenado, num intervalo de temperaturas muito pequeno.
10.9 – DOMÍNIOS MAGNÉTICOS
É frequente os materiais ferromagnéticos apresentarem magnetização nula ou muito
menor do que a esperada, mesmo abaixo da temperatura de transição, o que parece estar em
contradição com o alinhamento dos momentos magnéticos atómicos que ocorre a tais
temperaturas.
Foi o físico francês Pierre Weiss que propôs uma
explicação para esta aparente discrepância: qualquer
material ferromagnético está dividido em domínios;
dentro de cada domínio, os momentos magnéticos
atómicos têm uma direcção comum, mas esta direcção
varia de domínio para domínio. A situação está ilustrada
na figura 10.8. Entre dois domínios adjacentes existe
Figura 10-8
uma região com a espessura de algumas camadas atómicas, chamada uma parede de Bloch,
na qual cada momento magnético está apenas ligeiramente desalinhado em relação aos
vizinhos. Como consequência, num intervalo de cerca de 100 distâncias interatómicas a
orientação dos momentos variou ao passar-se de um domínio para o seguinte. Na figura 10.9 a
variação angular foi de 180º; como resultado, a magnetização da porção de material
246
constituída pelos dois domínios é nula. Pode
acontecer que a desorientação dos domínios seja
menor, isto é, não corresponda a uma inversão; no
entanto, como existem em geral muitos domínios, o
resultado global para a magnetização pode ser muito
Figura 10-9
pequeno ou até nulo.
Embora o conceito de domínio tenha sido introduzido em 1907, só em 1931 foram de
facto observados domínios. Para tal, foi usado o método de Bitter, que consiste em polvilhar a
superfície do material ferromagnético com limalha de ferro – partículas finamente divididas
de um óxido de ferro – que são atraídas para as paredes dos domínios e assim desenham um
“mapa” de domínios sobre a superfície do material.
Uma técnica alternativa consiste em fazer incidir luz polarizada na superfície do
ferromagnete; em cada domínio, a magnetização faz rodar o plano de polarização da luz
reflectida de um ângulo que depende da direcção de magnetização, originando uma figura
como a representada na figura 10.10.
Para compreender como se formam os
domínios, vejamos como se orientam os
momentos magnéticos num pedaço de ferro
fundido e posteriormente arrefecido na
ausência de qualquer campo magnético
aplicado. Há duas possibilidades:
i.
todos os momentos magnéticos na
amostra estão alinhados; neste caso,
eles criam um campo magnético não
Figura 10-10
só na amostra como fora dela (figura 10.11a), situação que corresponde ao
armazenamento de uma elevada energia magnética;
ii.
os momentos magnéticos “organizam-se em domínios”, de tal modo que a
magnetização total é nula; não existe campo magnético fora da amostra (figura
247
10.11b), o que corresponde a um ganho energético relativamente à situação anterior;
contudo há uma nova parcela de energia envolvida na formação dos domínios.
A situação real é sem dúvida aquela a que
corresponde uma configuração de energia mínima.
Mostra a experiência que um pedaço de ferro nas
condições acima referidas não exibe magnetização, ou
seja, não está magnetizado à temperatura ambiente
(inferior à temperatura de Curie do ferro, 627K); logo, a
configuração energeticamente favorável é a segunda.
Vejamos agora o que se passa quando aplicamos à

mesma amostra um campo magnético B0 . Torna-se
energeticamente favorável para mais alguns momentos
magnéticos alinharem-se paralelos ao campo; as paredes
Figura 10-11
dos domínios movem-se, de tal modo que os domínios onde a magnetização já tinha uma
direcção (quase) paralela à do campo crescem à custa dos vizinhos, adoptando a nova
configuração representada na figura 10.11c. A magnetização da amostra cresce até atingir um
valor máximo para um dado campo aplicado, a magnetização de saturação.
Se retirarmos o campo, porém, as paredes dos domínios não voltam às suas posições
iniciais, as da figura 10.11b. Isto acontece, porque em geral há imperfeições (fronteiras de
grão ou outras) que impedem o movimento livre das paredes de alguns domínios; movê-las de
modo a ultrapassar essas imperfeições implicaria custos energéticos. Os domínios adoptam
então posições correspondentes a novos mínimos
de energia. Portanto, o material permanece
magnetizado,
chamando-se
magnetização
remanescente, M R , à magnetização residual do
sólido, aquela que permanece depois de retirado o
campo (figura 10.12).
Figura 10-12
Para que a amostra volte ao estado inicial
(desmagnetizado) é necessário aplicar um campo
248
magnético de sentido oposto ao da magnetização adquirida pelo material, o campo coercivo,

BC . A figura 10.12 traduz a situação descrita, através da representação gráfica da
magnetização em função do campo magnético aplicado; nele se pode observar que as curvas
de magnetização e as de desmagnetização da amostra são diferentes, isto é, há um efeito de
histerese.
10.10 – MATERIAIS MAGNÉTICOS MOLES E DUROS
Vejamos agora quais as características ideais de um material magnético.
Para tal, convém começar por calcular qual o chamado “produto-energia” para uma

amostra magnetizada que se encontra na presença de um campo magnético B0 , ou seja, o
valor máximo da quantidade  BB0 0  .
Este valor pode ser avaliado através do gráfico da indução
magnética B , em função do campo aplicado, B0 , como
indica a figura 10.13. Notar que a forma desta curva é
muito semelhante à do quadrante superior esquerdo da
figura 10.12, onde se representa a magnetização, M , em
função de B0 , atendendo à igualdade 10-2. A quantidade
 BB0
0 
Figura 10-13
representa a energia armazenada pelo magnete, por unidade de volume. Ela tem
interesse tecnológico, porque aumentando esta energia torna-se possível obter um campo
magnético de determinada intensidade com um magnete de menores dimensões, ou seja, de
menor volume. Materiais com estas propriedades são chamados magneticamente duros e têm
um ciclo de histerese idêntico ao representado na figura 10.14a (notar que quer a
magnetização remanescente, quer o campo coercivo, devem ser elevados); estes materiais são
bons magnetes permanentes: uma vez magnetizados, dificilmente se desmagnetizam.
Mas as características que acabam de ser referidas não são as ideais para todas as
aplicações. Por exemplo, nos magnetes usados em transformadores, pretende-se inverter o
249
sentido da magnetização com uma frequência elevada; neste caso, o “atraso” entre a mudança
de sentido do campo magnético e o da magnetização deve ser minimizado, isto é a
magnetização deve “seguir” o campo; o tipo de materiais a usar são os magneticamente moles.
Notar que neste caso não é o valor da magnetização remanescente que é importante mas sim o
da magnetização de saturação que deve ser o maior possível. O ciclo de histerese típico destes
materiais é o da figura 10.14b.
A diferença entre materiais duros e moles pode compreender-se em termos dos
movimentos de paredes dos domínios. Para obter um material mole, essas paredes devem
mover-se o mais facilmente possível; isso consegue-se evitando a interacção com fronteiras
de grão e outras imperfeições: o material deve ter grãos de grandes dimensões e não conter
muitas imperfeições. Ao contrário, os materiais duros devem ter grão muito fino ( 10  10nm );
neste caso, não é fácil desmagnetizar o material, a não ser que se forcem todos os momentos
magnéticos de um domínio a mudar de direcção, o que implica um elevado campo coercivo.
A tabela seguinte indica valores do campo coercivo, da magnetização remanescente e da
energia magnética para alguns materiais mais utilizados:
BC (T)
0 M R (T)
 BB0 0 max kJm-3
Ferro puro
7 105
1,2
 0, 05
Aço
5 103
0,9
1
Co5 Sm
1,0
0,8
160
Nd2 Fe14 B
1,2
1,2
300
250
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