FISIOPATOLOGIA DO TRANSTORNO BIPOLAR PATHOPHYSIOLOGY OF BIPOLAR DISORDER Gislaine T. Rezin1*, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde; João Quevedo2, Doutor em Bioquímica; Emilio L. Streck1, Doutor em Bioquímica. 1 – Laboratório de Fisiopatologia Experimental – PPGCS – UNESC 2 – Laboratório de Neurociências – PPGCS – UNESC *Correspondente: Gislaine T. Rezin: [email protected] Resumo Abstract O distúrbio bipolar é um transtorno afetivo que se caracteriza por altas taxas de suicídio e o prejuízo no desempenho das funções do dia-a-dia. Vários eventos podem levar a essa patologia, mas os mecanismos exatos ainda são desconhecidos. No transtorno bipolar, o paciente experimenta uma rápida alternância de humor, acompanhada por sintomas que configuram episódios maníacodepressivos. A apresentação sintomática envolve agitação, insônia, desregulação do apetite, características psicóticas e pensamento suicida. Considerando tais questões, esta revisão teve como objetivo reunir informações sobre o transtorno bipolar, incluindo as hipóteses já existentes sobre a causa da doença, bem como de seus sintomas. Bipolar disorder is a devastating major mental illness associated with higher rates of suicide and work loss. This disorder presents many causes but the exact mechanisms underlying its pathophysiology are still not understood. Affected patients present mood alterations characterized by depressive and manic episodes. The main symptoms are excessive excitement, insomnia, apetite disorder, psychotics and suicidal tendencies. This article aims to review information about bipolar disorder and its pathophysiology. Besides, the etiology and main symptoms are discussed. Keywords: Respiratory chain; mitochondria; bipolar disorder. Palavras-chave: Cadeia Respiratória. Mitocôndria; transtorno bipolar. 1 1. Introdução O transtorno bipolar é uma síndrome que consiste de um grupo de sinais e sintomas mantidos por um período que se estende de semanas a meses. Apesar de existirem várias hipóteses para explicar a causa dessa patologia, seus mecanismos fisiopatológicos ainda são pouco conhecidos (Ebert et al., 2002). No transtorno bipolar, o paciente experimenta uma rápida alternância do humor acompanhada por sintomas de um episódio maníaco-depressivo. A apresentação sintomática envolve agitação, insônia, desregulação do apetite, características psicóticas e pensamento suicida. No entanto, essa alteração do humor deve causar um prejuízo na vida do indivíduo para que realmente possa ser considerada uma crise (Jorge, 2003). Estudos mostram que a diminuição no metabolismo energético cerebral parece estar associada com o transtorno bipolar, bem como as doenças de Alzheimer, Parkinson, Huntington e isquemia cerebral (Beal, 1992; Heales et al., 1999), pois a redução na produção de energia no cérebro pode comprometer a síntese de neurotransmissores e lipídios (Di Donato, 2000), e a deficiência no funcionamento normal da cadeia respiratória mitocondrial pode levar a uma rápida queda na produção de energia e morte celular (Ankarcrona et al., 1995). 2. Fundamentação Teórica 2.1. Transtorno Bipolar A psicose maníaco-depressiva, também chamada de distúrbio bipolar, é um transtorno afetivo severo que afeta a vida de milhões de pessoas no mundo inteiro. No entanto, pouco se sabe sobre a causa dessa doença (Zarate et al., 2006). Inicialmente, os estudos sobre a causa da bipolaridade estavam voltados para as aminas biogênicas, em razão dos efeitos dos agentes psicofarmacológicos. No entanto, evidências recentes mostram que disfunções nos sistemas de sinalização 2 intracelular e de expressão gênica podem estar associadas ao distúrbio bipolar. Essas alterações podem estar envolvidas com interrupções nos circuitos reguladores do humor, como, por exemplo, no sistema límbico (Kapczinski et al., 2004). Outros estudos demonstram que a desordem bipolar também pode estar associada à disfunção das mitocôndrias presentes no hipocampo, e anormalidades na atividade de complexos respiratórios e obtenção de energia, podendo levar à degeneração celular (Frey et al., 2006a). Os fatores etiológicos, psicológicos e biológicos levam a uma deficiência nos substratos diencefálicos de prazer e recompensa, uma região cerebral que possui funções que são prejudicadas nos estados de mania e melancolia. Ambas as síndromes resultam de um sistema límbico desordenado, o que pode ser causado por vários fatores (Kaplan & Sadock, 1999). Um fator importante é a predisposição hereditária, pois a herança poligênica pode levar ao desenvolvimento do transtorno bipolar. Outro fator é a predisposição familiar para desenvolver a doença, pois pais que apresentam transtorno bipolar acabam proporcionando aos filhos um ambiente cheio de conflito, que vai possibilitar o início precoce da doença, bem como a presença de episódios severos, levando a uma maior probabilidade de suicídio. Indivíduos que crescem nesse ambiente também acabam desenvolvendo uma característica temperamental que leva ao surgimento de atritos interpessoais, estimulação emocional e perda de sono, originando, assim, os estressores responsáveis pela desordem bipolar (Kaplan & Sadock, 1999). Muitos fatos que interferem no estilo de vida também podem determinar o início da doença, bem como a falta de apoio interpessoal, habilidades sociais deficientes e a morte de pessoas próximas. Em relação ao sexo, as mulheres têm uma tendência maior para o desenvolvimento do transtorno de humor, pois possuem níveis mais elevados de monoaminoxidase cerebral (enzima que bloqueia os transmissores monoamínicos), têm uma condição tireoidiana inferior, vivem precipitações pós-parto, possuem um afeto disfórico pré-menstrual e são vulneráveis ao efeito depressivo dos anticoncepcionais esteróides (Kaplan & Sadock, 1999). 2.2. Fisiopatologia Outra questão envolvida com o distúrbio bipolar é o sistema de neurotransmissão, pois estudos mostram que nessa patologia ocorrem alterações em substâncias intracelulares que estão envolvidas com a regulação dos neurotransmissores (Kapczinski et al., 2004). A serotonina modula atividades neuronais, regulando a fisiologia e os processos funcionais, como o controle de impulsos, a agressividade e a tendência suicida. Logo, esse neurotransmissor tem participação na fisiologia da desordem bipolar, pois uma deficiência na sua neurotransmissão pode levar a estados tanto maníacos quanto depressivos, uma vez que a diminuição na liberação e atividade da serotonina pode levar à ideação suicida, bem como à tentativa e, muitas vezes, ao próprio suicídio. A dopamina, outro neurotransmissor, também está envolvida com a neurobiologia da desordem bipolar. A grande atividade dopaminérgica induzida pelo aumento da liberação de dopamina, a redução da capacidade da vesícula sináptica ou a elevada sensibilidade do receptor dopaminérgico estão associados aos sintomas maníacos, e a redução na atividade dopaminérgica está relacionada com a depressão. Quanto à noradrenalina, estudos mostram que uma menor sensibilidade dos receptores noradrenérgicos ocasiona o estado de depressão. Porém, o aumento na atividade noradrenérgica pode resultar em um estado de mania. No sistema gabaérgico, a disfunção desse neurotransmissor pode levar a estados maníacos e depressivos, visto que, em pacientes bipolares, os níveis plasmáticos de GABA estão diminuídos. O sistema glutamatérgico apresenta-se associado com o transtorno bipolar, uma vez que estudos demonstram a ação de estabilizadores de humor na sua neurotransmissão (Kapczinski et al., 2004). De acordo com a neuropatologia da desordem bipolar, estudos demonstraram que os sintomas relacionados ao ciclo maníaco-depressivo da desordem bipolar podem estar envolvidos com alterações nas regiões cerebrais ligadas com a emoção, sendo que o estado afetivo de pacientes bipolares é avaliado de acordo com a parte sentimental e o processo de respostas a vários estímulos. No sistema de neurotransmissores, podem ocorrer alterações no caminho percorrido pelo neurotransmissor até seu receptor, levando a uma sinalização anormal. As funções cerebrais relacionadas ao humor e à cognição dependem da tradução de sinais. Então, os eventos intracelulares envolvem modulação da expressão gênica e plasticidade celular para regular o humor. A informação que percorre o trajeto até o núcleo celular é mediada por um segundo mensageiro, e a proteína G é responsável por captar o sinal no receptor transmembrana e repassá-lo ao segundo mensageiro intracelular. De acordo com a função dessa proteína, podem ocorrer anormalidades na comunicação dos múltiplos sistemas neuronais (Kapczinski et al., 2004). No sistema ner voso central, existem receptores que são modulados pela proteína G, incluindo receptores noradrenérgicos, serotoninérgicos, dopaminérgicos, colinérgicos, histaminérgicos, dentre outros. O efeito da proteína G pode ser estimulado ou inibido. Logo, quando a proteína é estimulada, ela se classifica em proteína Gs e, quando é inibida, ela se classifica em proteína Gi. Estudos demonstram que na desordem bipolar ocorre um aumento nos níveis de proteína Gs, que, quando ativada, modula o fluxo iônico por meio da regulação da atividade do canal iônico. Outra função da proteína G é regular a enzima adenilato ciclase, que catalisa a formação de AMPc. O AMPc é um importante segundo mensageiro, cuja função é ativar a proteína quinase A (PKA), a qual regula os canais iônicos e fatores de transcrição. Estudos mostraram que em pacientes bipolares ocorre um aumento na atividade da adenilato ciclase, AMPc e PKA, um aumento que pode estar associado a disfunções da proteína G. Quando a proteína G é ativada, o sistema de neurotransmissão utiliza a via do fosfoinositol, pois nela a proteína G estimula a fosfolipase C, que hidrolisa fosfolipídios da membrana, formando fosfoinositol (PIP2) que leva à formação de dois importantes segundos mensageiros, o diacilglicerol (DAG) e o inositol trifosfato (IP3). O IP3 tem receptor específico situado no retículo endoplasmático liso, que ativa a liberação de cálcio estocado. O DAG tem a função de ativar a proteína kinase C, envolvida com processos celulares que incluem secreções, expressão gênica, modulação da conduta iônica, proliferação celular entre outras. Diante disso, estudos relatam que, na desordem bipolar, ocorrem alterações no caminho fosfoinositol (Frey et al., 2004). 3 A PKC é uma importante enzima no caminho PIP2, atuando na regulação da excitação neuronal, expressão gênica e sinapse plasmática. (Frey et al., 2004), em que a regulação da cascata de sinalização intracelular modula o fator de transcrição gênica. Essa cascata é formada por proteínas ligadas a genes específicos do DNA, que levam à formação de novas proteínas envolvidas com a plasticidade celular. Portanto, alterações nos níveis dessa cascata podem levar à formação de proteínas próapoptóticas ou reduzir o fator de proteção celular, bem como sua sobrevivência. A GSK3-b é uma proteína envolvida com apoptose, plasticidade sináptica e provavelmente o ciclo circardiano por modulação da expressão gênica (Kapczinski et al., 2004). A atividade da GSK3-b pode ser inibida ou estimulada, e sua função é regular a sobrevivência celular, processos cognitivos e processos relacionados ao humor, pois o aumento da GSK3-b é próapoptótico. Sua inibição previne a morte celular (Zarate et al., 2006). Outra forma de controlar a morte celular é por meio do cálcio intracelular, pois ele modula a sinapse plasmática, a sobrevivência e a morte celular. A sinalização de cálcio interage com cascatas de sinalização, incluindo o AMPc e PIP2, e essas cascatas de sinalização intracelular modulam fatores de transcrição gênica, que são proteínas ligadas a genes específicos no DNA, induzindo à formação de novas proteínas envolvidas com a plasticidade celular. Alterações em qualquer nível da cascata podem causar morte celular pela formação de proteínas próapoptóticas ou pela redução do fator de proteção celular e sobrevivência desses fatores. Um fator essencial na resposta a situações de estresse é regulado pela duração do período da transcrição do gene durante a estabilidade do RNAm e a formação de nova proteína. Acredita-se que alguns fármacos regulem a expressão de muitos genes no SNC, produzindo um efeito que pode fazer parte do tratamento da doença bipolar (Frey et al., 2004). O transtorno bipolar é caracterizado pelo excesso de mudança no humor (Hayden & Nuremberger, 2005), estado em que episódios maníacos ou hipomaníacos alternam-se com episódios depressivos, levando a um grupo de sinais e sintomas que são mantidos por um período de semanas a meses, e são, na maioria das vezes, recorrentes (Del Porto & Versiani, 2005). A causa 4 dessa recorrência é a mudança na polaridade do humor, definido como uma evolução do episódio depressivo maior para um episódio maníaco, ou pela evolução de um episódio maníaco para um episódio depressivo maior (Frey et al., 2006b). No episódio maníaco, ocorre uma elevação do humor deixando o paciente agitado, expansivo e irritável, apresentando uma auto-estima grandiosa, pouca necessidade de sono, pressão para falar, fuga de idéias, agitação psicomotora, energia abundante e facilidade em se distrair (Frey et al., 2006b). Para que seja considerada característica de um episódio maníaco, essa perturbação do humor deve causar prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou, ainda, levar o indivíduo à hospitalização. No entanto, esse quadro precisa ser diagnosticado, pois episódios maníacos severos não tratados geram condições perigosas para o paciente e para as pessoas que o cercam (Kapczinski et al., 2000). O episódio depressivo leva o paciente a apresentar humor deprimido, com perda do interesse e do sentimento de prazer no desenvolvimento de atividades. Além disso, o paciente apresenta diminuição de energia, bem como alteração no apetite, peso, atividade psicomotora, sono, sentimento de culpa, dificuldade para pensar, concentrar-se ou tomar decisões, pensamento de morte ou ideação suicida, o que, muitas vezes, acaba em tentativas ou no próprio suicídio (Kaplan & Sadock, 1999). A mania e a depressão não são estados opostos de humor, mas patológicos. A agitação e o excesso de atividades podem ocorrer na depressão, bem como a irritabilidade e a sensação de frustração na mania. É comum um paciente passar por uma fase depressiva, antes de tornar-se maníaco, e novamente entrar em depressão após a mania, antes de chegar a um estado de humor normal (Sims, 2001). Estudos mostram que a diminuição no metabolismo energético cerebral parece estar associada com o transtorno bipolar, bem como as doenças de Alzheimer, Parkinson, Huntington e isquemia cerebral (Beal, 1992; Heales et al., 1999), pois a redução na produção de energia no cérebro pode comprometer a síntese de neurotransmissores e lipídios (Di Donato, 2000), e a deficiência no funcionamento normal da cadeia respiratória mitocondrial pode levar a uma rápida queda na produção de energia e morte celular (Ankarcrona et al., 1995). 3. Conclusão O transtorno de humor é uma doença psiquiátrica que vem ganhando maior dimensão entre a população. Embora muitos estudos tentem desvendar a causa específica da patologia, a complexidade dessa definição se acentua na medida em que são diversos os fatores que podem desencadeá-la. Por isso, faz-se necessária uma observação rígida dos sintomas, que se intercalam dificultando o diagnóstico. 4. Abreviações AMPc – Adenosina monofosfato cíclico DAG – Diacilglicerol GABA – ácido gama-aminobutírico GSK3-â – Glicogênio Sintase Kinase 3 IP3 – Inositol Trifosfato PIP2 – Fosfoinositol PKA – Proteína Quinase A SNC – Sistema Nervoso Central 5. Referências Ankarcrona, M et al. (1995). Glutamate-induced neuronal death: a succession of necrosis or apoptosis depending on mitochondrial function. Neuron, v.15. Frey, BN et al. (2006a). Effects of mood stabilizers on hippocampus BDNF levels in an animal model of mania. Life Sciences. ______. et al. (2004). Neuropathological and neurochemical abnormalities in bipolar disorder. Revista Brasileira de Psiquiatria. ______. et al. (2006b). Effects of lithium and valproate on amphetamine-induced oxidative stress generation in an animal model of mania. Journal of Psychiatric Neuroscience. Hayden, EP; Nuremberger, JI. (2005). Molecular genetics of bipolar disorder. Genes, Brain and Behavior. Heales, SJ et al. (1999). Nitric oxide, mitochondria and neurological disease. Biochimica et Biophysica Acta 1410. Kapczinski, F; Quevedo, J; Izquierdo, IA. (2000). Bases biológicas dos transtor nos psiquiátricos. Porto Alegre: Artmed. Kapczinski, F; Frey, BN; Zannatto, V.(2004). Physiopathology of bipolar disorders: What has changed in the last 10 years? Revista Brasileira de Psiquiatria. Kaplan, HI; Sadock, BJ. (1999). Tratado de Psiquiatria. 6 ed. Porto Alegre: Artmed. Beal, MF. (1992). Does impairment of energy metabolism result in excitotoxic neuronal death in neurological illnesses. Annals of Neurology, v.31. Sims, A. (2001). Sintomas da mente: introdução à psicopatologia descritiva. 2 ed. Porto Alegre: Artmed. Del Porto, JA; Versiani, M. (2005). Tratamento bipolar: tratando o episódio agudo e planejando a manutenção. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, p. 84-86. Zarate, CA; Singh, J; Manji, H. (2006). Cellular Plasticity Cascades: Targets for the Development of Novel Therapeutics for Bipolar Disorder. 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