mecânica clássica

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mecânica clássica
Marco Antônio dos Santos
Marcos Tadeu D’Azeredo Orlando
Universidade Aberta do Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo
Física
Licenciatura
Física | Mecânica Clássica
1
E
ste livro foi concebido com base em anos de experiência em novas formulações e desenvolvimento
de aulas ministradas nos cursos de Mecânica Clássica
para alunos de Física proferidos pelo Prof. Dr. Marco
Antônio dos Santos, que é o atual (2012) coordenador
do curso de Física da UFES. Com base nesse trabalho
de pesquisa e didático, o Prof. Dr. Marco Antônio dos
Santos me convidou para participar da elaboração
deste livro tendo como base suas anotações e resumos. Ressalto que a abordagem utilizada aqui é diferenciada e muito singular, trazendo novos elementos
ao fascinante mundo da Mecânica Clássica.
A1
Mecânica Clássica | Física
UNIVERSIDADE F E D E R A L D O E S P Í R I TO S A N TO
Núcleo de Educação Aberta e a Distância
mecânica clássica
Marco Antônio dos Santos
Marcos Tadeu D'Azeredo Orlando
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2012
1
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Thiers Ferreira
Santos, Marco Antônio dos.
Mecânica clássica / Marco Antônio dos Santos; Marcos Tadeu
D'azeredo Orlando. - Vitória : UFES, Núcleo de Educação Aberta e a
Distância, 2012.
129 p. : il.
Capa
Thiers Ferreira
Inclui bibliografia.
ISBN:
Ilustração
Thiers Ferreira
1. Mecânica. I. Orlando, Marcos Tadeu D'azeredo. II. Título.
Gerência
Samira Bolonha Gomes
Impressão
Gráfica e Editora GSA
S237m
CDU: 531
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escrito, da Coordenação Acadêmica do Curso de Licenciatura em Física, na modalidade a distância.
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Mecânica Clássica | Física
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mecânica na
formulação Lag
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mecânica na
formulação Hamiltoniana
78
97
Física | Mecânica Clássica
5
a cinemática da partícula e
a cinemática do sólido
6
Mecânica Clássica | Física
1
1.
A Cinemática da Partícula
O problema fundamental da Mecânica Clássica se resume em descrever o movimento de um sistema (corpo, partícula ou sistema de
partículas) sujeito a determinadas condições (forças, potenciais, vínculos, etc.). Mais especificamente, no formalismo newtoniano, dado
uma partícula sujeita a determinada força, descrever seu movimento.
Ou, inversamente, dada uma partícula se movimentando de determinada maneira, descrever as forças que atuam sobre ela. Esta relação,
entre forças e movimento, caracteriza o formalismo de Newton da
Mecânica Clássica, com a grandeza vetorial força desempenhando
um papel fundamental, enquanto que em outros formalismos, como
os de Lagrange e Hamilton, as grandezas necessárias para a descrição do movimento são basicamente as energias, cinética e potencial.
Esta característica faz com que o formalismo Newtoniano seja um
formalismo vetorial, sendo as grandezas vetoriais posição, velocidade, aceleração e força fundamentais para esta descrição. Por isso
o formalismo de Newton é muitas vezes chamado de formalismo
vetorial, e sua mecânica é também chamada de Mecânica Vetorial,
enquanto que os outros formalismos, que se baseiam em grandezas
escalares como energia e coordenadas são também conhecidos como
Mecânica Analítica. Neste curso iremos tratar inicialmente do for-
Física | Mecânica Clássica
7
malismo newtoniano, depois do formalismo lagrangiano, e por fim,
do formalismo hamiltoniano. Importante frisar, e o faremos ao longo
de todo este texto, que todos estes formalismos tratam do mesmo assunto, qual seja, a descrição do movimento no âmbito da Mecânica
Clássica. Quando o movimento se dá em situações de dimensões atômicas ou de velocidades muito grandes, próximas à da luz, as teorias
que os descrevem são, respectivamente, a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade, que estão fora do alcance deste Curso. Vamos
então iniciar nossos estudos pela Mecânica de Newton.
Do ponto de vista puramente matemático, a descrição do movimento de uma partícula, por exemplo, se realiza completamente com
a caracterização da função vetorial r(t) ( ou das funções velocidade
(v(t )) ou aceleração (a(t)), como veremos logo adiante), a posição
em função do tempo. Em geral, dado um sistema cartesiano de eixos com uma origem O, a posição da partícula em um determinado
instante é representada pelo vetor posição r, que no instante t liga a
origem O do sistema de eixos ao ponto P cujas coordenadas representam esta posição. Usaremos frequentemente a notação
r = P - O = xx + yŷ + zz
eq. 1
para representar o vetor com origem no ponto O e extremidade no
ponto P.
Do ponto de vista da Física, tal sistema de coordenadas possui
origem e eixos fixos em um referencial R, a partir do qual se observa o movimento da partícula. Este referencial é um objeto físico,
diferente do sistema cartesiano, que é um objeto matemático. Mais
ainda, o referencial é um corpo extenso e rígido, no qual se definem
a origem e os eixos do sistema de coordenadas, e onde se encontra
o observador. Assim, partícula, referencial e observador são elementos, ou ingredientes físicos fundamentais da Mecânica. A existência
da partícula, objeto que se movimenta e do qual sabemos ter dimensões desprezíveis, e que pode ser representada por um ponto, é subentendida assim como a do observador, que se pode pensar como
os instrumentos que medem posição, massa, peso, etc. Mas a existência do referencial é algo de maior importância para o físico, uma
vez que seu estado de movimento é da maior importância no estudo
do movimento da partícula. Assim, como o referencial é um corpo
rígido e pode se movimentar em relação a outro referencial é de fun-
8
Mecânica Clássica | Física
damental importância conhecer a Cinemática do Corpo Rígido, o que
faremos ao longo deste nosso estudo.
Retornemos ao problema matemático da descrição do movimento
de uma partícula. De uma maneira geral, conhecida a função r(t), por
meio de uma simples operação de derivação se obtém a função v(t),
que por sua vez, também derivada fornece a(t). Inversamente, conhecendo a(t), por uma integração se chega a v(t), que também pode
gerar, via outra integração, a função r(t). Desta forma fica claro que
para descrever o movimento de uma partícula, relativo a um sistema
de coordenadas (que por sua vez encontra-se ligado a um corpo rígido), basta obter qualquer uma das funções r(t), v(t) ou a(t), pois
através de operações de derivações ou integrações se pode chegar
sempre à função vetorial desejada, via de regra r(t).
No apêndice 1 trataremos dos problemas matemáticos de escrever
os vetores fundamentais da cinemática em diversos sistemas de coordenadas. Os exemplos a seguir e alguns problemas propostos ao
final deste Módulo encerram a questão da cinemática da partícula
no contexto da formulação vetorial da Mecânica Clássica.
Resta, entretanto, a importante questão da Cinemática do Corpo
Rígido, ou Cinemática dos Sólidos, uma vez que este se torna um
tema fundamental para que se discuta o movimento de maneira
correta - visto que todo referencial é um sólido. (Inclusive teremos que tratar da questão fundamental da mudança de referenciais e das forças que aparecem em referenciais não inerciais).
Mas qual seria a maneira de descrever, por exemplo, a posição de
um sólido? Um sistema rígido é constituído por uma distribuição
contínua de massa que ocupa um determinado volume. Esta distribuição, cujas distâncias entre seus pontos permanecem fixas
(por definição de um sistema rígido), pode, em princípio, ter seu
movimento descrito a partir da descrição do movimento de cada
um destes pontos. Ou seja, descrever o movimento de cada um
dos pontos constituintes do sólido é uma maneira trivial de descrever o movimento do sólido, o que não aparenta ser uma tarefa
simples. Ocorre que o estudo desta Cinemática pode ser muito
simplificado se um pequeno e importante instrumento da Matemática for conhecido antes, e este instrumento chama-se Cálculo
Motorial. Este pequeno e importante tema será o nosso próximo
objeto de estudo. Antes, porém, vejamos alguns exemplos que envolvem a cinemática da partícula.
Física | Mecânica Clássica
9
Exemplos
1) Um tubo metálico, retilíneo e oco, encontra-se girando sobre uma
mesa com velocidade angular constante e igual a w. No interior do
tubo, uma formiga caminha com velocidade constante, em relação ao
tubo, de módulo v, na direção paralela ao eixo de simetria do tubo e
no sentido contrário ao ponto em que passa o eixo em torno do qual
o tubo gira, que vamos tomar como origem de um sistema de coordenadas polar. Calcule a trajetória da formiga neste sistema polar supondo que no instante inicial a formiga passava pela origem e o tubo
passava pelo eixo polar, ou seja, em θ = 0.
Solução:
Chamando de r a coordenada polar radial da formiga, podemos escrever que, de acordo com a condição inicial, r = vt. Também de
acordo com a condição inicial podemos escrever que a coordenada
angular polar θ pode ser descrita por θ = wt. Tomando t em ambas
as relações e igualando os valores temos
r θ ⇒ θv = rw
=
v w
Esta é a equação de uma espiral, em coordenadas polares, usualmente conhecida como espiral de Arquimedes.
2) Diz-se que uma partícula está animada de movimento central se a
reta suporte de sua aceleração passar constantemente por um ponto
fixo, que é usualmente chamado centro do movimento. São centrais,
por exemplo, os movimentos dos planetas em torno do Sol, assim
como são também centrais os movimentos dos elétrons no átomo clássico de Bohr. Queremos demonstrar uma propriedade muito importante
dos campos centrais que é a de que todo movimento central é plano.
Solução:
Considere a figura abaixo
v
Mo = r x v
o
10
Mecânica Clássica | Física
γ
r
P
o ponto P representa a partícula em movimento sobre a curva γ e o
ponto O, o centro do campo. O vetor MO é o momento da velocidade
da partícula no ponto P em relação ao ponto O. Este vetor é constante no tempo uma vez que
Ṁo = ṙ x v + r x v = 0
(o termo ṙ × v se anula uma vez que ṙ ≡ v e o termo r × v̇ se anula
visto que a aceleração tem a direção do centro por definição). Mas se
a direção definida por r e v é fixa, então o plano definido por estes
vetores é único. Q. E. D.
3) Uma pequena esfera metálica é atirada verticalmente, de cima
para baixo, sobre a superfície da água de uma lagoa. A esfera atravessa a superfície e continua a se mover verticalmente no interior da
água. Sabendo que em conseqüência da ação das forças que atuam
sobre a esfera no interior da água a sua aceleração a é, em cada data
t, vertical, dirigida de baixo para cima e tal que ‖a‖ = λ‖v‖, onde λ é
uma constante positiva conhecida e v é a velocidade da esferazinha
na data t, e sabendo, mais, que é igual a v0 a norma da velocidade da
esferazinha imediatamente após ter atravessado a superfície da água
da lagoa, deduza uma fórmula que permita calcular a velocidade escalar v da esferazinha em função da sua profundidade h abaixo da
superfície da água da lagoa.
Solução:
dv
= - λv → v = voe-λt
dt
- voe-λt
dr = voe-λtdt → h =
λ
λh
-λt
→e =1vo
(1)
t
0
=-
vo
(e-λt - 1)
λ
que levado em (1) fornece: v = v0 - λh
Física | Mecânica Clássica
11
2.
Cálculo Motorial
Quando associamos a cada ponto do espaço o valor de uma grandeza
física, temos o que os físicos chamam de um campo. Por exemplo,
se associamos a cada ponto de uma região o valor da temperatura
naquele ponto, falamos de um campo escalar (a temperatura é uma
grandeza escalar), o campo das temperaturas. Se, por outro lado, falamos da força elétrica por unidade de carga associada a cada ponto
do espaço, falamos de um campo vetorial, o campo elétrico. Os matemáticos preferem falar em funções. Temos as funções escalares,
as funções vetoriais, as funções uniformes, as funções constantes,
etc. Vamos definir uma função vetorial particular, de tal forma que
os vetores associados a cada ponto estão relacionados entre si de
acordo com uma regra específica, comum a uma família de funções,
ou campos. A este tipo especial de campo vetorial daremos o nome
de Motor, ou Campo Motorial. Assim, todo campo motorial é um
campo vetorial, mas nem todo campo vetorial é um campo motorial.
Vamos à definição matemática.
Seja um conjunto n de vetores c1, c2,.....,cn aplicados respectivamente nos pontos A1, A2,...., An. O momento deste conjunto de vetores em relação a um ponto O é definido por
n
M0 = ∑ i = 1 ri x ci
eq. 2
sendo ri = Ai - O o vetor posição do ponto Ai em relação ao ponto
O. Desta forma, podemos associar a cada e qualquer ponto Q o vetor MQ, o momento daquele conjunto de vetores, ci, em relação ao
ponto Q. Temos então um campo vetorial . Veremos que este campo
possui propriedades matemáticas comuns a muitos campos vetoriais encontrados na Mecânica. Um campo vetorial assim definido
usualmente é chamado de campo motorial.
É fácil ver que existe uma relação matemática entre os vetores
associados aos pontos de um motor, que, aliás, é a propriedade que
melhor caracteriza um campo vetorial como um motor. Veja que
podemos escrever, conforme a figura 1, as coordenadas do campo
ligadas aos pontos P e Q da seguinte maneira:
n
MP = ∑ i = 1 ri x ci
n
MQ =∑ i = 1 r´i x ci
12
Mecânica Clássica | Física
Da figura se nota que podemos escrever r’i = (P-Q) + ri na segunda
expressão acima, de maneira que
n
n
n
MQ= ∑ i = 1[(P - Q) + ri] x ci = ∑ i = 1(P - Q) x ci + ∑ i = 1 ri x ci =
n
= MP + (P - Q) x ∑ i = 1 ci = MP + (P - Q) x c
. Ou seja, podemos escrever a relação
onde usamos a definição
MQ = MP + c x (Q - P)
eq. 3
Esta é a principal relação do Cálculo Motorial, visto que ela define
mesmo um campo motorial. Um campo vetorial cujas coordenadas
ligadas aos seus pontos estão relacionadas desta forma é um campo
motorial. Note que o vetor c não está relacionado a nenhum ponto em
particular, mas é quem caracteriza a relação entre o valor do campo
em um ponto com o valor em outro ponto. Esta relação é tão importante que recebe o nome de fórmula de Clifford, em homenagem ao
grande matemático inglês do século XIX, Willian Kingdon Clifford,
que foi quem estudou, pela primeira vez, o Cálculo Motorial.
ci
Ai
ri
r’i
MP
Q
P
MQ
Figura 1
A fórmula de Clifford nos informa que conhecemos todo o campo
motorial, ou seja, conhecemos o vetor ligado a qualquer ponto Q,
desde que conheçamos dois vetores: o vetor ligado a UM ponto, p.ex.,
o ponto P, e um vetor independente dos pontos, o vetor c na equação
3. Por isso chamamos de coordenada livre o vetor c, e de coordenada
ligada o vetor MP . Ou seja, bastam duas informações, duas coordenadas vetoriais, usualmente representadas pelo par (MP, c) e conhecemos todo o campo vetorial, se este for um motor. Esta seria apenas
uma propriedade matemática interessante, não houvesse na Física
alguns campos vetoriais muito importantes que se encontram nesta
categoria. Um destes campos é aquele que nos motivou a fazer esta
Física | Mecânica Clássica
13
regressão matemática, ou seja, o campo vetorial formado pelas velocidades associadas aos pontos de um corpo rígido em movimento.
Neste caso as coordenadas ligadas são, naturalmente, as velocidades
(vA) associadas a cada ponto do corpo, e a coordenada livre é o vetor
velocidade de rotação do corpo, w. E é este fato de as velocidades dos
pontos de um sólido se constituirem em um campo motorial, que faz
a cinemática do sólido se tornar um assunto muito mais simples que
seria caso não houvesse esta propriedade. Temos então
vA = vB + w x (A - B)
eq. 4
Outro exemplo físico de um campo motorial é o campo formado
pelos vetores momento angular de um sistema de partículas, cada qual
com momento linear p, associados aos diversos pontos de uma região.
De maneira análoga aquela que nos levou à equação 3, podemos partir
da definição de momento angular de um sistema de n partículas
n
∑ i = 1 ri x pi
n
LQ = ∑ i = 1 r´i x pi
L0 =
e com o mesmo caminho utilizado em 3 chegar a
LQ = LO + P x (Q - O)
eq. 5
onde a coordenada livre é o momento linear total do sistema. De
maneira análoga, podemos mostrar que vale para os torques de um
sistema de forças a relação
NQ = NO + F x (Q - O)
eq. 6
onde agora é a soma das forças que faz o papel de coordenada livre.
Embora seja um mero exercício chegar às eq. 5 e 6, não existe um
caminho tão simples para mostrar que a eq.4 é válida. Para chegar
a ela usaremos um teorema do Cálculo Motorial, que não julgamos
conveniente demonstrar aqui, chamado de teorema discriminador (a
demonstração deste teorema, embora não seja complicada, pode ser
encontrada no livro Mecânica Vetorial, de L. P. M. Maia). A fim de
usar este resultado na próxima seção, vamos enunciá-lo aqui:
14
Mecânica Clássica | Física
Teorema Discriminador: A condição necessária e suficiente para
um campo vetorial ser um vetor é que sejam iguais entre si as componentes, segundo um eixo qualquer, dos vetores do campo associados aos pontos do eixo.
3.
A Cinemática do Sólido
Do ponto de vista da Mecânica um corpo rígido, ou um sólido, é uma
distribuição contínua de massa com a propriedade, ou vínculo, de
que a distância entre quaisquer dois pontos deste permaneça constante no tempo. Assim, escolhendo A e B como dois pontos quaisquer do sólido, teremos que
‖ A - B ‖ = constante no tempo.
Embora o movimento mais geral de um sólido seja, à primeira
vista, bastante complicado de se descrever, existem dois casos especialmente simples e que, como veremos, servem de base para a descrição mais geral. Trata-se do movimento puramente translacional e do
movimento puramente rotacional. Vamos estudá-los em sequência.
Translação
O movimento puramente translacional é aquele em que o vetor que
liga dois pontos quaisquer do corpo rígido permanece eqüipolente a
um vetor fixo no referencial a partir do qual o movimento do corpo
é estudado. Portanto, podemos escrever que, para quaisquer A e B
pertencentes ao sólido em movimento translacional, temos:
A - B = constante no tempo.
Observe que o movimento de translação de um sólido não implica
em trajetórias retilíneas para os pontos deste. O movimento da cadeira de uma roda-gigante é um exemplo clássico de um movimento
de translação em que os pontos do sólido não descrevem um trajetória retilínea (e nem mesmo circular!).
É fácil perceber então que basta a descrição do movimento de
UM ponto do sólido para que o movimento de todo o sólido esteja
Física | Mecânica Clássica
15
descrito, uma vez que os vetores posição de todos os demais pontos
do corpo, em relação ao ponto escolhido, permanecem constantes.
E assim, a cinemática do movimento do sólido se reduz à cinemática do movimento de um ponto, assunto que já conhecemos da Cinemática da Partícula. Para estabelecer de forma mais matemática
esta conclusão, vamos colocá-la na forma de um teorema, e que
pode assim ser redigido:
Teorema: Todos os pontos de um corpo rígido, com movimento
puramente translacional, possuem, em cada instante, a mesma velocidade e a mesma aceleração.
Demonstração: Considere que a figura 2 representa um corpo rígido num momento em que este se move em translação, em relação
ao referencial R. Podemos então escrever
B
rAB
A
rB
rA
0
R
Figura 2
rB = rA + rAB
onde sabemos que rAB é um vetor constante no tempo. Podemos então derivar ambos os membros em relação ao tempo e obter (uma
vez que a derivada temporal de rA é vA)
vA = vB
Que por sua vez, também derivada em relação ao tempo fornece
aA = aB , q.e.d.
16
Mecânica Clássica | Física
Rotação
O movimento puramente rotacional é aquele em que dois pontos do
sólido encontram-se em repouso em relação ao referencial em que
este é observado. Estes dois pontos determinam uma reta, ∆, chamada de eixo de rotação. Podemos mostrar que todos os pontos do
sólido que se encontram sobre o eixo de rotação possuem, também,
velocidade nula no referencial em pauta. Para se convencer disto,
observe a figura 3, onde os pontos A e B são os pontos em repouso
e que, por isso, definem a reta ∆:
B
S
A
R
∆
Figura 3
A equação vetorial que define a reta ∆ pode ser posta na forma
P - A = α(B - A),
onde P representa um ponto qualquer da reta e α é um escalar adequado a P e constante no tempo. Derivando em relação ao tempo
esta equação temos:
Ṗ - A = α(B - A) + α(Ḃ - A)
Como = Ḃ = = 0, temos mostrado que Ṗ = 0, q.e.d.
Desta maneira, o único movimento que resta ao sólido é o de
giro em torno do eixo ∆, como pode atestar a experiência. A este
chamamos de movimento de rotação em torno do eixo ∆. Uma
grandeza extremamente importante relacionada a este movimento
é a velocidade de rotação, que iremos agora definir.
Na figura 4 representamos um sólido em movimento de rotação
pura em um determinado referencial R, e escolhemos um sistema de
Física | Mecânica Clássica
17
eixos cartesianos fixo em tal referencial, de maneira que o eixo z
deste sistema coincide com o eixo de rotação do sólido:
z∆
S
0
y
θ
x
Figura 4
Seja P um ponto do sólido e P∆ o plano determinado por este
ponto e o eixo ∆, de rotação. Estando o sólido em movimento de
rotação em torno de ∆, o ângulo θ formado pelo plano e o eixo x é
uma função do tempo, θ = θ(t). Definimos as derivadas primeira e
segunda de θ em relação ao tempo respectivamente de velocidade
angular e aceleração angular:
w=θ
e
α=θ
Percebe-se, por esta definição, que a velocidade angular informa a respeito da rapidez com que o sólido gira em torno do
eixo. Também é bastante intuitivo perceber que as velocidades de
cada ponto do corpo são tão maiores quanto maior for a velocidade angular, mas que para uma mesma velocidade angular a velocidade de cada ponto é tão maior quanto maior a distância do
ponto ao eixo de rotação. Tais informações podem ser obtidas com
mais exatidão por uma investigação matemática muito simples a
respeito de w e vP , a velocidade de cada ponto P do corpo. Tal
investigação também nos revelará uma propriedade muito importante a respeito da Cinemática do Sólido.
Vamos escolher ainda um sólido em rotação em torno de um eixo
que coincida com o eixo z do sistema cartesiano, como na figura anterior, apenas explicitando agora dois dos pontos do sistema S que
definem ∆, os pontos A e B na figura 5, e vamos usar também o sistema de coordenadas cilíndricas (ρ, θ, z):
18
Mecânica Clássica | Física
z∆
C
B
S
r
A
0
θ
x
P
y
p
Figura 5
Em primeiro lugar, notemos que a trajetória de cada ponto P do
sistema rígido S é uma circunferência de raio ρ e centro no eixo ∆,
exatamente no ponto do eixo com a coordena z do ponto P: por um
lado a distância CP (ρ) é constante pelo fato de o sistema S ser rígido e
de z ser o eixo de rotação ( PB é constante e BC também), e por outro
lado, a distância OC (z) também é constante pelo fato de serem ambos
pontos do eixo de rotação. Logo, as condições ρ = cte. e z = cte definem uma circunferência de raio ρ em coordenadas cilíndricas.
Como apenas θ muda com o tempo é conveniente escrever o vetor posição de P em coordenadas cartesianas, mas usando as coordenadas cilíndricas para escrever suas componentes. Temos então:
r = ρcosθx̂ + ρsenθŷ + zẑ
Como apenas θ depende de t, a velocidade será
v = r = -θ ρsenθx + θρcosθŷ = θρ(-senθx +cosθŷ)
eq. 7
Tomando o módulo desta última equação e chamando de w, podemos escrever que
v = wρ
eq. 8
que confere com aquilo que nossa intuição previa. Podemos, entretanto, ir mais além se definirmos o vetor velocidade de rotação,
como usualmente se faz, como um vetor que possui como módulo a
velocidade angular w, a direção dada pelo eixo de rotação e o sen-
Física | Mecânica Clássica
19
tido dado pela regra da mão direita, ou regra do parafuso, como
queira, e conforme está ilustrado na figura 6:
A Regra da Mão Direita
A Regra do Parafuso
O sentido do vetor velocidade de
rotação de um sistema rígido S é aquele
indicado pelo polegar da mão direita,
supondo-se que se abarcasse com a mão
direita o eixo ∆ de rotação do sistema S
de uma forma tal que os outros dedos
ficassem disposto no sentido no qual
está girando o sistema S.
O sentido do vetor velocidade de um
sistema rígido S é aquele no qual avançaria
um parafuso comum cujo eixo coincidisse
com o eixo ∆ de rotação do sistema S e que
se fizesse girar no mesmo sentido no qual
está girando o sistema rígido S.
Figura 6
Assim definido, o vetor velocidade de rotação para o caso em
pauta na figura 5 é simplesmente w = wẑ, e podemos ver que o resultado expresso na eq. 7 é simplesmente
vP = w x rP
eq. 9
que também pode ser escrito como
vP = w × (P - O)
Para qualquer outro ponto Q do sólido vale a mesma relação, ou seja,
vQ = w × (Q - O)
20
Mecânica Clássica | Física
Tomando a diferença entre estas duas temos:
vP - vQ = w × (P - O) - w × (Q - O) = w × (P - O - Q + O) = w × (P - Q)
Ou seja,
vP = vQ + w x (P - Q)
eq. 10
que é a própria eq.4 acima. Então, pelo menos para o caso do movimento de rotação pura, acabamos de demonstrar que o campo
das velocidades de um sólido é um campo motorial, cuja coordenada livre é a velocidade de rotação. O que também é verdade para
o movimento de translação pura, uma vez que neste caso w = 0 e
então a eq.10 se resume a vP = vQ.
Mas o que afirmar a respeito do movimento mais geral de um sólido, que não é nem bem uma translação nem bem uma rotação? Poderíamos compreendê-lo como alguma combinação dos dois? A resposta
a esta questão foi dada por Euler em 1752, mais de um século antes do
trabalho de Clifford, e portanto, sem a facilidade do Cálculo Motorial e
que vai ser aqui chamada de Teorema de Euler, que resolve de maneira
definitiva a questão central da Cinemática do Corpo Rígido:
Teorema de Euler: O movimento mais geral possível de um sistema
rígido pode sempre ser pensado como constituído, em cada data t, pela
superposição de dois movimentos rígidos simples: um de translação e
outro de rotação. O movimento de translação poderá ser caracterizado,
na data t, em geral, por uma qualquer dentre uma infinidade de possíveis velocidades, enquanto que o movimento de rotação é caracterizado, na data t, por uma, e somente uma, velocidade de rotação.
Demonstração: Sejam A e B dois pontos quaisquer de um corpo
rígido. Podemos afirmar então que
‖A - B‖ = cte. ⇒ (A-B)2 = cte
Derivando em relação ao tempo, temos:
2(A - B) . (Ȧ - Ḃ ) = 0 → Ȧ.(A - B) = Ḃ.(A - B)
Física | Mecânica Clássica
21
Dividindo ambos os membros por ‖A - B‖, teremos o unitário û na
direção do eixo que liga o ponto A ao ponto B, ou seja:
Ȧ . û = Ḃ . û
Ou melhor,
vA . û = vB . û
O que nos mostra que, segundo o teorema discriminador que
enunciamos ao final da última seção, o campo das velocidades dos
pontos de um corpo rígido, em seu movimento, qualquer que seja
este, é um campo motorial, e portanto, vale a relação
vA = vB + w x (A - B)
eq. 11
(A rigor, esta expressão deveria ser escrita como vA = vB + w’ ×
× (A - B), onde w’ não teria nenhuma relação a priori com o vetor velocidade de rotação. Uma discussão mais detalhada a este respeito será
feita no Apêndice 2.)
Mas então o teorema encontra-se demonstrado, visto que numa
data t, qualquer que seja esta, as velocidades dos pontos do sólido
constituem um campo motorial no qual a coordenada livre é a velocidade de rotação. Pois escolhido UM ponto do sólido para com sua
velocidade representar o movimento de translação ( e existe um infinidade de escolhas possíveis pois são infinitos os pontos passíveis de
serem escolhidos), resta uma única possibilidade para o movimento
de rotação, pois a coordenada livre é única.
Formalmente, então, a eq.11 resolve nosso problema de descrever o movimento de um sólido. Embora uma série de conseqüências
desta solução, assim como vários casos particulares importantes do
movimento de um sólido possam agora ser estudados, nos limitaremos a esta conclusão geral, pois que esta será suficiente para resolver o problema que por hora nos preocupa, qual seja, a questão da
mudança de referenciais na mecânica vetorial, ou newtoniana.
22
Mecânica Clássica | Física
4.
O Problema Cinemático da
Mudança de Referenciais
Para encerrar a discussão a respeito da Cinemática vamos tratar
do importante problema de relacionar a cinemática da partícula do
ponto de vista de dois referenciais que se movimentam, um relativo
ao outro. Ou seja, vamos tratar da questão específica de, sabendo
quais são as grandezas cinemáticas, posição, velocidade e aceleração de uma partícula, do ponto de vista de um referencial, como
ficam relacionadas estas com aquelas, posição, velocidade e aceleração da mesma partícula, do ponto de vista de um outro referencial
(ou corpo rígido) que se move em relação ao primeiro de forma conhecida (quer dizer, do qual conhecemos a velocidade de um de seus
pontos e sua velocidade de rotação).
Como preliminar da questão acima vamos analisar como mudam
as derivadas temporais de vetores, derivadas estas vistas de um ou de
outro referencial. Vamos chamar de R’ um referencial inicial e de R
um referencial que se mova em relação ao primeiro de maneira conhecida. É fácil perceber que, por exemplo, um vetor que é constante
no referencial R, para um observador que se movimente “junto” com
este referencial (imagine o vetor que liga dois pontos do referencial
R), não parecerá constante do ponto de vista de outro observador no
referencial R’, visto que o “corpo” de R se move em relação a R’. Usaremos a seguinte notação em nossa análise: d/dt (ou um ponto sobre
um vetor) será usada para designar a derivada temporal relativa a R’
e ∂/∂t para designar a derivada temporal medida por um observador
em R. Mostraremos agora que, para um vetor genérico g vale a seguinte relação:
dg ∂g
=
+wxg
dt
∂t
eq. 12
onde w é a velocidade de rotação de R em relação a R’. Quer dizer, se
o movimento de R, em relação a R’, for de translação pura, as derivadas temporais de vetores tomadas em ambos os referenciais coincidem. Mas caso haja movimento de rotação de R, em relação a R’,
vale a eq.12. Vejamos primeiramente uma derivada particular, a de
um vetor unitário fixo em R. Considere a figura 7 abaixo:
Física | Mecânica Clássica
23
S
x
z
A
0
y
R’
Figura 7
O unitário em x, representado na figura pelo vetor que liga os
pontos A e O, que são pontos do sólido S, pode ser escrito como
x̂ = A - O,
cuja derivada temporal, vista de R’ se escreve como (lembre que em
nossa convenção o ponto serve para derivada tomada em R’)
= Ȧ Mas Ȧ e são as velocidades de A e de O vistas de R’. Então podemos escrever
= vA - vO
Mas o Cálculo Motorial nos informa que que vA- vO= w × (A - O)
= w × x̂ . Portanto,
x=wxx
eq. 13
Relações análogas valem,obviamente, para as derivadas dos unitários em y e em z, ou seja,
y=wxy
z=wxz
eq. 14
eq. 15
Estas relações são conhecidas como fórmulas de Poisson, pois foi o
grande matemático francês do século XIX quem as primeiro escreveu.
24
Mecânica Clássica | Física
Agora, a fim de mostrar que vale a eq.12, vamos considerar
um vetor g, descrito na base cartesiana associada ao referencial
móvel, R, como
g = g1 x̂ + g2 ŷ + g3ẑ
Por hipótese o referencial R possui velocidade de rotação w relativa ao referencial R’. Vamos tomar a derivada temporal deste vetor, derivada esta como calculada por um observador em R’. Ou seja,
queremos, em nossa convenção, dg/dt , ou ġ:
dg
= g = g1x + g1x + g2y + g2y + g3z + g3z
dt
Considere por um lado a soma do primeiro com o terceiro e o
quinto termo do lado direito: eles resultam em ∂g/∂t = ġ1x̂ + ġ2ŷ +
ġ3ẑ, a derivada de g tomada em R. Por outro lado, os termos restantes
podem ser reescritos usando as equações 13, 14 e 15, e se resumem a
g1x + g2y + g3z = g1(w x x) + g2(w x y) + g3(w x z) = w x (g1x + g2y + g3z) = w x g
Temos então, como consequência destes resultados a eq.12. q.e.d.
A equação 12 é também conhecida como fórmula de Poisson,
e será fundamental na solução do problema que nos propomos a
resolver no início desta seção, qual seja, uma vez conhecido o movimento de uma partícula em relação a um dado referencial, descrever este mesmo movimento, mas do ponto de vista de um outro
referencial, que se move em relação ao primeiro de forma conhecida. Esta é a questão cinemática da mudança de referenciais. O
problema dinâmico, isto é, como mudam as leis de movimento ao
mudarmos de referencial, será objeto de estudo do próximo Módulo, do qual o atual é pré-requisito fundamental.
Vamos considerar a situação exposta na figura 8:
P
r
z
R
x
0’
0
R0
R
y
R’
Física | Mecânica Clássica
25
Nesta figura está representada a partícula no ponto P, descrito
pelo vetor posição R em relação à origem O’ no referencial R’, onde
está a observadora feminina, e descrito pelo vetor posição r em relação à origem O no referencial R, referencial este representado na
figura pelo sólido onde está o observador masculino, do qual conhecemos, por hipótese, a velocidade do ponto O e também a velocidade
de rotação, ambas em relação ao referencial R’. Ou seja, conhecemos
o movimento do sólido, ou de R em relação a R’.
Considere a relação facilmente obtida desta figura, entre os vetores posição da partícula em relação a ambos os referenciais:
R = Ro + r
eq. 16
Vamos tomar a derivada temporal desta equação, mas do ponto
vista do observador em R’. Temos:
Ṙ = ṘO + r ̇
Claramente, podemos identificar Ṙ com V, a velocidade da partícula em relação ao referencial R’, assim como ṘO com VO, a velocidade do ponto O em relação também a R’. Para ṙ podemos usar a
eq.12, e, identificando ∂r/∂t com v, a velocidade relativa, velocidade
da partícula em relação a R, e escrever finalmente
V = Vo + v + w x r
eq. 17
Esta é a relação entre a velocidade da partícula, vista do referencial R’, e a velocidade da partícula, vista do referencial R, uma
vez que se sabe que R se move em relação a R’ de acordo com as
coordenadas (VO, w), ligada e livre, respectivamente do sólido S
que representa R. A soma do primeiro com o terceiro termo do lado
direito desta equação é normalmente chamada de velocidade de
transporte, Vtr, pois é a velocidade que a partícula teria, relativa ao
referencial R’, ainda que estivesse em repouso no referencial R, ou
seja, apenas “transportada por este”.
Finalmente, tomando a derivada temporal em relação ao referencial R’, desta última equação, obteremos uma relação envolvendo as
acelerações vistas dos dois referenciais:
V̇ = V̇ O + v̇ + ẇ × r + w × r ̇
26
Mecânica Clássica | Física
Vamos identificar o termo V̇ com A, a aceleração da partícula em
relação ao referencial R’ e o termo V̇ O com AO, a aceleração do ponto
O também relativa a R’. Usaremos a eq.12 para reescrever o termo v̇
como ∂v/∂t + w × v = a + w × v (uma vez que identifiquemos a aceleração relativa ao referencial R, a, com ∂v/∂t ) e o termo w × ṙ como
w × (∂r/∂t + w × r) = w × v + w × (w × r). Observe que o vetor w possui derivada temporal invariante ante uma mudança de referencial,
como se pode notar da eq.12 tomando o vetor g como o próprio w.
Escrevemos então:
A = AO + a + w × v + ẇ × r + w × v + w × (w × r)
Rearranjando os termos podemos escrever finalmente
A = a + AO + w × (w × r) + ẇ × r + 2w × v
eq. 18
Analogamente à definição feita relativa à velocidade, é comum
chamar de aceleração de transporte a soma dos segundo, terceiro e
quartos termos do lado direito desta equação, pelas mesmas razões
anteriores, pois seria a aceleração de uma partícula fixa em relação
ao referencial R, que estaria então sendo “transportada” pelo referencial. .As equações 16, 17 e 18 resolvem o problema cinemático
da mudança de referenciais, pois relacionam os vetores posição, velocidade e aceleração de uma partícula vistos de um referencial com
os seus correspondentes vistos de um outro referencial que se move
de maneira conhecida em relação ao primeiro. A equação 18 será
de importância fundamental para o estudo que faremos no próximo
módulo a respeito da Mecânica newtoniana.
Exemplos
4) Uma partícula se move no interior de um tubo rígido e retilíneo, com velocidade escalar, relativa ao tubo, constante e igual a
μ, enquanto o tubo gira, num plano α, com velocidade angular, relativa ao plano, constante e igual a w. Sabendo que na data escolhida como inicial a partícula estava passando no ponto O do tubo,
ponto este que é fixo em relação ao plano α, utilize a técnica de
mudança de referenciais e calcule numa data genérica t: 1) a velocidade da partícula em relação ao plano; 2) a aceleração da partícula em relação ao plano.
Física | Mecânica Clássica
27
Solução:
V
y’
Vtr
y
x
v
ω
θ
0
x’
Figura 9
De forma coerente com a nomenclatura que temos usado neste
texto, o referencial ligado ao tubo, Oxy, será o referencial R, aquele
que se movimenta em relação ao referencial “fixo” R’, do sistema
Ox’y’. Podemos então escrever, mantendo a notação que temos utilizado, a eq. 17 onde v = μx̂ , VO = 0, w = wẑ e r = xx̂ = μtx̂ como
V = μx + wẑ x μtx = μ(x + wty)
eq. i
(Na figura estão representadas as velocidades de transporte e relativa, que somadas fornecem a velocidade relativa ao referencial
“fixo”.) Não há a menor dificuldade em exprimir esta velocidade no
sistema ligado a R’, uma vez que se percebe facilmente da figura a
validade das relações
x = cosθx’ + sinθy’ = coswtx’ + sinwty’
y = -sinθx’ + cosθy’ = -sinwtx’ + coswty’
eq. ii
Usando estas relações na eq. i obtemos:
V = μ[(coswt - wt sin wt) x̂ ’ + (sinwt + wt cos wt) ŷ’]
Deixamos ao estudante a tarefa de calcular, de forma análoga,
as expressões das acelerações, seja em um referencial seja em outro.
28
Mecânica Clássica | Física
5) O êmbolo do sistema mecânico representado na figura 10 funciona conjugado com uma manivela (na extremidade da haste associada ao êmbolo existe um pino que desliza ao longo de um
sulco retilíneo existente na manivela). O êmbulo executa um movimento de vaivém, em relação ao plano α da figura, imprimindo,
assim, um movimento oscilatória à manivela, que numa data genérica t faz um ângulo θ com o eixo Ox’ (que é paralelo à haste do
êmbolo e é fixo no plano α) e a sua velocidade angular vale w. Os
sistemas cartesianos Oxyz e Ox’y’z’ indicados na figura SAP são
solidários à manivela e ao plano α, respectivamente. Sabendo que
é igual a λ a distância da haste do êmbolo ao eixo Ox’ calcule, na
posição genérica θ, a norma: 1) da velocidade v com que a extremidade da haste está se movendo relativamente à manivela; 2) da
velocidade V do êmbolo em relação ao plano α; 3) da aceleração
de Coriolis, acor, da extremidade da haste do sistema êmbolo-haste,
caso sejam utilizados os dois seguintes referenciais: um, R, solidário à manivela, e outro, R’, solidário ao plano α.
x
y’
Vtr
V
y
v
ω
λ
θ
0
x’
Figura 10
Solução:
No sistema Oxyz temos que, mantendo coerência com a notação adotada neste texto, a primeira parte da questão está respondida assim:
v = xx
⇒ v = - xθcotθx ⇒ ǁvǁ = |λwcotθcscθ|
λ = xsinθ
Física | Mecânica Clássica
29
A segunda parte também é de simples solução, desde que lembremos que em nossa notação, V0 = 0, w = wẑ e r = xx̂ = λcscθx̂ , e
portanto, w × r = wλ cscθŷ. Então a eq. 17 nos diz que:
V = VO + v + w × r = -λwcotθcscθx̂ + λwcscθŷ
O cálculo da aceleração de Coriolis é imediato:
acor = 2w × v = 2wẑ ×(-λwcotθcscθx̂ ) = -2λw2cotθcscθŷ
6) Composição de velocidade angular
Vamos analisar a seguinte questão ilustrada na figura 11: se numa
data t a velocidade angular de um sólido relativa a um referencial R1
é dada por w1 , e na mesma data a velocidade angular do referencial
R1 em relação a outro referencial R2 é w12 , qual será, nesta data, a
velocidade angular do sólido referente a R2?
B
A
S
R2
R1
Figura11
Solução
Sejam ∂⁄∂t e d⁄dt as derivadas temporais relativas a R1 e R2 , respectivamente. Sejam os pontos A e B do sólido, e em nossa notação fica
claro que podemos escrever
∂⁄∂t (A - B) = vA - vB = w1 × (A - B) i
d⁄dt (A - B) = VA - VB = w2 × (A - B) ii
30
Mecânica Clássica | Física
Por outro lado, a fórmula de Poison, eq. 12, nos garante que
d⁄dt (A - B) = ∂⁄∂t (A - B) + w12 × (A - B) iii
Usando os resultados i e ii em iii temos:
w2 ×(A - B) = w1 ×(A - B) + w12 ×(A - B) ⇒ (w2 - w1 - w12) × (A - B) = 0
A única solução para esta condição é então
w2 = w1 + w12
Física | Mecânica Clássica
31
Exercícios
1) Aos pontos P1 e P2 de uma haste rígida e retilínea estão ligados
dois pinos que podem deslizar ao longo de dois sulcos retilíneos e
mutuamente perpendiculares, conforme indicado na figura abaixo.
Sabendo que na data t a haste forma com o sulco inferior um ângulo
igual a θ e que o ponto P1 está então se movendo com uma velocidade de norma igual a ‖v1‖, calcule qual será, na mesma data t, a
norma da velocidade do ponto P2.
P2
P1
2) Uma partícula está animada de um movimento plano tal que as
componentes polares de sua velocidade satisfazem, em cada ponto
P ↔ P (r, θ) da sua trajetória, a seguinte condição: vr = λvθ, onde
λ = cte. Calcule qual a trajetória da partícula, sabendo que foi registrado que em alguma data ela cortou o eixo polar no ponto cuja
coordenada radial é igual a b.
3) O avião representado na figura estava voando horizontalmente
com uma velocidade v0 no momento em que largou um objeto.
Supondo que a aceleração local da gravidade tenha um valor g =
cte e que seja irrelevante a resistência oferecida pelo ar ao movimento do objeto ( cuja velocidade escalar num ponto genérico da
sua trajetória tem um valor igual a v), calcule: 1) a componente
tangencial da aceleração do objeto, na data em que sua velocidade
escalar tem o valor v; 2) a componente normal da aceleração do
objeto, na data mencionada no item anterior; 3) o raio de curvatura da trajetória do objeto, correspondente ao ponto onde a sua
velocidade escalar tem o valor v.
32
Mecânica Clássica | Física
y
v0
H
P
V
T
N
0
x
4) A reta ∆ representada na figura é paralela ao eixo das abscissas Ox do sistema de eixos cartesianos Oxy e a sua distância
a esse eixo é constante e igual a h, enquanto que a reta ζ gira
com velocidade angular w = cte em torno da origem cartesiana O,
mantendo-se sempre no plano xOy. Considere o ponto I de interseção das retas ∆ e ζ e calcule em função do ângulo θ indicado na
figura: 1) a velocidade escalar com que o ponto I percorre a reta
∆; 2) a velocidade escalar com que o ponto I percorre a reta ζ; 3)
a aceleração tangencial com que o ponto I percorre a reta ∆; 4) a
aceleração tangencial com que o ponto I percorre a reta ζ.
ζ
y
Δ
h
I
ω
H
θ
0
x
5) O bloco B e a polia P representados na figura têm dimensões
desprezíveis e o bloco B está preso a uma das extremidades de um
fio inextensível e que passa sobre a polia P ( que está situada a
uma altura H acima do solo horizontal sobre o qual está apoiado
o bloco). O extremo livre do fio está situado a uma altura h < H
acima do solo e inicialmente os dois ramos do fio são verticais. A
partir de um certo instante faz-se o extremo livre do fio se mover
Física | Mecânica Clássica
33
com uma velocidade constante v0, da esquerda para a direita, permanecendo, porém, sempre a uma mesma altura h acima do solo.
Sabendo que o bloco B e o extremo livre do fio se mantêm num
mesmo plano, calcule a velocidade do bloco numa data genérica
t e o intervalo de tempo transcorrido desde o instante inicial ( instante da partida) até o instante em que o bloco B atingiu a polia P.
P
O
H
Vo
h
B
6) O disco circular representado na figura tem raio igual a R, é rígido
e está rolando, sem deslizar, sobre um piso horizontal. Sabe-se que é
retilínea a trajetória descrita pelo centro C do disco e que todos os
pontos deste se mantêm num mesmo plano vertical. A figura é correspondente a uma certa data t, quando a velocidade do centro C do
disco tinha norma igual a ‖vC‖ e O era o ponto do disco que estava
em contato com o piso. Sabendo que as distâncias dos pontos A, B e
D ao ponto O são respectivamente iguais a 3R/2, 2R e 5R/4, calcule
as normas das velocidades de tais pontos, correspondentes à data t.
B
A
C
D
O
7) A, B e C são três pontos não colineares pertencentes a um sistema rígido S. Sabendo que em cada data t tem-se que vA = vB =
34
Mecânica Clássica | Física
vC, onde vA, vB e vC são as velocidades dos pontos A, B e C, respectivamente, correspondentes à data t, demonstre que o sistema
rígido S está animado de movimento puramente translacional.
8) O comprimento do raio da esfera fixa representada na figura vale
R, enquanto que o da esfera menor e que rola sobre ela vale r. No instante em que o segmento de reta OC forma com a vertical um ângulo
igual a θ a velocidade angular da esfera móvel vale w. Sabendo que
a esfera móvel rola sem deslizar, calcule a velocidade do seu centro,
no instante mencionado. (Todas as velocidades são relativas ao referencial onde a esfera maior é fixa, e ambas as esferas são rígidas.)
r
C
R
θ
O
9) Na figura está representada uma seção plana e vertical de um hemisfério, de raio R, cavado na rocha, e no interior do qual rola, sem
deslizar, uma esfera rígida, de raio r < R. A seção representada contém os centros O e C do hemisfério e da esfera rolante. Numa data
genérica t a velocidade angular da esfera móvel é igual a w e o segmento de reta OC que une os pontos O e C forma com a vertical um
ângulo θ. Calcule: 1) a velocidade escalar do centro C da esfera rolante, na data t; 2) o valor de na data t. ( Todas as velocidades mencionadas são relativas a um referencial solidário à rocha.)
O
θ
R
O
Física | Mecânica Clássica
35
10) Na figura está representado um carretel, cujo raio de cada um
dos dois discos externos tem um valor igual a R e a fita fica enrolada sobre um cilindro co-axial com os dois discos. Na data t a que
a figura corresponde, a extremidade livre da fita estava sendo puxada horizontalmente com uma velocidade escalar de valor igual
a v e o raio da parte enrolada da fita era igual a r < R, conforme
indicado na figura. Sabendo que o carretel rola, sem deslizar, sobre um plano horizontal, calcule qual a velocidade com que estava
se movendo o seu centro, na data t.
11) Calcule a velocidade angular de um disco, relativa á Galáxia,
sabendo que o disco está girando em torno do próprio eixo, vertical e fixo em relação à Terra, com uma velocidade angular, relativa à Terra, igual a duas vezes a velocidade angular com que esta
gira em relação à Galáxia (e que é wTG = 1 rotação/dia). Sabe-se
que o disco está num ponto da Terra onde a vertical faz com o
eixo polar um ângulo θ = 60°. Calcule, também, o valor do ângulo φ que formam entre si as velocidades de rotação wDG e wTG do
disco e da Terra, relativas à Galáxia.
ωTC
ωDT
θ
36
Mecânica Clássica | Física
12) As duas hastes rígidas, retilíneas e horizontais, representadas
na figura, giram em torno de um eixo vertical, ∆, fixo em relação
à Terra. Ao longo de cada haste desliza um bloco que é movimentado ao longo das hastes com auxílio de um fio manipulado por
um experimentador que está fazendo com que cada um dos blocos
se mova, relativamente às hastes, com movimento uniforme, sendo
a norma da velocidade de cada um deles igual a v. Escolha um sistema cartesiano de eixos Oxyz cujos eixos Ox e Oz coincidam com
as hastes e com o eixo ∆, respectivamente, e calcule, numa data
genérica t, a norma: 1) da velocidade de transporte de cada bloco;
2) a velocidade de cada bloco, relativa à Terra; 3) da aceleração de
cada bloco, relativa às hastes; 4) da aceleração de transporte de
cada bloco; 5) da aceleração de Coriolis de cada bloco; 6) da aceleração de cada bloco, relativa à Terra. Sabe-se que na data t as
abscissas dos dois blocos são iguais respectivamente a b > 0 e –b
e que a velocidade angular e a aceleração angular das hastes, relativas à Terra, são respectivamente iguais a w e α.
Δ
ω
13) Um fio inextensível está enrolado sobre a periferia de um disco
circular, de raio igual a R. Uma das extremidades do fio está presa a
um suporte fixo em relação à Terra e o outro extremo está ligado ao
disco. O disco partiu do repouso e está descendo de uma forma tal que
o seu eixo se mantém horizontal e o seu centro se move percorrendo
uma reta vertical. Solidário ao disco existe um sistema de eixos cartesianos Oxyz cuja origem O coincide com o centro do disco e cujo
eixo das cotas (eixo Oz) se mantém horizontal. Uma formiga está se
deslocando ao longo do eixo das abscissas (eixo Ox), movendo-se, em
relação ao disco, com movimento uniforme, de velocidade escalar v
> 0. No instante em que a formiga está a uma distância do centro do
Física | Mecânica Clássica
37
disco igual a ½ R, o eixo Ox está na vertical e dirigido de baixo para
cima. Considerando o disco como referencial relativo e a Terra como
referencial absoluto, e sabendo que desde o instante em que o disco
iniciou o seu movimento até o instante em que a formiga atingiu a
posição já mencionada transcorreu um intervalo de tempo igual a T
e que a aceleração absoluta do centro O do disco tem norma igual a
¾ g, calcule, na data T: 1) a velocidade de transporte da formiga; 2) a
velocidade absoluta da formiga; 3) a aceleração de transporte da formiga; 4) a aceleração de Coriolis e a aceleração absoluta da formiga.
y
x
O
38
Mecânica Clássica | Física
mecânica newtoniana
2
Física | Mecânica Clássica
39
1.
As Leis de Newton
A mecânica da partícula formulada por Isaac Newton (1642-1727)
se fundamenta em três leis ou princípios básicos, que são popularmente conhecidos como as leis de Newton. Certamente o estudante
deste curso já teve contato com tais princípios mais de uma vez, e
seria pertinente que se perguntasse pelas razões para que se os estude mais uma vez. Recapitulemos então que a possível primeira
vez tenha sido nos estudos do Ensino Médio, quando se estuda a
Mecânica de forma introdutória, apenas em situações mais simplificadas, como por exemplo, nos movimentos em que se pode abrir
mão do Cálculo Vetorial e do Cálculo Diferencial. Depois, já no início do Curso Superior e tomando contato com uma Matemática mais
elaborada, se reestuda a mesma Mecânica, embora de forma mais
avançada, exatamente pela posse de tais ferramentas matemáticas.
Finalmente, já encerrando o Curso Superior, retorna-se ao tema de
estudar a teoria de Newton da Mecânica. As razões para tal são várias, mas vamos nos ater a apenas algumas que podem ser consideradas suficientes para justificar tal “repetição”.
Em primeiro lugar, o aparato matemático necessário para a compreensão da teoria encontra-se mais familiar e mais maduro. Já não
40
Mecânica Clássica | Física
se pode duvidar ou fraquejar ante o reconhecimento da natureza vetorial de determinadas grandezas como posição, velocidade, aceleração e força, apenas para citar algumas. E não há empecilhos para
tratar com elas, quer dizer, manipular, calcular, etc. Também os conceitos e as operações do Cálculo Diferencial e Integral são mais familiares e mais maduros. Torna-se mais fácil entender que a velocidade
de uma partícula SÓ pode ser definida e compreendida como uma
DERIVADA da função posição em relação ao tempo. Então, esta releitura torna-se obrigatória, ao menos do ponto de vista matemático.
Do ponto de vista físico, porém, existem questões fundamentais
que precisam ser mais bem discutidas, a fim de que se adquira uma
compreensão mais sólida da Mecânica de Newton. E entre elas, sem
sombra de dúvida, está a questão do referencial. Via de regra, o estudante que está cursando esta disciplina, já ao final de seu Curso de
Graduação, compreende muito mal a questão do referencial. E não se
pode culpar ao estudante, quando mesmo os professores e os livros
texto fazem um tratamento deficiente e obscuro desta questão. Então,
por exemplo, ao ser colocado para analisar uma situação que envolve
a presença da força centrífuga, o estudante penetra em uma nuvem
de raciocínios pouco claros e imprecisos para “decifrar” o enigma. Há
uma força fictícia no problema? O que é mesmo uma força fictícia?
Ela existe? É mesmo uma força? Mas se ela tem o mesmo módulo e
sentido contrário à força centrípeta, a soma das duas é zero? Então
o corpo se encontra em M. R. U., e não em uma curva? Elas formam
um par ação e reação? Imagine-se dormir com um barulho desses.
Podemos dizer que a confusão a respeito da questão do referencial
foi plantada mesmo no livro magistral de Isaac Newton, Philosophiae
Naturalis Principia Mathematica, publicado em Londres em 1687.
Ali Newton solucionou o problema do movimento que perturbava a
mente humana por cerca de 2000 anos, desde Aristóteles, pelo menos. De forma genial, Newton formulou uma teoria matematicamente
consistente (para isso Newton desenvolveu o Cálculo Diferencial) e
que resolveu de forma aparentemente definitiva a questão do movimento, chegando inclusive, magistralmente, à correta descrição do
movimento dos planetas e dos corpos celestes em geral. Havia, entretanto, um pressuposto na construção teórica de Newton, que embora
não leve necessariamente a nenhuma incorreção nesta teoria, necessita de uma discussão mais profunda, a fim de desfazer a confusão
Física | Mecânica Clássica
41
que em geral produz. Este pressuposto refere-se à própria concepção
do movimento, tendo conseqüência direta na questão do referencial,
como veremos neste Módulo. Este, por si só, já seria um fortissimo
argumento para que uma releitura do formalismo newtoniano fosse
feito. Mas existe ainda a questão da aparente simplicidade do conteúdo das leis de Newton, fato ilusório que em geral é responsável
por induzir os estudantes a freqüentes erros na interpretação e aplicação da teoria. Vamos então aproveitar a oportunidade deste Curso
para refinar nossa compreensão da teoria de Newton, tanto do ponto
de vista conceitual quanto prático, pois nos dedicaremos também a
resolver problemas que envolvam situações matematicamente mais
avançadas que aquelas encontradas no Curso Básico.
Antes mesmo de analisar as leis de Newton vamos tentar entender o conceito Newtoniano de força. Em sua teoria Newton considerava força como um agente, que atuando sobre uma partícula, fosse
capaz de alterar o seu estado de movimento. Assim, estando uma
partícula em repouso, esta sairia deste estado se um agente realizasse
uma ação sobre ela, e esta ação seria representada pela grandeza
força atuante sobre a partícula. O mesmo aconteceria em qualquer
outra situação em que fosse alterado o estado de movimento, ou a
velocidade, de uma partícula. Assim podemos já notar que em sua
teoria, Newton considerava força como o resultado de uma interação, alguém ou algo no ambiente deve atuar sobre a partícula para
que esta sofra a ação de uma força. Quer dizer, força pressupõe interação. Neste texto chamaremos de força de interação aquilo que era
entendido apenas como força por Newton e seus seguidores.
Vamos então à análise das leis de Newton, começando pela primeira lei, que foi assim enunciada pelo próprio Newton em sua
obra acima citada:
Lei I – Cada partícula permanece em seu estado de repouso, ou em
movimento retilíneo e uniforme, a não ser que seja compelida a alterá-lo por forças que atuem sobre ela.
Realmente, alguns autores consideram que tal lei pode mesmo
ser compreendida como uma definição qualitativa de força. De fato,
este é um ponto de vista coerente com a análise que fizemos anteriormente sobre o conceito de força usado por Newton ( assim como
Galileu e seus contemporâneos). Entretanto, partindo do princípio de
42
Mecânica Clássica | Física
que tal definição já fosse subentendida, esta pode ser vista como uma
definição da inércia, sendo por isso a primeira lei frequentemente
chamada de lei da inércia. Galileu já havia “compreendido” que os
corpos possuem esta propriedade, como se pode ver desta passagem
retirada de seu livro Discorsi Intorno a Due Nuove Scienze, de 1638:
Imagine uma partícula qualquer lançada sobre um plano horizontal, sem atrito; se o plano for ilimitado, a partícula se moverá sobre
ele com movimento uniforme e perpétuo.
É importante notar que a primeira lei também pode ser enunciada
em sua forma mais moderna como a lei da conservação do momentum:
É constante o momentum de uma partícula, a não ser que seja
diferente de zero a soma das forças que atuam sobre ela.
A segunda lei de Newton, ou o princípio do momentum linear,
como também é chamada, pode ser assim enunciada ( e de fato assim
o foi por Newton em seu Principia):
Lei II – A soma das forças que atuam sobre uma partícula é igual à
derivada temporal do seu momentum linear.
ΣF=ṗ
eq. 1
Debruçado sobre o trabalho experimental e matemático de Galileu, Newton relacionou de forma concisa a força com a aceleração,
conforme podemos ver matematicamente, escrevendo o momentum
linear como o produto da massa pela velocidade:
ΣF=
dp d(mv) dm
dv
=
=
v+m
dt
dt
dt
dt
Na situação particular em que a massa da partícula é constante
o primeiro termo do lado direito é igual a zero, e então (e só então) podemos escrever
Σ F = ma
eq. 2
que é a forma mais comum em que encontramos a segunda lei escrita. Enfatizando, foi Galileu Galilei quem, cerca de um século
antes de Newton e após uma criteriosa investigação experimental
descobriu que a força estaria relacionada com a aceleração e não
com a velocidade como até então se cria, desde a época de Aris-
Física | Mecânica Clássica
43
tóteles, o sábio grego que viveu a mais de três séculos antes de
Cristo. E Newton colocou esta relação como a relação central, em
certo sentido, de sua construção teórica.
Rigorosamente falando, Galileu concluiu a partir de suas investigações experimentais, que existia uma relação direta entre força
e aceleração, mas não usou a massa da partícula como a constante
de proporcionalidade entre ambas. Por outro lado, Newton, como
observamos anteriormente, escreveu sua segunda lei como na eq.1,
portanto, sem usar a forma que envolve a massa como na eq.2. A
massa, como na eq.2, só foi introduzida por Leonhard Euler, grande
físico suíço que viveu no século XVIII entre a Rússia e a Alemanha,
em um artigo seu datado de 1750, portanto quase um século após a
publicação do Principia de Newton.
Por fim, vale enfatizar que as forças presentes no enunciado da
segunda lei de Newton, não são fornecidas pela teoria da mecânica,
mas apenas pela experimentação. As formas das diferentes forças
(de interação) que existem na Natureza são investigadas e determinadas no laboratório, de forma experimental, e não como fruto
da teoria em que são utilizadas ( por exemplo, a força produzida
por uma mola esticada é determinada experimentalmente, e sabemos então que é do tipo –kx. O mesmo vale para todas as forças de
interação, peso, atrito, tensão, atração elétrica, etc.). Por isso, para
aplicar esta teoria ao movimento de uma partícula, é a experiência
que nos diz quais são as forças (e como são) que aparecem no lado
direito daquela equação. Sabendo disso, Newton deu enorme valor
a um princípio que ajuda de maneira muito valiosa na investigação
das forças que atuam sobre a partícula, e o colocou, por causa disso,
como terceiro princípio em sua construção:
Lei III – Sempre que uma partícula, 1, estiver exercendo uma força
sobre uma outra, 2, esta outra estará, também, reciprocamente, exercendo uma força sobre a partícula 1, e tais forças terão, sempre, normas iguais, mesma direção e sentidos opostos.
Embora pareça o mais simples de se compreender, este princípio induz muitos erros nos principiantes, principalmente porque
se esquece muito frequentemente, de um detalhe fundamental ali
presente: a afirmação diz respeito à interação entre DOIS corpos,
ou partículas. A ação que um corpo sofre tem por consequên-
44
Mecânica Clássica | Física
cia uma reação que atua em OUTRO corpo, portanto, este par de
forças NUNCA age sobre UM corpo apenas. Como um exemplo
simples de como se faz com facilidade muita confusão com este
fato vamos analisar a situação de um livro em repouso sobre uma
mesa, conforme ilustrado na figura abaixo.
N
P
Figura1
Nesta situação, como o livro encontra-se em repouso, o estudante
mais afoito entende que as forças peso e reação normal devem ser
iguais e opostas, e por isso, imediatamente as consideram um par
ação e reação. Entretanto, uma análise mais atenta o fará ver que a
força P é exercida pela Terra sobre o livro; portanto, a reação correspondente é uma força igual a –P que reage sobre o planeta, e NÃO
está representada na figura. O livro não se movimenta na vertical
porque A MESA exerce também uma força sobre o livro, de mesma
intensidade e direção que a força exercida pela Terra, mas de sentido oposto, e portanto, equilibrando a ação da força peso. Esta força
exercida pela mesa sobre o corpo possui uma reação, que é a força
exercida pelo corpo SOBRE A MESA, e que também não está representada na figura, visto que é o estado de movimento do livro que
estamos investigando, e não o estado de movimento da mesa!
Estas são as leis de Newton que constituem a base, o cerne, da
Mecânica Clássica, aquela que trata do movimento em situações
de velocidades baixas em comparação com a velocidade da luz
(caso contrário necessitamos da Mecânica Relativística) e em dimensões acima da escala atômica (caso contrário necessitamos da
Mecânica Quântica). Este quadro teórico, o conteúdo desta leis,
está longe de ser simples ou intuitivo, conforme uma primeira impressão possa sugerir. Rigorosamente, nem mesmo a compreensão
Física | Mecânica Clássica
45
do que seja a velocidade de um corpo em um determinado instante
é possível sem o auxílio do Cálculo Diferencial. Entretanto, existe
uma questão muito importante que precisamos tratar antes de dar
por encerrada esta discussão, que é questão do referencial, já citada anteriormente. Note, de passagem, que as leis anteriores, em
especial as duas primeiras, na forma que estão enunciadas, não fazem absolutamente nenhum sentido. Pois que sentido faz dizer que
uma partícula se encontra em repouso sem especificar em relação
a que, ou a quem? Vamos então direto à questão.
2.
O Movimento e o Referencial
Vamos iniciar esta análise com o conceito de movimento de Newton
na elaboração de sua Teoria. Do ponto de vista de Newton existiria
um espaço absoluto, no qual estaria embebido todo o Universo, e em
relação ao qual haveria o que ele chamou de movimento absoluto
(ou verdadeiro). Newton estava convencido de que só teria sentido
falar em movimento em relação ao espaço absoluto, e sua teoria tratava DESTE tipo de movimento. Vejamos em suas próprias palavras:
O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com
qualquer coisa externa,permanece sempre idêntico e imóvel. (Newton
– Principia, p. 6)
O movimento em relação a OUTROS referenciais, que se movem
em relação ao espaço absoluto, seria um movimento relativo (ou fictício), do qual sua teoria não trataria. A fim de ilustrar melhor sua
concepção, no próprio Principia ele examina uma experiência célebre, a experiência do balde d’água, em que mostra estar convencido
de que o movimento fictício não obedeceria seu tratamento teórico, e
portanto, suas leis não tratariam deste movimento. Em suas palavras:
Os efeitos que distinguem o movimento absoluto do movimento
relativo são as forças que agem sobre os corpos que giram, e que
tendem a afastá-los dos eixos de seus movimentos circulares. Pois
que, num movimento puramente relativo tais forças não existem, enquanto que num movimento circular verdadeiro e absoluto elas são
maiores, ou menores, de acordo com a intensidade do movimento.Se
um balde, suspenso por uma corda longa, for girado um grande número de vezes sobre si mesmo, de forma que a corda fique bastante
46
Mecânica Clássica | Física
torcida, e em seguida enchido com água e mantido em repouso juntamente com a água e, em seguida, pela ação brusca de uma força
for posto a girar no sentido oposto ao inicial, enquanto a corda for
se desenrolando por si mesma o balde continuará por algum tempo
o seu movimento, mas a superfície da água a princípio se manterá
plana, como era antes do balde começar a girar;mas, após o balde ir
gradualmente comunicando o seu movimento à água, ela começará
a girar sensivelmente e irá se afastando pouco a pouco do centro
e elevando-se nas bordas do balde, formando uma figura côncava
( como eu verifiquei), e, quanto mais rápido for se tornando o seu
movimento, mais alto a água irá se elevando, até que, finalmente,
realizando suas revoluções no mesmo tempo que o balde, ela ficará
em repouso relativamente a ele.Essa ascensão da água mostra o seu
esforço para se afastar do eixo do seu movimento, e o movimento circular verdadeiro e absoluto da água, o qual é aqui diretamente contrário ao relativo, torna-se conhecido e pode ser medido através de
tal esforço. No início, quando o movimento relativo da água no balde
era máximi, ele nãp produzia nenhum esforço para afastar do seu
eixo: a água não mostrava tendência alguma para se dirigir para a
circunferência, nem qualquer ascensão sobre a parede do balde, mas,
permanecia com sua superfície plana, e, portanto, o seu movimento
circular verdadeiro não havia ainda sido iniciado. Mas, em seguida,
quando o movimento relativo da água havia diminuído, a ascensão
sobre a parede do balde provava o seu esforço de se afastar do eixo de
rotação; e esse esforço mostrava o movimento circular real da água
crescendo continuamente até atingir o seu maior valor, quando, então, a água estava em repouso relativamente ao balde. E, portanto
tal esforço não depende de qualquer translação da água em relação
aos corpos locais, nem pode o verdadeiro movimento ser definido por
uma tal translação. Existe um único movimento circular real de um
corpo, correspondente a um determinado esforço de afastamento de
seu eixo de movimento, mas, movimentos relativos, correspondentes
a um mesmo corpo, são inumeráveis, conforme as várias relações
que ele mantenha com os corpos externos, e, semelhantemente a outras relações, são, em conjunto, destituídos de qualquer efeito real.
(Newton – Principia, p.10-11)
Esta concepção, aliada à primeira lei, fez com que por muito tempo
prevalecesse a idéia de que as leis de Newton só seriam válidas relativas a certo tipo de referencial. Este seria o espaço absoluto ou qual-
Física | Mecânica Clássica
47
quer outro que se mova com velocidade uniforme em relação a ele.
Pois como o movimento verdadeiro ( ao qual dizem respeito suas leis)
se dá em relação ao espaço absoluto e a primeira lei coloca em pé de
igualdade o referencial ligado ao espaço absoluto com outro que se
mova com velocidade uniforme em relação a este, é em relação a esta
classe de referenciais que são válidas as leis de Newton. Tal classe de
referenciais é modernamente chamada de referenciais inerciais. Assim, a Mecânica de Newton estaria restrita a descrever os movimentos
em relação a referenciais inerciais e, ainda, só compreenderia como
forças aquelas aqui chamadas de forças de interação.
Lembremos da observação feita, quando discutimos a segunda lei
de Newton, a respeito do conhecimento experimental que possuímos
a respeito das forças de interação. É importante frisar que o mesmo
conteúdo experimental se encontra na identificação dos referenciais
inerciais (uma vez que ninguém, até os dias atuais, localizou onde
se encontra o espaço absoluto). É através da experiência, somente
dela e dentro de certo grau de precisão, que sabemos, ou estabelecemos um referencial como inercial ou não. Por exemplo, sabemos
que a Terra não é um referencial exatamente inercial, pois que além
de percorrer uma trajetória elipsoidal em torno do Sol, ainda gira
em torno de seu próprio eixo. Entretanto, para a grande maioria dos
experimentos que aqui realizamos, e dentro de nossa precisão de
medidas, esta se pode considerar um referencial inercial. Quer dizer,
munidos das leis de Newton e considerando apenas a ação das forças
de interação, damos cabo “perfeitamente” das questões mecânicas
que nos rodeiam. Por outro lado, sabemos perfeitamente (é simples
de se detectar) que, por exemplo, quem se encontra no interior de
um jato em processo de decolagem, encontra-se em um referencial
não inercial (não é necessária grande precisão em medidas para se
verificar que as leis de Newton não são válidas ali, ao menos enquanto somente as forças de interação são levadas em conta).
Daí a grande confusão, por exemplo, que reina em relação à existência da força centrífuga. Parece que ela só existe no terreno dos
fantasmas, das coisas irreais. Ela é chamada inclusive de força fictícia. Esta é a realidade encontrada, por exemplo, na imensa maioria
de livros texto, seja de nível secundário seja de nível superior. Ou
seja, reina uma grande confusão no que diz respeito às bases da teoria de Newton, confusão esta que, diga-se de passagem, possui sua
origem no próprio trabalho de Newton. Entretanto, é bom lembrar
48
Mecânica Clássica | Física
que nunca faltaram discordâncias ao longo da história com esta
concepção newtoniana de movimentos absolutos. Mesmo em sua
época Newton encontrava críticos à sua altura que propunham uma
construção diferente e que eram, vemos agora, mais de acordo com
as teorias que se sucederam na Física, até mesmo as mais modernas,
como sabemos. Não que esteja errada, de forma alguma, a concepção de Newton (ao menos enquanto não pudermos comprovar EXPERIMENTALMENTE que o espaço absoluto não existe). Ocorre que
esta é uma hipótese que restringe bastante a teoria, além de tornar
mais confusa e limitada sua aplicação. Vejamos então que alternativa se tem para o espaço absoluto e os movimentos verdadeiros de
Newton (e de uma corrente newtoniana que ainda hoje propaga, embora sem o saber, sua hipótese absoluta).
Apenas para citar alguns, lembremos que se opunham ao conceito newtoniano de movimento já em sua época o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz ( 1646- 1716), o filósofo
irlandês George Berkeley ( 1685- 1753), já no século XIX o físico
escocês James Clerk Maxwell ( 1831- 1879), e o grande físico e filósofo austríaco, que deu enorme contribuição à concepção da Teoria
da Relatividade, Ernest Mach ( 1838- 1916). A tese prevalecente em
contraposição à idéia de Newton de espaço absoluto e movimento
verdadeiro é a de que TODO MOVIMENTO É RELATIVO. Pode até
mesmo existir tal espaço absoluto, mas este não é imprescindível
para se estudar o movimento. E partindo deste pressuposto, restanos responder apenas à questão: como descrever o movimento de
uma partícula no sentido mais geral, ou seja, sem restringi-lo a ser
“verdadeiro” ou “absoluto”? Quer dizer, do ponto de vista de um observador em um referencial qualquer, não necessariamente inercial?
Para isso, vamos recuperar a última equação do Módulo anterior, a eq. 18, apenas multiplicada por m, a massa da partícula,
em ambos os lados:
mA = ma + mAO + mw ×(w × r) + mẇ × r + 2mw × v
Ou melhor, escrevamos assim:
ma = mA - mAO - mw × (w × r) - mẇ × r - 2mw × v
eq. 3
Física | Mecânica Clássica
49
Vamos nos reportar à figura 8 do Módulo anterior, da qual derivamos a equação 18, e por conseqüência a equação 3 acima. Considere
que o referencial R’ seja um referencial inercial, ou seja, considere
que se possa escrever
mA = ∑Fint
como nos garante a segunda lei de Newton e vamos chamar de forças inerciais os quatro termos restantes no lado direito da equação
3, ou seja,
-mAO - mw ×(w × r) - mẇ × r - 2mw × v = ∑Finer
Podemos então escrever
Σ F = ma
eq. 4
Ou seja, esta equação, que é bastante semelhante com a que estabelece a segunda lei de Newton, vale em um referencial QUALQUER,
e não apenas nos inerciais. Só que agora, diferente da eq.2, temos
que ∑F = ∑Fint + ∑Finer, ou seja, as forças estão divididas em duas
categorias, as forças de interação, que já conhecíamos, e as forças
inerciais, que são apenas quatro, as assim chamadas:
E = -mAO → Força de Einstein
C = -mw ×(w × r) → Força Centrífuga
E* = -mẇ × r → Força de Euler
C* = -2mw × v → Força de Coriolis
Em resumo, a equação 4 é a segunda lei de Newton generalizada,
pois pode ser aplicada em QUALQUER referencial, para descrever
QUALQUER movimento. Ocorre que, caso o referencial em uso seja
inercial, esta se reduz à equação 2, a segunda lei de Newton usual
na literatura. O que nossa descrição tem de diferencial da descrição
inercial é que as forças que entram na equação de movimento são
as forças de interação MAIS as forças inerciais, que são no máximo
quatro, dependendo do movimento que o referencial em questão
possua em relação a um referencial inercial. Veremos logo adiante
exemplos de situações onde estas quatro forças ocorrem.
50
Mecânica Clássica | Física
O formalismo que estamos estudando, entretanto, é ainda o formalismo newtoniano. Apenas abrimos mão de uma hipótese (a da
existência de um espaço absoluto) que leva a limitações e interpretações confusas em prol de um outro argumento (a de que todo movimento é relativo) que torna a teoria mais clara, ampla e concordante
com pontos de vista mais modernos. Enquanto a “velha” teoria de
Newton leva a uma Física invariante ante transformações de Galileu ( transformações que levam de um referencial inercial a outro,
que se move com velocidade constante em relação ao primeiro ) essa
“nova” teoria Newtoniana leva a uma Física invariante ante uma
transformação mais geral que a transformação de Galileu (a Física
é a mesma em qualquer referencial). Por exemplo, esta interpretação
está de acordo com um postulado fundamental da Teoria da Relatividade Geral, o Princípio da Equivalência. Desta forma, resta compreender melhor os tipos de força que existem na Natureza, dentro
de nossa realidade Clássica (não-quântica e não-relativística). É o
que procuraremos fazer na última parte deste Módulo.
3.
As Forças na Mecânica de Newton
Conforme vimos anteriormente, as forças do formalismo newtoniano mais geral podem ser agrupadas em duas categorias, quanto à
sua natureza: as forças de interação e as forças inerciais. Enquanto
que as forças de interação possuem uma grande diversidade de tipos
e natureza as forças inerciais são apenas quatro. Por essa razão, faremos uma análise mais detalhada de situações que ilustrem o mecanismo das forças inerciais, até porque algumas delas são pouco
familiares mesmo ao estudante neste nível de Curso.
Forças de Interação
Basicamente, podemos separar as forças de interação em dois grandes grupos: as forças de contato e as forças de ação à distância. Como
forças de contato mais comuns temos as forças empurrar ou puxar
seja através de cordas, hastes, molas, superfícies, meios (viscosos),
etc. A cada uma delas cabe à experiência (como já dissemos anteriormente) a descrição mais detalhada de sua forma de ação. As forças de atrito, por exemplo, dependem da natureza atômico-molecular
Física | Mecânica Clássica
51
das superfícies envolvidas e podem, em geral, ser caracterizadas por
um coeficiente, que por sua vez pode variar com uma série de fatores ( temperatura, velocidade, etc.); dependem também, diz a experiência, da força normal exercida pela superfície de contato. A força
elástica exercida por uma mola tem, em certas circunstâncias, uma
forma funcional bastante interessante, do ponto de vista matemático
( a lei de Hooke). As forças de ação à distância, como o próprio nome
sugere, não exigem qualquer contato, e da mesma maneira, têm sua
forma de agir definidas pela experiência (a força gravitacional e a
força eletromagnética são os exemplos mais comuns). Vejamos algumas desta forças um pouco mais detalhadamente:
Peso
(1) O movimento dos corpos celestes era,
aparentemente, o grande problema que
motivou Newton em seus estudos. Tal
A força peso é a força que o planeta Terra exerce sobre os corpos na
proximidade de sua superfície. Na verdade, ela é uma aproximação
de uma força mais geral, que é a força de atração entre os corpos
que foi estudada em detalhes por Newton , e sua forma é dada na lei
de Newton da gravitação universal. Esta lei diz que corpos se atraem
com uma força que depende dos valores de suas massas e também da
distância entre eles. É da seguinte forma esta dependência:
movimento já intrigava o homem e tinha
importância vital desde a Antiguidade,
F=G
quando começou a se desenvolver a agricultura. A contagem do tempo e das estações eram problemas importantes, que
se baseavam principalmente nestes movimentos. Eram muitas as “teorias” que
tratavam de explicar tais movimentos, a
maioria delas de cunho místico ou religioso. A importância deste conhecimento
ficou muito maior na época de Newton,
celestes eram de grande utilidade. Ao descobrir que as mesmas leis que regem o
movimento de uma maçã ao cair de uma
árvore também regem os movimentos dos
planetas, Newton decifrou um grande
enigma para a Humanidade.
52
Mecânica Clássica | Física
r2
onde G é uma constante universal, m1 e m2 são os valores das massas dos corpos e r é a distância entre eles. Esta força tem a direção
da reta que liga os dois corpos e é SEMPRE atrativa. Newton mostrou que esta força, que ocorre entre corpos como um pássaro e um
elefante, é a mesma que ocorre entre a Terra e a Lua, ou entre um
planeta e o Sol (1). Observe o que ocorre se calculamos o valor desta
força quando um dos corpos é o planeta Terra e o outro é uma mesa,
por exemplo, situada no nível do solo. Teremos:
em que as Grandes Navegações se tornavam mais e mais comuns, e os mapas
m1m2
F=G
mTm
R2
onde agora mT é a massa da Terra, m é a massa da mesa, e R é a
distância entre os dois, que é igual ao raio da Terra. Se você consultar uma tabela verá que o raio da Terra é da ordem de 6 mil km,
ou 6 x 106 m. Note que o fato da mesa se encontrar no nível do
solo, ou a bordo de um avião a 10 km de altura, não muda muito
o valor desta força, pois trocaríamos o denominador de maneira
insignificante para o resultado, que é o valor da força. Por essa razão, resolveu-se adotar o nome de peso para a força gravitacional
que os corpos em nossa vizinhança sofrem pela atração gravitacional do planeta. Na expressão acima chamamos de P a força F, de
g a constante (GmT)/R2, e a força peso adota a forma mais simples
P = mg
Aqui g é uma constante, independente do corpo, e chamada de
aceleração da gravidade. Naturalmente, esta força tem a direção da
perpendicular ao solo, ou seja, a vertical do lugar, e o sentido que leva
para baixo. É importante observar que a constante g não depende do
corpo, sendo a mesma para todos os corpos na proximidade da superfície da Terra. Vem daí a freqüente confusão entre massa e peso,
pois o valor da força peso é proporcional ao valor da massa do corpo.
A constante g tem unidade de aceleração, m/s2, e valor aproximado
igual a 10. Vejamos porque é chamada de aceleração da gravidade.
Suponha que um corpo encontra-se sujeito à ação única e exclusiva da atração gravitacional, próximo à superfície da Terra.
Então a força peso é a única a atuar sobre o corpo. A segunda
lei de Newton então informa (tomemos o eixo y na vertical com
sentido para cima) que
P = ma → -mgj = ma → a = -gj
Portanto, independente do valor de sua massa, todo corpo deixado
sob a ação apenas da força peso, move-se com uma aceleração igual
a 10 m/s2, que é a aceleração da gravidade.
Forças de Contato
Sempre que uma partícula se encontra em contato com uma superfície, ela sofre uma interação com a superfície que possui duas
componentes distintas: uma componente perpendicular (ou normal) à superfície, que depende de quanto a partícula “empurra” a
superfície, e outra componente que é tangente à superfície, que depende da natureza do atrito entre a partícula e a superfície. A assim
chamada força normal é uma reação (3a lei!) à força que a partícula
imprime sobre a superfície.
Física | Mecânica Clássica
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Por outro lado, sempre que a partícula faz uma força tangente à superfície no sentido de deslizar sobre esta, a superfície reage (3a lei!) fazendo sobre a partícula uma força de mesmo módulo e sentido oposto
àquele do movimento, e que é chamada de força de atrito. Verificase experimentalmente que o módulo da força de atrito é diretamente
proporcional à força normal, e tal proporcionalidade é representada
por uma constante que depende da natureza das superfícies em contato. Em módulo esta força pode ser representada assim:
Fatr = μN
Esta constante de proporcionalidade, chamada de coeficiente de
atrito, possui dois valores distintos, o que se verifica experimentalmente: μe, que é o valor do coeficiente de atrito estático, refere-se
à situação de iminência de movimento, antes que o corpo se movimente, e μc , que é o valor do coeficiente de atrito cinético, que
refere-se à situação em que o movimento está ocorrendo.
Forças Elásticas
As molas (ideais) produzem um tipo de força especial, chamada
força elástica, do seguinte tipo: quando uma mola se encontra deslocada de sua posição natural, esta exerce uma força na direção de
seu comprimento, porém no sentido oposto à sua deformação, que
é proporcional ao comprimento deformado (comprimido ou alongado). A constante de proporcionalidade é característica de cada
mola, e é chamada de constante elástica. Temos
F = -kx ,
onde o sinal negativo serve para indicar a oposição ao deslocamento, e k é a constante elástica.
Cordas
As cordas só produzem forças quando tensionadas, e estas forças
têm sempre a direção da própria corda. Em geral lidamos com cordas inextensíveis e de massa desprezíveis, aproximação válida num
curso inicial como o nosso, a fim de evitar dificuldades como um
comprimento variável, ou ter que tratar do movimento da corda.
54
Mecânica Clássica | Física
Uma característica fundamental e que faz a única diferença entre
as forças de interação e as forças inerciais, do ponto de vista físico,
é que as forças de interação são, assim como as leis de Newton, invariantes ante a mudança de referenciais. Se uma força de interação
atua sobre uma partícula do ponto de vista de um observador, situado em determinado referencial, ela existirá da mesma forma para
outro observador em QUALQUER que seja o referencial em que este
esteja. Naturalmente, o mesmo já não vale para as forças inerciais.
Exemplos
1) Uma pequena esfera metálica é atirada verticalmente, de cima
para baixo, sobre a superfície de um lago. A esferazinha atravessa
essa superfície e continua a se mover no interior da água. Diz a experiência que quando uma esfera se move no interior de um líquido,
este exerce sobre ela, além da força de Arquimedes (empuxo), uma
força de resistência ao avanço, R, força esta que é de sentido oposto
ao da velocidade v da esfera e de norma proporcional à dessa velocidade. Sabendo que a densidade do material da esferazinha é igual
à da água do lago e que é igual a λ o fator de proporcionalidade que
figura na relação que existe entre ‖R‖ e ‖v‖, e sabendo, mais, que é
igual a v0 a norma da velocidade da esferazinha imediatamente após
ter atravessado a superfície da água do lago, calcule: 1) a velocidade
escalar da esferazinha em função de sua profundidade; 2) o tempo
transcorrido desde o instante em que a esferazinha atravessou a superfície da água do lago até o instante em que ela atingiu um ponto
situado a uma profundidade h.
Solução
1) Como o movimento é unidimensional (vertical) vamos escolher um
eixo Ox vertical, solidário à Terra, com origem na superfície do lago, e
dirigido para baixo, para especificar a posição da esfera, como ilustra
a figura abaixo. Ali também estão indicadas as forças (de interação,
pois estamos supondo a Terra um referencial inercial)) que atuam sobre a esferazinha numa posição genérica do lago. Estas são: a força
peso P, a força de Arquimedes (empuxo) A, e a força R de resistência
ao avanço. Tendo em conta a segunda lei de Newton (eq.1, ∑F = ṗ ⇒
∑Fx = m ) e a figura podemos escrever imediatamente que:
P-A-R=m
Física | Mecânica Clássica
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Ou seja, tendo em conta que foi informado que P = A e R = λv:
-λv = mx
eq. i
o
A
R
x
P
x
Bem, como buscamos uma relação entre velocidade v e posição
x, podemos usar que
x=v=
dv
dv dx
dv
=
=
v
dt
dx dt
dx
que inserido na eq.i resulta em
-λdx = mdv
⇒
-λx = mv + c
Donde, tendo em conta que v = v0 no ponto x = 0, vem finalmente que
λx
v = vo - m
eq. ii
2) De um ponto situado na superfície da Terra deve ser disparado
um projétil, verticalmente de baixo para cima. Calcule qual deve ser
o valor de sua velocidade inicial a fim de que ele atinja uma altura
h acima do ponto de lançamento. Supõe-se desprezível a resistência
oferecida pelo ar ao movimento do projétil e sabe-se que o raio e a
massa da Terra valem respectivamente R e M e que a constante da
gravitação universal vale G. Observação: a altura h, no caso, não é
irrelevante em relação ao raio da Terra.
56
Mecânica Clássica | Física
Solução
Como o movimento é supostamente unidimensional vamos escolher apenas um eixo de coordenadas Ox ligado à Terra, suposta ela
o referencial inercial em questão. Agirão então apenas forças de interação sobre o projétil, e como estão excluídas as forças de atrito
apenas o peso P será levado em conta. De acordo com a segunda lei
de Newton (eq.1, ∑F = ṗ ⇒ ∑Fx= mẍ) e a convenção de sinais estabelecida na figura abaixo podemos escrever que:
-P = mẍ
Donde, tento em conta que
x
A
R
O
P = GMm/x2
dv
dv dx
dv
x=v=
=
=
v
dt
dx dt
dx
Podemos então escrever que
-GMm/x2 = m dv v
dx
vdv = -GM dx2
x
O que nos leva ao resultado desejado através de uma simples integração:
0
v0
vdv = -GM
R+h
R
dx
x2
v0 = 2GMh / [R(R + h)]
3) Dois pontos da superfície da Terra, suposta esférica e homogênea,
são ligados por um tubo cilíndrico, de seção reta circular. Uma pequena esfera, de diâmetro igual ao da seção reta do túnel, é abandonada numa das extremidades do túnel. Supondo irrelevante a
resistência oferecida pelo ar ao movimento da esfera, assim como o
Física | Mecânica Clássica
57
atrito entre ela e as paredes do túnel, e sabendo que a força de atração gravitacional exercida pela Terra sobre uma partícula situada num
ponto não exterior à superfície terrestre é dirigida para o centro da
Terra e é proporcional à distância desse centro à partícula, e sabendo,
mais, que o comprimento do túnel é igual a 2A: 1) ache a equação de
movimento da esferazinha (escolha como data inicial, t = 0, a data em
que a esferazinha foi abandonada numa das extremidades do túnel);
2) demonstre que o tempo gasto pela esferazinha para ir de uma à outra extremidade do túnel não depende do seu comprimento.
Solução
1) Na figura abaixo está indicado o sistema de eixos cartesianos escolhido, ligado à Terra, suposta o referencial inercial em questão: origem
coincidente com o centro da Terra, eixos Ox e Oy respectivamente
perpendicular e paralelo ao túnel. As forças de interação em ação são
apenas a força de atração gravitacional f e a força de reação vincular
normal n exercida pelas paredes do túnel. Tendo em conta então a segunda lei de Newton (eq.1, ∑F = ṗ ∑Fy = m ) podemos escrever:
-fsinθ = my
eq. i
y
R
f
θ
0
n
x
z
Representando por r a distância do centro da Terra (origem cartesiana O) ao ponto onde está a esferazinha na data genérica t, e
por y a ordenada desse ponto, podemos escrever, tendo em conta a
figura e a informação fornecida no enunciado da questão de que f
é proporcional a r, que:
sinθ = y / r
f = λr
58
Mecânica Clássica | Física
fsinθ = λy
(λ = cte > 0)
Substituindo este resultado na eq.i temos
my + λy = 0
y + w2y = 0
eq. ii
Onde usamos
λ⁄m = w2
Esta é a equação de movimento da esferazinha.
2) A eq.ii é uma equação diferencial de segunda ordem cuja solução
geral é da forma
y = c1eiwt + c2e-iwt
Com as condições iniciais fornecidas (y(0) = A e ẏ (0) = 0) podemos determinar as constantes arbitrárias desta solução geral e colocar a solução no formato final
y = Acoswt
Esta solução nos mostra que a esferazinha se move no túnel com
movimento periódico, de período τ = 2π⁄w. Consequentemente, para
ir de um extremo do túnel até o outro, gastará um tempo T = ½τ, ou
seja, um tempo:
T = �/w = � m/λ
O que prova que o tempo que ela gasta para ir de um extremo do
túnel até o outro independe do comprimento do túnel, uma vez que
nem m nem λ dependem desse comprimento, q. e. d.
4) Um bloco de massa m está sendo arrastado sobre um plano horizontal. O coeficiente de atrito de deslizamento entre o bloco e o
plano de apoio é igual a μ e a velocidade do bloco é mantida constante. O bloco está sendo arrastado com auxílio de um fio a ele ligado e se verifica que é possível manter o movimento retilíneo e
uniforme qualquer que seja o ângulo θ que o fio faça com a horizontal, exceto ½ π; verifica-se, também, que a norma da tração que
Física | Mecânica Clássica
59
o fio deve exercer sobre o bloco, para manter constante a sua velocidade, é função do ângulo θ. Pois bem: o problema que proponho é
calcular para qual valor de θ é mínima a norma da tração exercida
sobre o bloco e qual o valor dessa norma mínima.
Solução
Na figura estão representadas as forças (de interação) que atuam
sobre o bloco. Tais forças são: o peso P, exercida pela Terra; a tração T exercida pelo fio, e a reação vincular exercida pelo plano de
apoio, que já representamos, como é usual, decomposta em duas: a
normal N e a tangencial (força de atrito) A. [Escolhemos um sistema
de eixos cartesianos Oxy solidário à Terra, suposta um referencial
inercial, sendo Ox horizontal e Oy vertical e dirigido de baixo para
cima.] Queremos obter T como função de θ a fim de poder calcular
para qual valor de θ tem-se T = mínimo.
y
T
N
θ
A
O
x
P
Ora, tendo em conta que, de acordo com a informação fornecida
é nula a aceleração do bloco, podemos escrever imediatamente, de
acordo com a primeira (ou a segunda) lei de Newton, que:
∑F = 0
∑Fx = 0
Tcosθ - A = 0
∑Fy = 0
Tsinθ + N - P = 0
Donde, tendo em conta que P = Mg e A = μN, vem que:
T = μmg ⁄ (cosθ + μsinθ)
Donde, finalmente, vem que o valor de θ para o qual T é mínima
é o seguinte: Θ = arctan μ; e o valor mínimo de T é:
T = µmg / 1 + µ2
60
Mecânica Clássica | Física
5) Um bloco de massa m está preso a uma das extremidades de
uma mola, de constante igual a k e massa desprezível, cuja outra
extremidade está presa a um suporte fixo. Afasta-se o bloco da sua
posição normal de equilíbrio até outra posição situada verticalmente abaixo, onde o bloco é abandonado. Escolha um eixo cartesiano Ox, fixo em relação à Terra, suposta um referencial inercial,
e cuja origem seja o ponto correspondente à posição de equilíbrio
do bloco. Escolhendo como instante inicial o instante em que o
bloco foi largado e sabendo que nesse instante se tem x = A > 0 e ẋ
= 0: 1) calcule onde estará o bloco numa data genérica t, isto é, encontre a equação da posição do bloco; 2) prove que o movimento
do bloco é periódico e calcule o seu período.
Solução
1) Na figura estão representadas as forças (de interação) que atuam
sobre o bloco, numa data genérica t. Tais forças são apenas o seu próprio peso P = Mg, força exercida pela Terra sobre o bloco, e a força T
exercida pela mola. Então, tendo em conta a segunda lei de Newton
(eq.1, ∑F = ṗ ⇒ ∑Fx = mẍ), podemos escrever imediatamente que:
mg - T = mẍ
O
T
x
P
x
De acordo com a lei de Hooke, e tendo em conta a informação de
que a origem O do eixo Ox corresponde à posição de equilíbrio do
bloco, pode-se escrever que:
T = mg + kx
Levando esta informação para a equação anterior temos:
mẍ + kx = 0
Física | Mecânica Clássica
61
Que é a equação diferencial do movimento do bloco, cuja solução
geral é a função:
x(t) = c1eiwt + c2e-iwt
Donde, tendo em conta as condições iniciais dadas (x(0) = A e ẋ
(0) = 0, temos:
x(t) = Acoswt, w2 = k⁄m
2) Esta solução já prova que o movimento é periódico e mostra que o
seu período τ tem um valor igual a 2π/w, isto é, mostra que se tem que:
T = 2� m / k
Forças Inerciais
Enquanto que as forças de interação são determinadas exclusivamente
pela experiência, as forças inerciais são definidas pelo estado de movimento do referencial em que se esteja relativo a um referencial inercial. Por exemplo, a força inercial que existe em um referencial que
se encontra acelerado em relação a um referencial inercial com aceleração AO, mas em movimento puramente translacional (ou seja, w =
0) será apenas a força de Einstein, conforme definida anteriormente.
Outra característica muito interessante das forças inerciais é que estas
são de apenas quatro tipos. Quer dizer, o pior que pode acontecer, ou o
que a mais infeliz das escolhas de referencial pode acarretar, é adicionar quatro forças extras àquelas consideradas por um observador em
um referencial inercial. Mas em geral, apenas uma ou duas das quatro
possíveis é adicionada. Vamos estudar detalhadamente:
Força de Einstein
N
T
A
P
Figura 2a
62
Mecânica Clássica | Física
N
E
A
T
P
Figura 2b
Vamos convencionar aqui que uma silueta feminina representará,
em nossas figuras, um observador em um referencial supostamente
inercial, enquanto que uma silueta masculina representará um observador em um referencial não-inercial. Isto posto, vamos analisar
a figura 2 a. Nela está representado o vagão de um trem que passa
acelerado, com aceleração A, por uma observadora ligada ao solo,
suposto um referencial inercial. Esta observa que no interior do vagão há uma mesa e sobre esta uma esfera de massa m em repouso
em relação ao vagão. Nota ainda que, presa à esfera está uma mola
esticada, com a outra extremidade presa à parede do vagão. Esta observadora também sabe que existem outras duas forças de interação agindo sobre a esfera, o peso P, e a reação normal N, a primeira
sendo uma força (de ação à distância) exercida pelo planeta e a segunda uma força (de contato) exercida pela mesa. E como sabe que
estas duas forças têm o mesmo módulo, a observadora descreve o
movimento acelerado da esfera como sendo conseqüência da força
resultante T que é a força que a mola exerce sobre a esfera. Escreve
então a equação de movimento para a esfera como
T = mA
Na figura 2 b encontramos a mesma esfera sendo observada por
um observador solidário ao vagão. Como se encontra em um referencial não inercial em movimento de translação acelerado com
aceleração A relativa a um referencial inercial, este observador nota,
além das forças de interação N, P e T que existiam para a primeira
observadora (as forças de interação são invariantes sob mudança de
referencial, já o sabemos), a força de Einstein E representada na figura. E como para este observador a esfera encontra-se em repouso,
Física | Mecânica Clássica
63
ele conclui que é nula a soma das forças que agem sobre ela. Ele
conclui então, que E=-T, portanto,
E = -mA
A força de Einstein é uma força muito familiar a todos nós, certamente a força inercial mais presente à nossa experiência cotidiana.
Ao viajar em qualquer veículo que possua uma aceleração maior,
como um avião, ou uma motocicleta, até mesmo automóveis ou ônibus, todos sentimos a necessidade de se segurar quando de uma freada ou aceleração mais brusca. E não parece adequado supor que
esta seja uma força “fictícia”, uma vez que sentimos na própria pele
as conseqüências destes empurrões ou puxões, se não nos seguramos
a fim de anulá-los. É esta a força que na Teoria da Relatividade Geral
se afirma ser equivalente à força peso.
Força Centrífuga
ω
Figura 3a
Figura 3b
Na figura 3a está representado um disco horizontal, visto de
cima, em repouso em relação à Terra, suposta um referencial inercial. Sobre o disco está uma esfera de massa m ligada a quatro molas idênticas, que nesta situação encontram-se dispostas de forma
simétrica e relaxadas, ou seja, nem esticadas nem comprimidas.
Uma observadora ligada à Terra verifica que as únicas forças ( de
interação) aplicadas à esfera são seu peso P e a reação normal N
do disco sobre a esfera ( ambas verticais). Como não há movimento
vertical, conclui que P + N = 0.
Na figura 3b o mesmo disco agora está girando com velocidade
w constante em torno de um eixo vertical passando por seu centro.
64
Mecânica Clássica | Física
A nova configuração das molas leva a observadora inercial concluir
que agora existe uma força resultante da ação das molas, força esta
no plano horizontale que, pela configuração simétrica das molas,
está dirigida ao centro do disco: as molas dispostas radialmente,
uma esticada e a outra comprimida, resultam numa força dirigida ao
centro, enquanto que as molas transversais, igualmente esticadas,
possuem soma também dirigida para o centro. Ao mesmo tempo,
ele observa que a esfera possui um movimento circlar e uniforme,
de raio R e velocidade angular w. Portanto, observa que esta possui
acelelação centrípeta de módulo ‖A‖ = w2R = v2/R . Então ela pode
escrever que a força M das molas está relacionada com a aceleração
centrípeta como M = mA . Quer dizer, a força centrípeta necessária
para manter a esfera em movimento circular uniforme é dada pela
força que as molas exercem sobre a esfera.
Entretanto, um observador ligado ao disco girante, que é um observador não inercial, nota que, em relação a ele, a esfera se encontra em repouso. Como as forças de interação são as mesmas para ele,
haverá alguma força que equilibre a força M das molas. Esta força C,
que existe para este observador não inercial, pode ser então descrita
como oposta à força das molas, portanto dirigida para fora do centro
do disco e de módulo ‖C‖=w2R. Você pode verificar que esta força corresponde, na forma vetorial, à expressão que derivamos anteriormente
C = -mw ×(w × r)
e que denominamos como força centrífuga.
A força centrífuga também surge com bastante freqüência em
nossa experiência cotidiana. Sempre que percorremos uma curva, em
especial em velocidades mais altas, no interior de um móvel, sentimos
o corpo sendo “puxado” para fora do veículo, e em geral sentimos que
as paredes deste nos “empurram” para dentro e anulando o efeito da
força centrífuga, que de outra forma nos levaria a “cair” do veículo
em movimento. Da mesma forma ela está presente quando empurra a
roupa contra a parede em uma máquina de lavar e desta maneira “espreme” a água da roupa. Também em diversos brinquedos de parque
de diversão é possível “experimentar” a força centrífuga.
Física | Mecânica Clássica
65
Força de Euler
Suponha agora que o disco girante representado na figura 3 b sofra uma aceleração angular α. Tal situação está representada na
figura 4. Vejamos como ficam as análises de nossos dois observadores nesta nova configuração.
A observadora ligada à Terra, que estamos supondo como um referencial inercial, observa a esfera com movimento circular acelerado,
sujeita às mesma forças de interação P e N que atuavam na situação
anterior, e que da mesma forma se anulam. Porém sujeita a outra força
resultante da ação das molas, R’. Também observa, por outro lado,
que além da aceleração centrípeta, que ela pode escrever como AN =
-w2RN̂ , onde N̂ é o unitário segundo a normal à trajetória, apontando
para fora da curva, a esfera também possui uma aceleração tangencial
dada por AT = αRT̂ onde T̂ é o unitário tangente à trajetória. Ou seja,
ela escreve a seguinte equação de movimento para a esfera:
R’ = mA →
R’T = mẇR
R’N = -mw2R
ω
Figura 4
O observador ligado ao disco nota, entretanto, que a esfera permanece parada em relação a ele. Sabe então que além das forças de
interação P e N que se cancelam na direção vertical, e da força inercial C , a força centrífuga, que cancela a ação das molas na direção
radial, existe uma segunda força inercial, que cancela a força tangencial exercida pelas molas, e esta força E*, chamada força de Euler
deve então ser tal que
E* = -mẇ × r
66
Mecânica Clássica | Física
conforme você pode confirmar fazendo o produto vetorial neste caso.
A força de Euler não é tão comum ou perceptível quanto as forças
inerciais anteriores, embora não seja difícil senti-la em situações
onde se aumente ou diminua sensivelmente a velocidade de rotação
num brinquedo, por exemplo, onde você se encontre.
Força de Coriolis
A quarta e última força inercial que iremos analisar é a única que depende de a partícula estar se movimentando em relação ao observador
não-inercial, pois possui em sua expressão a velocidade v, relativa ao
referencial não inercial. Nossa análise, embora mais qualitativa, fornecerá um caminho para compreender como esta força age. Para isto
considere um disco circular e horizontal, mais uma vez, girando com
velocidade w e agora com uma pequena esfera de massa que é lançada, a partir do centro do disco, com uma velocidade horizontal V0
em direção a um ponto A na borda disco. Desprezando quaisquer irregularidades ou atritos que possam perturbar o movimento da esfera,
vamos analisá-lo do ponto de vista de nossos observadores.
A observadora ligada ao referencial inercial observa a esfera sendo
lançada a partir do centro do disco com velocidade V0 (figura 5 a)
que não se altera ( a soma das forças que agem sobre a esfera, P e N,
é nula!) até que ela, após percorrer uma trajetória retilínea enquanto
o disco gira sob ela, alcança um ponto B diferente de A (figura 5 b).
ω
0
A
V0
Figura 5a
A
ω
0
B
Figura 5b
Física | Mecânica Clássica
67
E o que verá o observador ligado ao disco? Vejamos as figuras:
ω*
0
ω*
0
A
v0
Figura 6a
A
B
Figura 6b
O observador não considera que seu referencial esteja se movendo, mas sim o “cenário” externo se encontra girando com velocidade angular w* = -w. E de seu ponto de vista a esfera descreve
a estranha curva mostrada na figura 6 b até atingir o ponto B. Ele
percebe que uma força muda a direção da velocidade a cada ponto
da trajetória. Sabemos que neste referencial não existe a força de
Einstein (não há aceleração de nenhum ponto do disco em relação
ao solo), nem a força de Euler (a velocidade de rotação é constante).
Enquanto que a força centrífuga existe, mas tem a direção radial em
cada ponto, a única força responsável pela mudança de direção da
partícula é a força de Coriolis, que como sabemos é da forma
C* = -2mw × v
Realmente, esta força perpendicular à trajetória da esfera em cada
ponto de sua trajetória é a responsável pela estranha trajetória observada naquele referencial (figura 7).
68
Mecânica Clássica | Física
ω
ω* = -ω
0
v
C
A
B
Figura 7
A força de Coriolis tem sua manifestação mais evidente e popular relacionada a uma característica que envolve o movimento de
grandes massas de ar em nossa atmosfera. É sabido que os ciclones e
todos os grandes deslocamentos de ar da atmosfera que ocorrem no
hemisfério Norte do planeta possuem vorticidade orientada no sentido anti-horário, ao contrário do que ocorre no hemisfério Sul, onde
o sentido do giro é o dos ponteiros do relógio. Presume-se que este
seja um efeito notável da força de Coriolis, originada no fato de a
Terra ser um referencial dotado de velocidade angular. O mesmo fato
justifica os pequenos desvios na verticalidade dos objetos em queda
próximos à superfície do planeta. Ao cair os objetos têm sua trajetória desviada da vertical por uma pequena deflexão, que é difícil de
ser medida devido à presença, em geral, de vários fatores perturbadores da experiência tais como a presença de ventos, a resistência do
ar e etc. Para se ter uma idéia, é fácil calcular qual seria a deflexão
sofrida para uma queda de 100m de altura na região do Equador terrestre (onde a deflexão é máxima): seria de cerca de 2cm!
Exemplo
6. Uma pequena esfera metálica pode se mover sem atrito no interior de um tubo cilíndrico, de seção reta uniforme, que gira com
velocidade angular constante, w, em torno de um eixo vertical, ∆,
fixo em relação à Terra, suposta um referencial inercial. Sabendo
que o tubo forma com a vertical do lugar um ângulo θ, calcule em
que ponto do interior do tubo a esfera poderá ficar em equilíbrio,
relativamente ao próprio tubo.
Física | Mecânica Clássica
69
Solução
Visando a obter uma mais profunda compreensão das leis da Mecânica, vamos resolver o problema do ponto de vista de um observador
inercial e do ponto de vista de um observador não-inercial.
Solução do observador inercial
Solução do observador não-inercial
T
T
Y ∆
Y ∆
ω
P
θ
O sistema cartesiano OXY, indicado na figura acima é, por hipótese, solidário à Terra (suposta,
ela mesma, um referencial inercial) e é tal que o eixo OY coincide com o eixo ∆ em torno do
qual o tubo gira. Na figura estão representadas as forças que
atuam sobre a esferazinha, suposta já estar na posição em que
fica em equilíbrio relativamente
ao tubo. Como o referencial utilizado (a própria Terra) é, por hipótese, inercial, sobre a esferazinha
atuarão apenas forças de interação, as quais são apenas o próprio peso P da esferazinha e a
força T exercida pelo tubo.
Sob a ação dessas forças a esferazinha está se movendo, com
uma aceleração A (relativa à
Mecânica Clássica | Física
P
θ
X
70
C
ω
X
O sistema cartesiano oxy indicado na figura acima é, por
hipótese, fixo no referencial R
solidário ao tubo que gira em
relação à Terra (suposta, ela
mesma, um referencial inercial) e
é tal que o eixo oy coincide com
o eixo ∆ em torno do qual o tubo
gira. Na figura estão representadas as forças que atuam sobre a
esferazinha, suposta já estar na
posição em que fica em equilíbrio relativamente ao tubo. Uma
vez que o referencial R é nãoinercial, sobre a esferazinha atuarão forças inerciais, além das
de interação P e T. Escolhendo
para pólo dos vetores-posição a
origem cartesiana o (coincidente
com o extremo inferior do tubo,
e que estamos supondo perten-
Terra), descrevendo uma circunferência horizontal, de raio ρ=r
sinθ, onde r é a distância da esferazinha ao extremo inferior do
tubo (extremo este que estamos
supondo pertencer ao próprio
eixo ∆ de rotação do tubo).
Tendo em conta a segunda lei
de Newton, podemos escrever que:
∑F = mA ⇒ ∑Fn = mAn (i)
onde com ∑Fn estamos indicando
a soma das componentes normais (à trajetória) das forças que
atuam sobre a esferazinha e com
An a componente normal da sua
aceleração. Como, no caso, An =
w2 ρ, vem, da i, e tendo em conta
a figura, que:
cer ao próprio eixo de rotação
∆), ter-se-á que a única força
inercial a atuar sobre a esferazinha será a força centrífuga
C=-mw×(w×r). Sob a ação dessas forças a esferazinha está em
equilíbrio, relativamente ao
referencial R solidário ao tubo.
Então, tendo em conta a primeira lei de Newton, podemos
escrever que:
∑F = 0 ⇒ ∑fα = 0 (i)
Tcosθ= mw2ρ (ii)
Onde com ∑fα estamos indicando a soma das componentes,
em relação a um eixo α coincidente com o eixo de simetria do
tubo, das forças que atuam sobre
a esferazinha.
Da i, e tendo em conta a figura, vem que:
Tendo em conta, agora, que
C sinθ - Pcosθ = 0
Ay = 0 → ∑Fy = 0
E tendo em conta também a figura
e o fato de que P = Mg, vem que:
Tsinθ - mg = 0 (iii)
De ii e de iii vem que
ρsinθ = (gcosθ) ⁄ w2
Donde, tendo em conta que
C = mw2ρ e P = Mg, vem que:
mw2ρ sinθ = mgcosθ
donde ainda, tendo em conta
que da figura se vê que ρ = r
sinθ, vem finalmente que:
r = (gcotθ) ⁄ (w2sinθ)
Donde, finalmente temos:
r = (gcotθ) ⁄ (w2sinθ)
Física | Mecânica Clássica
71
Exercícios
1) O carro representado na figura está percorrendo uma estrada
retilínea e horizontal, movendo-se com uma aceleração constante
A dirigida da esquerda para a direita. Fixo ao carro existe uma
rampa cujas retas de máximo declive pertencem a planos verticais paralelos ao eixo da estrada. Uma pessoa que viajava no
carro observou que uma esfera homogênea sendo abandonada
sobre a rampa permanecia imóvel em relação à rampa. Calcule o
ângulo que a rampa forma com a horizontal.
2) A figura abaixo é, supostamente, a reprodução de uma fotografia de um trecho de uma estrada, e a situação que foi fixada
na fotografia é a seguinte: o automóvel da esquerda estava percorrendo um trecho horizontal, o do centro estava passando no
ponto mais baixo de uma depressão e o da direita estava passando no ponto mais alto de uma elevação.
Sabendo que os carros eram idênticos e estavam igualmente carregados e com a mesma velocidade, e supondo momentaneamente
desprezíveis os atritos, calcule qual dos carros estava exercendo
sobre a estrada a força de norma maior.
72
Mecânica Clássica | Física
3) Um automóvel de massa m está atravessando uma ponte cujo raio
de curvatura correspondente ao seu ponto mais alto vale R. Sabendo
que a concavidade da ponte é voltada para baixo, que vale h a altura
do centro de massa do automóvel, relativa ao plano de apoio das rodas, e que a velocidade escalar do automóvel ao passar no ponto mais
alto da ponte vale v, calcule a norma da reação vincular normal N
que a estrada estará então exercendo sobre ele.
N
v
P
4) Uma partícula de massa m está percorrendo o ramo superior da
seguinte trajetória parabólica:
y2 = 2λx
z=0
λ = cte
Sabendo que x > 0 e que ẋ = α =cte, onde ẋ é a componente, em
relação ao eixo Ox, da velocidade da partícula, calcule a resultante
das forças que atuam sobre ela num ponto genérico de sua trajetória.
5) O corpo C, de pequenas dimensões, representado na figura ao
lado, escorrega sem atrito, a partir de uma altura h, sobre uma superfície cujo ponto mais baixo tem tangente horizontal.
C
δ
h
Y
D
X
Física | Mecânica Clássica
73
Ao passar por esse ponto mais baixo da superfície o corpo aciona um
dispositivo elétrico, de forma que no mesmo instante o eletro-imã
representado na figura deixa cair o corpo D que estava na mesma
altura que o ponto mais baixo na superfície sobre a qual o corpo C
deslizava. Demonstre que os dois corpos se chocarão, independente
da relação que possa existir entre h e a distância δ indicada na figura.
6) Um projétil de massa m é lançado com uma velocidade inicial v0
que forma com a horizontal um ângulo θ. O ar exerce sobre o projétil uma ação que é equivalente, em cada data t, a uma força F que
se opõe a seu movimento, sendo F = -λ v, onde λ = cte > 0 e v é a
velocidade do projétil na data t. Escolha um sistema de eixos cartesianos Oxy cuja origem O coincida com o ponto de lançamento do
projétil, cujo plano xOy contenha a velocidade inicial v0 e cujo eixo
Oy seja vertical e apontado de baixo para cima, e obtenha as equações de movimento do projétil. Calcule, também, quanto tempo τ
transcorre desde o instante de lançamento até o instante em que o
projétil atinge o ponto mais alto de sua trajetória.
7) Uma das extremidades de uma mola é fixa enquanto que a outra
extremidade está ligada a um bloco metálico, de massa m, que pode
deslizar ao longo de uma haste retilínea, horizontal e fixa. Afasta-se o
bloco da sua posição normal de equilíbrio até uma posição situada a
uma distância A da referida posição, onde ele é então abandonado. Supondo irrelevantes os possíveis atritos, assim como a massa da mola:
1) deduza uma fórmula que permita calcular a posição do bloco numa
data genérica; 2) deduza uma fórmula que permita calcular a velocidade escalar do bloco numa data genérica. Constante da mola = k.
74
Mecânica Clássica | Física
8) Na figura está representada uma esfera metálica, de massa m, ligada a uma das extremidades de uma mola cuja outra extremidade
está presa a um suporte fixo. A esfera apóia-se sobre uma rampa
plana que forma com a horizontal um ângulo igual a θ. Inicialmente
o sistema estava em equilíbrio, mas num certo instante a esfera foi
deslocada ao longo da reta de máximo declive da rampa e abandonada numa nova posição e, em consequência, passou a oscilar. Supondo irrelevantes os possíveis atritos, assim como a massa da mola:
1) prove que o movimento da esfera é periódico; 2) calcule o período
do movimento da esfera. Constante da mola = k.
θ
9) O carro representado na figura está percorrendo uma estrada retilínea e horizontal, movendo-se com uma aceleração constante A
dirigida da esquerda para a direita. O observado que viaja no carro
observa que o fio de um pêndulo simples que existe no carro, e que
está em equilíbrio (relativamente ao carro), forma com a vertical um
ângulo θ = 30°. Sabendo que g = 9,81 m/s2 e que o carro está animado de movimento puramente translacional, em relação à Terra,
suposta, ela mesma, um referencial inercial, calcule a norma de A.
θ
Física | Mecânica Clássica
75
10) O oscilador harmônico (bloco-mola) representado na figura está
oscilando num elevador que está animado de translação vertical, uniformemente variada, relativa à Terra, suposta um referencial inercial.
Sabendo que a constante da mola e a massa do bloco são respectivamente iguais a k e m, e que a aceleração do elevador tem norma igual
a A e é dirigida de baixo para cima, estude o movimento do bloco, do
ponto de vista do observador solidário ao elevador, informando, caso
o movimento seja periódico, qual o seu período. Supõem-se irrelevantes a massa da mola, assim como os possíveis atritos.
A
11) Uma pedra é largada, sem velocidade inicial relativa à Terra,
num ponto situado próximo à superfície desta e pertencente ao
plano equatorial terrestre. Sabendo que a Terra gira, em relação ao
universo estelar, com movimento de rotação sensivelmente uniforme
e que é praticamente nula a aceleração do seu centro, relativa ao
universo estelar, calcule se a pedra cai seguindo rigorosamente a
vertical do lugar. Caso a pedra não caia segundo a vertical do lugar,
calcule se ela, à proporção que vai caindo, vai se desviando para o
leste, ou para o oeste, ou para o norte, ou para o sul.
12) Uma bola de chumbo está suspensa ao teto de um vagão por um
fio cuja massa é desprezível, e o vagão está descendo uma rampa,
de declividade constante e igual a φ. Sabotadores haviam espalhado
óleo sobre os trilhos, de forma que o vagão está descendo a rampa
totalmente sem freios. Um passageiro, que está viajando no vagão,
observa que existe uma posição do fio no qual o sistema fio-bolade-chumbo fica em equilíbrio relativamente ao vagão. Sabendo que
os trilhos sobre os quais se move o vagão são paralelos às retas de
declive máximo da rampa, e supondo desprezível a resistência ofe-
76
Mecânica Clássica | Física
recida pelo ar ao movimento do vagão, e considerando a Terra como
um referencial inercial, calcule o ângulo que o fio forma com a vertical do lugar, estando o sistema fio-bola-de-chumbo na sua posição
de equilíbrio relativamente ao vagão.
Física | Mecânica Clássica
77
mecânica na
formulação Lagrangiana
78
Mecânica Clássica | Física
3
1.
A Mecânica Lagrangiana
O estudo da Mecânica Clássica (aquela que lida com o movimento
nas dimensões em que nossos sentidos percebem, ou seja, nem tão
pequenos quanto aqueles em que se aplica a Mecânica Quântica,
nem tão velozes quanto aqueles em que se aplica a Mecânica Relativística) não se esgota no formalismo newtoniano, pelo contrário,
aquele foi apenas o primeiro formalismo que tratou do assunto, inclusive na ordem cronológica. Enquanto o formalismo desenvolvido
por Newton se caracteriza por lidar com grandezas vetoriais (velocidade, aceleração e força, por exemplo), e por isso mesmo muitas
vezes é chamado de Mecânica Vetorial, os formalismos que o sucederam tratam com grandezas escalares (coordenadas e energias, por
exemplo) e são em geral chamados de Mecânica Analítica (categoria
em que se encaixam as teorias desenvolvidas por Lagrange e Hamilton, por exemplo). Na introdução de seu livro Méchanique Analytique, publicado em 1788, Lagrange alertava:” Nenhum diagrama será
visto neste trabalho”. Quer dizer, é possível resolver todos os problemas acerca do movimento, como aqueles em que usamos a teoria
de Newton, lançando mão de outras teorias, em que, por exemplo,
não se faz a menor menção a forças ou vetores. Neste curso veremos
duas das mais importantes teorias analíticas da Mecânica Clássica,
Física | Mecânica Clássica
79
as teorias de Lagrange (Joseph-Louis Lagrange,1736-1813) e de Hamilton (Willian Rowan Hamilton, 1805-1865), respectivamente conhecidas como teorias lagrangiana e hamiltoniana. No Módulo atual
trataremos exclusivamente do formalismo lagrangiano, reservando
o próximo para o formalismo hamiltoniano.
Evidente que o fato de lidar apenas com escalares não é a única
característica que distingue os formalismos analíticos do formalismo
vetorial ou newtoniano. Cada formalismo possui características peculiares que o tornam mais adequados que os outros dependendo das
situações ou interesses em jogo. Por exemplo, para sistemas cujo movimento possua restrições, ou vínculos conforme veremos adiante, o
formalismo lagrangiano pode ser preferível ao newtoniano, e mesmo
ao hamiltoniano. Mas não existe uma prevalência absoluta de um formalismo sobre o outro. Não há um formalismo “melhor” que outro,
mas situações nas quais um é mais adequado que o outro. Entretanto,
neste Curso faremos uma abordagem muito introdutória a estes novos
formalismos, de maneira que não caberia aqui uma discussão mais
aprofundada a respeito de méritos e quais seriam dos vários formalismos da Mecânica Clássica. Nos contentarmos em compreender de
forma mais geral como são e como se aplicam os formalismos analíticos em situações simples e ilustrativas da Mecânica Clássica.
Embora as equações de Lagrange, aquelas que fornecem as equações de movimento dentro do formalismo lagrangiano e que se
constituem no equivalente à segunda lei de Newton, possam ser derivadas a partir das próprias leis de Newton, e a equivalência das
duas abordagens se torne então mais evidente, vamos apresentá-las
como um postulado. Na verdade estas equações podem ser derivadas de forma completamente independente das equações de Newton,
surgindo como conseqüência direta de um princípio mais geral e
fundamental chamado de Princípio da Mínima Ação, mas vamos insistir em apresentá-las diretamente na forma de um postulado. Antes, porém, vamos definir alguns ingredientes fundamentais, como
por exemplo, o que vem a ser uma coordenada generalizada.
Considere como exemplo uma partícula que se move sobre um
plano horizontal. Para descrever sua posição podemos utilizar um
sistema de coordenadas cartesianas, duas neste caso, x e y. Ou um
sistema de coordenadas polares, r e θ. De qualquer forma, o número
de coordenadas necessárias para descrever a posição e, portanto, o
movimento da partícula é dois. Dizemos que o sistema (partícula
80
Mecânica Clássica | Física
num plano) possui dois graus de liberdade. Da mesma forma, uma
partícula que se move sobre uma curva possui um grau de liberdade
e necessita de uma coordenada para descrever sua posição. No formalismo lagrangiano é o número de graus de liberdade, ou seja, o
número de coordenadas independentes necessárias para descrever a
“configuração” do sistema em pauta o que importa. Não importa a
escolha particular do sistema de coordenadas que se fará uso, se cartesianas ou polares, ou cilíndricas. A teoria não é dependente do sistema de coordenadas, que é definido, ou escolhido, em cada situação.
Utilizamos então a letra q para representar de forma geral as coordenadas neste formalismo. Voltando então ao sistema em pauta, as coordenadas generalizadas serão q1 e q2 . Em geral se utiliza a notação
i = 1,...,n
qi
onde n é o número de graus de liberdade do sistema.
Como as coordenadas generalizadas são independentes entre si,
em princípio, é possível imaginar um conjunto de eixos mutuamente
perpendiculares definindo um espaço de n dimensões, em que cada
ponto representa uma possibilidade, uma configuração, em que o
sistema pode se encontrar. Este espaço é chamado de espaço de configuração. A evolução temporal do sistema, ou da partícula em nosso
estudo, é representada por uma curva q(t) neste espaço. Na figura 1
mostramos a representação bidimensional de tal curva no espaço de
configuração ( a representação cartesiana é apenas simbólica, pois
no caso geral tal estrutura não é garantida; por exemplo, a coordenada pode ser um ângulo) entre os instantes t1 e t2:
qi + 1
t2
t1
qi
Figura 1
Física | Mecânica Clássica
81
Neste contexto, chamaremos de velocidade generalizada a derivada temporal da coordenada generalizada:
qi ≡
∂qi
∂t
Em toda esta exposição estaremos supondo que a física se observa a partir de um referencial inercial, supondo que a extensão
para um referencial qualquer seja imediata e natural, apenas mais
trabalhosa dependendo da situação particular.
Vamos então definir uma função escalar, a lagrangiana L, em termos da energia cinética e da energia potencial da partícula, expressas estas em função das coordenadas e velocidades generalizadas e
possivelmente o tempo. Temos então:
L=T-V
com T = T (q,q̇ ) e V = V (q,t) (usaremos sempre que não for motivo
de confusão a notação abreviada (q, q̇ ) sem os índices i’s supondo implícita sua presença). Portanto, a lagrangiana pode ser escrita como
L = L (q, q̇ ,t)
Em muitas situações importantes e comuns a energia cinética dependerá apenas das velocidades e a energia potencial apenas das coordenadas, de forma que a lagrangiana será função apenas das coordenadas e
velocidades generalizadas, como veremos em nossos exemplos.
As equações de movimento podem então ser postuladas como
d ∂L
∂L
=
dt ∂qi
∂qi
i = 1,...,n
eq. 1
Temos assim um sistema de n equações diferenciais de segunda
ordem no tempo para as n coordenadas que descrevem o sistema.
No caso de uma partícula em 3 dimensões, temos 3 equações diferenciais de segunda ordem para resolver de forma matematicamente
equivalente ao trabalho que tínhamos no formalismo newtoniano.
Aparentemente, pouco se ganha com o novo formalismo, além de
evitar a linguagem vetorial. Entretanto, existem situações em que a
simplificação envolvida para resolver um problema com o forma-
82
Mecânica Clássica | Física
lismo lagrangiano é muito grande. Em linhas gerais, podemos citar
aquelas situações em que existem vínculos, conforme já veremos e
ilustraremos em exemplos. O estudo de simetrias torna-se também
bastante facilitado neste formalismo, conforme veremos adiante.
Também o tratamento de sistemas com muitos graus de liberdade,
inclusive infinitos graus de liberdade como o são os fluidos ou as
teorias de campos na física mais moderna, ganham um importante
aliado no formalismo lagrangiano.
Vamos abrir um pequeno parêntese para discutir a questão da
força, ou a ausência desta, no formalismo de Lagrange. Na Mecânica
de Newton as forças dão a informação de como o ambiente dita a
natureza do movimento da partícula. Neste sentido é correto afirmar
que as forças são a causa, ou origem, do movimento, pois são elas
que determinam como este se altera, ou não se altera. No formalismo
presente são as energias potenciais, que apesar de escalares, respondem pela ação do ambiente sobre o movimento da partícula. Já
sabemos dos estudos da mecânica newtoniana que a força está relacionada com a energia potencial através de um gradiente, ou seja,
F = -∇V
Não deve, portanto, causar maior estranheza que seja a energia
potencial, presente na lagrangiana, quem traz a informação de como
o ambiente influencia no movimento da partícula.
A propósito, note que da maneira pragmática como apresentado
aqui, o formalismo de Lagrange abrange apenas sistemas conservativos, o que não passa da pura verdade. Entretanto, é possível
estender bastante o formalismo de maneira que praticamente todas
as situações tratadas no formalismo newtoniano possam ser também tratadas neste formalismo. Mas infelizmente, tal análise não
caberia no espaço e no tempo reservados para este Curso. Assim
não trataremos de sistemas dissipativos ou de potenciais envolvendo velocidades, o que em particular abriria a possibilidade de
englobar os sistemas eletromagnéticos.
Restam ainda algumas observações a respeito de como são tratados os vínculos nesta teoria. Vínculos são restrições ao movimento
representadas matematicamente por relações envolvendo, em geral,
coordenadas e/ou velocidades, que na melhor das possibilidades permitem a redução explícita dos graus de liberdade do sistema em
Física | Mecânica Clássica
83
pauta. Considere, por exemplo, uma partícula em um plano restrita
a se mover sobre uma circunferência de raio R contida neste plano.
Em seu “universo” original, o plano, este sistema teria dois graus
de liberdade. Mas a restrição, o vínculo a que ele está sujeito explicita uma redução no número de graus de liberdade de 2 para 1. Se
usarmos coordenadas cartesianas, por exemplo, este sairia de uma
situação de duas coordenadas, x e y, para uma coordenada, x por
exemplo, uma vez que haveria o vínculo do tipo
x2 + y2 = R2
que permitiria eliminar a coordenada y da descrição através da
substituição
y → R2 - x2
Este tipo de vínculo, que permite através de uma relação entre
as coordenadas, exprimir uma ou mais coordenadas em função
das demais, chama-se na literatura de vínculo holônomo. Nos ateremos, neste Curso, a problemas que envolvam apenas vínculos
holônomos, por simplificação.
Exemplos
Vamos ilustrar a teoria exposta acima com alguns exemplos de situações simples em que usaremos o formalismo de Newton e o formalismo de Lagrange, a fim de que se possa apreciar também a
diferença de tratamentos matemáticos.
I - Vamos considerar inicialmente uma partícula de massa m sujeita
a uma força conservativa F num espaço tridimensional.
Newton:
∑F = ma
Usando coordenadas cartesianas x, y e z temos:
ẍ = Fx / m
ÿ = Fy / m
z = Fz / m
84
Mecânica Clássica | Física
Lagrange:
d ∂L
∂L
=
∂qi
dt ∂qi
Também usando coordenadas cartesianas temos:
T = ½ m (ẋ2 + ẏ2 + ż2) ; V = V (x,y,z)
L = ½ m (ẋ2 + ẏ2 + ż2) - V (x,y,z)
∂L
d ∂L
∂L
= mẋ ;
= mẍ ;
= ∂V / ∂x = Fx ∴ mẍ = Fx
∂ẋ
dt ∂ẋ
∂x
∂L
d ∂L
∂L
= mẏ ;
= mÿ ;
= ∂V / ∂y = Fy ∴ mÿ = Fy
∂ẏ
dt ∂ẏ
∂y
∂L
d ∂L
∂L
= mż ;
= mz ;
= ∂V / ∂z = Fz ∴ mz = Fz
∂ż
dt ∂ż
∂z
Assim as equações de movimentos são as mesmas do grupo acima.
II) Consideremos uma partícula de massa m em uma dimensão, sem atrito,
sob a ação de uma mola de constante k, conforme representado na figura:
0
X
Figura 2
Newton:
∑F = ma
Usando a coordenada x representada na figura temos
ẍ = - k/m x
Física | Mecânica Clássica
85
Lagrange:
d ∂L
∂L
=
∂qi
dt ∂qi
T = ½ mẋ2 ; V = ½ kx2
L = ½ mẋ2 - ½ kx2
∂L
d ∂L
∂L
= mẋ ;
= mẍ ;
= - kx ∴ mẍ = - kx
∂ẋ
dt ∂ẋ
∂x
III) Considere uma partícula de massa m num plano horizontal
atada por uma corda inextensível e de massa irrelevante, em M. C.
U. sobre uma circunferência de raio R.
Newton:
θ
Figura 3
Usando um sistema de coordenadas polares (r,θ) com unitários
respectivamente N̂ e T̂ , e chamando de T a tração exercida pela
corda sobre a partícula temos
∑F = ma
Ou seja,
⇒ -TN̂ + 0T̂ = -mv2/R N̂ + θRT̂
θ=0
T = m v2/r
86
Mecânica Clássica | Física
Que nos revelam a força de tração (força de vínculo) e que w =
constante.
Lagrange:
Devido ao vínculo
r=R
vamos escolher a única coordenada generalizada como sendo a coordenada angular θ. Temos então
d ∂L
∂L
=
∂qi
dt ∂qi
T = ½ mR2θ2 ; V = 0
L = ½ mR2θ2
∂L
d ∂L
∂L
= mR2θ ;
= mR2θ ;
=0
∂θ
dt ∂θ
∂θ
E temos finalmente mR2 = 0, que nos informa apenas que a velocidade angular é constante, sem qualquer menção à força de vínculo F.
IV) Seja o sistema conhecido como máquina de Atwood , um sistema com vínculo holônomo, que vamos analisar primeiramente do
ponto de vista newtoniano, conforme ilustrado na figura 2:
T
m
P
T
M
P
As duas massas estão ligadas por uma corda de massa desprezível
e inextensível, que passa por uma roldana também de massa desprezível. Desprezam-se também os atritos. As forças que agem sobre
as massas estão representadas na figura. O vínculo em questão está
contido na presença da corda que faz com que o movimento de uma
partícula esteja vinculado ao movimento da outra. Se tomarmos o
Física | Mecânica Clássica
87
solo como referencial, e um eixo perpendicular com origem no solo
e orientado para cima (digamos o eixo x), o sistema de duas partículas teria em princípio dois graus de liberdade expressos nas coordenadas x1 e x2 das massas m e M, respectivamente. Mas como a corda
tem comprimento fixo podemos escrever
x1 + x2 = cte
Ou seja, o movimento de m (dado pela função x1(t) está vinculado ao movimento de M (x2(t) ), ou vice-versa, pela equação
(ou vínculo) acima. Em outras palavras, a um acréscimo ∆x em x1
corresponde o acréscimo -∆x em x2, de forma a manter o vínculo
acima. Não por acaso, se você derivar duas vezes em relação ao
tempo a equação do vínculo, irá obter:
a1 = - a2
A segunda lei de Newton escrita em nosso sistema de coordenadas, conforme a notação da figura, nos informa que o movimento
das massas m e M será descrito pelo sistema de equações:
T - mg = ma1
T - Mg = ma2
que não são independentes devido ao vínculo presente. Tomando
este em conta o sistema se resume ao seguinte conjunto de duas
equações com duas incógnitas (T e a1):
T - mg = ma1
T - Mg = - Ma1
que possui as soluções:
88
Mecânica Clássica | Física
a1 =
(M - m)
g
(M + m)
T=
2Mm
g
(M + m)
Lagrange:
A lagrangiana deve ser escrita em termos de uma só coordenada,
uma vez que o vínculo deve ser usado para expressar uma delas em
função da outra. Escolhendo coordenadas cartesianas como definidas anteriormente, o vínculo é usado para expressar
x2 = cte - x1
Assim escrevemos
T = ½ (mẋ 21 + Mẋ 22 ) = ½ (m + M) ẋ 21
V = mgx1 + Mgx2 = mgx1 + Mg (cte - x1) = (m - M)gx1
Note que devido à forma das equações de Lagrange, um termo aditivo constante nunca contribui às equações de movimento, o que nos
fez abandonar um termo constante na energia potencial acima. Temos
L = ½ (m + M)ẋ 21 - (m - M)gx1
e
∂L
d
= (m + M)ẋ1 →
∂ẋ1
dt
∂L
= (m + M)ẋ1
∂ẋ1
∂L
= (M - m)g
∂x1
⇒ (m + M)ẋ1 = (M - m)g
ou seja,
a1 =
(M - m)
(M + m)
g
que coincide com o resultado anterior. Observe que nenhuma menção foi feita à força interna que a corda mantém sobre as massas (a
força de vínculo), apenas se considera o vínculo para a contagem
dos graus de liberdade, e somente a “força externa”, quer dizer, a
energia potencial “externa” , do ambiente onde está inserido o sistema vinculado, entra na lagrangiana.
Física | Mecânica Clássica
89
V) Neste exemplo vamos analisar uma situação que envolve vínculos dependentes do tempo (são chamados reônomos, enquanto que
aqueles que não envolvem o tempo, são esclerônomos). Considere
uma pequena esfera metálica que se movimenta sem atrito no interior de um tubo de seção reta interna uniforme, numa região livre da
força gravitacional. O tubo gira com velocidade angular constante
(w) em torno de um eixo perpendicular a este.
Newton:
Vamos fazer primeiramente a análise newtoniana da situação.
Para isso vamos considerar como horizontal o plano onde o tubo
se movimenta, e usar coordenadas polares para descrever o movimento da esfera. Como não há atrito com a parede do tubo, a esfera
só pode sofrer força perpendicular ao tubo, portanto na direção do
unitário tangente ao raio vetor desta.
Sabemos que a aceleração no sistema polar possui a forma (ide
Apêndice)
a = (r̈ - r 2) r̂ + (2ṙ + r )
Como a força sobre a esfera é apenas a força exercida pelo tubo
F = Ft , temos que
mr - mrθ2 = 0
Ft = 2mṙθ + mrθ
Como
= 0 , temos finalmente
r = rw2
Ft = 2mwṙ
Lagrange:
Como o vínculo se expressa como = w = const. a coordenada
θ deve ser substituída por wt e a lagrangiana será função apenas da
coordenada radial. Temos:
T = ½ m (ṙ2 + r2θ2) = ½ m (ṙ2 + r2w2) ; V = 0
L = ½ m (ṙ2 + r2w2)
∂L
d
= mṙ ;
∂ṙ
dt
90
Mecânica Clássica | Física
∂L
∂L
= mr ;
= mrw2 ;
∂ṙ
∂r
Ou seja,
r̈ = rw2
Note que a força de vínculo não aparece no formalismo lagrangiano. A solução desta equação, do tipo r(t) = ewt mostra que a
partícula se afasta do eixo de rotação devido à força centrífuga, do
ponto de vista de um observador ligado ao tubo e, portanto, não
inercial. Alguns autores confundem esta análise e creditam à força
centrípeta este movimento (a força centrípeta, caso existisse aqui,
levaria a esfera para o centro, e nunca para fora dele!)
VI) Este é um bom exemplo de como uma situação que poderia ser
( na verdade é) bastante complicada para se resolver dentro do formalismo newtoniano pode ter uma solução simples no formalismo
de Lagrange. Deixaremos ao estudante o desafio de resolver pelo
formalismo newtoniano o sistema representado na figura abaixo,
que poderíamos bem chamar de máquina “envenenada” de Atwood:
x2
x1
m2
m1
x3
m3
Figura 7
Vemos imediatamente que o vínculo entre as massas 1 e 2 é um
vínculo holônomo tal qual aquele da máquina de Atwood, e portanto reduz um grau de liberdade do sistema. O mesmo não se pode
afirmar da ligação entre os corpos 2 e 3. Portanto, os três corpos em
movimentos unidimensionais terão suas coordenadas generalizadas
x1 e x3 ou x2 e x3 , como queira, uma vez que a relação
x1 + x2 = const.
Física | Mecânica Clássica
91
permite que uma dessas coordenadas se expresse em termos da outra. Ficamos com a segunda opção. Derivando em relação ao tempo
este vínculo obtemos ẋ1 = -ẋ2, e podemos escrever
T = ½ (m1ẋ 21 + m2ẋ 22 + m3ẋ 23 ) = ½ (m1 + m2)ẋ 22 + ½ m3ẋ 23
E para a energia potencial gravitacional e da mola, usando o vínculo e desprezando termos constantes que não contribuem para as
equações de Lagrange, temos conforme a figura:
V = -g(m1x1 + m2x2 + m3 x3) + k/2 (x3 - x2- l)2 = -(m2 - m1)gx2 - m3gx3 + k/2 (x3 - x2- l)2
onde chamamos de l o comprimento relaxado da mola de constante
k. Temos finalmente,
L = ½ (m1 + m2)ẋ 22 + ½ m3ẋ 23 + (m2 - m1)gx2 + m3gx3 - k/2 (x3 - x2 -1)2
∂L
d ∂L
= (m1 + m2)ẍ2
= (m1 + m2)ẋ2 →
dt ∂ẋ2
∂ẋ2
∂L
= (m2 - m1)g + k(x3 - x2 - 1)
∂x2
∂L
d ∂L
= m3x3
= m3ẋ3 →
dt
∂ẋ3
∂ẋ3
∂L
= m3g - k(x3 - x2 - 1)
∂x3
E temos as equações de movimento
(m1 + m2)ẍ2 - (m2 - m1)g - k(x3 - x2 - 1) = 0
m3ẍ3 - m3g + k(x3 - x2 - 1) = 0
Faça k = 0 nestas equações e obtenha m3 caindo em queda-livre
enquanto m1 e m2 recuperam o mesmo movimento que na máquina
de Atwood original.
92
Mecânica Clássica | Física
3) Observações Importantes
Lagrangianas Equivalentes
Interessante notar que um sistema mecânico não possui uma lagrangiana única, mas uma infinidade de lagrangianas equivalentes, no
sentido que geram as mesmas e corretas equações de movimento. Isto
se deve ao fato facilmente demonstrável que uma lagrangiana que
difere de outra pela adição de um termo que seja a derivada total de
QUALQUER função diferenciável das coordenadas e do tempo, gera
as mesmas equações de movimento:
pk =
∂L
dqk
eq. i
Deixamos a cargo do estudante demonstrar, por substituição direta
nas equações de Lagrange, que estas Lagrangianas são equivalentes.
Note que já observamos anteriormente que um termo constante
porventura contido na lagrangiana pode ser descartado, pois somente
derivadas da lagrangiana entram nas equações de Lagrange. Este pode
ser também visto como um corolário do resultado acima, visto que
uma constante c pode sempre ser computada como d/dt x ct.
Coordenadas Cíclicas
Chamamos de momento generalizado, ou momento conjugado, ou ainda
momento canonicamente conjugado à coordenada qk a quantidade
pk =
∂L
dqk
eq. i
Embora seja uma grandeza fundamental no formalismo hamiltoniano que estudaremos a seguir, mesmo aqui no formalismo lagrangiano esta se revela uma grandeza particularmente importante quando
se estudam as propriedades de simetria e as leis de conservação a elas
associadas (aqui o formalismo lagrangiano se revela especialmente
adequado). Observe para isto o que ocorre quando uma determinada
coordenada generalizada, qj, por exemplo, não aparece explicitamente
na lagrangiana. Neste caso ela é chamada de coordenada cíclica e a
equação de Lagrange relacionada a ela torna-se simplesmente
d
dt
∂L
= 0
∂qj
Física | Mecânica Clássica
93
Ou seja,
pj = constante
Note que a ausência da coordenada na lagrangiana implica em
que a descrição do sistema não muda se variarmos esta coordenada,
ou seja, existe uma simetria do sistema relativa a mudanças nesta
coordenada. E o resultado acima afirma que, associada a esta simetria, existe uma lei de conservação, a conservação do momento
conjugado à coordenada cíclica. Este é um rico ponto de estudo na
Mecânica lagrangiana, que infelizmente não teremos oportunidade
de explorar neste Curso. Vejamos pelo menos um exemplo desta propriedade. Se uma partícula no espaço está sob ação de um campo de
forças plano, por exemplo, as forças só agem em um plano vertical,
a energia potencial não irá conter a coordenada fora do plano. A lagrangiana abaixo ilustra este sistema:
L = ½ m(ẋ2 + ẏ2 + ż2) - V(x, z)
Neste caso, o momento conjugado à coordenada y será
py = ∂L/∂ẏ = mẏ
que é uma constante do movimento.
94
Mecânica Clássica | Física
Exercícios
1) Escreva a lagrangiana de uma partícula sujeita a um campo central, isto é, a um potencial que depende apenas da distância da partícula a um ponto O, que pode (e deve) ser tomado como origem do
sistema de coordenadas usado para descrever o movimento. Neste
caso, se você utilizar, por exemplo, coordenadas esféricas, a energia
potencial poderá ser escrita simplesmente como V = V (r). Resolva
este problema de duas maneiras: uma usando coordenadas cartesianas e outra usando coordenadas esféricas (use apêndice). Qual dos
sistemas lhe parece mais adequado, e por quê?
2) Considere o sistema de duas partículas de massas idênticas presas às extremidades de uma haste de comprimento l, rígida e de
massa desprezível, vinculadas a se moverem nos sulcos representados na figura. Escreva a lagrangiana deste sistema de duas partículas usando como coordenada generalizada o ângulo α que a haste
forma com a horizontal. Despreze possíveis atritos. Use as equações
de Lagrange para obter a equação de movimento do sistema.
y
l
α
x
3) Considere um pêndulo simples, de comprimento l e massa m.
Considere os vínculos presentes e escreva a lagrangiana em termos
da(s) coordenada(s) generalizada(s) em questão. Derive também as
equações de movimento.
Física | Mecânica Clássica
95
4) Considere um pêndulo duplo e encontre a lagrangiana e as equações de movimento, após uma escolha adequada das coordenas generalizadas (conforme sugerido na figura).
θ1
y
l1
(x1, y1)
m1
θ2
x
l2
m2
(x2, y2)
5) Uma conta de massa m desliza sem atrito ao longo de uma haste
rígida, de massa desprezível, que gira num plano vertical com velocidade angular constante w. Mostre que, com uma escolha adequada
da coordenada r, a lagrangiana do sistema é
L = ½ mṙ2 + ½ mw2r2 - mgrsenwt
Encontre a equação de movimento.
6) Considere a chama máquina de Atwood oscilante. Usando as coordenadas indicadas na figura, mostre que a lagrangiana é dada por
L=
m+M 2
m 2
ṙ +
r + θ - gr (M - mcosθ)
2
2
r
θ
M
96
Mecânica Clássica | Física
m
mecânica na
formulação Hamiltoniana
4
Física | Mecânica Clássica
97
1.
A Mecânica Hamiltoniana
O formalismo analítico que vamos estudar agora difere em muitos
aspectos importantes do formalismo lagrangiano, embora também
guarde o caráter não-vetorial, ou escalar, como uma característica
relevante. Enquanto que, por um lado, o formalismo de Lagrange
se revela bastante adequado quando se procura tratar relativisticamente importantes teorias físicas, por outro lado o formalismo
hamiltoniano parece ser essencial, de um ponto de vista formal,
quando se requer a transição para o limite de teorias quânticas ou
para o tratamento da mecânica estatística. Entretanto, lembrando
que nossa abordagem destes formalismos tem um caráter apenas introdutório e quase ilustrativo, e levando em conta nossos limites de
espaço e tempo, não avançaremos muito mais nestas considerações
a respeito da natureza mais profunda de cada formalismo.
Vamos introduzir o formalismo de Hamilton da mesma forma
pragmática que usamos ao apresentar o formalismo de Lagrange,
sem nos preocupar com a “dedução” de um formalismo a partir de
outro, ou mesmo a partir de algum outro princípio mais básico. Embora seja muito instrutivo e interessante o procedimento matemático que nos leva do formalismo lagrangiano ao hamiltoniano, ou
98
Mecânica Clássica | Física
ainda a derivação da teoria de Hamilton a partir de um princípio
fundamental e independente de outros formalismos, o Princípio da
Mínima Ação, apresentaremos aqui o formalismo de Hamilton como
um postulado, da mesma maneira como foi feito no caso lagrangiano. Teremos, entretanto, que começar por definir alguns dos ingredientes fundamentais da teoria e o espaço peculiar em que se dá
a descrição de Hamilton da Mecânica.
Inicialmente vamos definir as coordenadas que são usadas nesta
descrição. Um sistema mecânico com n graus de liberdade é descrito, no formalismo de Lagrange, em um espaço de configuração
n-dimensional, em que cada ponto representa uma configuração
possível do sistema. A trajetória traçada por tal ponto neste espaço, que não é o espaço físico do sistema, no decorrer do tempo,
representa o movimento do sistema. De maneira semelhante, o movimento de um sistema no formalismo de Hamilton é representado
pela trajetória temporal de um ponto em um espaço, só que agora
2n-dimensional, onde a cada coordenada generalizada qn se associa uma nova coordenada pn, chamada momento canônico associado a qn, definido por (eq. 3-ii no Modulo III):
pn =
∂L
∂qn
eq. 1
Ou seja, o espaço onde se representa o movimento no formalismo
hamiltoniano tem dimensão duplicada (n ⇒ 2n) em relação àquele
utilizado no formalismo lagrangiano, e é construído segundo a “receita” qn ⇒ (qn, pn). Dizemos que um sistema com n graus de liberdade é descrito por n “pares” canonicamente conjugados (qn, pn), ou
equivalentemente, por 2n coordenadas canônicas, e o espaço por
elas definido é chamado espaço de fase.
Um ponto neste espaço 2n-dimensional representa um estado do
sistema, pois que além de uma configuração possível do sistema (os
valores das coordenadas que dizem onde está o sistema) este ponto
contém também informações sobre como “anda” o sistema (ele traz
informações sobre as velocidades com que mudam as coordenadas
naquele ponto, através dos p’s). Sua trajetória temporal “representa” o
movimento real do sistema, de forma análoga ao que ocorre no espaço
de configuração no tratamento lagrangiano. A regra, entretanto, que
estabelece como este ponto se movimenta é dada de outra forma: no
Física | Mecânica Clássica
99
lugar de uma função L (q, q̇ , t), a lagrangiana, temos aqui uma outra
função, H (q, p, t), a hamiltoniana, que traz informação sobre a “física” que envolve o sistema e nos informa como, através das equações
de Hamilton, o sistema será “movido”. Esta função é definida por
n
H (q, p, t) = ∑i = 1 piqi - L (q, p, t)
eq. 2
Estamos supondo aqui que a eq. 1 pode ser invertida e usada
para expressar as “velocidades” q̇ ’s em termos de q’s e p’s e assim
fazer com que no lado direito da eq.2 realmente só ‘existam’ q’s e
p’s, como sugere o lado esquerdo.
Obter as equações de movimento definidas pela hamiltoniana é
nosso próximo objetivo. Para isso tomemos a diferencial da eq.2:
∂L dq + ∂L dq + ∂L dt
dH = ∑ni = 1 (pidqi + qidpi) - ∑ni = 1 ∂q
i
∂qi i
∂t
i
eq. 3
Vamos usar a eq.1 para cancelar o primeiro termo na primeira
soma com o segundo termo na segunda soma; vamos usar também
as equações de Lagrange para escrever o primeiro termo na segunda
soma como - ṗidqi. Temos então, simplesmente:
dH = ∑ni = 1 (qidpi - pidqi) - ∂L dt
∂t
eq. 4
Esta relação confirma que a hamiltoniana, realmente, é função
das coordenadas e momenta. E vista apenas desta forma, em geral é
lícito escrever sua diferencial total como
∂H
∂H
dH = ∑ni = 1 ∂H
∂qi dqi + ∂pi dpi + ∂t dt
eq. 5
Comparando então estes dois resultados temos que:
qi =
∂H
∂pi
pi = -
∂H
∂qi
i = 1, ..., n.
eq. 6
E ainda,
∂L
∂H
=∂t
∂t
100
Mecânica Clássica | Física
eq. 7
As equações 6 são as equações de movimento que procurávamos.
Elas são chamadas de equações de Hamilton, ou mesmo de equações
canônicas do movimento. Conforme se pode notar, estas se constituem em um conjunto de 2n equações diferenciais de primeira ordem nas 2n variáveis canônicas q’s e p’s. Substituem as n equações
diferenciais de segunda ordem do formalismo lagrangiano (equivalentes ao caso newtoniano, onde teríamos também n equações diferenciais de segunda ordem), o que matematicamente são sistemas
equivalentes. Quer dizer, matematicamente uma equação diferencial
de segunda ordem (requer duas integrações) é equivalente a duas
equações diferenciais de primeira ordem (uma integração para cada
equação). Entretanto, esta maneira “canônica” de equacionar o problema do movimento traz novas e poderosas ferramentas para a investigação de teorias físicas. Temos ainda como co-produto a eq.7
que nos informa de uma importante relação entre as dependências
temporais explícitas da lagrangiana e da hamiltoniana.
Embora em importantes situações físicas a hamiltoniana possa
ser obtida diretamente da energia mecânica total, e podermos escrevê-la como a soma das energias cinéticas e potencial, escritas em
termos de q’s e p’s, de maneira geral temos o seguinte “receituário”
para aplicação do formalismo (na verdade estamos apresentando um
pequeno resumo do que vimos acima no formato de “receita”):
a) Escrevemos a lagrangiana;
b) Extraímos da equação 1 as velocidades em função dos p’s e q’s;
c) Escrevemos a hamiltoniana H (q, p, t) a partir da equação 2
usando o resultado do passo anterior para eliminar as velocidades.
Note que este procedimento, apesar de mais geral, não é “infalível”: em alguns casos o item b não é possível de se realizar! Bem,
mas este é um problema para os físicos teóricos resolverem, uma vez
que esta é situação objeto de muita pesquisa nos últimos anos.
Nos exemplos a seguir usaremos boa parte dos exemplos que estudamos no Módulo anterior para ilustrar o método hamiltoniano, pois
que assim já teremos executado o primeiro passo (a) do procedimento
acima. Antes, porém, vamos fazer algumas observações a respeito de
questões importantes, que embora não haja espaço suficiente para um
estudo mais detalhado, não podem ser deixadas em branco.
Física | Mecânica Clássica
101
2) Observações Importantes
Coordenadas cíclicas
A primeira delas se refere à questão das simetrias, que também
neste formalismo levam de maneira bastante clara às leis de conservação. Basta notar que a ausência de uma coordenada na hamiltoniana, qk , por exemplo, leva imediatamente à conservação do
momento canônico associado, pois a equação de Hamilton correspondente nos informa que
ṗk = -
∂L
∂qk
eq. 8
Portanto, assim como no formalismo lagrangiano, as simetrias do
problema são claramente evidenciadas.
Parênteses de Poisson
Podemos escrever as equações canônicas de movimento em uma
roupagem bastante interessante e útil se definimos um novo objeto
chamado de parênteses de Poisson. Para isso, considere duas funções
de espaço de fase, f (q,p) e g (q,p). Chamamos de parênteses de Poisson entre f e g a estrutura
n
{f, g} ≡ ∑
i=1
∂f ∂g - ∂f ∂g
∂qi ∂pi ∂pi ∂qi
eq. 9
Considere, por exemplo, uma função arbitrária G (q,p,t) e sua derivada
dG n ∂G
∂G
∂G
=∑
q+
ṗ +
dt i = 1 ∂qi i ∂pi i
∂t
eq. 10
Usando as equações de Hamilton nesta expressão, temos:
dG n ∂G ∂H - ∂G ∂H
∂G
=∑
+
dt i = 1 ∂qi ∂pi ∂pi ∂qi
∂t
eq. 11
∂G
dG
= {G, H} +
∂t
dt
eq. 12
Ou seja,
Esta relação é bastante geral e vale para qualquer função no espaço de fase. Em particular, para os q’s e p’s é evidente que
102
Mecânica Clássica | Física
qi = {qi, H}
ṗi = {pi, H}
eq. 13
As equações canônicas na forma da eq.13 não apenas tornam
mais elegantes e simétricas as equações de Hamilton (desaparece o
sinal negativo em parte das equações), mas também são as equações
de movimento da Mecânica Clássica no formato mais próximo possível das equações que regem a Mecânica Quântica. Infelizmente,
este é o limite até onde podemos avançar neste Curso.
Transformações Canônicas
Vamos por último analisar uma questão muito importante relativa
a transformações de simetria no formalismo canônico. As equações
de Lagrange são escritas em termos de coordenadas generalizadas,
o que as tornam independentes da escolha do sistema de coordenadas, ou seja, invariantes sob a escolha de sistema de coordenadas.
Também no formalismo hamiltoniano existe uma invariância frente
à escolha de coordenadas do espaço de fase. Suponha, por exemplo,
que um sistema é descrito pelas coordenadas (q,p) com hamiltoniana
H (q,p). Estas coordenadas possuem a seguinte propriedade, também
chamada estrutura canônica, que pode ser facilmente verificada:
{qi, qk} = 0
{pi, pk} = 0
eq. 14
{qi, pk} = δik
onde
é o chamado delta de Kronecker.
Podemos usar outro sistema de coordenadas (Q,P) para o espaço
de fase, com relações de transformação dadas por Q = Q (q,p,t) e P =
P (q,p,t) para descrever o mesmo sistema. Naturalmente que teremos
outra função para substituir a hamiltoniana H = H (q,p,t), que vamos
chamar aqui de “kamiltoniana” K = K (Q,P,t). Pode se mostrar que a
condição para que tal transformação preserve a forma canônica das
equações de movimento, eq.6 ou 13, é que a estrutura canônica, eq.
14, seja preservada. Ou seja, temos que ter também
{Qi, Qk} = 0
{Pi, Pk} = 0
{Qi, Pk} = δik
Física | Mecânica Clássica
103
Tais transformações, que são muito importantes no estudo de simetrias deste formalismo, são chamadas de transformações canônicas, e
merecem um capítulo à parte num curso normal de Mecânica Analítica.
3) Exemplos
Como já informamos, vamos, na medida do possível, aproveitar os
exemplos tratados no Módulo anterior a fim de já partir de uma lagrangiana e aplicar o formalismo hamiltoniano.
I) Vamos considerar a partícula de massa m sujeita a uma força
conservativa F do primeiro exemplo do Módulo anterior. Queremos chegar às equações de movimento pelo formalismo hamiltoniano. Partimos da lagrangiana
L = ½ m(ẋ2 + ẏ̇2 + ż2) -V(x, y, z)
Temos os momenta canônicos e as velocidades expressas através deles:
∂L
= mẋ → ẋ = px/m
∂ẋ
∂L
py =
= mẏ → ẏ = py/m
∂ẏ
px =
pz =
∂L
= mż → ż = pz/m
∂ż
A hamiltoniana então se escreve como
H = pxẋ + pxẋ + pxẋ - ½ m(ẋ2 + ẏ2 + ż2) + V (x, y, z)
Eliminando as velocidades temos
H=
p 2x
p 2z
p 2y
+
+
+ V (x, y, z)
2m 2m 2m
As equações canônicas são então:
px
m
py
ẏ=
m
pz
ż=
m
ẋ=
104
Mecânica Clássica | Física
ṗx = - ∂V/∂x
ṗy = - ∂V/∂y
ṗz = - ∂V/∂z
A fim de compara com as equações de movimento de Newton ou
de Lagrange, que são equações de diferenciais de segunda ordem no
tempo, basta tomar a derivada temporal do primeiro grupo e usar o
segundo grupo para escrever quem são os ṗ’s:
ṗx -∂V/∂x
→ mẍ = Fx
=
m
m
ṗy -∂V/∂y
→ my = Fy
=
y=
m
m
ṗz -∂V/∂z
→ mz = Fz
=
z=
m
m
ẍ=
II) Consideremos a partícula de massa m no plano, sem atrito, sob a
ação de uma mola de constante k, conforme representado na figura
(exemplo ii do Módulo anterior):
0
X
Já conhecemos sua lagrangiana L = ½ mẋ2 - ½ kx2, e é fácil extrair o momento canônico associado a x e daí, a velocidade ẋ:
px = ∂L/∂ẋ = mẋ → ẋ = px⁄m
A hamiltoniana é
H = pxẋ - ½ mẋ2 + ½ kx2
Substituindo a velocidade calculada anteriormente temos:
H=
p 2x
1
+ kx2
2m 2
Física | Mecânica Clássica
105
As equações de movimento são então:
ẋ=
px
m
ṗx = -kx
Derivando a primeira equação em relação ao tempo e usando a
segunda obtemos a equação de movimento de segunda ordem:
ẍ=
ṗx
-kx
=
m
m
mẍ = -kx
III) Considere a partícula de massa m num plano horizontal atada
por uma corda inextensível e de massa irrelevante, em M. C. U., sobre uma circunferência de raio R (terceiro exemplo do Módulo III).
Com lagrangiana L = ½ mR2 2 vemos que a única coordenada é
cíclica; temos o momento canônico e a velocidade dados por:
pθ = ∂L/∂ = mR2 → = pθ⁄mR2
A hamiltoniana é
H = pθ - ½ mR2 2 = pθ2/2mR2
As equações de movimento são
θ = pθ / mR2
ṗθ = 0
Que resultam em mR2 = 0.
106
Mecânica Clássica | Física
IV) Seja a máquina de Atwood , o sistema analisado no exemplo
IV do Módulo III.
Sua lagrangiana foi obtida como sendo
L = ½ (m + M)ẋ 21 + (M - m)gx1
O momento canônico associado à única coordenada é
p1 = (m + M)ẋ1
T
m
P
T
M
P
Do qual obtemos a velocidade
ẋ1 = p1 ⁄ (m + M)
A hamiltoniana é
p21
H = p1ẋ1 - 1 (m + M)ẋ21 - (M - m)gx1 =
- (M - m)gx1
2
2 (m +M)
As equações canônicas são
p1
m +M
ṗ1 = (M - m)g
ẋ1 =
Derivando a primeira equação em relação a t e usando a segunda
equação obtemos a equação de segunda ordem
(m + M)ẍ1 = (M - m)g
Física | Mecânica Clássica
107
V) Considere a pequena esfera metálica que se movimenta sem
atrito no interior de um tubo de seção reta interna uniforme, numa
região livre da força gravitacional. O tubo gira com velocidade angular constante (w) em torno de um eixo perpendicular a este (exemplo v do Módulo III). Obtivemos sua lagrangiana
L = ½ m(ṙ2 + r2w2)
w
θ
O momento canônico é
pr = ∂L/∂ṙ = mṙ
De onde extraímos a velocidade
ṙ = pr⁄m
A hamiltoniana corresponde a
p2
H = prṙ - 1 mṙ2 - 1 mr2w2 = r - 1 mr2w2
2
2
2m 2
As equações de Hamilton são então
p
ṙ = ∂H = r
m
∂pr
ṗr = ∂H = mw2r
∂r
Assim, a equação de movimento, diferencial de segunda ordem
para r é
r̈ = rw2
108
Mecânica Clássica | Física
VI) Considere a máquina “envenenada” de Atwood (exemplo vi do Módulo anterior).
x2
x1
m2
m1
x3
m3
Escrevemos sua lagrangiana
L = ½ (m1 + m2)ẋ22 + ½ m3ẋ 23 + (m2 - m1)gx2 + m3gx3 - k/2 (x3 - x2 -1)2
Os momentos canônicos são
p2 =
∂L
= (m1 + m2)ẋ2
∂ẋ2
p3 =
∂L
= m3ẋ3
∂ẋ3
Extraindo as velocidades temos:
ẋ2 = p2 / (m1 + m2)
ẋ3 = p3m3
A hamiltoniana é dada por
H = p2ẋ2 + p3ẋ3 - ½ (m1 + m2)ẋ 22 - ½ m3ẋ 23 - (m2 - m1)gx2 + k/2 (x3 - x2 - l)2
Substituindo as velocidades nesta expressão temos:
H=
p22
p23
+
- (m2 + m1)gx2 - m3gx3 + k/2 (x3 + x2 + l)2
2 (m1 + m2)
2m3
Física | Mecânica Clássica
109
As equações de movimento são
p2
ẋ = ∂H =
∂p2 (m1 + m2)
ṗ2 = - ∂H = (m2 + m1)g + k(x3 + x2 - l)
∂x3
e
p2
ẋ3 = ∂H =
∂p2 (m1 + m2)
ṗ2 = - ∂H = m3g - k(x3 + x2 - l)
∂x2
O estudante pode concluir que estas equações conferem com o
resultado obtido no exemplo vi do Módulo III.
110
Mecânica Clássica | Física
Exercícios
1) Escreva a hamiltoniana de uma partícula sujeita a um campo
central, usando para isso coordenadas esféricas. Escreva também
as equações canônicas.
2) Considere o sistema de duas partículas de massas idênticas presas
às extremidades de uma haste de comprimento l, rígida e de massa
desprezível, vinculadas a se moverem em sulcos perpendiculares,
conforme exercício 2 do módulo anterior. Escreva a hamiltoniana
deste sistema de duas partículas usando como coordenada generalizada o ângulo α que a haste forma com a horizontal. Despreze possíveis atritos. Use as equações de Hamilton para obter as equações
canônicas de movimento do sistema.
3) Considere o pêndulo simples do exercício 3 do módulo anterior.
Escreva a hamiltoniana e as equações de Hamilton do sistema.
4) Seja a conta do exercício 5 do módulo anterior, cuja lagrangiana é
fornecida ali. Encontre sua hamiltoniana e as equações de Hamilton.
5) Considere a máquina de Atwood oscilante e sua lagrangiana fornecida no exercício 6 do módulo anterior. Escreva sua hamiltoniana
e as equações de Hamilton do sistema.
Física | Mecânica Clássica
111
Módulo I
1) |v2| = |v1|cotθ
2) r = beλθ
3) 1) aT = g(1 - (v0 / v)2)½ 2) aN = g x v0 /v
3) ρ = v3/ gv0
4) 1) wh/cos2θ
2) wh x tanθ/cosθ
3) 2w2 h x sinθ/(cosθ)3
4) w2h x (1 + sinθ2) / (cosθ)3
5) vB = v02t / ((H - h)2 + v02 t2)½ e ∆t = 3H2 - 2Hh / v0
6) vA = 3/2 x vC
vB = 2 x vC
vD = 5/4 x vC
7) Demonstração
8) vC = wr
9) 1) vC = wr
2) = vC/R-r = wr/R-r
10) vC = vR/R-r
11) wDG = 7rot/dia e cosφ = 2 7/7
12) 1) wb
2) v2 + w2b2
3) Zero
4) b w4 + α2
5) 2wv
6) w4b2 + α2b2 + 4w2v2 + 4wbαv
112
Mecânica Clássica | Física
13) 1) -3/4 x gT(x̂ + 1/2 x ŷ)
2) V = (v - 3/4 x gT) x̂ - 3/8 x gT ŷ
3) Atr = -(3/4 x g + 9/32 x g2T2/R) x̂ - 3/8 x gŷ
4) aCor = 2w x v = -3/2 x gTv/R x ŷ
Aabs = Atr + aCor
Módulo II
1) Arc tanA/g
2) O do centro.
3) ‖N‖ = m[g+v2 ⁄ (R+h)]
4) F = - mα2λ2 / y3 x ŷ
5) Demonstrar
6) 1) mẍ + λẋ = 0
mÿ + λẏ = -mg
2) τ = m/λ x ln(1 + λv0senθ⁄mg)
7) 1) x = Acoswt, sendo w2 = k/m e a data inicial, t = 0, tal que x
(0) = A e ẋ(0) = 0;
3) v ≡ ẋ = -wAsenwt
8) 2) τ = 2π m⁄k
9) ‖A‖ = 5,5m⁄s2
10) O movimento é periódico, com τ = 2π m⁄k.
11) Não, a pedra ao cair não segue rigorosamente a vertical do lugar: à proporção que cai vai se desviando para o leste.
Física | Mecânica Clássica
113
12) O ângulo que o fio forma com a vertical do lugar (e não do vagão!) é o mesmo que a rampa forma com a horizontal.
Módulo III
1) L = ½ m(ẋ2 + ẏ2+ ż2) - V( (x2 + y2 + z2))
L = ½ m(ṙ2 + r2 2 + r2φ2sen2θ) - V(r)
O sistema esférico simplifica a forma das equações de movimento
e possui uma coordenada cíclica.
2) L = ½ ml2α2 - mglsenα ; α + g/l cosα = 0
3) L = ½ ml2 2 + mglcosθ ; θ + g/l senθ = 0, tomando o ponto mais
baixo como origem.
(m1 + m2) 2 2 m2 2 2
l 1θ1 +
l θ + m2l1l2θ1θ2cos(θ1- θ2)
2 2 2
2
+ (m1 + m2)gl1cosθ1 + m2gl2cosθ2
4) L =
(m1 + m2) l 21 θ1 + m2l1l2θ2cos(θ1- θ2) + m2l1l2θ 22 sen(θ1- θ2)
+ (m1 + m2)gl1senθ1 = 0
m2l 22 θ2 + m2l1l2θ1cos(θ1- θ2) - m2l1l2θ 21 sen(θ1- θ2)
+ m2gl2senθ2 = 0
Módulo IV
p2
p2
θ
φ
1
1) H = prṙ + pθθ + pφφ - L = 2m p 2r + r2 + r2sen2θ + V (r)
p
p
p
ṙ = - ∂H = mr , θ = ∂H = θ2 , φ = ∂H = 2 φ 2
mr
mr
sen θ
∂pθ
∂pr
∂pφ
2
pφ2
p2
dV , ṗ = - ∂H = pφ cotgθ , ṗ = - ∂H = 0
ṗr = - ∂H = θ3 +
3
2 θ
φ
mr sen θ dr
∂pr rm
∂φ
∂θ mr2sen2θ
p2
α
2) H = pαα - L = 2ml2 + mglsenα
pα
ml2
ṗα = -mglcosα
α=
114
Mecânica Clássica | Física
p2
3) H = 2mlθ 2 - mglcosθ
pθ
ml2
ṗθ = -mglsenθ
θ=
p2
4) H = prṙ - L = 2mr - 12 mw2r2 + mgrsenwt
pr
m
ṗr = mw2r - mgsenwt
ṙ=
p2
p2
5) H = 2 (m +r M) + 2mrθ 2 + gr(M - mcosθ)
pr
(m + M)
p2
ṗr = θ3 - g(M - mcosθ)
mr
p
θ = θ2
mr
ṗθ = - mgrsenθ
ṙ=
Física | Mecânica Clássica
115
116
Mecânica Clássica | Física
Sistema de Coordenadas
Apesar de a Mecânica de Newton ser uma teoria vetorial e os
vetores serem de natureza matemática bastante adequados para
descrever muitas grandezas e teorias na Física, não apenas na Mecânica Clássica, no momento conclusivo de realizar cálculos temos que, invariavelmente, “projetar” os vetores em algum sistema
de coordenadas adequado. Neste apêndice faremos uma análise de
como se expressam as principais grandezas cinemáticas nos mais
usuais sistemas de coordenadas, que são os sistemas cartesianos,
polares, cilíndricos e esféricos. Vamos também estudar como se
“traduzem” os vetores de um sistema de coordenadas cartesianas
para outro daqueles sistemas citados acima.
Física | Mecânica Clássica
117
1.
Coordenadas Cartesianas
Na figura 1 está representado um sistema de eixos cartesianos, ligado
a algum referencial, e o vetor posição de uma partícula representada
pelo ponto P que se move em relação a tal referencial. O vetor posição r = P – O tem a seguinte representação neste sistema cartesiano:
p
z
r
0
y
x
Figura 1
r = xx̂ + yŷ + zẑ
Eq.A1
Aqui as funções escalares x = x(t), y = y(t) e z = z(t) são as coordenadas cartesianas do ponto P e os vetores constantes x̂ , ŷ e ẑ são
os unitários segundo os eixos Ox, Oy e Oz, respectivamente.
Os vetores velocidade v e aceleração a, são definidos em relação ao
vetor r como v = ṙ e a = r̈ respectivamente, e se escrevem então como
v = ẋx̂ + ẏŷ + żẑ
a = ẍx̂ + ÿŷ+ z̈ ẑ
Eq.A2
Eq.A3
Ou seja, as componentes vx, vy, vz, ax, ay e az, dos vetores v e a , são
respectivamente vx = ẋ, vy = ẏ, vz = ż, ax = ẍ, ay = ÿ , az = z̈ .
118
Mecânica Clássica | Física
2.
Coordenadas Polares
Na figura abaixo está representada pelo ponto P uma partícula que
se move sobre a curva plana γ e um sistema de eixos cartesianos Oxy
por hipótese ligado ao referencial de onde se observa o movimento da
partícula. Se representam também o vetor posição r = P – O, os unitários x̂ e ŷ segundo os eixos Ox e Oy, o ângulo θ entre o vetor r e o eixo
Ox e os unitários r̂ e do sistema de coordenadas polares ali definido:
y
P
ŷ
0
θ
x
x
Figura 2
Nota-se da figura que o vetor posição, em coordenadas polares, é
r = rr̂
Eq.A4
Sua derivada temporal irá nos fornecer naturalmente o vetor
velocidade
v = ṙ = ṙr̂ + r
Precisamos expressar o vetor em termos dos unitários polares r̂
e θ. Usando primeiramente a regra da cadeia temos:
dr̂ /dt =
x
∂r̂ /∂θ
Vamos investigar quem é o vetor ∂r̂ /∂θ. Para isso vamos escrever
os unitários polares na base cartesiana:
Física | Mecânica Clássica
119
Eq.A5
Eq.A6
Então podemos escrever finalmente o vetor velocidade:
v = ṙr̂ + r
Eq.A7
O vetor aceleração segue a mesma receita e pode ser calculado como
a = v̇ = r̈ r̂ + ṙr̂ + (ṙ + rθ) + r
Fazendo uso da regra da cadeia e das relações das derivadas dos
vetores unitários acima chega-se facilmente à forma do vetor aceleração em coordenadas polares:
a = (r̈ - r 2) r̂ + (2ṙ + rθ)
Eq.A8
Ou seja, o vetor velocidade em coordenadas polares possui componentes radiais e tangenciais dadas por
vr = ṙ
vθ = r
Eq.A9
E o vetor aceleração em coordenadas polares possui, por sua vez,
componentes radiais e tangenciais dadas por
ar = r̈ - r 2
aθ = 2ṙ + rθ
Eq.A10
120
Mecânica Clássica | Física
3.
Coordenadas Cilíndricas
A figura abaixo nos auxiliará a definir as coordenadas cilíndricas:
z
z
ρ
φ
P
ρ
z
y
x
φ
Figura 3
Repare que as coordenadas cilíndricas (ρ, φ, z) podem muito bem
ser vistas como uma extensão das coordenadas polares do plano, que
é onde aquelas são definidas, para o espaço tridimensional. Você pode
imaginar que cada ponto no plano (x,y) com coordenadas “polares” ρ
e φ ganha uma terceira dimensão ao ser tabulado com a coordenada
z. De fato, para definir os vetores posição, velocidade e aceleração
podemos tomar emprestadas suas representações em coordenadas polares e adicionar um componente “z” . Poderemos então, tomando em
conta que apenas se trocam as letras r por ρ, θ por φ, fazer as seguintes
associações (escrevendo os vetores no formato de matrizes colunas):
Polares
r=
v=
a=
r
0
ṙ
rθ
r - rθ2
2ṙθ + rθ
Cilíndricas
ρ
r=
r
z
ρ
v = ρφ
ż
ρ - ρφ2
a = 2ρφ + ρφ
z
Física | Mecânica Clássica
121
Então os vetores em coordenadas polares apenas ganham uma
terceira dimensão z e, PLUFT!, estamos em coordenadas cilíndricas!
Realmente, basta seguir uma trajetória análoga àquela adotada para
encontrar os vetores velocidade e aceleração em coordenadas polares, quer dizer, derivar em relação ao tempo o vetor posição
r = ρρ + zẑ
Eq.A11
Usando regra da cadeia e derivando expressões para as derivadas
dos unitários análogas às Eq.A5 e Eq.A6, e derivando mais outravez
para encontrar o vetor aceleração para constatar que:
v = ρρ + ρφφ + zẑ
Eq.A12
a = (ρ - ρφ2) ρ + (2ρφ+ ρφ) φ + z̈ ẑ
Eq.A13
122
Mecânica Clássica | Física
4.
Coordenadas Esféricas
x3
er
eø
θ
r
ø
eθ
x2
Figura 4
Enquanto as coordenadas cilíndricas se mostram particularmente
adequadas a problemas que envolvem simetrias em torno de um eixo,
as coordenadas esféricas são bastante adequadas para os problemas que
possuem simetria em torno de um ponto, ou centro. Nesta categoria estão problemas muito importantes e fundamentais em Física, como os
movimentos dos corpos celestes e o movimento do elétron no átomo.
Entretanto, a semelhança encontrada entre os sistemas cilíndricos e polares não sobrevive aqui. Vejamos como ficam os vetores
tendo por base a figura acima. Temos em primeiro lugar a coordenada radial r, que liga o centro tridimensional ao ponto em questão,
depois a coordenada chamada azimutal representada pelo ângulo φ
e por fim a coordenada zenital, do ângulo θ.
Podemos escrever primeiramente o vetor posição do ponto P
mostrado na figura, obviamente dado por
r = rr̂
Eq.A14
A fim de encontrar a derivada temporal deste vetor teremos, como
nos casos anteriores, que usar a regra da cadeia e também conhecer
algumas derivadas dos vetores unitários r̂ , θ e φ. Vamos então, primeiramente, escrever os unitários esféricos em termos da base cartesiana. Temos a “definição” destes vetores:
Física | Mecânica Clássica
123
r = (r.x)x + (r.y)y + (r.z)z
θ = (θ.x)x + (θ.y)y + (θ.z)z
φ = (φ.x)x + (φ.y)y + (φ.z)z
Com um pouco de análise da figura 4 obtemos os valores:
r̂ .x̂ = sinθcosφ ; r̂ .ŷ = sinθsinφ ; r̂ .ẑ = cosθ;
θ.x̂ = cosθcosφ ; θ.ŷ = cosθsinφ ; θ.ẑ = -sinθ;
φ.x̂ = -sinφ ; φ.ŷ = cosφ ; φ.ẑ = 0
Podemos então escrever:
r = sinθcosφx + sinθsinφy + cosθz
θ = cosθcosφx + cosθsinφy - sinθz
φ = -sinφx + cosφy
∂r
∂θ = θ ;
∂θ = -r ;
∂θ
∂φ
∂θ = 0 ;
∂r
∂φ = sinθφ
∂θ
∂φ = sinθφ
∂φ
∂φ = -sinθr - cosθθ
Eq.A15
Interessante constatar destas relações que os vetores unitários
da base esférica não possuem qualquer dependência com a coordenada r, o que pode também ser constatado por uma análise geométrica, a partir da própria figura4.
Calculando as derivadas temporais do vetor posição e depois do
vetor velocidade, usando a regra da cadeia e as relações 15 obtemos,
após um pequeno trabalho os vetores
v = ṙr̂ + r
+ rφsinθφ
Eq.A16
a = (r̈ - r 2 - rφ2sen2θ) r̂ + (2ṙ + rθ - - rφ2sinθcosθ)
+ (rφsinθ + 2ṙφsinθ + 2r φcosθ)φ
Eq.A17
124
Mecânica Clássica | Física
Escrevendo separadamente as componentes, os vetores velocidade e aceleração são escritos em coordenadas esféricas com
vr = r ̇
vθ = r
vφ = rφsin
Eq.A18
ar = r̈ - r 2 - rφ2sen2θ
aθ= 2ṙ + rθ -- rφ2sinθcosθ
aφ = rφsinθ + 2ṙφsinθ + 2r φcosθ
Eq.A19
Física | Mecânica Clássica
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Mecânica Clássica | Física
Relações entre
Campos Vetoriais
Quando o teorema discriminador nos informa que as velocidades
dos pontos de um sólido, em sua condição mais geral, constituem
um campo motorial, podemos imediatamente escrever que
vA = vB + g × (A - B)
eq.12
Quer dizer, o máximo que podemos afirmar é que há uma relação como a 12, com uma coordenada livre sem relação imediata
Física | Mecânica Clássica
127
com a velocidade de rotação w. Por outro lado, sabemos que,
no caso particular de rotação pura, g se reduz realmente a w. O
que nos levaria então a identificar a coordenada livre presente na
eq.12 com o vetor velocidade de rotação, como na eq.11? Um argumento possível seria o seguinte: considere dois pontos, A e B
de um sólido que em determinado instante se encontra em movimento. De acordo com a eq.12 temos que
vA = vB + g
×
eq.a
(A - B) ⇒ vA - vB = g
×
(A - B)
Suponha agora o movimento deste corpo sendo visto por um observador em um referencial que se move, no mesmo instante, com
velocidade igual a vB em relação ao referencial inicial. Vamos usar
com ‘ para especificar as grandezas neste novo referencial. Então,
como vB' = 0 , o movimento do sólido é de rotação pura, pois existe
um ponto fixo (é fácil mostrar, na Cinemática do Sólido, que se em
um determinado instante existe um ponto fixo, no movimento do
sólido, então existirá um eixo instantâneo de rotação, e o movimento, naquele instante, é de rotação pura em torno deste eixo). E
então sabemos que a eq.10 nos permite escrever
v A' = v B' + w
eq.b
×
(A - B) ⇒ vA' - vB' = w × (A - B)
Comparando as equações a e b podemos ver que seus membros
esquerdos são iguais, pois são velocidades relativas, que são as
mesmas em ambos os referenciais e, portanto, g = w. q.e.d.
128
Mecânica Clássica | Física
Referências
São muitas e variadas as fontes de estudo existentes a respeito da
Mecânica Clássica. Seria uma temeridade tentar montar uma lista
das melhores ou mais adequadas para tal estudo. Vamos nos ater
aqui a citar apenas duas referências excelentes para o estudante
que pretenda fazer uma leitura mais detalhada e aprofundada do
tema, por duas e boas razões: primeiro, são de autores nacionais,
professores experientes e dedicados ao ensino da Mecânica por
décadas a fio, e nas melhores Universidades brasileiras. Segundo:
foram as principais fontes de inspiração, consulta e referência ao
construir este texto. Fomos, inclusive, buscar ali boa parte do material de exemplos e exercícios utilizados aqui. Estas duas grandes
obras são o livro do Prof. (falecido) da UFRJ, L. P. M. Maia, Mecânica Vetorial,editado pela Editora da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 1984, e o livro do Prof. Nivaldo A. Lemos, da UFF,
Mecânica Analítica, editado pela Editora Livraria da Física, 2004.
As referências neles contidas são, nos parece, suficientes para os
propósitos de um Curso de Graduação em Física.
Física | Mecânica Clássica
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Marcos Tadeu D’Azeredo Orlando
Possui graduação em Física pela Universidade de São
Paulo (1989), mestrado em Física pela Universidade
de São Paulo (1991), doutorado em Física pelo Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (1999), pós-doutorado
em Física com ênfase em Teoria de Campos realizado
no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (2006). Realizou um segundo pós-doutorado na área de difração de nêutrons sob pressões hidrostáticas externas
(2008). É professor concursado do quadro permanente
desde 1993 da Universidade Federal do Espírito Santo.
Marco Antônio dos Santos
Possui graduação em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979) , mestrado em Física
pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1987) ,
doutorado em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (2001) e pós-doutorado pelo Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (2002) . Atualmente
é Revisor da American Mathematical Society e
Professor Associado III da Universidade Federal do
Espírito Santo. Tem experiência na área de Física
, com ênfase em Física das Partículas Elementares
e Campos. Atuando principalmente nos seguintes
temas: teoria quântica de campos, teorias de gauge,
formulação canônica, modelos multidimensionais.
Física | Mecânica Clássica
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Mecânica Clássica | Física
www.neaad.ufes.br
(27) 4009 2208
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