Historia Económica Social Apontamentos de: Mafalda Diogo E-mail: [email protected] Data: Outubro 2006 Livro: Nota: Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito. HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL Cap. I Introdução: história económica e desenvolvimento económico Se algumas nações são ricas e outras pobres, porque não adoptam as pobres os métodos e políticas que tornaram as outras ricas? Na verdade essas tentativas foram feitas, mas, na maior parte dos casos, sem grande sucesso: 1. Não há acordo generalizado sobre os métodos responsáveis pelos rendimentos mais elevados das nações mais ricas. 2. Mesmo que esse acordo existisse, não é de forma alguma certo que os métodos e políticas semelhantes produzam os mesmos resultados nas diferentes circunstâncias geográficas, culturais e históricas das nações com parcos recursos. 3. Embora tenham sido feitas muitas investigações sobre o problema, os estudiosos e cientistas ainda não elaboraram uma teoria de desenvolvimento económico que seja operacionalmente útil e aplicável na generalidade A análise histórica pode focar, duma forma que as outras abordagens não podem, as origens dos níveis de desenvolvimento desiguais que existem presentemente. Ao concentrar-se em momentos de crescimento e declínio no passado, a abordagem histórica isola os fundamentos do desenvolvimento económico. É uma ajuda à objectividade e clareza do pensamento. A posição de alguns perante a observação de que a situação contemporânea é única, e por isso, a história é irrelevante para os seus interesses, estão a cometer 2 erros: 1. Aqueles que ignoram o passado não são qualificados, para sobre ele generalizar. 2. Nega implicitamente a uniformidade da natureza, incluindo o comportamento humano e o comportamento das instituições sociais – uma presunção sobre que se funda qualquer pesquisa científica. Tais atitudes revelam como é fácil, sem perspectiva histórica, confundir os sintomas de um problema com as suas causas. Crescimento, desenvolvimento e progresso Crescimento económico – é um aumento sustentado da produção total de bens e serviços produzidos por uma dada sociedade. Esta produção total tem sido medida como rendimento nacional, ou produto nacional bruto (PNB). O crescimento económico só é significativo se for medido em termos de produção per capita. 2 Produto interno bruto (PIB) – é normalmente um valor intermédio entre o PNB e o rendimento nacional. Desenvolvimento económico – é o crescimento económico acompanhado por uma mudança estrutural ou organizacional substanciais na economia. A mudança estrutural ou organizacional pode ser a causa de crescimento, mas não necessariamente; por vezes a sequência causal segue na direcção oposta, as 2 mudanças podem ser ainda o produto comum de outras mudanças; dentro ou fora da economia. Crescimento económico – é um processo reversível – isto é, pode ser seguido de declínio, assim como o desenvolvimento económico. Tanto o crescimento como o desenvolvimento são, em princípio termos isentos de valor, na medida em que podem ser calculados e descritos sem referências a normas éticas. Tal não é obviamente, o caso com o termo progresso económico, a não ser que se lhe dê uma definição altamente restritiva. Na ética secular moderna, crescimento e desenvolvimento são frequentemente equacionados com progresso, mas não existe necessariamente uma ligação entre eles. Determinantes do desenvolvimento económico Factores de produção: - terra - mão-de-obra - capital - dinâmica empresarial (opcional) A produção total duma economia é determinada pela quantidade de empregados. Esta classificação e diversas fórmulas que dela se podem extrair, são indispensáveis para a análise económica moderna e também extremamente úteis no estudo da história económica. Ao passar-se da análise económica a curto prazo para o estudo do desenvolvimento económico, os parâmetros tornam-se as variáveis mais importantes. Uma classificação mais alargada dos determinantes da produção é, necessária para analisar a mudança económica no tempo histórico. Uma classificação deste tipo considera a produção total num dado período de tempo e a sua taxa de mudança através do tempo como funções da «mistura» de populações, recursos, tecnologia e instituições sociais. Estes 4 factores não são variáveis únicas; cada um é um aglomerado de variáveis. Os recursos são a vasta «terra» dos ditames da economia clássica. O termo abarca não apenas a quantidade de terra, a fertilidade do solo e os recursos naturais convencionais, mas também o clima, a topografia, a disponibilidade de água e outras características do ambiente natural, incluindo a localização. Em séculos recentes, a inovação tecnológica tem sido a fonte mais dinâmica de mudança e desenvolvimento económicos. 3 O inter-relacionamento da população, recursos e tecnologia na economia é condicionado por instituições sociais, incluindo valores e atitudes. Este conjunto de variáveis é por vezes, também chamado contexto sociocultural ou matriz institucional da actividade económica. Instituições mais frequentemente relevantes: - Estrutura social (nº, dimensão relativa, base económica e fluidez das classes sociais). - A natureza do Estado ou regime político. - Propensões religiosas ou ideológicas dos grupos ou classes dominantes. Teoria institucionalista – considera que o desenvolvimento económico é o produto duma tensão ou luta permanente entre a mudança tecnológica e as instituições sociais. Segundo esta teoria, a tecnologia é o elemento dinâmico e progressivo, enquanto as instituições resistem uniformemente às mudanças. Produção e produtividade Produção - é o processo pelo qual os factores de produção são combinados para produzir os bens e serviços desejados pelas populações humanas. A produção pode ser medida em unidades físicas ou em termos de valor (monetários). Produtividade – é a relação entre o resultado útil dum processo produtivo e a utilização dos factores de produção. Pode ser medida em unidades físicas ou em termos de valor. Para medir a produtividade de factor total – isto é, a produtividade combinada de todos os factores – são necessários termos de valor. O capital humano (não escravos) resulta de investimento em conhecimento e capacidade ou especialização. O investimento pode assumir a forma de ensino normal ou formativo, de estágio, de aprendizagem do ofício. Embora o capital humano seja adquirido, as diferenças nos níveis de capital humano per capita entre as economias mais ou menos avançadas fazem parte dos factores mais notáveis e importantes a serem analisados. A produtividade de todos os factores de produção aumentou consideravelmente ao longo dos tempos. A que se deve tal aumento? Entre as determinantes mais importantes estão: - Os avanços em tecnologia - Melhorias na organização tanto a macro como a micronível - Em especial, maiores investimentos em capital humano. Lei dos rendimentos decrescentes – um único trabalhador, utilizando uma determinada tecnologia, seja ela simples ou complexa, é capaz de realizar alguma produção. À medida que vão sendo acrescentados trabalhadores, até um certo ponto, o produto marginal aumenta. Todavia, à medida que vão sendo acrescentados trabalhadores, estes poderão imiscuir-se no trabalho uns dos outros, pisar a colheita, etc. – e o produto marginal diminui: é este o conceito da lei dos rendimentos decrescentes. Produto marginal – é a diferença entre o trabalho realizado por ex: entre um trabalhador que produz 10 alqueires, ao juntar-se outro trabalhador produzem 25 alqueires, o produto marginal é de 15 (25-10=15). 4 Estrutura económica e mudança estrutural Estrutura económica – (não confundir com estrutura social, embora ambas se relacionem) trata as relações entre os vários sectores da economia, especialmente os 3 sectores principais: primário, secundário e terciário. Como podem ser explicada as mudanças estruturais? A mudança da agricultura para actividades secundárias implicou 2 processos principais: 1. No âmbito da oferta, o aumento da produtividade, tornou possível conseguir a mesma quantidade de produção com menos mão-de-obra. No âmbito da procura, entrou em jogo uma regularidade do comportamento humano, chamada lei de Engel – baseada em inúmeros estudos de orçamentos familiares, a lei de Engel diz que à medida que o rendimento do consumidor aumenta, a proporção desse rendimento que é gasta na alimentação diminui. (Isto, por sua vez pode ser relacionado com a lei da utilidade marginal decrescente; nomeadamente quanto mais se tem de um dado bem menos se valoriza uma sua qualquer unidade). 2. Com produtividade acrescida, os gostos são basicamente responsáveis por tais mudanças estruturais, mas a força motivadora imediata das mudanças é, normalmente a mudança nos preços (e salários) relativos. Isto é igualmente verdadeiro para muitas outras mudanças económicas, como o aumento de novas indústrias e o declínio de antigas ou a mudança de produção de uma área geográfica para outra. Os preços de bens e serviços são determinados pela interacção de oferta e procura. A logística do crescimento económico O uso vulgar do termo logística aplica-se à organização de provisões para um grande grupo de pessoas. Mas logística é também uma fórmula matemática. A curva logística que dela deriva tem a forma dum S e é, por vezes, designada por curva em S: Pág 35 A curva tem 2 fases, uma de crescimento acelerado seguida por uma fase de desaceleração; matematicamente, no seu limite a curva aproxima-se assimptoticamente duma linha horizontal que é paralela à assimptota de origem. Tem-se observado que as curvas logísticas podem igualmente descrever com algum rigor muitos fenómenos sociais, especialmente o crescimento das populações humanas. Y= rendimento nacional (ou produção) P = população; R = recursos; T = tecnologia; X = instituições sociais (o grande desconhecido) Y= f (P,R,T,X) 5 A taxa de mudança ao longo do tempo é: dy : dt = df :dt Cap. II Desenvolvimento económico nos tempos antigos Os humanos do final do Paleolítico tinham alcançado um estado relativamente avançado de desenvolvimento tecnológico e provável também social. Fizeram uma grande variedade de ferramentas de pedra cinzelada e lascada. Como armas, tinham lanças, harpões, fundas, arcos e flechas. Nesta época os humanos eram principalmente caçadores carnívoros, pelo menos na Eurásia, na América do Norte e na África do Norte, entre as suas presas favoritas contavam-se os cavalos selvagens, os bisontes, as renas e os mamutes, que abundavam naqueles tempos. Há muito que conheciam e utilizavam o fogo. A unidade da organização social era o bando, ou tribo, consistindo em cerca de meia dúzia de famílias. Era essencialmente migratório, perseguindo a caça, mas limitava normalmente as suas migrações a uma área geográfica restrita e podia regressar, a intervalos periódicos, a um centro cerimonial como um bosque ou gruta sagrados. O contacto entre bandos ou tribos era provavelmente raro, mas não tão raro que evitasse a difusão de características sociais e técnicas, e talvez algum comércio de troca primitivo, onde se incluiria a troca de mulheres. As regras do casamento e do parentesco tinham evoluído e o incesto era universalmente interdito. Crenças animistas pressagiavam a religião assim como o calendário primitivo prognosticava a ciência. Algumas indicações do nível do desenvolvimento cultural são dadas pelas magníficas pinturas rupestres do norte de Espanha e do sudoeste de França. Não apenas mostram um alto nível artístico, como reflectem aspectos das actividades económicas dos seus criadores e, provavelmente, os seus conceitos religiosos. Os temas mais comuns são os animais que caçavam; as pinturas podem ter sido feitas com o objectivo de comemorar caçadas particularmente bem sucedidas, ou poderão ter sido evocações aos espíritos para que lhes dessem caça abundante. A partir de restos de esqueletos, calcula-se que a duração média de vida era de não mais de cerca de 20 anos. Dada a natureza da sua economia, os humanos do período do paleolítico estavam sujeitos a ciclos periódicos de abundância e carestia, dependendo do movimento da caça e da sorte da caçada. Apesar destes contratempos, os humanos do Paleolítico estavam distribuídos por toda a face da Terra. As densidades populacionais variavam, sem dúvida, em função da flora e da fauna que eram os seus meios de subsistência, com as densidades mais elevadas nas zonas tropicais e subtropicais; mas pelos padrões modernos, as densidades não eram altas em região alguma. Dinâmica económica e a emergência da civilização 6 Estivessem ou não relacionadas com as mudanças climáticas, importantes mudanças tecnológicas ocorreram também no quarto ou quinto milénio que se seguiu ao recuo dos glaciares, especialmente no Próximo e Médio Oriente. As ferramentas de pedra (e também objectos artísticos e religiosos) tornaram-se mais complexos e sofisticados. Afiar e polir a pedra substitui os velhos métodos de raspar e lascar. Tinha chegado o período do neolítico, ou Idade da Nova Pedra. Os novos processos mais importantes foram: - A invenção da agricultura - A domesticação de animais O período e localização exactos destas últimas realizações são ainda discutidos. Nem sequer é certo que tenham ocorrido em conjunção uma com a outra embora pareça provável que tal tenha acontecido, pelo menos quanto a alguns animais. O local mais provável é algures denominado Crescente Fértil, a faixa de terra que se estende ao longo do extremo oriental do Mediterrâneo, atravessando as colinas do norte da Síria e do Iraque, descendo os vales do Tigre e do Eufrates até ao Golfo Pérsico. Uma hipótese, é que a domesticação de plantas era trabalho de mulheres nas colinas do norte do Iraque, ou Curdistão. Por volta de 6.000 a. C., a agricultura organizada, que envolvia o cultivo de trigo e cevada e a criação de carneiros, cabras, porcos estava bem enraizada em toda a região que se estende desde o Irão Ocidental até ao Mediterrâneo e ao longo das terras altas da Anatólia a ambos os lados do mar Egeu. Os utensílios usados pelos primeiros agricultores eram duma simplicidade extrema. O primeiro foi uma rudimentar foice ou faca segadeira – usada na colheita de sementes de ervas silvestres e, eventualmente, dos cereais cultivados. Uma das principais consequências da invenção da agricultura foi a maior capacidade de determinar áreas para sustentar as suas populações. Assim, a população cresceu onde quer que a população neolítica se difundisse. À medida que era difundida iam sendo introduzidas modificações devido a diferenças de recursos e clima. A unidade básica da organização económica e social nas primeiras comunidades agrícolas era a aldeia de camponeses, cuja composição variava entre 10 e 50 famílias com uma população total de 50 a 300 pessoas. As aldeias de camponeses podem ser vistas como sucessoras lógicas, e talvez nalguns casos as reais, dos bandos de caçadores do final do período do Paleolítico, embora em média fossem susbstancialmente maiores devido à sua melhor adaptação ao ambiente. As condições de vida melhoraram ligeiramente em relação às das comunidades de caçadores. A duração média de vida não excedia, provavelmente os 25 anos. A Baixa Mesoptâmia- região entre os rios Tigre e Eufrates, mesmo a norte do golfo Pérsico – região pouco promissora, tornou-se alicerce da primeira grande civilização conhecida da História, a da Suméria, com grandes concentrações de pessoas, cidades 7 agitadas, arquitectura monumental e uma profusão de tradições religiosas, artísticas e literárias que influenciaram outras civilizações antigas durante milhares de anos. A base económica desta primeira civilização assenta numa agricultura altamente produtiva. O progresso da civilização acarretou uma divisão muito mais complexa do trabalho e do sistema de organização económica. Nasceram entre outras, as profissões ligadas à arquitectura, à engenharia, à medicina. Foram sistematizados pesos e medidas, a matemática foi inventada emergiram formas primitivas de ciência. Uma vez que a Suméria era praticamente desprovida de recursos naturais além do seu rico solo, negociava com outros povos, menos avançados, assim contribuindo para a difusão da sua civilização. A escassez de pedra, tanto para utensílios como para construção, acelerou provavelmente a adopção de cobre e do bronze. Consequentemente a metalurgia foi considerada um dos pilares da civilização. As primeiras cidades, como Eridu, Ur, Uruk e Lagash, eram organização económica e a religião centravam-se no templo da representada por uma hierarquia sacerdotal. Eram membros da trabalhos de irrigação, drenagem e a agricultura em geral cobrança das receitas como tributo ou imposto. cidades-templo, isto é, a divindade padroeira local, hierarquia que dirigiam os e que supervisionavam a A necessidade de manter registos das fontes e do destino deste tributo levou ao emprego de pictogramas simples em tabuinhas de barro, ainda antes de 3.000 a. C. Por volta de 2.800 a. C., os pictogramas tinham sido estilizados no sistema cuneiforme de escrita, uma característica distintiva da civilização mesoptâmica. É um dos poucos exemplos na História duma inovação significativa proveniente duma organização formalista. Embora a escrita tivesse sido criada como resposta à necessidade de manter registos administrativos, em breve passou a ter muitas outras utilizações: religiosas, literárias, económicas. Da sua primeira localização no topo do golfo Pérsico, a civilização mesoptâmica espalhou-se para norte, para a Acádia, cujo principal centro foi a cidade da Babilónia, e, subsequentemente, para as regiões mais altas dos vales do Tigre e Eufrates. As fundações económicas do império Antes da ascensão das primeiras grandes civilizações urbanas, a estrutura social das aldeias neolíticas de camponeses parece ter sido relativamente simples e uniforme. O costume e tradição, interpretados por um conselho de anciãos, regiam as relações entre os membros da comunidade. Nas primeiras cidades-templo da Suméria, por contraste, a estrutura social era definitivamente hierárquica. As massas de camponeses e trabalhadores não 8 especializados, que provavelmente ascendiam a 90% da população total, viviam num estado de servidão, senão de pura escravidão. A terra pertencia ao templo (ou à sua divindade) e era administrada pelos representantes da divindade, os sacerdotes. Mais provavelmente, a raiz da diferenciação de classes e da organização política formal eram as diferenças étnicas ou tribais. Á medida que as primeiras cidades-Estado se expandiram aproximando-se uma das outras, disputas de fronteiras e direitos sobre água tornaram-se fontes adicionais de conflito e conquista. Comércio e desenvolvimento no mundo mediterrânico Os Fenícios foram os primeiros marinheiros e mercadores especializados, segundo as suas próprias tradições, vieram para o mediterrâneo do golfo Pérsico ou do mar Vermelho, o que levanta a possibilidade de eles (ou os seus antepassados) poderem ter sido os primeiros intermediários entre a Suméria e o Alto Egipto através do Índico. Simultaneamente com o comércio, os Fenícios também desenvolveram várias indústrias de transformação, incluindo a manufactura da sua famosa tinta púrpura. Os Fenícios organizaram-se em cidades-Estado autónomas, das quais as mais famosas foram Sídon e Tiro. Fizeram parte dos povos mercantis mais proeminentes da civilização antiga. As suas actividades comerciais levaram-nos a desenvolver o alfabeto, que os Gregos e os Romanos adoptaram, como um substituto mais eficaz da escrita hieroglífica ou cuneiforme, a par de outras das suas técnicas comerciais. Os outros grandes comerciantes marítimos do Mediterrâneo forma os Gregos. Ao contrário dos Fenícios, os Gregos eram originalmente cultivadores mas o carácter rochoso e montanhoso da pátria que adoptaram depressa os levou ao mar, para complementar o escasso produto da sua agricultura. Os seus excelentes portos naturais e as inúmeras ilhas do mar Egeu adjacente também encorajaram esta partida. Os progressos comerciais e financeiros foram facilitados por uma inovação, de pequeno significado técnico mas de grande importância económica – a introdução da moeda cunhada. Dinheiro e cunhagem, não são idênticos. O comércio de troca e as transações a crédito tinham surgido muito antes da moeda cunhada. Esta porém, simplificou extraordinariamente as transacções comerciais e permitiu a extensão do sistema de mercado para muitos indivíduos e grupos que de outra forma teriam permanecido isolados numa economia fechada de subsistência. As primeiras moedas eram aparentemente feitas de electro, uma liga natural de ouro e prata que foi descoberta nos vales aluviais da Anatólia, mas devido à variabilidade proporcional dos 2 metais em electro, os metais puros eram os preferidos. Embora fossem cunhadas moedas de ouro e prata, a prata era mais abundante e mais prática para o comércio. O papel dominante de Atenas no comércio e na cultura do séc. V contribui também para a predominância da prata, pelo menos entre os Gregos; na verdade, os 2 fenómenos estavam intimamente relacionados. 9 A Idade de Ouro Ateniense foi tornada possível pela prata de Láurio. Empreendimentos económicos e limites da civilização antiga O apogeu da civilização clássica, pelo menos nos seus aspectos económicos, ocorreu durante o primeiro e segundo século da Era Cristã, sob o domínio de Roma. Os Romanos eram, originalmente, um povo agrícola, sobretudo pequenos camponeses com um grande respeito pelos direitos de propriedade. No decurso da sua expansão, tornaram-se progressivamente mais preocupados com os assuntos militares e administrativos, mas a sua ligação tradicional ao solo manteve-se. O comércio, por outro lado, não era muito importante no sistema de valores romano; era deixado nas mãos de classes sociais inferiores, de estrangeiros e mesmo de escravos. O sistema jurídico romano inicialmente, adaptado a um regime agrário mas gradualmente modificado pela incorporação de elementos gregos, permitiu uma liberdade de iniciativa considerável e não penalizou as actividades comerciais. Em especial, permitiu o cumprimento rigoroso de contratos e de direitos de propriedade e o julgamento rápido (e normalmente justo) de litígios. O maior contributo de Roma para o desenvolvimento económico foi a pax romana, o longo período de paz e ordem na Bacia Mediterrânica que possibilitou o desenvolvimento do comércio sob as condições mais favoráveis. Uma consequência da maior importância da pax romana foi o crescimento populacional. Economicamente os pilares gémeos do Império Romano eram a agricultura e o comércio. A queda do Império Romano e o declínio (ou retrocesso) da economia clássica não foram idênticos, apesar de estarem intimamente relacionados Uma razão ainda mais fundamental para os limites, e derradeira falha, da economia clássica transcende as causas imediatas do declínio de Roma: a falta de criatividade tecnológica. Esta esterilidade tecnológica contrasta vivamente com o brilho cultural de pelo menos alguns períodos da civilização antiga. A explicação parece residir na estrutura socioeconómica e na natureza das atitudes e incentivos que ela gerou. O trabalho muito produtivo era feito quer por escravos quer por camponeses servis, cujo estatuto diferia pouco do dos escravos. Mesmo que tivessem tido a oportunidade de melhorar a tecnologia, teriam colhido poucos benefícios, se é que algum, quer em termos de rendimentos mais elevados, quer em termos de redução da mão-de-obra. Uma sociedade baseada na escravatura pode produzir grandes obras de arte e literatura, mas não pode produzir um crescimento económico sustentado. 10 Cap. III Desenvolvimento económico na Europa Medieval Para enfrentarem as ameaças dos outros povos, os reis francos criaram um sistema de relações militares e políticas, mais tarde chamado feudalismo, que moldaram ao sistema económico em evolução. Os grandes nobres – duques, condes, marqueses – tinham muitas propriedades que abarcavam inúmeras aldeias; cediam algumas a fidalgos ou cavaleiros menos importantes, seus vassalos, em troca de um juramento de homenagem e fidelidade, semelhante ao que eles próprios tinham prestado ao Rei; a este processo dava-se o nome de subenfeudação. Subjacente ao sistema feudal, mas com origens mais antigas e bastante diferentes, estava a forma de organização económica e social chamada senhorialismo. O senhorialismo começou a tomar forma no fim do Império Romano, quando os latifundia (‘grandes quintas’) de nobres romanos foram transformados em propriedades auto-suficientes e os agricultores forma vinculados ao solo por legislação ou por pressões económicas e sociais mais directas e imediatas. As invasões bárbaras modificaram o sistema, principalmente através da introdução de chefes militares e de guerreiros nas classes governantes, e o senhorialismo recebeu o seu cunho definitivo nos séc. VIII e IX, durante as invasões sarracenas, viquingues e magiares, quando se tornava base económica do sistema feudal. Modelo típico de senhorio era coisa que não existia. As variações geográficas e cronológicas eram demasiado numerosas. Todavia, é útil criar um senhorio idealizado, hipotético. Enquanto unidade organizacional e administrativa, o senhorio compunha-se de terra, edifícios e gente que cultivava a primeira e habitava os últimos. Funcionalmente a terra estava dividida em : 11 - Arável Pastagem ou prado Pinhal Floresta ou terra inculta Eram normalmente propriedade comum, embora o senhor supervisionasse a sua utilização e mantivesse privilégios especiais nas florestas Juridicamente estava divida em : - Domínio senhorial - incluía a casa senhorial, celeiros, estábulos, oficinas, jardins e talvez vinhas e pomares. - Possessões camponesas – a terra que os camponeses cultivavam para si próprios estendia-se a grandes campos abertos em torno da casa senhorial e da aldeia. - Baldios – tanto no sentido de terreno ou pastagem comunitário, sem dono preciso ou singular, como de terreno inculto. Sociedade rural A sociedade compunha-se de 3 ordens: 1. os nobres – davam protecção e mantinham a ordem. 2. o clero – cuidava do bem estar espiritual da sociedade 3. os camponeses – trabalhavam para sustentar as 2 ordens superiores. A ordem clerical possuía várias gerações sociais: - Clero regular – que se retirava da vida normal para comunidades separadas. - Clero secular – padres e bispos, que participavam mais directamente na vida da comunidade. Havia distinções internas tanto no clero regular como no clero secular, baseadas no estatuto social dos indivíduos que ingressavam na vida religiosa. Os filhos mais novos das famílias nobres estavam frequentemente destinados, com ou sem formação apropriada, a tornarem-se bispos ou abades. Na população camponesa havia diferenças de estatuto. Em termos mais gerais havia 2 categorias: livres e servis; mas estas categorias nem sempre eram distintas, e havia nelas diferentes graus de servidão e liberdade. Padrões de estabilidade A organização do trabalho no senhorio envolvia um misto de cooperação e coerção costumeiras, com muito pouco espaço para a iniciativa individual. As operações mais importantes eram: lavrar, semear e colher. A importância do gado na economia medieval agrária variava consideravelmente de região para região. A sua maior importância era como animais de tiro: - Os bovinos existiam em toda a Europa - Os cavalos usados no noroeste da Europa e na Rússia - Os burros e as mulas, utilizados principalmente no sul de França e Espanha - Os búfalos-da-índia usados nalgumas regiões de Itália Forças de mudança 12 A inovação mais importante da prática agrícola medieval foi a substituição duma rotação trienal de culturas pela clássica rotação bienal da agricultura mediterrânica. Estava intimamente associada a 2 outras inovações significativas, a introdução da charrua de corte profundo e a utilização de cavalos como animais de tiro. Esta última dependia de outras inovações nos arreios e aprestos dos cavalos. A acrescentar a estas importantes inovações e melhoramentos mais discretos. Em resultado das novas fontes de abastecimento e evolução na metalurgia, o ferro passou a ser mais abundante e mais barato na Europa Medieval que no antigo Mediterrâneo; além da sua utilização para armadura dos cavaleiros e armamento, começou a ser usado em utensílios agrícolas: enxadas, forquilhas, machados, foices, ancinhos, etc. O valor do estrume animal para fertilizar o solo era há muito conhecido, mas foram levados a cabo esforços mais intensos para o recolher e conservar. A prática da margagem (acrescentando greda ou cal ao solo) aumentou a fertilidade de certos tipos de solos, como adição de turfa a outros. Pode também falar-se de inovações em termos de culturas desenvolvidas e gado criado. A Europa expande-se Os resultados económicos globais da expansão podem resumir-se numa difusão de tecnologia mais avançada, num aumento significativo da população devido tanto ao crescimento natural quanto à imigração, numa grande extensão da área cultivada (novos recursos) e numa intensificação da actividade económica. As Cruzadas, ao contrário da expansão alemã para o Oriente, não resultaram numa expansão geográfica permanente da civilização europeia; a sua causa era mais complexa, pois as suas motivações religiosas e políticas eram muito mais fortes que as motivações económicas. A era das Cruzadas terminou com a longa depressão secular do séc. XIV. O renascimento da vida urbana A única região que podia comparar-se ao norte de Itália, em termos de desenvolvimento urbano, era o sul dos Países Baixos, especialmente Flandres e o Brabante. Não só as 2 regiões tinham as maiores populações urbanas, como as suas densidades totais eram igualmente as maiores na Europa. A sua agricultura era a mais avançada e intensiva e tinham os centros comerciais e industriais mais importantes. O facto de a agricultura ser sempre mais intensiva e produtiva nos arredores das cidades que no campo sugere um papel importante para a procura urbana e para os mercados. Correntes e técnicas comerciais 13 O comércio mais prestigiado e lucrativo foi, sem dúvida, o que estimulou o reflorescimento comercial entre a Itália e o Levante. As feiras da Champanha emergiram no séc. XII como o local de reunião mais importante na Europa para os mercadores do Norte e do Sul. Sob a protecção dos condes da Champanha, que disponibilizavam instalações para o comércio e tribunais comerciais especiais, bem como protecção na estrada para os mercadores em viagem, as feiras rodavam quase continuamente ao longo do ano entre as 4 cidades: Provins, Troyes, Lagny e Bar-sur-Aube. Localizadas sensivelmente a meio caminho entre as 2 regiões económicas mais altamente desenvolvidas da Europa, o norte da Itália e os Países Baixos. As práticas e técnicas comerciais que se desenvolveram nestas cidades – por exemplo, as «cartas de feira» e outros instrumentos de crédito e os antecessores dos seus tribunais comerciais – exerceram uma influência muito mais alargada e duradoura que as próprias feiras. Mesmo após o seu declínio como centros de troca de mercadorias, continuaram por muitos anos a ser centros financeiros. Na segunda década do séc. XIV, tanto Veneza como Génova organizavam comboios anuais regulares, as famosas esquadras de Flandres. Estas caravanas de mar alto levavam mercadorias dos portos mediterrânicos directamente para o grande mercado permanente de Bruges (e daí para a Antuérpia), assumindo, assim, algumas das funções das feiras da Champanha. Na época carlovíngia, os mercadores eram normalmente estrangeiros – sírios e judeus. Commenda (uma forma de sociedade) – um mercador, talvez demasiado idoso para os rigores da viagem, disponibilizava o capital a outro, que fazia a viagem. Os lucros eram divididos normalmente três quartos para o capitalista sedentário e um quarto para o sócio activo. Tais contratos eram frequentes no comércio marítimo do Mediterrâneo, mas eram igualmente usados no comércio terrestre; estavam normalmente, limitados a um só empreendimento (viagem ida e volta). Á medida que o volume do comércio se expandiu e as práticas comerciais se tornaram padronizadas, surgiu uma nova forma de organização empresarial – a vera società, ou verdadeira companhia – que rivalizava, e por vezes suplantava, a commenda. Tinha vários sócios, por vezes em grande número, e frequentemente operava em muitas cidades por toda a Europa. Os Italianos eram, de longe, os mais destacados neste género de organização. No fim do séc. XIII, o seguro marítimo era prática comum. A banca e o crédito estavam intimamente relacionado com o comércio medieval. Os primeiros bancos de depósitos estabeleceram-se em Veneza e Génova logo no início do séc. XII. Originalmente criados como meros cofres de segurança, depressa começaram a transferir somas duma conta para outra sob ordem oral e, menos frequentemente , sob ordem escrita. Embora estivessem juridicamente proibidos de fazer empréstimos sobre fundos divisionários, os bancos concediam facilidades de 14 saques a descoberto aos melhores depositantes, assim criando novos meios de pagamento. Todo o negócio das feiras da Champanha era, na prática efectuado a crédito; no fim duma feira, os lucros não concretizados eram transferidos para a feira seguinte, por meio de cartas de feira, uma espécie de letra de câmbio. Embora as letras de câmbio se tenham desenvolvido em relação com o comércio de mercadorias, eram por vezes usadas como puros instrumentos financeiros, sem ligação directa às próprias mercadorias. Os cambistas – cuja tarefa era distinguir os valores dos diferentes tipos de moedas, desempenhavam um papel muito importante nas feiras e nos burgos mercantis. Das suas fileiras saíram muitos banqueiros. Só depois da segunda metade do séc. XIII é que a Europa obteve, por fim, uma moeda realmente estável, o famoso florim de ouro emitido pela primeira vez em Florença em 1252. Tecnologia industrial e as origens da força mecânica Embora largamente inferior à agricultura em termos de números envolvidos, a indústria não era de forma alguma um sector desprezível da economia medieval. A maior e mais disseminada indústria era, sem dúvida, o fabrico de tecidos, embora a indústria de construção, no seu todo, talvez estivesse num muito próximo segundo lugar. A produtividade da mão-de-obra, comparada com a dos tempos antigos, aumentou em muito, em resultado dum trio de inovações técnicas inter-relacionadas: o tear a pedal, que veio substituir a simples estrutura de tecer, a roda de fiar que substituiu o fuso; e o moinho pisoador a água. Custos de produção mais baixos são, sem dúvida, um motivo suficiente para a sua difusão, mas também reduziram o tédio do trabalho. (Princípio do séc. XII). Mais pequenas que as indústrias têxteis, mas estrategicamente mais importantes para o desenvolvimento económico, as indústrias metalúrgicas e afins tiveram um progresso notável em finais da Idade Média. A maior abundância e preço mais reduzido do ferro foram, em parte, resultado duma maior acessibilidade do minério de ferro e, principalmente de combustível (carvão vegetal ), na Europa a norte dos Alpes. Melhorias na tecnologia, nomeadamente a utilização da força da água para mover foles e grandes martinetes, foram, contudo também elas importantes. Ao aproximar-se o princípio do séc. XIV, os primeiros percursores do alto-forno moderno, que vieram substituir a chamada forja catalã, fizeram a sua aparição. A organização de mineiros e trabalhadores metalúrgicos em comunidades livres de artesãos, em contraste com os bandos de escravos dos tempos romanos, facilitou, sem dúvida, a mudança tecnológica. Outra indústria de grande utilidade prática que se expandiu apreciavelmente além das dimensões clássicas foi a de curtumes e o trabalho em peles. 15 É aos pensadores medievais, não aos filósofos clássicos, que devemos invenções tão úteis como as lunetas e os relógios mecânicos. O astrolábio e a bússola começaram a ser usados na Europa durante a Idade Média, a par dos progressos significativos na técnica de navegação e na concepção dos navios que ajudam a distinguir a Idade Medieval da Moderna. De forma semelhante, a pólvora e as armas de fogo foram invenções medievais, embora o seu período de eficácia viesse mais tarde. A crise da economia medieval A Peste Negra foi o episódio mais dramático na crise da economia medieval, mas não foi de forma alguma a origem ou a causa dessa crise. A Grande Fome de 1315-17 afectou todo o norte da Europa, dos Pirinéus à Rússia; na Flandres, a região mais densamente povoada, a taxa de mortalidade saltou para dez vezes mais que o seu valor normal. Há alguns indícios de deterioração climática do séc. XIV. Por muito sérios que fossem estes problemas, não é provável que expliquem inteiramente a estagnação e o declínio de toda a economia. Uma explicação mais geral é a sobrepopulação face aos recursos e tecnologia disponíveis. Na segunda metade do séc. XIV ocorreram revoltas, revoluções e guerras civis por toda a Europa. Nem todas foram inspiradas por contenções de salários, mas estavam todas relacionadas, duma forma ou doutra, com a mudança súbita das condições económicas ocasionadas pela fome, peste e pela guerra. Cap. IV Economias não ocidentais nas vésperas da expansão ocidental. A Europa, especialmente a Europa Ocidental, foi a região do mundo que, desde o séc. XVI até ao séc. XX, sofreu um crescimento e uma mudança mais dinâmicos. Foi em larga medida, responsável pela criação da economia do mundo moderno, e a sua interacção com outras regiões mundiais determina o modo e o momento da participação dessas regiões nessa economia. O mundo do Islão O Islão, a mais recente das grandes religiões do mundo, teve origem na Arábia no séc. VII d.C. O seu fundador, o profeta Maomé, tinha sido mercador antes de se tornar um guia religioso e político. Por alturas da sua morte, em 632 d.C. tinha unido sob o seu governo praticamente toda a península Arábica. 16 Os Árabes originais eram, antes de mais, nómadas, embora alguns praticassem a agricultura de oásis e tivessem alguns centros urbanos, como Meca. As terras que conquistaram eram no seu todo, apenas ligeiramente menos áridas que a Arábia, mas continham os dois berços da civilização, o vale do Tigre – Eufrates e o vale do Nilo. O Islão acabou por se desenvolver como uma civilização predominantemente urbana, embora muitos muçulmanos, árabes e outros tivessem permanecido nómadas, pastoreando carneiros, cabras, cavalos ou camelos – raramente gado bovino e nunca porcos, pois Maomé proibira o consumo desta carne. O potencial agrícola deste território era muito limitado, mas a sua localização conferia-lhe grandes possibilidades comerciais. Como o próprio Maomé fora mercador, o Islão não considerava os negócios mercantis actividades inferiores; pelo contrário, os mercadores eram encarados com honra e estima. Durante centenas de anos, os Árabes e os seus irmãos na fé foram os principais intermediários no comércio entre a Europa e a Ásia. Nesse processo facilitaram a difusão de tecnologia. Muitos elementos da tecnologia chinesa, incluindo a bússola magnética e a arte de fazer papel, chegaram à Europa por intermédio dos Árabes. Também introduziram novas culturas, como o arroz, a cana-de-açúcar, o algodão, os citrinos, as melancias, entre outros frutos e vegetais. Um dos princípios do Islão era a Jihad, ou guerra santa contra os pagãos. Justifica em parte, o notável sucesso dos Muçulmanos em obter conversões, uma vez que aos inimigos era dada a opção entre se converterem ou serem mortos. Em relação aos Judeus e aos Cristãos, os Muçulmanos tinham uma política diferente. Como também eles eram monoteístas, os Muçulmanos tributavam-nos mas toleravam-nos (talvez outra razão para o sucesso das conversões conseguidas nessas comunidades). Os Judeus, em particular, gozavam de grande liberdade no Islão. Grande parte do nosso conhecimento sobre o Islão Medieval vem do Genizah do Cairo, um grande arquivo onde se depositava qualquer pedaço de papel que se tivesses escrito o nome de Deus – e as cartas mesmo as cartas comerciais entre mercadores Judeus, invocavam normalmente as bençãos de Deus. Em resultado das suas conquistas no Império Romano Oriental, de língua grega, os Árabes apoderaram-se de muitos ensinamentos da Grécia Clássica. Durante a Idade Média Europeia, tornaram-se juntamente com os Chineses, os guias mundiais do pensamento científico e filosófico. Muitos dos autores gregos antigos chegaram até nós apenas através de traduções arábicas. A matemática moderna baseia-se no sistema arábico de notação, e a álgebra foi uma invenção árabe. Durante o renascimento intelectual da Europa Ocidental, nos séc. XI e XII, muitos estudiosos cristãos foram para Córdova e para outros centros, intelectuais muçulmanos estudar filosofia e ciência clássicas. Ao mesmo tempo, mercadores cristãos aprenderam práticas e técnicas comerciais muçulmanas. Embora o Papa 17 tivesses proibido oficialmente o comércio com os Muçulmanos, os mercadores cristãos – especialmente os venezianos – prestaram pouca atenção a essa resolução. O Império Otamano Entre os povos que aceitaram o Islão como sua religião contavam-se uma série de tribos nómadas turcas da Ásia Central. Atraídos para sul e oeste pela riqueza do Califado Árabe, vieram primeiro como assaltantes e saqueadores, mas acabaram por se instalar como conquistadores. Tamerlão conhecido pela sua ferocidade impiedosa, conquistou a Pérsia em finais do séc. XIV. O império de Tamerlão foi de curta duração, mas no princípio do séc. XVI, outro conquistador, Ismaíl, fundou a dinastia dos Sefévidas, que governou a Pérsia até ao séc. XVIII. Os mais bem sucedidos dos conquistadores turcos foram os Otomanos, cujas origens remontam ao sultão Osman (1259-1326). Este vasto império dominado pelos Turcos não constitui uma economia unificada ou um mercado comum. Cada região do Império continuou as actividades económicas que praticava antes da conquista, com pouca especialização regional. A agricultura era a ocupação principal da grande maioria dos súbitos dos Sultões. O Império perdurou, ao contrário da maioria dos seus antecessores, porque os Turcos criaram um sistema fiscal relativamente equitativo, que fornecia amplos rendimentos para apoiar o funcionalismo do governo central e o exército. A dominação e a ordem eram mantidas por funcionários turcos estacionados nas províncias e a quem eram pagas rendas de determinadas parcelas de terra, de modo semelhante, nalguns aspectos, ao feudalismo europeu medieval. Ásia Oriental A civilização da China, data dos primórdios do segundo milénio a.C.; tem um dos desenvolvimentos mias fechados de qualquer civilização. O Confucionismo é a base filosófica da civilização chinesa. O berço original da civilização chinesa foi a faixa central do rio Amarelo, onde o fértil solo de loess depositado pelos ventos da Ásia Central permitia um fácil cultivo. A agricultura chinesa foi sempre uma agricultura de mão-de-obra extremamente intensiva, quase «tipo jardim», recorrendo à utilização extensiva da irrigação. Os animais de tiro só foram introduzidos mais tarde. A manufactura dos tecidos em seda teve origem na China, numa época muito remota. A porcelana é igualmente uma invenção chinesa, como o são o papel e a impressão. (Os chineses já utilizavam papel-moeda quando Carlos Magno cunhou os primeiros dinheiros de prata). Em geral, os Chineses alcançaram um nível bastante elevado de desenvolvimento científico e técnico muito antes do Ocidente. 18 Apesar da sua precocidade tecnológica e científica , o desenvolvimento económico não levou a uma era industrial. Os produtos eram destinados ao uso do governo, a Corte Imperial, e ao restrito nº de aristocratas proprietários de terras. As massas de camponeses eram demasiado pobres para constituírem um mercado para artigos tão exóticos. Mesmo o ferro, em cuja produção os Chineses também se distinguiram, era utilizado unicamente para armas e arte decorativa, não para utensílios. Os comerciantes e o comércio tinham um estatuto muito baixo na filosofia confuciana. No séc. XIII deu-se uma série de factos que afectaram profundamente não só a China como praticamente toda a massa continental eurasiana, incluindo a Europa Ocidental. Foi a irrupção dos Mongóis, sob o comando de Gengiscão, da sua pátria da Mongólia, a norte da China. Em pouco mais de meio século, Gengis e os seus sucessores criaram o maior império terrestre contínuo que o mundo jamais viu, estendendo-se desde o Oceano Pacífico, a oriente, até à Polónia e à Hungria, no Ocidente. Embora o nome deles seja quase sinónimo de rapinagem e violência, os Mongóis fizeram o que os conquistadores bárbaros faziam normalmente: instalaram-se e adaptaram a civilização dos seus hospedeiros conquistados. A dinastia Ming (1368 – 1644) – restabeleceu os costumes chineses tradicionais, em especial o Confucionismo e o sistema mandarim. A primeira metade da época Ming também testemunhou um crescimento económico e demográfico considerável. Durante os últimos anos do poder mongol e durante a revolta contra os Cãs, as estradas e os canais tinham-se deteriorado e a população diminuíra em resultado de cheias, secas e guerras. O governo agiu energicamente para restabelecer as ligações de transporte e, numa situação de paz relativa, a população começou a crescer novamente. Em 1421, os Ming mudaram a capital de Nanquim (Nanjin) para Pequim (Beijing), no Extremo Norte, estimulando assim o comércio norte – sul. Ásia Meridional A religião teve um impacto maior na economia que no governo. A religião primitiva original era o Hinduísmo, que se desenvolveu em muitas variantes e seitas heterodoxas, incluindo os Jainas e os Siques, ainda hoje activos. O Budismo, cuja origem foi sensivelmente contemporânea do nascimento do Confucionismo na China, na Coreia e no Japão, tendo praticamente desaparecido da Índia antes da Idade Moderna. No princípio do séc. XVI, Babur, que afirmava descender de Gengiscão, criou o Império Mongol, ou Mogol, no norte da Índia, que o seu neto Acbar, engrandeceu imensamente. A inimizade entre os reinos muçulmanos do Decão, no sul da Índia, e o império hindu de Vijayanagar facilitou a instalação de bases pelos Portugueses no princípio do séc. XVI. 19 Uma forma através da qual a religião colidiu com a economia foi o sistema de castas dos Hindus. As castas foram em primeiro lugar determinadas pela ocupação, mas originalmente parece ter havido também, um elemento étnico. No começo havia apenas 4 varnas, ou ordens de casta: 1. os Brâmanes, ou a ordem sacerdotal 2. uma ordem de guerreiros e governantes 3. uma de agricultores, artesãos e comerciantes 4. e uma ordem inferior de criados. Embora o sistema de castas não fosses tão rígido como por vezes é descrito, deve ter sido uma barreira à mobilidade social e à distribuição eficaz dos recursos. Outro elemento da religião hindu inimigo do crescimento económico foi a veneração do gado – as «vacas sagradas» que deambulavam livremente pelo campo e não podima ser mortas nem consumidas. A cultura autenticamente nativa na Índia era o algodão, que é mencionado no Rigveda, o livro sagrado hindu. A maioria da população devotava o seu tempo e energia à agricultura, mas a Índia não tinha falta de bons artesãos. Prova disso são as sofisticadas obras de arte, estatuária a arquitectura monumental, todas elas ao nível do melhor da arte grega e romana. Porém, estes artesãos trabalhavam para os ricos e poderosos; as massas não tinham poder de compra e não existia uma classe média digna de nota. O pequeno comércio estava nas mãos dos árabes. O sudeste da Ásia desde a Birmânia, a noroeste, ao Vietname, a leste e à península da Malaia, a sul, é igualmente conhecido por Indochina, a sua cultura é um misto das tradições culturais chinesas e indianas. África A história do norte de África está intimamente relacionadas com s história da Europa, especialmente com a da Europa Mediterrânica, desde tempos remotos até ao presente. A economia do norte de África era semelhante à da Europa Mediterrânica. A cultura cerealífera predominava onde a queda de chuva era adequada (por vezes complementada pela irrigação), e nos demais locais imperava o pastoreio nómada. O comércio era vigoroso, mas a indústria era de tipo caseiro. A economia da África Subsariana é tão variada como o seu clima, topografia e vegetação. A população era ainda mais variada que a paisagem. Embora todos os habitantes originais fossem de tez escura ou negra, existia uma enorme variedade étnica racial e linguística. A tribo era o grupo social acima da família. A economia ia da mais primitiva caça e colheita até uma agricultura relativamente sofisticada e à criação de gado na savana e noutros espaços abertos. Dada a disseminação por toda a África Central da mosca tsé-tsé, que transmite uma doença fatal a grandes animais domésticos, os agricultores não tinham animais de tiro; assim, praticavam uma cultura de enxada, utilizando alfaias de madeira ou ferro. 20 As Américas A população nativa das Américas (os Ameríndios) descendeu de um povo mongolóide (ou pré-mongolóide) que, numa qualquer altura do passado distante, atravessou uma ponte terrestre da Ásia para a América do Norte, onde é hoje o estrito de Bering. Os Ameríndios tinham descoberto a agricultura independentemente da do Velho Mundo, mas nem todos a praticavam. A cultura principal era o maís (milho índio), que era complementada com tomate, abóbora e feijão, e, nas terras altas andinas, a batata. Ao Ameríndios não tinham animais domesticados anão ser o cão e, nos Andes, o lama, que podia ser utilizado como animal de carga mas não como animal de tiro. A tecnologia agrícola era, a cultura da enxada. Os Ameríndios tinham poucos metais – algum ouro aluvial usado para ornamentos, prata e cobre, mas não ferro. As suas ferramentas eram feitas de madeira, osso, pedra e especialmente obsidiana, um vidro vulcânico natural usado para cortar e esculpir. Apesar desta tecnologia aparentemente primitiva, produziram algumas obras de arte sofisticadas, como seja arquitectura ornamental. Também existiram mercados e comércio destes tempos remotos. A prova arqueológica do comércio a longa distância data de meados do segundo milénio a. C. Entre os séc. VIII e IV a. C., a cultura olmeca, situada ao longo da costa do golfo do México, comercializava com as terras altas da região Central do México. Deste comércio faziam parte estatuetas elaboradamente esculpidas e outros objectos de arte feitos de jade e da muito cara obsidiana, bem como grãos de cacau, que tanto eram utilizados como uma espécie de moeda de consumo. A civilização maia da moderna Guatemala e do Iucatão, tinha como característica mais marcante as grandes pirâmides, não muito diferentes das do Egipto, mas no cimo das quais se erguiam templos. Os Maias tinham um calendário e uma forma de escrita que só recentemente foram decifrados. Pouco se sabe da organização da sociedade de economia, mas, como outros locais, o maís era a cultura principal e os mercados eram frequentes. A sociedade deverá de ter sido organizada hierarquicamente para produzir a sua arquitectura monumental, e os excedentes alimentares terão sido substanciais – para permitirem uma força de trabalho de construtores e artesãos especializados. A civilização maia atingiu o seu auge nos séc. IV e IX da Era Cristã. Aparentemente, a população revoltou-se contra os seus governantes sacerdotais, possivelmente auxiliada por invasores do Norte. Os templos, abandonados pelos crentes, ficaram em ruínas e foram engolidos pela selva circundante. A seguir aos Maias, várias outras culturas das terras altas do México alcançaram níveis bastante avançados de desenvolvimento. É o caso dos Toltecas, dos Chichimecas e dos Mixetecas. Por volta de meados do séc. XIV, os Aztecas, uma tribo feroz e guerreira cuja cidade principal foi Tenochtitlán, onde se localiza actualmente a Cidade do México, começaram a conquistar e a explorar os seus vizinhos. Como os Aztecas praticavam sacrifícios humanos, escolhendo as vítimas entre a população subjugada, não é surpreendente que os Espanhóis , sob o comando 21 de Cortés, tenham encontrado aliados quando empreenderam a conquista de Tenochtitlán, em 1519. Quando a civilização maia estava no seu auge, os nativos ao longo da costa do Peru praticavam uma agricultura de irrigação usando água dos Andes, uma técnica desconhecida em todas as demais regiões das Américas. Evidentemente, a sua população era grande, porque permitia o crescimento de densas populações urbanas que comercializavam entre si. Algum tempo depois de 12oo a. C., os Incas, uma tribo das terras altas, com a sua capital em Cuzco, iniciaram uma conquista militar de toda a região montanhosa e costeira desde o Equador, a norte, até ao Chile, a sul. Os Incas não tinham uma linguagem escrita, mas conseguiam manter registos, e mesmo enviar mensagens a grandes distâncias, por meio de cordas com nós. Impuseram aos seus súbditos um formalismo estatal altamente centralizado, incluindo armazéns do Estado para conservação e distribuição de cereais; mas os mercados privados coexistiram com o sistema de distribuição governamental. Os Índios Pueblo, do sudoeste dos Estados Unidos, também praticavam a agricultura e construíram colónias urbanas que merecem a designação de cidades. Os índios da região florestal oriental, que habitavam a zona leste do rio Mississipi desde o rio S. Lourenço, a norte, até ao golfo do México a sul, dedicavam-se à agricultura, a par da caça e da pesca, mas viviam em aldeias, e não em cidades. Segundo a lenda, os Índios ensinaram os Puritanos, da Nova Inglaterra a fertilizar o milho enterrando peixe com as sementes, processo que em muito aumentava a produção. 22 23 Cap. V A segunda logística europeia No princípio do séc. XVI, o crescimento demográfico era generalizado. Continuou imparável ao longo do séc. XVI, tendo possivelmente acelerado nas últimas décadas. Contudo, no princípio do séc. XVII, este vigoroso crescimento deparou-se com os usuais surtos de fome, pragas e guerras, especialmente a Guerra dos Trinta Anos, que dizimou a população da Europa Central. Em meados do séc. XVII, com algumas excepções, nomeadamente a Holanda, o crescimento populacional tinha cessado, e nalgumas regiões tinha inclusivamente regredido. Estes marcos – sensivelmente o meio do séc. XV e o meio do séc. XVII – delimitam a segunda logística europeia. Depois deles, ocorreram outras mudanças importantes, algumas provavelmente fortuitas e outras intimamente relacionadas com fenómenos demográficos. Na última data a economia europeia e as economias mundiais eram completamente diferentes do que tinham sido no séc. XV. A diferença mais óbvia foram os horizontes enormemente expandidos. Outra diferença importante foi uma mudança acentuada na localização dos principais centros de actividade económica na Europa. No séc. XV, as cidades do norte de Itália mantinham o comando dos assuntos económicos que tinham exercido por toda a Idade Média. Porém, as descobertas portuguesas privaram-nos do monopólio do comércio das especiarias. O declínio da Itália foi provavelmente mais relativo que absoluto, devido ao grande aumento de volume do comércio europeu. No entanto, nos meados do séc. XVII, a Itália tinha mergulhado na rectaguarda da economia europeia, de onde não emergiu completamente até ao séc. XX. Espanha e Portugal viveram uma glória passageira, como os principais poderes económicos da Europa. Lisboa substitui Veneza como grande entreposto do comércio de especiarias, e os Habsburgos espanhóis, financiados em parte pelo ouro e prata do seu império americano, tonaram-se os monarcas mais poderosos na Europa. Apesar de as duas nações terem mantido os seus extensos impérios ultramarinos até aos séc. XIX e XX respectivamente, estes já estavam em completo declínio, económica, política e militarmente, em meados do séc. XVII. A Europa Central, Oriental e Setentrional não participou significativamente na prosperidade comercial do séc. XVI. A Hansa Alemã floresceu no séc. XV, mas depois definhou. Embora as causas principais do seu declínio tenham sido independentes das descobertas, estas últimas aceleraram provavelmente o declínio ao fortalecer o poder comercial das cidades holandesas e inglesas. A região que mais beneficiou com as mudanças económicas associadas às grandes descobertas foi a região que faz fronteira com o mar do Norte e como Canal da Mancha:: os Países Baixos, a Inglaterra e o norte da França. 24 Na época das grandes descobertas, a Inglaterra estava precisamente a emergir de um estatuto de região atrasada e produtora de matérias-primas para um país que começava a industrializar-se. A Guerra das Rosas dizimaram as fileiras da grande nobreza, mas deixaram a classe média urbana e os camponeses quase incólumes. O declínio da grande nobreza intensificou a importância da baixa aristocracia, a pequena nobreza. A nova dinastia dos Tudors, que subiu ao trono em 14485, dependia profundamente do apoio da pequena nobreza. Flandres, a região economicamente mais avançada no norte da Europa, recuperou lentamente da grande depressão da Idade Média. Bruges declinou gradualmente como entreposto principal do comércio com o sul da Europa e Antuérpia desenvolveu-se até se tornar o porto mais importante e a maior cidade mercantil da Europa na primeira metade do séc. XVI. Os Holandeses, que dominavam as desembocaduras do rio Escalda, impediam os navios de ir para Antuérpia. O comércio desviou-se para norte, e Amesterdão tornou-se a grande metrópole comercial e financeira do séc. XVII. Mudanças tecnológicas nas artes da navegação e da construção de navios foram vitais para o sucesso da exploração e da descoberta. A introdução da pólvora e a sua aplicação pelos Europeus em armas de fogo foram de igual modo vitais para o sucesso das conquistas europeias no ultramar. Houve melhoramentos simultâneos nas artes da metalurgia e em alguns outros processos industriais. Globalmente, o período não se notabilizou pelo progresso tecnológico. População e níveis de vida O crescimento na população do séc. XVI, embora geral, não foi de modo algum uniforme. Começando com densidades desiguais e crescendo a níveis diferentes, as populações das diversas regiões da Europa variavam consideravelmente em densidade no fim do séc. XVI. É possível falar da sobrepopulação até nas regiões montanhosas e inférteis na última parte do séc. XVI. Fluxos de migrantes dessas regiões para as já densamente povoadas mas mais prósperas planícies e terras baixas são disso prova.- mas as planícies e as terras mais baixas estavam também sobrepovoadas. Uma consequência dessas migrações foi que a população urbana cresceu mais rapidamente que a população total . Em alguns casos, um aumento da população urbana podes ser encarado como um factor favorável de desenvolvimento económico, mas não foi necessariamente o que aconteceu no séc. XVI. Nessa época, as cidades funcionavam principalmente como centros comerciais e administrativos, e não como centros industriais. Muitas actividades industriais, como foi o caso das indústrias têxtil e metalúrgica, estavam sediadas no campo. As artes manuais praticadas nas cidades estavam normalmente organizadas em grémios, coma exigência de longas aprendizagens e doutras restrições à entrada. Os migrantes rurais raramente tinham a habilidade ou aptidões necessária para ocupações urbanas. Nas cidades, eles formavam um lumpenprletariat , uma gremiação de mão-de-obra eventual e não especializada. 25 Exploração e descoberta As descobertas afectaram profundamente o curso da mudança económica na Europa. Verificou-se no fim da Idade Média um progresso tecnológico notável na concepção e construção de navios e os instrumentos de navegação tornaram-se muito mais sofisticados. Navios de três, quatro e cinco mastros, com combinações de velas quadradas e latinas, capazes de navegar contra o vento substituíram as galeras a remos com velas auxiliares que tinham servido para o comércio medieval. O leme articulado de popa substitui o remo de direcção. Combinadas estas mudanças proporcionaram uma mobilidade e um domínio direccional muito maiores e dispensaram os remadores. Os navios tornaram-se maiores, mais fáceis de manobrar, mais adequados ao mar alto, e passaram a ter maior capacidade de carga e a poder efectuar viagens mais longas. A bússola magnética, trazida da China pelos Árabes, reduziu significativamente a conjectura própria da navegação. Progressos na cartografia permitiram a feitura de mapas e cartas muito mais perfeitos. Os Italianos tinham sido expoentes na arte da navegação, mas como eram muito conservadores na concepção de navios, a primazia foi rapidamente assumida por aqueles que navegavam em mar alto, especialmente os Flamengos, os Holandeses e os Portugueses. Os Portugueses em especial, agarraram a iniciativa em todos os aspectos da arte do marinheiro, concepção de navios, navegação e exploração. A visão e a energia de um homem, o príncipe D. Henrique, cognominado o navegador, foram responsáveis em primeira linha pelo grande progresso na descoberta e conhecimentos geográficos obtidos pelos Europeus no séc. XV. D. Henrique (1394-1460) – devotou-se ao encorajamento da exploração da Costa Africana com o objectivo principal de alcançar o oceano Índico. No seu forte, no promontório de Sagres, criou uma espécie de instituto de estudos aprofundados para onde levou astrónomos, geógrafos, cartógrafos e navegadores de todas as nacionalidades. Desde 1418 até à sua morte enviou expedições quase anualmente. D. Henrique não viveu o suficiente para realizar a sua maior ambição. Na verdade, por altura da sua morte, os seus marinheiros tinham ultrapassado em pouco Cabo Verde, mas o trabalho científico e de exploração efectuado sob o seu patrocínio lançou as fundações de descobertas posteriores. Após a morte de D. Henrique, a actividade exploratória afrouxou um pouco por falta de auxílio régio e por causa do lucrativo comércio de marfim, ouro e escravos que os mercadores portugueses efectuavam com o reino nativo do Gana. O rei D. João II que subiu ao trono em 1481, recomeçou a exploração a um ritmo acelerado. Em apenas alguns anos, os seus navegadores chegaram praticamente ao extremo de África. Apercebendo-se que estava à beira do sucesso, D. João enviou duas expedições em 1487: 1. Bartolomeu Dias desceu ao longo da Costa e cruzou o cabo da Boa Esperança (a que deu o nome de Cabo das Tormentas) em 1488; 26 2. Pêro da Covilhã seguiu pelo Mediterrâneo e por terra para o mar vermelho, tendo feito o reconhecimento das margens ocidentais do oceano Índico desde Moçambique, em África, até à costa do Malabar, na Índia. Estava aberto o caminho para a próxima e maior viagem, a de Vasco da Gama, de 1497 a1499, em torno da África até Calecut na Índia. Devido a doenças, motins e tempestades, Vasco da Gama perdeu dois dos seus quatro navios e quase dois terços da sua tripulação. Não obstante, o carregamento de especiarias com que regressou foi o suficiente para pagar muitas vezes o custo da sua viagem. Vendo proventos tais, os Portugueses não perderam tempo a capitalizar a sua vantagem. Numa dúzia de anos tinham rechaçado os Árabes do Oceano Índico e estabelecido feitorias fortificadas de Moçambique e do golfo Pérsico às lendárias Ilhas das Especiarias, ou Molucas. Em 1513, um dos seus navios atracou em Cantão, no sul da China, e em meados do século tinham encetado relações comerciais e diplomáticas com o Japão. Em 1483 ou 1484, enquanto as tripulações de D. João II continuavam a progredir na Costa Africana, um genovês que navegara ao serviço dos Portugueses e desposara uma portuguesa pediu ao rei de Portugal que financiasse uma viagem pelo Atlântico para atingir o Oriente navegando por Ocidente. Como este negou o seu pedido, Cristovão Colombo, o Genovês, pediu auxilio aos reis de Espanha, como estes finalmente acederam ao seu pedido. Colombo partiu a 3 de Agosto de 1492 e em 12 de Outubro avistou as ilhas mais tarde conhecidas como Índias Ocidentais. Embora consternado coma a sua pobreza óbvia, denominou os habitantes de índios. Ao todo, Colombo fez 4 viagens aos mares ocidentais, e manteve até ao fim a crença de que descobrira uma rota directa para a Ásia. Na sequência do regresso da primeira expedição, Fernando e Isabel pediram imediatamente ao Papa uma «linha de demarcação» para confirmar o direito de Espanha às terras recentemente descobertas. Esta linha, que ia dum pólo ao outro numa longitude de cem léguas a ocidente dos Açores e das ilhas de Cabo Verde, dividiu o mundo não cristão em duas metades com o fim de mais explorações ficando a parte ocidental reservada aos Espanhóis e a metade oriental aos Portugueses. No ano seguinte, 1494, pelo Tratado de Tordesilhas, o rei português persuadiu os governantes espanhóis a estabelecer a linha a cerca de 210 milhas naúticas mais para ocidente que a linha de 1493. isto sugere que os Portugueses talvez tivessem já conhecimento da existência do Novo Mundo, pois a nova linha colocava o arqueamento da América do Sul – a faixa de terra que mais tarde se tornaria o Brasil – dentro dos limites do Hemisfério Português. Em 1500, na maior viagem comercial portuguesa após o regresso de Gama, Pedro Álvares Cabral navegou directamente para esse estremo e reclamou-o para Portugal, antes de prosseguir para a Índia. Tornou-se cada vez mais evidente que Colombo não só não tinha descoberto as Índias, como também não havia nenhuma passagem fácil através do centro do Novo Continente. Em 1519, Fernão Magalhães, um português que navegara no Oceano Índico, persuadiu o rei de Espanha a deixá-lo conduzir uma expedição de 5 navios às Ilhas das Especiarias pelo mar do Sul. Magalhães não pensava circum-navegar o globo, pois esperava encontrar a 27 Ásia após alguns dias de viagem para lá do Panamá, dentro da órbita espanhola tal como estava demarcada pelo Tratado de Tordesilhas. O seu principal problema, assim o considerava, seria descobrir uma passagem através da América do Sul ou em torno dela. Foi o que fez, e o estreito tempestuoso e traiçoeiro que descobriu ainda tem o seu nome. O «mar pacífico» em que viria a entrar acarretou-lhe, longos meses de fome, doenças e por fim a morte, dele próprio e da maior parte da sua tripulação. O que restou da sua frota vagueou à deriva nas Índias Orientais durante vários meses. Por fim, um dos tenentes de Magalhães, Sebastián de Elcano, conduziu o único navio sobrevivente e a sua tripulação debilitada através do oceano Índico e de volta a Espanha volvidos 3 anos, tornando-se o primeiro homem a completar a viagem por mar à volta da Terra. A expansão ultramarina e a sua repercussão na Europa O primeiro século da expansão ultramarina e conquista colonial – isto é, o séc. XVI – pertenceu quase exclusivamente a Espanha e Portugal. A eminência que estas duas nações alcançaram na História é principalmente o resultado do seu pioneirismo na descoberta, exploração e aproveitamento do mundo não europeu. Antes do séc. XVI tinham estado fora da civilização europeia; depois o seu poder e prestígio declinaram rapidamente até que no princípio do séc. XIX, tinham mergulhado num estado de sonolência próximo da síncope. No séc. XVI, contudo, os seus domínios foram os mais extensos e a sua riqueza e poder os maiores no mundo. Cerca de 1515, os Portugueses tinham-se tornado senhores do oceano Índico. Em 1505, Francisco de Almeida foi nomeado 1º vice-rei da Índia. Capturou ou criou várias cidades e fortes nas costas da África Oriental e da Índia e, em 1509, destruiu completamente uma grande frota muçulmana na batalha de Diu. Nesse mesmo ano, Afonso de Albuquerque, o maior dos vice-reis portugueses, assumiu as suas funções e completou a subjugação do oceano Índico. Conquistou Ormuz, à entrada do golfo Pérsico, e estabeleceu um forte em Malaca, no apertado estreito entre a península da Malaia e Samatra, um posto que dominava a passagem para as Ilhas Celebes e Molucas, de onde provinham as especiarias mais valiosas. Por fim, em 1515, capturou Ceilão, chave do domínio do oceano Índico. Albuquerque estabeleceu a sua capital em Goa, na costa do Malabar, Goa e Diu mantiveram-se na posse dos Portugueses até 1961. os Portugueses também encetaram relações comerciais com o Sião e o Japão. A princípio o Império Espanhol parecia menos promissor, mas acabou por se revelar ainda mais lucrativo que o português. Decepcionados coma busca de especiarias e estimulados por alguns adornos roubados aos selvagens das ilhas das Caraíbas, os Espanhóis voltaram-se rapidamente para uma procura de ouro e prata. Os seus continuados esforços para encontrar uma passagem para a Índia cedo revelaram a existência de civilizações ricas no continente do México e na região norte da América do Sul. Entre 1519 e 1521, Hernán Cortés conquistou o Império Azteca, no México. Francisco Pizarro conquistou o Império Inca, no Peru na década de 1530. em finais do séc. XVI, os Espanhóis detinham um poder efectivo sobre todo o hemisfério, da Florida e do sul da Califórnia, a norte, ao Chile e ao rio da Prata, a sul (exceptuando o Brasil). A princípio limitaram-se a privar os nativos da sua riqueza móvel; quando esta fonte rapidamente exauriu, introduziram os métodos europeus de extracção de minério nas ricas minas de prata do México e dos Andes. 28 Os Espanhóis, ao contrário dos Portugueses, optaram por colonizar e instalar-se nas regiões que conquistaram. Levaram as técnicas, equipamentos e instituições europeus (incluindo a sua religião), que impuseram pela força à população indígena. Os índios pré-colombianos da América não tinham animais domesticados, a não ser cães e lamas. Os Espanhóis introduziram os cavalos, o gado bovino, os burros, as cabras, os porcos e a maioria das aves domesticadas. Algumas outras características da civilização europeia que foram introduzidas na América, como as armas de fogo, o álcool e as doenças europeias da varicela, do sarampo e do tifo, espalharam-se rapidamente, e com um efeito letal. Para remediar a falta de mão-de-obra, os Espanhóis introduziram escravos africanos no Hemisfério Ocidental logo em 1501. Em 1600, a maioria da população das Índias Ocidentais era composta por africanos e por pessoas de raças mestiças; os escravos não eram tão importantes no continente, a não ser no Brasil e no norte da América do Sul. Do ponto de vista económico, a expansão resultou num maior aumento dom volume e variedade de bens transaccionados. No séc. XVI, as especiarias do Oriente e o ouro e a prata do Ocidente representaram uma proporção assombrosa de importações do mundo colonial. Outros bens foram introduzidos no fluxo de tráfico, expandiram-se gradualmente em volume e, nos séc. XVII e XVIII, ofuscaram as exportações ultramarinas originais para a Europa. Tintas exóticas como o índigo e o carmim acrescentaram cor aos tecidos europeus e tornaram-nos mais alegres e vendáveis, tanto na Europa como noutros continentes. O café de África, o cacau da América e o chá da Ásia tornaram-se as principais bebidas na Europa. Quando a cana-de-açúcar foi transplantada para a América, a produção de açúcar aumentou enormemente, tornando aquela doçura acessível aos europeus comuns. Muitos géneros alimentares anteriormente desconhecidos na Europa, foram introduzidos e aclimatados, vindo a tornar-se elementos importantes do regime alimentar. Da América vieram batatas, tomates, feijões-verdes, abóboras, pimentos-vermelhos, abóboras-meninas e milho. Do México veio o peru domesticado. O arroz, originário da Ásia, passou a ser cultivado tanto na Europa como na América. A revolução dos preços O fluxo de ouro e, em particular, de prata das colónias espanholas aumentou muito as reservas europeias dos metais monetários, no mínimo triplicando-os durante o séc. XVI. O governo espanhol tentou proibir a exportação de ouro e prata, o que se revelou impossível. De qualquer maneira, o próprio governo era o pior transgressor. Os metais preciosos espalharam-se pela Europa. O resultado mais imediato e óbvio foi uma espectacular e prolongada (mas irregular) subida de preços. No fim do séc. XVI, os preços eram, em regra, 3 ou 4 vezes mais elevados que no princípio do século. O preço dos produtos alimentares, especialmente os cereais, a farinha e o pão, subiu mais do que os da maior parte dos outros alimentos. Em geral, o aumento dos salários em dinheiro ficou muito aquém da subida do preço das mercadorias, resultando um declínio drástico dos salários reais. 29 As consequências atribuídas à revolução dos preços variam entre o empobrecimento do campesinato e da nobreza e a «ascensão do capitalismo». O que é indubitável é que a revolução dos preços, como qualquer inflação, redistribuiu o rendimento e a riqueza, quer dos grupos individuais quer de grupos sociais. A causa principal do declínio dos salários reais não foi um problema monetário; foi antes, um resultado de inter-relações entre o comportamento demográfico e a produtividade agrícola. Tecnologia e produtividade agrícola Na periferia setentrional e ocidental da Europa, predominava a agricultura de subsistência. As terras eram escassamente povoadas, especialmente nas regiões a norte, que tinham enormes extensões de florestas virgens. As técnicas primitivas de corte e queima eram ainda aplicadas, se bem que em regiões mais organizadas se praticasse um método menos devastador, o sistema de arroteamento. A criação de gado dum modo primitivo foi importante, especialmente nas regiões montanhosas. As principais culturas de campo eram: o centeio, a cevada e a aveia; o linho e o cânhamo eram cultivados por causa das suas fibras, que eram transformadas em toscos tecidos fabricados em casa. A organização social era hierárquica, mas sem dependência ou laços de servidão. Na Europa a leste do Elba e a norte do Danúbio (incluindo a Rússia Europeia), pelo contrário, os laços pessoais de servidão eram o traço característico das relações sociais no princípio do período, e foram aumentando, mais ou menos continuamente, à medida que os poderosos senhores feudais se apoderavam firmemente das terras e da liberdade dos poucos camponeses que ainda se mantinham livres, por meios legais e ilegais. Esta era a região do Gutscherrschaft, isto é, do sistema de exploração directa de grandes propriedades em benefício dos senhores territoriais. A tecnologia agrícola era relativamente primitiva, recorrendo-se ao sistema de 2 ou 3 campo. Nas terras adjacentes ao mar Báltico, ou em rios navegáveis que nele desaguavam, a produção para exportação para os mercados da Europa Oriental, a produção estava principalmente vocacionada para a auto-suficiência local. A região mediterrânica, apear dum clima relativamente uniforme e tipos de solos semelhantes, era tão diversa desafia a generalização. A Itália tinha a agricultura mais diversificada da Europa. Não obstante esta diversificação, a produção agrícola italiana não conseguiu acompanhar o crescimento populacional; a exaustão da terra devido a cultura muito intensas e o excesso de pastagens tiveram os seus custos, com a desflorestação e a erosão do solo, entre outras consequências. Espanha apresentava quase tanta variedade quanto Itália, com regiões costeiras férteis a leste e a sul, cadeias montanhosa a norte noutras zonas e o aspecto mais característico da geografia espanhola o grande planalto, ou meseta, que se estende ao longo da parte central da Península Ibérica. A agricultura espanhola recebeu uma rica herança dos seus antepassados muçulmanos. No mesmo ano em que conquistaram o reino de Granada e em que Colombo descobriu a América, os monarcas decretaram a expulsão de todos os judeus do reino. Com a queda de Granada, muitos súbditos 30 mouros também partiram. Aqueles que se converteram, os chamados «mouriscos», continuaram a ser a espinha dorsal e os impulsionadores da economia agrícola na Espanha Meridional por mais um século, antes de, também serem expulsos em 1609. Os cristãos que os substituíram foram incapazes de manter os intrincados sistemas de irrigação e outras características de extremamente produtiva agricultura mourisca. Com a subida de preços resultante da entrada de ouro e prata americanos, muita terra, quer nos vales férteis quer na meseta árida, foi utilizada para o cultivo de cereais. Mesmo assim, a produção cerealífera não era suficiente para alimentar a população, e Espanha passou a depender cada vez mais da importação de trigo e outros cereais. Outro importante obstáculo para a agricultura espanhola foi a rivalidade entre camponeses e proprietários de ovelhas. Os pastores de ovelhas praticavam a transumância, isto é, o movimento dos rebanhos entre as pastagens montanhosas do Verão e os pastos de Inverno nas terras baixas. A transumância não era uma prática exclusiva de Espanha. Era praticada em todas as regiões da Europa que tinham áreas montanhosas desadequadas às culturas aráveis. Mas o sistema espanhol era invulgar, quer pela extensão das caminhadas das ovelhas quer pela sua organização. Os donos dos rebanhos, organizados num grémio ou associação comercial chamado Mesta, constituíam um poderoso grupo de influências na Corte. As ovelhas transumantes eram facilmente tributada em postos de portagem estrategicamente posicionados, a sua lã era valiosa, produziam rendimentos líquidos (ao contrário de muitas culturas agrícolas) e eram facilmente tributadas na exportação. Os monarcas sempre gananciosos na percepção de impostos, concederam privilégios especiais à Mesta – como seja a pastagem ilimitada em terras comuns, medida que se revelou muito prejudicial para a agricultura – em troca de taxas mais elevadas. Os privilégios da Mesta, a par doutras políticas governamentais insensatas, como a tentativa de estabelecer preços máximos para o trigo durante a grande inflação conhecida como «revolução dos preços», não contribuíram em nada para encorajar melhores processos técnicos num sistema de exploração da terra que já os desencorajava. A produtividade agrícola espanhola foi provavelmente a mais baixa da Europa Ocidental. No séc. XVII, com a população a diminuir, muitas quintas foram completamente abandonadas. No resto da Europa Ocidental prevaleceu o sistema de campos abertos, uma herança do sistema senhorial da Idade Média. Terá havido excepções nas regiões altas e montanhosas e em grandes extensões do ocidente da França, onde pequenos campos murados (bocage) alternavam com campos abertos. Os senhores territoriais tinham-se transformado em meros senhorios; recebiam rendas em dinheiro ou espécies, mas os serviços de mão-de-obra, já em desuso no final da Idade Média, foram extintos, embora os senhores continuassem a ter direitos e privilégios especiais nalgumas áreas. A transferência da posse da terra tornou-se mais comum e o nº de camponeses que se tornaram pequenos proprietários aumentou, bem como os agricultores que arrendavam as terras. 31 A região agrícola mais progressista da Europa foi a dos Países Baixos, especialmente a norte, com o seu centro na província da Holanda. No fim do séc. XV, a agricultura holandesa e flamenga era já mais produtiva que a média europeia, graças à oportunidade dada pelo fornecimento às cidades vizinhas e aos trabalhadores da indústria têxtil. Devido ao seu método de colonização na Idade Média, a população rural holandesa também possuía maior liberdade que a de regiões anteriormente feudalizadas. Durante os séc. XVI e XVII, a agricultura holandesa sofreu uma transformação notável que merece a sua descrição como a primeira economia agrícola «moderna». A modernização da agricultura estava intimamente associada à igualmente notável manifestação da superioridade comercial holandesa; sem uma, a outra não poderia ter ocorrido. A chave para o sucesso da transformação da agricultura holandesa foi a especialização. Em vez de tentarem produzir o mais possível de produtos (tanto agrícolas como não agrícolas) necessários ao seu próprio consumo, os agricultores holandeses tentaram produzir tanto quanto possível para o mercado, comprando também no mercado muitos bens de consumo, assim como bens de capital e intermédios. A maior parte dos agricultores holandeses especializou-se em produtos de valor relativamente elevado, principalmente animais domésticos e produtos leiteiros. A especialização na criação de gado também significou maiores quantidades de estrume para fertilização; porém, a natureza intensiva da agricultura holandesa exigia ainda mais fertilizante. Tão grande era a necessidade que alguns empresários concluíram ser lucrativo especializarem-se na recolha de resíduos de fossa urbanas e excrementos de pombos, por exemplo, que vendiam em embarcações ou carroças – uma actividade que acabou por tornar as cidades holandesas mais limpas e saudáveis que as outras. O desempenho da agricultura holandesa é atestado pelos esforços prementes e continuados para criar nova terra reclamando-a ao mar, drenando lagos e pântanos e plantando turfeiras, depois de a turfa ter sido extraída para combustível. Esta actividade tinha começado na Idade Média, mas aumentou substancialmente nos séc. XVI e XVII, e foi particularmente intensa em períodos de subida de preços dos produtos agrícolas. E os agricultores não eram os únicos envolvidos. Os diques e as drenagens necessitavam de grandes investimentos de capital; comerciantes urbanos e outros investidores formaram companhias para resgatar terra, e depois vendiam-na ou arrendavam-na a agricultores que a trabalhavam. Tecnologia e produtividade industriais Na indústria, como na agricultura, não ocorreu nenhuma mudança brusca entre a Idade Média e o início da Idade Moderna. Todavia, ao contrário de que aconteceu com a agricultura, a inovação decorreu de forma mais ou menos contínua, embora a um ritmo muito lento. A orientação de mercado da economia europeia, maior na indústria que na agricultura, encorajou os empresários, que podiam reduzir os custos de produção e reagira rapidamente às alterações da procura dos consumidores. Mas a inovação também se deparou com enormes obstáculos. Um dos mais omnipresentes foi a oposição das 32 autoridades, que receavam o desemprego em resultado de inovações que dispensassem mão-de-obra, e dos grémios monopolistas e companhias que receavam a concorrência. Os negócios têxteis continuaram a ser, colectivamente, os maiores empregadores industriais, seguidos de perto pelos negócios de construção. Isto é compreensível quando nos lembramos de que numa economia pobre e praticamente de subsistência, como a Europa Pré-Industrial, as necessidades básicas eram a alimentação, o abrigo e o vestuário. A indústria de lanifícios espanhola expandiu-se vivamente na primeira metade do séc. XVI, mas sobrecarregada por impostos excessivos e pela interferência do governo, daí em diante, estagnou e declinou. Durante os primeiros dois terços do século, as maiores indústrias têxteis, de lãs e linhos, localizavam-se no sul dos Países Baixos, em particular nas províncias de Flandres e do Brabante. A indústria inglesa expandiu-se prodigiosamente. Na Idade Média, a lã em bruto tinha sido o principal produto de exportação em Inglaterra. No séc. XVI predominou a exportação de tecido por acabar. Por volta de 1660, os tecidos de algodão e de lã penteada representavam dois terços do valor de todas as exportações inglesas. Muito antes do surgimento da indústria moderna, a Inglaterra já se tinha tornado o maior exportador da maior indústria da Europa. A construção naval nos Países Baixos Holandeses passou por uma transformação profunda. Graças à rápida expansão do comércio holandês, a frota mercantil holandesa decuplicou em número e teve um aumento ainda maior na tonelagem entre o princípio do séc. XVI e meados do séc. XVII. Nessa época, era, de longe, a maior da Europa, e provavelmente maior que todas as outras juntas. Considerando a vida relativamente curta dos navios de madeira, isto traduz-se numa grande procura da indústria naval, uma procura à qual os construtores navais holandeses reagiram racionalizando os seus estaleiros e introduzindo técnicas elementares de produção em massa. Utilizaram serras mecânicas e guindastes accionados por moinhos de vento e mantinham armazéns de peças sobressalentes. Devido à sua eficiência, forneciam não só a frota do seu próprio país como também a dos seus rivais. A inovação mais significativa dos Holandeses foi o fluyt (o fluyt holandês, um navio relativamente grande e deselegante teve um enorme sucesso como transportador de carga, substituindo as velhas carracas bifuncionais), ou «barco voador» como os Ingleses lhe chamavam, uma carreira comercial especializada introduzida no final do séc. XVI. Nalguns aspectos, o equivalente ao navio-tanque dos nossos tempos, foi criado especialmente para cargas volumosas e de baixo valor, como cereais e madeira, e navegava com tripulações mais reduzidas que os navios convencionais. As indústrias metalúrgicas, embora tivessem uma importância relativamente enorme em termos de emprego e produção, alcançaram um grande significado estratégico devido à importância crescente das armas de fogo e da artilharia nas guerras. As indústrias metalúrgicas foram também importantes como percursoras da nova era de industrialização. O ferro era o metal mais importante. 33 Na Idade Média, o ferro trabalhado era obtido de vários tipos de «forjas», nas quais o minério de ferro era aquecido com carvão vegetal até se transformar numa massa pastosa, ou «barra», que era depois alternadamente martelada e aquecida até as suas impurezas serem retiradas. O processo era lento, dispendioso em combustível e minério, e era produzido em pequenas porções. Nos séculos XIV e XV, a altura dos fornos aumentou progressivamente e uma corrente de ar produzida por foles accionados a água aumentava a temperatura da carga, e assim se desenvolveu o alto-forno. A Suécia, dotada de minério de ferro de alto nível, madeira e força hidráulica abundantes, tinha uma indústria de ferro ainda modesta na Idade Média. No começo do séc. XVI, as exportações atingiram cerca de 1000 toneladas por ano. No séc. XVII, empresários valões e holandeses introduziram técnicas mais avançadas, e a produção aumentou imenso, no final do século, a indústria sueca do ferro era provavelmente a maior da Europa. A Europa não era naturalmente rica em metais precisos, mas os minérios de metais mais utilitários eram relativamente abundantes. Cobre, chumbo e zinco existiam em várias partes da Europa e eram extraídos desde tempos pré-históricos. O estanho estava mais localizado, estando praticamente confinado à Cornualha; mas também esse metal fora um artigo de comércio muito antes da conquista romana da Grã-Bretanha. A Suécia era quase tão rica em cobre como em ferro, e, no séc. XVII, com capital e assistência técnica holandeses, tornou-se o maior fornecedor europeu nos mercados internacionais. As descobertas ultramarinas ao fornecerem matérias-primas, estimularam directamente novas indústrias; as refinarias de açúcar e o processamento de tabaco foram as mais importantes, mas outras manufacturas desde a porcelana (em imitação dos artigos chineses) até às caixas de rapé, se desenvolveram para a satisfação dos gostos recém-adquiridos. A cana-de-açúcar também forneceu a matéria-prima para destilarias de rum, e , no séc. XVII, os opulentes holandeses inventaram o gin, que originalmente se destinava a fins medicinais. A invenção da imprensa fez aumentar a procura do papel. Comércio, rotas comerciais e organização comercial De todos os sectores da economia europeia, o comércio foi sem dúvida o mais dinâmico entre os séc. XV e XVIII. Livros mais antigos, descrevem o séc. XVI como uma era de «revolução comercial». Mais interessante e mais significativa para a história do Desenvolvimento Económico foram a mudança do centro de gravidade do comércio europeu do Mediterrâneo para os mares setentrionais, uma mudança ligeira mas perceptível no género de bens envolvidos no comércio distante, e mudanças nas formas de organização comercial. 34 A invasão portuguesa do oceano Índico foi um rude golpe para os Venezianos e, em menor grau, para outras cidades italianas. Em 1521, numa tentativa de recuperar o seu monopólio, os Venezianos ofereceram-se para comprar a totalidade da importação portuguesa, mas a proposta foi recusada. Os espanhóis e os Portugueses, concentrados na exploração dos seus impérios ultramarinos, deixaram o negócio da distribuição das suas importações na Europa – e também o fornecimento da maior parte das suas exportações às colónias – a outros europeus. Destes, os Neerlandeses, principalmente holandeses e flamengos, eram os mais agressivos. Os Holandeses não foram a única nação a aproveitar-se da fraqueza de Portugal. Clandestinos ingleses tinham já feito uma viagem em 1591 e, em 1600, a Companhia Inglesa das Índias Orientais foi criada com um monopólio semelhante ao da companhia holandesa. Apesar de as 2 companhias serem até certo ponto rivais, ambas consideravam os Portugueses o seu maior inimigo. O tipo de artigos envolvidos no comércio de distância mudou de certa forma nos séc. XVI e XVII. No séc. XVI, uma grande proporção de volume de bens transaccionados no comércio internacional, consistia em artigos tão importantes como cereais, madeira, peixe, vinho, sal, metais, tecidos e matérias-primas têxteis. No final do séc. XVII, metade das importações inglesas, em volume, consistia em madeira; mais de metade das exportações, também em volume, compunha-se de hulha, embora as exportações de tecidos fossem muito valiosas. Um ramo muito especial do comércio lidava com seres humanos: o comércio de escravos. Embora as colónias espanholas se encontrassem entre os maiores compradores de escravos, os próprios espanhóis não se dedicaram ao tráfico em larga escala, cedendo-o contratualmente por asiento, aos comerciantes doutras nações. O tráfico foi a princípio dominado pelos Portugueses e depois sucessivamente, pelos Holandeses, pelos Franceses e pelos Ingleses. Normalmente era um comércio de carácter triangular. Um navio europeu transportando armas de fogo, facas, outras ferragens, contas e adornos baratos, tecidos alegremente coloridos e bebidas alcoólicas navegava para a costa de África Ocidental, onde negociava com chefes tribais a troca de mercadorias por escravos. Quando o negreiro carregava tantos escravos acorrentados e algemados quantos o seu navio podia comportar, dirigia-se para as Índias Ocidentais ou para os continentes da América do Norte ou do Sul. Aí trocava a carga humana por um carregamento de açúcar, tabaco ou outros produtos do Hemisfério Ocidental, com o qual regressava à Europa. Os governos europeus não tomaram quaisquer medidas concretas para a proibir. Até ao séc. XIX. A organização do comércio variava de país para país e consoante a natureza do próprio comércio. O comércio intra-europeu herdou a organização sofisticada e complexa desenvolvida pelos mercadores italianos dos finais da Idade Média. Os comerciantes nativos, bem como os doutros países, aprenderam as técnicas empresariais italianas como a contabilidade por partidas dobradas e o recurso ao crédito. A maior dinastia empresarial do séc. XVI foi a família Fugger, com sede em Ausburgo, no sul da Alemanha. 35 O primeiro Fugger conhecido na História era tecelão. Alguns dos seus descendentes tornaram-se promotores (comerciantes-fabricantes) na indústria de lanifícios, acabando por se envolver na venda por atacado de seda e especiarias com um armazém em Veneza. No final do séc. XV estavam activamente empenhados em financiar os Sacros Imperadores Romanos, conseguindo o domínio da produção das minas de prata da distribuição de especiarias na Europa Central, pelas quais trocavam a prata necessária para comprar as especiarias na Índia. Também aceitavam depósitos, operavam intensamente com letras de câmbio estavam profundamente envolvidos no financiamento aos monarcas de Espanha e de Portugal – um negócio que acabaria por levar ao seu declínio. No séc. XVI, os Fugger eram destacados – Jacob II era conhecido como um princípe entre os comerciantes. A Espanha também teve algumas dinastias de comerciantes notáveis. A forma de organização preferida era a sociedade, normalmente formalizada por contratos escritos especificando os direitos e obrigações de cada sócio. A organização comercial em Inglaterra, um país periférico no séc. XV, reflectia uma forma anterior às das economias mais altamente desenvolvidas do Continente, mas teve um rápido progresso, e, em finais do séc. XVII, era uma das mais avançadas. Na segunda metade do séc. XVI, os Ingleses criaram várias companhias com alvarás de comércio monopolista. Algumas dessas companhias adoptaram a forma corporativa, mas outras transformaram-se em sociedades anónimas; isto é, reuniam entradas em capital dos membros e colocavam-nas sob gestão comum- isto fazia-se nos comércios a longa distância, nos quais os riscos e o capital exigido para financiar uma única viagem excedia as quantias que um ou vários indivíduos estavam dispostos a empregar ou investir. As Companhias da Moscóvia e do Levante foram a princípio formadas numa base de capital anónimo, mas à medida que as relações comerciais se desenvolveram e se tornaram mais estáveis, tornaram-se companhias corporativas. A Companhia das Índias Orientais também adoptou a forma de sociedade anónima. A organização do depósito franco já era altamente sofisticada no começo do séc. XV em Bruges, e tornou-se ainda mais quando migrou para Antuérpia e para Amesterdão. A primeira exigência é uma bolsa ou praça mercantil (a palavra moderna bolsa deriva, no sentido de um mercado organizado ou regulamentado para o comércio de mercadorias ou de títulos financeiros, deriva da sala de reuniões dos comerciantes em Bruges, que era identificável por um símbolo que mostrava 3 sacas de dinheiro, ou bolsas). Por regra, os artigos expostos não eram trocados naquele lugar; eram simplesmente amostras que serviam para atestar a qualidade dos produtos. Depois de as encomendas serem efectuadas, as mercadorias eram embarcadas a partir dos armazéns. A utilização do crédito generalizou-se, sendo a maior parte dos pagamentos efectuada através de instrumentos financeiros, como a letra de câmbio, ou por transferência bancárias, em vez de se recorrer à utilização de dinheiro vivo. O Banco de Amesterdão (fundado em 1609), era um banco público na medida em que foi fundado sob os auspícios da própria cidade. Era igualmente um banco dedicado a operações cambiais, mais do que um banco de emissão e desconto. Os fundos podiam ser ali depositados e transferidos contabilisticamente duma conta para outra; mas o banco não emitia notas nem concedia empréstimos a comerciantes através do desconto 36 de papel comercial. A sua função principal que desempenhava bem, era a de proporcionar à cidade e a todos os comerciantes holandeses e estrangeiros que ali afluíam, meios de pagamento estáveis e fiáveis. O regime dos comércios coloniais diferia muito do comércio intra-europeu. O comércio de especiarias do Império Português era um monopólio da Coroa; a armada portuguesa funcionava igualmente como frota mercante e todas as especiarias tinham de ser vendidas através da Casa da Índia, em Lisboa. A situação era diferente, para lá do cabo da Boa Esperança. Ali os comerciantes portugueses tomaram parte no «comércio regional» em concorrência com mercadores muçulmanos, hindus e chineses. No comércio das especiarias, Goa era o terminal oriental, enquanto Lisboa era o terminal ocidental. O comércio entre Espanha e as colónias era semelhante. O comércio com as colónias era um monopólio da coroa de Castela. Na prática, o governo colocou-o sob a administração da Casa de Contratación (Casa de Comércio), uma espécie de agremiação sedeada em Sevilha. 37 38 Cap. VI Nacionalismo e Imperialismo Económico As políticas económicas dos Estados-nação do período da segunda logística europeia tinham um objectivo duplo: 1. Criar um poder económico para fortalecer o Estado. 2. Usar o poder do Estado para promover o crescimento económico e enriquecer a nação. Os Estados pretendiam obter rendimento, e, com frequência, a sua necessidade de rendimentos levava-os a decretar políticas prejudiciais às actividades verdadeiramente produtivas. Mercantilismo: um termo incorrecto Adam Smith – um filósofo escocês do Iluminismo e o fundador da moderna ciência económica, caracterizou as políticas económicas do seu tempo (e de séculos anteriores) sob uma única epígrafe, o sistema mercantil. Apesar de condenar as políticas como insensatas e injustas, tentou sistematizá-las – daí o termo sistema mercantil -, pelo menos em parte, a fim de realçar a sua incoerência. Explorando sobretudo exemplos britânicos, declarou que as políticas foram delineadas por comerciantes e impingidas por governantes e estadistas perfeitamente ignorantes em relação a assuntos económicos. Durante mais de um século após Smith ter publicado o seu histórico Inquérito sobre a Natureza e as Causas da riqueza das Nações, em 1776, o conceito sistema mercantil teve uma conotação pejorativa. Na última parte do séc. XIX, vários historiadores e economistas alemães, nomeadamente Gustav von Schmoller, inverteram radicalmente essa noção. Nas palavras de Schmoller, o mercantilismo, «no seu âmago» mais profundo, não é senão construção do Estado – não construção do Estado num sentido restrito, mas construção do Estado e construção duma economia nacional ao mesmo tempo. O nacionalismo dos primeiros Estados-nação apoiava-se numa classe, não na massa, a chave para as diferenças nacionais na política económica deve procurar-se nas divergentes composições e interesses das classes governantes. Em França e noutras monarquias absolutistas, os desejos dos soberanos eram supremos. Em assuntos mais importantes, os monarcas absolutistas sacrificavam frequentemente o bem-estar económico dos seus súbditos e os fundamentos económicos do seu próprio poder por ignorância ou indiferença A União dos Países Baixos, governada por e para os comerciantes ricos que dominavam as principais cidades, seguiu uma política económica mais informada. Vivendo principalmente do comércio, não podia dar-se ao luxo de ter as políticas restritivas e proteccionistas dos seus vizinhos maiores. Estabeleceu-se o comércio livre interno, acolhendo os seus portos e mercados, comerciantes de todas as nações. Por outro lado, no Império Holandês o monopólio dos comerciantes holandeses era absoluto. 39 A Inglaterra encontrava-se algures no centro do espectro. A aristocracia fundiária ligou-se pelo casamento a prósperas famílias de mercadores e a advogados e funcionários relacionados com a actividade mercantil, e há muito que grandes comerciantes tinham assumido um papel proeminente no governo e na política. Após a Revolução de 1688-89, os seus representantes no Parlamento assumiram o poder supremo do Estado. As leis e regulamento que fizeram em relação à economia reflectiram um equilíbrio de interesses, beneficiando os interesses fundiários e agrícolas da nação enquanto encorajavam as indústrias caseiras e apoiavam os interesses da navegação e do comércio. Os elementos comuns Bulionismo – é uma forma de política económica que consiste na tentativa de acumular tanto quanto possível ouro e prata num país e a proibição da sua exportação por decreto, sob pena de morte aos infractores. As fúteis tentativas de Espanha para poupar a sua riqueza do Novo Mundo forma o exemplo mais conspícuo desta política, mas a maior parte dos Estados-nação tinha legislação semelhante. Espanha e América espanhola No séc. XVI, a Espanha era a inveja e o flagelo das cabeças coroadas da Europa. Em resultado de alianças dinásticas pelo casamento, o seu rei Carlos I (1516-56) herdou, não apenas o reino de Espanha mas também os domínios dos Habsburgos na Europa Central, os Países Baixos e o Franco Condado. Em 1519, Carlos tornou-se Sacro Imperador Romano como Carlos V. Este formidável império político parecia igualmente assentar em fortes bases económicas. Embora os recursos agrícolas de Espanha não fossem os melhores, esta herdou o sofisticado sistema mourisco de horticultura em Valência e Andaluzia e a lã dos seus carneiros era muito apreciada em toda a Europa. Tinha também algumas indústrias florescentes, nomeadamente têxtil e metalúrgica. Os domínio de Carlos nos Países Baixos tinham a agricultura mais avançada e alguma das indústrias mais prósperas da Europa. Os domínios de Habsburgos na Europa Central continham além de recursos agrícolas, importantes depósitos minerais, incluindo ferro, chumbo, cobre, estanho e prata. Mais aparatosamente, o ouro e a prata do Novo Mundo começaram, a fluir para Espanha em grandes quantidades. Além disso o reino de Aragão trouxe consigo a Sardenha, a Sicília e toda a Itália a sul de Roma, e o reino de Castela contribuiu com um império recém-descoberto e ainda por conquistar na América. Apesar destas circunstâncias favoráveis, a economia espanhola não conseguiu progredir – na verdade, regrediu a partir de meados do séc. XVII -, e o povo espanhol pagou o preço sob a forma de níveis de vida mais baixos, maior incidência de fomes e pragas e, por fim, no séc. XVII despovoamento. Muitos factores contribuíram para o declínio de Espanha, as ambições exorbitantes dos seus soberanos e a miopia e perversidade das suas políticas económicas têm de partilhar uma grande quota de responsabilidade. 40 Carlos V julgava ser a sua missão reunificar a Europa Cristã. Com esse objectivo, combateu os Turcos no Mediterrâneo e na Hungria, guerreou os príncipes protestantes rebeldes da Alemanha e hostilizou os reis da dinastia francesa dos Valois. Incapaz de conseguir um sucesso permanente em qualquer uma destas frentes, homem cansado e derrotado, abdicou do trono de Espanha em 1556. Esperara passar para o seu filho Filipe os seus domínios intactos, mas o seu irmão Fernando conseguiu apoderar-se das terras dos Habsburgos na Europa Central e do título de Sacro Imperador Romano após a morte de Carlos em 1558. Para financiarem as suas guerras e consumo conspícuo, Carlos e Filipe contavam em primeiro lugar, com os impostos. Apesar da sua pobreza, o povo espanhol do séc. XVI era o mais tributado de toda a Europa. A Coroa conseguiu uma inesperada fonte de rendimentos com a descoberta de ouro e prata no seu império americano. Para piorar as coisas, a receita total raramente igualava as grandes despesas de governo. Isto forçou os monarcas a recorrer a uma terceira fonte de financiamento, o empréstimo. Em oito ocasiões (em 1557, 1575, 1596, 1607, 1627, 1647, 1653 e 1680), os Habsburgos espanhóis declararam falência régia. Cada uma resultou em pânico financeiro, verdadeira bancarrota e liquidação de muitos banqueiros e outros investidores e ruptura das transacções comerciais e financeiras correntes. A ausência de qualquer política económica sistemática de longo prazo é claramente ilustrada nas histórias das duas das mais importantes actividades económicas de Espanha: - A produção de cereais - O fabrico de tecidos. A produção de cereais, embora prejudicada pelos privilégios concedidos à Mesta, prosperou durante o primeiro terço do séc. XVI em resultado, tanto do aumento da população, como do crescimento moderado dos preços ocasionado pelo influxo inicial do tesouro americano. Como os custos continuaram a subir, o resultado foi que a terra arável foi destinada a outros objectivos que não o cultivo de cereais, e a carência de cereais tornou-se mais grave. A Espanha tornou-se um importador regular de cereais para pão. A situação na indústria têxtil era muito semelhante. No começo do séc. XVI, a Espanha exportou tecidos delicados, bem como lã em bruto. A expansão da procura interna e, em especial, das colónias na América elevou os custos e também os preços. A oferta não conseguia manter-se a par da procura crescente. Em 1548 foi permitida a entrada de tecidos estrangeiros sem o pagamento de direito alfandegário, e em 1552 foi proibida a exportação (excepto para as colónias) de tecidos nacionais. O resultado imediato foi uma grave depressão na indústria têxtil. A proibição da exportação foi revogada em 1555, mas a perda de mercados estrangeiros e os aumentos inflacionistas dos custos tinham privado a Espanha da sua vantagem competitiva. Espanha continuou a importar tecidos até ao séc. XIX. 41 Do ponto de vista do estratega político, o monarca estava demasiado dependente das receitas alfandegárias para abolir tarifas e taxas internas sobre o comércio entre as várias componentes do Império. Mesmo após a união das coroas de Castela e Aragão, os cidadãos duma eram tratados como estrangeiros na outra. Outras possessões dos Habsburgos não se encontravam em melhor posição. Os comerciantes e industriais dos Países Baixos deviam a sua penetração substancial nos mercados espanhóis à sua competitividade superior, mais que a quaisquer privilégios especiais. Até nas suas políticas religiosas os monarcas espanhóis conseguiram prejudicar o bem-estar dos seus súbditos e enfraquecer as bases económicas do seu próprio poder. No princípio do seu reinado, Fernando e Isabel conseguiram autorização do Papado para criar um Santo Ofício, sobre o qual exerciam autoridade real directa. Os alvos iniciais da Inquisição Espanhola eram os apóstatas entre os conversos; judeus que se tinham convertido ao catolicismo, embora os judeus praticantes ainda fossem tolerados. Muitos judeus e conversos encontravam-se entre os mais ricos e mais cultos cidadãos espanhóis. O clima de medo criado pela Inquisição levou muitos conversos e judeus a emigrar, levando com eles a sua riqueza, bem como os seus talentos. Os monarcas adoptaram uma política semelhante em relação à sua outra minoria religiosa, os mouros Muçulmanos. Com a capitulação do reino mouro de Granada, os Reis Católicos tinham decretado uma política de tolerância religiosa com os Mouros (contrária à sua quase simultânea perseguição dos Judeus); mas em menos de uma década, começaram a perseguir também os mouros. Como a maioria dos mouros era de humildes trabalhadores agrícolas, não tinham recursos para poderem emigrar, tornaram-se cristãos nominais, os «Mouriscos». Permaneceram durante mais de um século, dificilmente tolerados. Em 1609, outro governo espanhol, procurando camuflar a notícia de mais uma derrota militar no estrangeiro, ordenou a expulsão de todos os mouriscos, e o governo privou-se assim doutro recurso económico de que necessitava desesperadamente. As políticas espanholas em relação ao império americano eram tão limitadas e autodestrutivas como as suas políticas internas. Assim que se começou a compreender algo da natureza e extensão das descobertas do Novo Mundo, o governo impôs uma política de monopólio e domínio rígido. As políticas monopolistas e restritivas revelaram-se tão impraticáveis, que o governo teve de recuar rapidamente. Em 1524 permitiu aos comerciantes estrangeiros estabelecerem negócio com a América, mas não a nela se instalarem. Esta medida foi um filão tal para os comerciantes italianos e alemães, que em 1538, o governo abdicou dessa política e restituiu o monopólio aos Castelhanos. As políticas de monopólio e restrição encorajaram a evasão e o contrabando tanto por espanhóis como por outros expedidores. O comércio intracolonial foi desencorajado, embora algum se efectuasse, especialmente entre o México e o Peru. O maior absurdo das políticas económicas coloniais espanholas é realçado pelo tratamento dado ao seu único território no Pacífico, as Ilhas Filipinas. Embora na órbita portuguesa, como estava determinado pela linha de demarcação papal, as Filipinas tornaram-se um território espanhol devido à descoberta de Magalhães. Os Filipinos e outros asiáticos efectuavam transacções comerciais entre si mesmos e com 42 as regiões asiáticas vizinhas, incluindo a China; mas o único comércio com a Europa permitido pelas autoridades espanholas era indirecto através do México e da própria Espanha. Portugal Um dos feitos mais notáveis da era da expansão europeia foi o facto de Portugal, um país pequeno e relativamente pobre, ter conseguido o domínio dum vasto império marítimo na Ásia, na África e na América. Fora das poucas e pequenas cidades, a economia era predominantemente de subsistência. Ao longo da costa marítima, as ocupações não agrícolas eram a pesca e a secagem do peixe. O comércio com o estrangeiro tinha pouco significado, mas estava a crescer. Como conseguiu um país tão pequeno e atrasado o domínio do seu enorme império tão rapidamente? Muitos factores estiveram envolvidos, nem todos susceptíveis duma avaliação precisa. Um deles foi a sorte: na altura em que Portugal fez a sua incursão no oceano Índico, as nações daquela área estavam invulgarmente fracas e divididas, por motivos alheios aos acontecimentos na Europa. Outro factor menos acidental, mas ainda assim fortuito, foi o conhecimento e a experiência acumulados do trabalho e dedicação do príncipe D. Henrique. No entanto, existe outro factor mais especulativo, mas de qualquer modo importante: o zelo, coragem e ganância dos homens que se aventuraram pelos mares ao serviço do seu Deus e do seu rei e em busca de riquezas. Com o entusiasmo das suas descobertas asiáticas e dos seus sucessos, os Portugueses prestaram pouca atenção aos territórios que possuíam em África e na América. No entanto, na década de 1530, a Coroa Portuguesa alarmou-se com as actividades dos piratas franceses ao longo da costa do Brasil, e preocupou-se em assegurar colonos portugueses para o Continente. O Rei fez cedências de terras a particulares, esperando desta forma garantir colonos com pouca despesa para o país. Só na década de 1570, com o transplante da cana-de-açúcar das ilhas da Madeira e de S. Tomé e das técnicas do seu cultivo com mão-de-obra escrava, é que o Brasil se tornou parte integrante da economia imperial. Em 1580, Portugal ficou subjugado ao domínio espanhol, e embora Filipe II tivesse prometido preservar e proteger o sistema imperial português, este sofreu depredações dos Holandeses e de outros, tanto no Oriente como no Ocidente. Os planos portugueses para desenvolver e explorar um império africano foram repetidamente adiadas até ao séc. XX. O monopólio legal da Coroa Portuguesa sobre o comércio das especiarias foi alvo de referências jocosas ao «Rei Merceeiro» e ao «Potentado da Pimenta» mas a realidade subjacente a esses termos era bem diferente da que se poderia suspeitar. Em primeiro lugar, Portugal nunca assegurou um domínio eficaz das fontes de fornecimento das especiarias. Inicialmente a sua entrada intempestiva no oceano Índico, prejudicou severamente o transporte tradicional de especiarias por terra para o Mediterrâneo Oriental, assim privando temporariamente, os Venezianos do seu lucrativo comércio de distribuição; mas as rotas tradicionais acabaram por vir a ser restabelecidas, e, no final do séc. XVI, tinham um volume de comércio maior que alguma vez antes – maior ainda que o das frotas portuguesas. Para isto contribuíram 2 motivos principais: 43 1. os Portugueses estavam pouco densamente disseminados. Com tão poucos homens e navios, revelou-se impossível policiar a maior parte dos dois oceanos. 2. a Coroa era obrigada a confiar, ou em funcionários oficiais para imposição do seu monopólio, ou em adjudicatários que locavam uma parte do monopólio. Em ambos os casos, verificou-se ineficácia e fraude. Os funcionários oficiais, embora investidos de grandes poderes, não eram bem pagos e, frequentemente complementavam, os seus magros salários aceitando subornos de contrabandistas ou introduzindo-se eles mesmos em negócios ilícitos. Os adjudicatários da Coroa, é claro tinham grandes estímulos à violação dos seus contratos sempre que possível. Mesmo antes da abertura da rota do Cabo, a Coroa Portuguesa monopolizou o comércio com África, cujas exportações mais valiosas eram ouro, escravos e marfim. Com a descoberta das Américas, a procura de escravos aumentou enormemente, e os reis portugueses foram os primeiros beneficiados. No séc. XVIII, a descoberta de ouro e diamantes no Brasil presenteou a Coroa com um novo Eldorado. As investidas monopolísticas da Coroa não se limitaram aos produtos exóticos da Índia e de África, estendendo-se igualmente a artigos de produção interna como o sal e o sabão e, entre os mais lucrativos, o tabaco do Brasil. E o que a Coroa não conseguiu monopolizar tentou tributar. O objectivo, tanto do monopólio como da tributação, era o de obter receitas para a Coroa. Mas, dada a ineficácia e venalidade dos agentes reais, a evasão era relativamente fácil e generalizada. Como resultado, os reis portugueses foram forçados a contrair empréstimos, como o já tinham feito os seus pares espanhóis. Os mutuantes eram, na maioria das vezes, estrangeiros – italianos e flamengos -, ou mesmo súbditos do Rei, os «cristãos-novos». «Cristãos-novos» era o termo eufemisticamente aplicado aos cidadãos portugueses com antepassados judeus. Todavia, Portugal acabou por ter o seu próprio ramo da Inquisição, uma atmosfera de suspeição mútua e de desconfiança impregnou a vida portuguesa durante séculos, e Portugal perdeu muita riqueza e muitos trabalhadores especializados e gente empreendedora para países mais tolerantes, em especial os Países Baixos Holandeses. Europa Central , Oriental e Setentrional Toda a Europa Central do norte de Itália ao Báltico, estava nominalmente unificada no Sacro Império Romano. Após a Reforma Protestante, durante a qual muitos senhores seculares, e até eclesiásticos, adoptaram a nova religião para se apossarem dos bens da Igreja, a autoridade do Imperador foi drasticamente reduzida. Na Alemanha, os adeptos do nacionalismo económico propuseram uma série de princípio ou máximas que quase merecem ser consideradas um sistema ou pelo menos um quase-sistema. Os escritores desta tradição são normalmente apelidados de cameralistas, da palavra latina camera, que, no emprego que então se lhe dava na Alemanha, significava o cofre do tesouro ou o tesouro público do Estado territorial. A maior parte desses escritores era de funcionários públicos no activo ou já aposentados 44 – isto é, funcionários dos príncipes territoriais que lutavam por autonomia política e económica. Pode extrair-se alguma noção do teor das políticas que advogavam do título de um dos seus livros mais influentes «A Áustria acima de tudo, custe o que custar) de Philipp W. Van Hornigk (1864). Na sua preocupação de fortalecer o Estado territorial, defendiam medidas que, além de encherem os cofres do Estado, reduziriam a sua dependência doutros estados e torná-lo-iam muito mais auto-suficiente em tempo de guerra: - restrições ao comércio externo; - promoção da indústria nacional; - resgate de solos improdutivos; - medidas para empregar os «pobres desocupados» (que nalguns casos se traduziam em trabalhos forçados), etc. No séc. XVIII, foram criadas cátedras especiais de Ciência do Estado em várias universidades alemãs para formar futuros funcionários públicos. Na sua grande maioria, os Estados Alemães eram demasiados pequenos e faltavam-lhes os necessários recursos para se tornarem verdadeiramente auto-suficientes; houve contudo, alguns poucos exemplos de políticas que conseguiram fortalecer o poder e a autoridade dos governantes territoriais, embora à custa do bem-estar dos seus súbditos. O caso mais espectacular duma política de centralização de sucesso vir-se-á a dar com a ascensão da Prússia dos Hohenzollern. Foi este sucesso que levou alguns historiadores e economistas a rever a prevalecente condenação das políticas de nacionalismo económico. A dinastia dos Hohenzollern tornou-se governante do eleitorado de Brandeburgo, centrado na cidade de Berlin, no séc. XV. Os Hohenzollern expandiram gradualmente os seus territórios através de heranças, nomeadamente pela aquisição da Prússia Oriental em 1618. A Guerra dos Trinta Anos provocou grande devastação, mas, começando com a ascensão de Frederico Guilherme, o Grande Eleitor, em 1610, uma sucessão de hábeis governantes transformou a Prússia Brandeburguiana numa das maiores e mais poderosas nações da Europa, a percursora da nova Alemanha. Os meios que utilizaram incluíram alguns dos instrumentos padrão da chamada política mercantilista como: - tarifas proteccionistas - concessões de monopólio - subsídios à indústria - estímulo à instalação de empresários e trabalhadores especializados estrangeiros nos seus territórios subpovoados Mas mais importante para o sucesso do seu esforço foi a cuidadosa administração dos próprios recursos do Estado. Através da centralização da sua administração, de exigências de contabilidade rigorosa ao corpo de funcionários públicos de carreira que tinham criado, duma meticulosa cobrança de impostos e da frugalidade nas despesas, criaram um mecanismo estatal eficiente que constitui uma excepção na Europa do seu tempo. 45 A sua única extravagância de monta era o exército, que por vezes absorvia mais de metade do orçamento de Estado. Os reis prussianos usavam o exército em seu proveito, não só militar e politicamente, mas também economicamente . devido à sua temível reputação, conseguiam obter subsídios dos seus aliados, evitando, assim, a necessidade de contrair empréstimos, processo este que arruinou os reinos da maior parte dos outros monarcas absolutistas. Por muito eficiente e poderoso que o Estado fosse, pelos padrões de época a economia do país era apenas moderadamente próspera. A esmagadora maioria da população produtiva ainda se dedicava à agricultura de baixo rendimento e a Prússia estava longe de ser a grande potência industrial em que a Alemanha se viria a tornar no final do séc. XIX. No extremo oposto da ascensão da Prússia esteve o desaparecimento do reino da Polónia. Antes de 1772, a Polónia era o terceiro maior estado da Europa em área e o quarto maior em população; mas, nesse ano, os seus vizinhos mais poderosos, a Rússia, a Prússia e a Áustria, iniciaram o processo de superação que, em 1795, eliminou a Polónia do mapa político. Nos séc. XVI e XVII, a Polónia exportou grandes quantidades de cereais para o Ocidente, principalmente para o mercado de Amesterdão, através de Danzigue; mas como a produção agrícola do Ocidente aumentou no séc. XVIII, a procura do cereal polaco decresceu, e o país retornou à agricultura de subsistência. Embora a ausência duma autoridade central e eficaz impossibilitasse uma coerente política económica para a Polónia, algumas das suas partes constituintes conseguiram-no. O ducado da Curlândia é um exemplo. Sob o governo do enérgico duque Jaime (ou Jacob), em meados do séc. XVII, a Curlândia que ocupava uma parte da área actual da Letónia, tornou-se um verdadeiro modelo dum Estado mercantilista. Jaime conseguiu promover a indústria através de subsídios e tarifas proteccionistas, criou uma frota mercante e uma frota armada. Este aparatoso desenvolvimento foi, infelizmente, talhado pela guerra sueco–polaca de 1655-1660, durante a qual Jaime foi capturado e a sua capital pilhada. A experiência da Curdilândia ilustra a eficácia limitada duma deliberada política estatal no começo da Idade Moderna. As limitações da capacidade do Estado em moldar a economia foram ainda mais evidentes na história da Rússia, o maior Estado da Europa, e um dos mais poderosos. Nos séc. XVI e XVII desenvolveu-se, política e economicamente, em grande isolamento em relação ao Ocidente. A vasta maioria da população dedicava-se à agricultura de subsistência, na qual emergiu a instituição da servidão, aumentando mesmo em crueldade ao longo dos séculos. Em 1696, quando Pedro I, o Grande, se tornou o único governante, o seu poder dentro do Estado Russo não foi desafiado. Pedro tomou a deliberação de modernizar – isto é, ocidentalizar – o seu país, incluindo a economia. Além de medidas tão insignificantes como obrigar os seus 46 cortesãos a usar roupas ao estilo ocidental e a cortar a barba, viajou amplamente pelo Ocidente, observando processos industriais bem como fortificações e procedimentos militares. Concedeu subsídios e privilégios a artesãos e empresários ocidentais para se estabelecerem na Rússia e aí praticarem as suas artes e comércio. Construiu a cidade de São Petersburgo, a sua «janela sobre o Ocidente», em terra recentemente conquistada à Suécia no topo do golfo da Finlândia, um braço do mar Báltico. Subjacente a todas as políticas e reformas de Pedro estava o seu desejo de expandir a sua influência e território e de fazer da Rússia uma grande potência militar. Com este objectivo instituiu um novo e assim esperava, mais eficaz sistema tributário e reformou a sua administração central, cuja função era, como ele dizia, «receber dinheiro, a maior quantidade possível, pois o dinheiro é a artéria da guerra». Só nas indústrias do cobre e do ferro dos Montes Urais, onde o minério, a madeira e a energia hidráulica eram abundantes e baratos, é que emergiram empresas viáveis. Um dos seus sucessores, Catarina, a Grande, foi responsável por duas inovações nas finanças públicas, que tiveram efeitos perniciosos na economia: 1. Empréstimos externos; 2. Enormes emissões da moeda fiduciária (papel-moeda). Entretanto as forças verdadeiramente produtivas da economia, os camponeses labutavam com as suas técnicas tradicionais, conseguindo uma magra subsistência para si próprios após as exacções dos seus senhores e Estado. Nos séc. XVI e XVII, os Suecos desempenharam um papel de grande potência política e militar que é surpreendente, atendendo à sua reduzida população. Este sucesso deveu-se, em parte, à abundância de recursos naturais, especialmente cobre e ferro, ambos essenciais para o poderio militar, e em parte à eficácia administrativa do seu governo. Os monarcas suecos cedo alcançaram um grau de poder absoluto no seu reino sem rival em nenhuma outra parte da Europa. Além do mais, exerciam, em geral, o seu poder com sensatez – exceptuando as suas temerárias aventuras militares, que acabariam por levar à sua derrota e apagamento -, pelo menos na esfera económica. Aboliram as portagens e tarifas internas que prejudicavam o comércio noutros países, padronizaram pesos e medidas, instituíram um sistema fiscal uniforme e tomaram outras medidas que favoreceram o crescimento do comércio e da indústria. Nem todas as políticas foram igualmente favoráveis – por exemplo, a restrição ao comércio externo a Estocolmo e a algumas outras poucas cidades portuárias -, mas globalmente deram liberdade aos empresários nativos e imigrantes (especialmente holandeses e valões, que introduziram técnicas e conhecimento especiais, além de capital) para desenvolver os recursos suecos. No séc. XVIII, após o declínio do seu poder político, os Suecos tornaram-se os principais fornecedores de ferro do mercado europeu. A Itália foi excluída desta análise das políticas de nacionalismo económico porque, durante a maior parte da Idade Moderna, foi vítima de grandes rivalidades de poder. Colbertismo em França 47 O exemplo arquetípico, do nacionalismo económico foi a França de Luís XIV. Luís foi o símbolo – e o poder -, mas a responsabilidade pelo planeamento e execução da sua vida pública couberam ao seu principal ministro durante mais de 20 anos (1661-83), Jean Baptiste Colbert. A influência de Colbert foi tal, que os Franceses forjaram o termo colbertisme – mais ou menos sinónimo de «mercantilismo». Colbert tentou sistematizar e racionalizar o aparato dos domínios do Estado sobre a economia que herdara dos seus antecessores, mas nunca foi completamente bem sucedido, nem para a sua própria satisfação. O motivo principal deste insucesso foi a sua incapacidade em extrair da economia receitas suficientes para financiar as guerras de Luís e a sua extravagante corte. Os reis franceses foram mutuários na Idade Média, especialmente durante a Guerra dos Cem Anos, mas só no reinado de Francisco I (1515-47) é que uma dívida régia se tornou característica permanente do sistema fiscal. Daí em diante, a dívida cresceu progressivamente, excepto nas alturas em que a Coroa suspendia arbitrariamente os pagamentos de juros e diminuía o valor do montante em dívida. O efeito dessas bancarrotas parciais era o de tornar mais difícil à monarquia contrair empréstimos, mas assim continuou a fazer, mesmo com taxas de juros altas. Além dos empréstimos, a Coroa angariava receitas através da venda de cargos (judiciais, fiscais e administrativos). A venda de cargos não era desconhecida noutros países, mas em França tornou-se prática comum. A prática foi bem sucedida no seu objectivo imediato, mas a longo prazo revelou-se completamente nociva. Apesar da multiplicação de cargos e funcionários, a Coroa foi forçada a contar com a iniciativa privada para cobrar a maior parte dos seus impostos, através da instituição de cobradores de impostos. Estes indivíduos, por regra financeiros abastados, contratavam com o Estado o pagamento, de uma só vez, de determinada quantia em troca do privilégio de cobrar determinados impostos específicos. Colbert pretendia reformar o sistema, especialmente abolindo as tarifas e portagens internas, mas a necessidade que a Coroa tinha de receitas era demasiado grande e não o pôde fazer. Na última parte do séc. XVIII, sob a influência do Iluminismo e dos Fisiocratas, alguns dos sucessores de Colbert, nomeadamente o economista Jacques Turgot, tentaram efectivamente reformar o sistema e criar um comércio livre interno; mas a oposição dos direitos adquiridos, incluindo funcionários públicos, cobradores de impostos e a aristocracia, levaram-no à demissão. Colbert, os seus antecessores e os seus sucessores tentaram aumentar a eficácia e a produtividade da economia francesa. Elaborava inúmeros regulamentos e decretos a respeito das características técnicas de produtos manufacturados e da conduta dos comerciantes. Fomentaram a multiplicação de corporações com a declarada intenção de melhorar as verificações de qualidade, mesmo quando o seu verdadeiro objectivo era obter mais receitas. Subsidiaram manufactures Royales, quer para abastecer os seus senhores com bens de luxo, quer para criar novas indústrias. Para garantir uma balança comercial «favorável», criaram um sistema de restrições e de tarifas altamente proteccionistas. 48 O homem, que ainda mais que Colbert, deve ser visto como o fundador da tradição francesa do estadismo em assuntos económicos é o duque de Sully, o principal ministro de Henrique IV (1589-1610). Richelieu e Mazarino, os sucessores de Sully como principais ministros durante o reinado de Luís XIII e durante a menoridade de Luís XIV, não tinham interesse nem capacidade para os assuntos financeiros e económicos, deixaram as finanças do Estado voltar às condições deploráveis que prevaleciam antes de Sully. A primeira tarefa de Colbert foi, a de restaurar alguma aparência de ordem nas abaladas finanças do estado, o que fez de forma característica, revogando aproximadamente um terço da dívida régia, porém, a reputação histórica de Colbert advém das suas ambiciosas mas muito falidas tentativas para regular e dirigir a economia. Colbert não foi um grande inovador; houve precedentes históricos para praticamente todas as suas políticas. O que distinguiu o seu regime, além do seu proporcionalmente longo mandato como homem de confiança de Luís XIV, foi o vigor dos seus esforços e o facto de ter escrito copiosamente sobre eles. Um dos principais objectivos de Colbert foi o de tornar a França economicamente auto-suficiente. Com este propósito promulgou, em 1664, um vasto sistema de tarifas proteccionistas. Mas este não foi bem sucedido. As medidas de regulamentação industrial de Colbert estavam mesmos directamente relacionadas com o objectivo da auto-suficiência, mas não lhe eram totalmente alheias. Tanto os produtores como os consumidores resistiram e fugiram às regulamentações mas na medida em que foram impostas com sucesso, também levaram ao progresso tecnológico. A ordenança do Comércio de Colbert (1673), que codificou a lei comercial, foi muito mais benéfica para a economia. Colbert também visou a criação dum grande império ultramarino. Os franceses tinham já, na primeira metade do séc. XVII, estabelecido postos avançados no Canadá, nas Índias Ocidentais e na Índia, mas preocupados com as lutas de poder na Europa, não lhes tinham dado muita assistência. Colbert foi ao extremo oposto, sufocando as colónias com uma avalanche de regras pormenorizadas e paternalistas. Criou também sociedades monopolistas por acções para empreenderem o comércio com as Índias Orientais e Ocidentais; mas, ao contrário dos modelos holandês e inglês, que resultaram da iniciativa privada, com a colaboração dos governos, as companhias francesas eram, no fundo, instituições nas quais particulares, incluindo membros da família real e da nobreza, tinham sido induzidos ou coagidos a investir. Em poucos anos estavam moribundas. Embora fosse um católico ferveroso, Colbert apoiou a tolerância limitada dos Huguenotes garantida pelo Edicto de Nantes. Após a sua morte, houve a revogação do Edicto e a subsequente fuga de muitos Huguenotes para regiões mais tolerantes. O desenvolvimento prodigioso dos Países Baixos As políticas económicas holandesas diferiam grandemente das dos Estados-nação analisados anteriormente. E isso deu-se por dois motivos principais: 49 1. A estrutura do governo da República Holandesa era bastante diferente das monarquias absolutistas da Europa Continental. 2. A economia holandesa dependia do comércio internacional em grau muito maior que o de qualquer dos maiores vizinhos dos Países Baixos. A União de Utreque, de 1579 – acordo entre as 7 províncias do Norte que vieram a tornar-se a União dos Países Baixos, ou República Holandesa -, foi, por natureza, mais uma aliança defensiva contra a Espanha que a constituição de um Estado-nação. Os Estados gerais, o corpo legislativo da República, dedicaram-se exclusivamente à política externa. Os Estados Provinciais e das assembleias municipais, dedicavam-se aos assuntos internos. Os Holandeses estabeleceram a sua predominância mercantil no começo do séc. XVII, esta continuou a crescer pelo menos até meados do século. Os Holandeses especializaram-se no transporte das mercadorias de outros, a par das suas exportações de arenques, mas também exportavam alguns outros produtos seus. A agricultura holandesa, apesar de ocupar uma proporção bastante menor de mão-de-obra à de qualquer outro lugar, era a mais produtiva da Europa, e especializou-se em artigos de grande valor como manteiga, queijo e culturas industriais. Os Países Baixos não tinham recursos naturais, como carvão e minérios, mas importavam matérias-primas e produtos semi-acabados, como tecidos toscos de lã da Inglaterra, e exportavam-nos já acabados. A indústria de construção naval, que atingira um elevado nível de perfeição técnica, dependia da madeira do Báltico; mas abastecia, não apenas as frotas pesqueiras, mercante e naval holandesas, mas também as doutros países. Os Países Baixos do Norte obtinham capital financeiro e humano com a chegada de refugiados religiosos do sul, do sul dos Países Baixos, judeus de Espanha e de Portugal e, após 1685, huguenotes de França. Estas migrações tanto simbolizaram como contribuíram para uma política de tolerância religiosa nos Países Baixos, única no seu tempo. O jurista holandês Hugo de Groot (Grócio) escreveu o seu famoso tratado Mare Liberum (Liberdade dos Mares), destinado a tornar-se uma das fundações do direito internacional, como uma súmula para as negociações que conduziram às tréguas com a Espanha em 1609. A liberdade era igualmente a regra na indústria. Embora existissem grémios, não estavam tão disseminados nem eram tão poderosos como noutros países; a maioria das grandes indústrias operava completamente fora do sistema associativo. A grande excepção à ausência de regulamentos no comércio e indústria holandeses foi o «Instituto das Pescas», sancionado pelo governo, que regulamentava a pesca do arenque. Os navios de apenas 5 cidades tinham autorização para participar na «Grande Pescaria» (por oposição às pescarias locais de arenque fresco para consumo interno). 50 O Instituto licenciava os navios para fiscalizar a quantidade e também impunha rígidas verificações de qualidade para manter a reputação do arenque holandês. Estas políticas restritivas forma muito benéficas enquanto os Holandeses mantiveram o seu quase-monopólio do mercado europeu, mas, quando outras nações adoptaram gradualmente a tecnologia holandesa essas políticas contribuíram para a estagnação e consequente declínio do comércio do arenque, que foi sintomático (e em parte causa) do declínio de toda a economia holandesa. «Colbertismo Parlamentar» na Grã-Bretanha As políticas económicas em Inglaterra (e, após a união dos parlamentos escocês e inglês em 1707, na Grã-Bretanha) diferiam da dos Países Baixos e das monarquias continentais absolutistas. Mas ao passo que o absolutismo real cresceu na maior parte dos países continentais nos séc. XVI e XVII, em Inglaterra deu-se um desenvolvimento contrário, que resultou na criação duma monarquia constitucional sob o domínio parlamentar depois de 1688. Após a subida ao trono de Guilherme e Maria, em 1689, como monarcas constitucionais, o Parlamento assumiu o domínio directo das finanças públicas e, em 1693, instituiu formalmente uma dívida «nacional» distinta das dívidas pessoais do soberano. Apenas em questões financeiras, a década de 1690 viu: - Além do estabelecimento duma dívida consolidada - A criação do Banco de Inglaterra - Uma recunhagem da moeda nacional - E a emergência dum mercado organizado de títulos tanto públicos como privados. O sucesso do novo sistema financeiro não foi imediato; nos primeiros anos foi devastado por uma série de crises, que culminaram na famosa Bolha do mar do Sul de 1720. Porém, nas décadas intermediárias do séc. XVIII, quando a Grã-Bretanha se encontrava empenhada numa série de guerras europeias e coloniais com a França, o seu governo conseguiu empréstimos por apenas uma fracção dos custos do seu rival. A facilidade, baixo preço e estabilidade do crédito para as finanças públicas repercutiram-se favoravelmente nos mercados de capitais privados, disponibilizando fundos para o investimento na agricultura, no comércio e na indústria. Um antigo historiador referiu-se à política económica inglesa entre a Revolução Gloriosa e a Revolução Americana como «Colbertismo Parlamentar». Tem o mérito de indicar que, em Inglaterra, a actividade político-económica não era tão perrogativa dum monarca absoluto (e dos seus favoritos), e sim que reagia aos interesses diversos e por vezes conflituantes desses grupos – aristocratas brasonados, pequena nobreza fundiária, comerciantes abastados, classes profissionais, cortesãos e outros -, que estavam efectivamente representados no Parlamento. As mais famosas e eficazes de todas as políticas do Colbertismo Parlamentar foram as Leis de Navegação. 51 As Leis de Navegação, tinham como principal objectivo, reservar o comércio internacional dum país à sua própria marinha mercante, não eram exclusivas de Inglaterra. No entanto, em termos gerais, essas leis foram ineficazes por 2 motivos: - Faltavam-lhes adequados mecanismos de aplicação - Faltavam capacidade e estrutura competitiva às marinhas mercantes que elas pretendiam beneficiar. As Leis de Navegação tiveram ainda outro efeito, não pretendido: a perda duma grande parte – e a parte economicamente mais progressista e próspera do «velho» Império Britânico. Embora não fossem a única causa, nem sequer a mais importante, da Revolução Americana, estavam no âmago do «velho sistema colonial» e, para a maior parte dos Americanos, simbolizavam as desvantagens, reais e imaginadas da dependência colonial. Desde os seus débeis começos no princípio do séc. XVII, as colónias inglesas na América do Norte tinham crescido prodigiosamente. O crescimento do rendimento e da riqueza foi ainda mais impressionante que o crescimento da população, após os sofrimentos e desastres dos primeiros anos, esta especializou-se em temos de vantagem comparativa e comercializou extensivamente entre si, com a Metrópole e, ilegalmente, com o Império espanhol e com regiões da Europa Continental. Embora as Leis de Navegação regulassem o comércio colonial, a sua incrementação não foi eficaz senão após a Guerra dos Sete Anos (1763); mesmo então, não foram um fardo excessivo, apenas o suficiente para dar aos que, por outros motivos, aspiravam à independência política uma razão para se unirem. Na Grã-Bretanha, em resumo, o crescimento do poder parlamentar à custa da monarquia trouxe consigo uma maior ordem nas finanças públicas, um sistema fiscal mais racional que o de qualquer outro país da Europa e um menor funcionalismo estatal. O domínio parlamentar foi da maior eficácia em relações económicas com o mundo exterior e o Parlamento seguiu uma política de rígido nacionalismo económico. Internamente, embora o Parlamento quisesse dominar a economia, normalmente não o conseguia. Em resultado disso, os empresários britânicos gozaram um nível de liberdade e oportunidade praticamente únicas no mundo. 52 53 Cap. VII O despontar da Indústria Moderna No começo do séc. XVIII, várias regiões da Europa, sobretudo na Europa Ocidental, tinham atingido consideráveis concentrações de indústria rural, principalmente mas não exclusivamente, no sector têxtil. No começo da recente década de 70 foi inventado um novo termo para descrever o processo de expansão e transformação ocasional destas indústrias: proto-industrialização. O termo foi primeiramente empregado em referência à indústria do linho da Flandres. As características essenciais duma indústria proto-industrial são dispersas, normalmente trabalhadores rurais organizados por empresários urbanos (comerciantes-fabricantes) que fornecem as matérias-primas aos trabalhadores e vendem a sua produção em mercados distantes. Os trabalhadores têm também de adquirir pelo menos uma parte dos seus meios de subsistência. Proto-industrialização e termos afins referem-se principalmente a indústrias de bens de consumo, especialmente têxteis. O Arsenal de Veneza, propriedade do Estado, que remontava à Idade Média, foi uma das primeiras empresas industriais em larga escala da História. Características da indústria moderna Uma das diferenças mais óbvias entre as sociedades pré-industriais e as sociedades industriais modernas é o papel grandemente diminuído da agricultura nesta última. A contrapartida da sua menor importância, porém, é a muito maior produtividade da agricultura moderna, que permite alimentar uma grande população não agrícola. Outra diferença é a grande proporção da mão-de-obra moderna empregada no sector terciário, ou de serviços. Este é um desenvolvimento relativamente recente, especialmente visível na segunda metade doo séc. XX. Durante o período da industrialização propriamente dito, que se estende sensivelmente do princípio do séc. XVIII (na Grã-Bretanha) à primeira metade do séc. XX, o traço característico da transformação estrutural da economia foi a ascensão do sector secundário (mineração, indústria e construção), evidenciado pela proporção tanto de mão-de-obra empregada como de produção. A transformação foi notada primeiro em Inglaterra, depois na Escócia, e a Grã-Bretanha tem sido correctamente descrita como «a primeira nação industrial». O termo «Revolução Industrial», foi aplicado às últimas décadas do séc. XVIII e às primeiras do séc. XIX; como se tornará evidente, o termo é incorrecto e induz em erro. O seu uso desvia a atenção de tipos de desenvolvimento contemporâneos, mas distintos na Europa Continental. Se a Grã-Bretanha nunca tivesses existido, a Europa (e a América) ter-se-ia industrializado, embora com traços certamente distintos. Não obstante, este capítulo é dedicado ao começo do processo de industrialização na Grã-Bretanha do séc. XVIII. 54 No decurso desta transformação, designada como a «ascensão da indústria moderna», emergiram certas características que distinguem claramente a indústria «moderna» da «pré-moderna», que são: 1. A ampla utilização de maquinaria accionada pela força mecânica. 2. A introdução de fontes de potência (ou energia) novas e inanimadas, especialmente combustíveis fósseis, 3. O emprego generalizado de materiais que normalmente não existem na natureza. Um traço característico é a maior escala de iniciativa na maior parte das indústrias. Durante o séc. XVIII, deu-se um notável aumento do uso da força hidráulica em indústrias como a da moagem de cereais, têxtil e metalúrgica; e em tempos recentes assistimos à proliferação duma grande de fontes de energia, desde os pequenos motores eléctricos a corrente doméstica até enormes reactores nucleares. Os desenvolvimentos mais importantes na aplicação de energia nas primeiras fases da industrialização envolveram a substituição de hulha por madeira e carvão vegetal como combustível e a introdução da máquina a vapor para utilização na mineração, fabrico e transporte. A utilização de carvão e de coque no processo de fundição reduziu grandemente o custo dos metais e multiplicou a sua utilização enquanto a aplicação da ciência química criou uma série de novos materiais «artificiais» ou sintéticos. A «Revolução Industrial»: um termo incorrecto Provavelmente, nenhum termo do léxico histórico-económico foi mais amplamente aceite pelo público que o de «revolução industrial». Isto é lamentável, porque o termo, em si, não tem base científica e transmite uma impressão grosseiramente enganadora da natureza da mudança económica. No entanto, há mais de um século que tem sido utilizado para simbolizar o período da história britânica que testemunhou a aplicação de maquinaria accionada mecanicamente nas indústrias têxteis, a introdução da máquina a vapor de James Watt e o «triunfo do sistema fabril de produção. Por analogia, o termo foi aplicado ao começo da industrialização noutros países, embora sem consenso geral quanto às datas. A expressão révolution industrielle foi utilizada pela primeira vez na década de 1820 por escritores franceses que, desejando realçar a importância da mecanização da indústria francesa do algodão que então decorria na Normandia e no Norte, a compararam à grande revolução política de 1789. ao contrário da crença generalizada, Karl Marx não utilizou o termo no seu sentido convencional. O termo só ganhou aceitação após a publicação, em 1884, de Lectures on the Industrial Revolution in England, de Arnold Toynbee. Toynbee era um reformador social, não um estudioso; mas o seu interesses principal resida no remediar do que ele cria ser a degradação moral das classes trabalhadoras britânicas. As primeiras descrições do fenómeno realçaram as «grandes invenções» e a natureza dramática das mudanças. Em pouco mais de 20 anos, todas as grandes invenções de Watt, Arkwright e Boulton se tinham concluído, o vapor tinha sido aplicado aos novos teares e começara o novo sistema fabril – uma descrição que ª P. Usher secamente caracterizou como exibindo «todas as formas superiores de inexactidão histórica». 55 Apesar de se reconhecer que a produtividade aumentara em consequência da força mecânica e de maquinaria, a maioria dos relatos salientava o recurso ao trabalho infantil, a substituição das artes tradicionais por maquinaria e as condições insalubres das novas cidades industriais. Durante a maior parte da sua história, para a maioria das pessoas, o termo «revolução industrial» tem tido uma conotação pejorativa. Apesar dos esforços, quer para aumentar quer para diminuir a extensão da «revolução», a datação convencional teve a aprovação de um erudito como T.S. Ashton, o mais famoso historiador económico da Inglaterra do séc. XVIII. Isto é duplamente irónico, pois Ashton, ao contrário dos seus antecessores, via o resultado daquele período como uma «proeza», e não uma catástrofe, e porque não tinha particular apreço pelo termo. O próprio Ashton escreveu: «As mudanças não foram meramente ‘industriais’, mas também sociais e intelectuais. A palavra ‘revolução’ implica uma subitaneidade de mudança que não é, na verdade, característica dos processos económicos. O sistema de relações humanas a que por vezes se dá o nome de capitalismo teve as suas origens muito antes de 1760 e atingiu o seu pleno desenvolvimento muito depois de 1830: há um perigo em negligenciar o facto essencial da continuidade». Pré-requisitos e concomitantes da industrialização Como Ashton escreveu, as mudanças não foram meramente industriais, mas também sociais e intelectuais. Na verdade, foram igualmente comerciais, financeiras, agrícolas, e até políticas. Há motivos para acreditar que as mudanças intelectuais foram as mais fundamentais, no sentido em que permitiram ou encorajaram as demais. Só na segunda metade do séc. XVIII, com o florescimento das ciências química e eléctrica, é que as teorias científicas forneceram as bases para novos processos e novas indústrias. É todavia indiscutível que já no final do séc. XVII os métodos da ciência – em particular, a observação e a experimentação – vinham a ser aplicadas (nem sempre com sucesso) para fins utilitários. E esses esforços não estavam limitados a indivíduos com formação científica. Um dos traços mais notáveis do avanço técnico no séc. XVIII e no princípio do séc. XIX foi a grande proporção de inovações importantes efectuadas por engenhosos latoeiros, mecânicos e engenheiros autodidactas (o termo «engenheiro» adquiriu o seu sentido moderno no séc. XVIII) e outros autodidactas. O modo por que a Inglaterra aumentou a sua produtividade agrícola deveu muito à experimentação por tentativa com novas culturas e novas rotações de cultura. Provavelmente, a inovação agrícola mais importante antes da agricultura científica que foi introduzida no séc. XIX foi o desenvolvimento da chamada «alternância de culturas», que implicava a alternância de campos cerealíferos com pastagens temporárias. Isto teve a dupla vantagem de restaurar a fertilidade do solo através de rotações melhoradas. Muitos proprietários e agricultores também ensaiaram a criação selectiva de animais. Uma condição importante tanto para as melhores rotações como para a criação selectiva de animais domésticos foi a vedação e consolidação dos campos. No sistema 56 tradicional de campos abertos era difícil, se não impossível, obter o consenso entre os muitos participantes na introdução de novas culturas ou rotações; e com os animais a pastar em campos comuns, era igualmente difícil empreender uma criação selectiva. A nova paisagem agrícola que emergiu para substituir as aldeias concentradas rodeadas pelos seus campos abertos, consistia em quintas compactas, consolidadas e fechadas (muradas com vedações ou com sebes). Concomitantemente aos processos de divisão e melhoria tecnológica, emergiu uma tendência gradual para quintas maiores. Costumava pensar-se que os campos vedados «despovoavam» o campo, mas, na verdade, as novas técnicas de cultivo a eles associadas aumentaram a procura de mão-de-obra. Só na segunda metade do séc. XIX – com a introdução de maquinaria agrícola como debulhadoras, segadeiras e arados a vapor – é que o valor absoluto da força laboral agrícola começou a diminuir. A comercialização da agricultura reflectiu um processo generalizado de comercialização de toda a nação. Logo no fim do séc. XVII, o comércio externo inglês per capita excedia o de todas as nações, excepto os Países Baixos, e Londres tinha desenvolvido uma organização comercial e financeira notavelmente sofisticada que começou a rivalizar com a de Amesterdão. Por volta do séc. XVI, Londres tinha já começado a funcionar como um «pólo de crescimento» para a economia inglesa. As suas vantagens eram geográficas e políticas. A comercialização interagiu com a organização financeira que então se desenvolvia da nação. As origens do sistema bancário inglês são obscuras, mas, nos anos que se seguiram à Restauração de 1660, vários ourives poeminentes começaram a operar como banqueiros. Emitiam recibos de depósitos que circulavam como nota de banco e concediam empréstimos a empresários de confiança. A fundação do Banco de Inglaterra em 1694, com o seu monopólio legal da banca comercial, forçou os banqueiros privados a desistir da sua emissão de notas bancárias, mas continuaram a operar como bancos de depósitos, aceitando ordens de pagamento e descontando letras de câmbio. Entretanto, as províncias fora de Londres continuavam a não dispôr de dispositivos bancários formais, embora «escrivães de dinheiro» (correctores), advogados e grossistas abastados exercessem algumas funções bancárias elementares, como desconto de letras de câmbio e remessa de fundos para Londres. O Banco de Inglaterra não abriu sucursais e as suas notas (de alto valor facial) não circulavam fora de Londres. A Real Casa da Moeda era extremamente ineficiente; o valor facial das suas moedas de ouro era demasiado elevado para ser útil no pagamento de salários ou no comércio a retalho e a cunhagem de moedas de prata ou cobre foi muito reduzida. Esta escassez de moedas de baixo valor levou a iniciativa privada a preencher a lacuna: industriais, comerciantes e até publicanos, emitiam certificados provisórios e moedas divisionárias que serviam as necessidades da circulação monetária local. Destas várias origens surgiu a instituição de «bancos da província» (isto é, qualquer 57 banco não situado em Londres), cujo crescimento foi extremamente rápido na segunda metade do séc. XVIII. A euforia engendrada pela Revolução Gloriosa (1688-89) resultou na criação duma série de sociedades anónimas na década de 1690, algumas das quais, como o Banco de Inglaterra, titulares de alvarás régios e concessões de monopólio. Uma euforia semelhante inundou o país após a bem sucedida conclusão da Guerra da Sucessão Espanhola e culminou na explosão financeira conhecida como Bolha do Mar do Sul. O episódio deve o seu nome à Companhia do Mar do Sul, titulada em 1711 com um monopólio nominal do comércio com o Império Espanhol, embora o verdadeiro motivo da sua criação tenha sido o de angariar dinheiro para o governo prosseguir com a guerra. A bolha do Mississípi (teve lugar em França) foi inspirada por um financeiro aventureiro escocês, John Law, que persuadiu o duque de Orleães, regente do rei-infante Luís XV, a deixá-lo fundar um banco, o Banque Royale, e também uma companhia para explorar as possessões francesas da América do Norte, depois chamada «Mississípi». A bolha rebentou em 1720, quando o Parlamento, por iniciativa da Companhia do Mar do Sul, aprovou a Lei da Bolha (Bubble Act, no original, tem, o sentido de acto legislativo parlamentar destinado a refrear arrojos financeiros inconsistentes – os pretensos «castelos no ar». A Lei proibia a formação de sociedades anónimas sem a autorização expressa do Parlamento, que se revelou parco na concessão de tais autorizações. Em resultado disso, a Inglaterra entrou na sua «revolução industrial» com uma barreira jurídica contra as formas económicas (ou de responsabilidade limitada) de organização comercial, condenando a maior parte das suas empresas industriais e outras sociedades em nome colectivo ou a simples empresas em nome individual. Tem-se debatido exaustivamente se esta restrição dificultou ou não a industrialização inglesa; mas de qualquer forma não foi uma dificuldade fatal. A Lei da Bolha foi revogada em 1825. Outra importante consequência da Revolução Gloriosa, foi a de colocar firmemente as finanças públicas do Reino nas mãos do Parlamento, o que reduziu significativamente o custo das obrigações públicas e, consequentemente, libertou capital para o investimento privado. Embora o sistema fiscal fosse altamente regressivo (isto é, proporcionalmente, tributava mais pesadamente os rendimentos mias baixos), tal permitiu também, a acumulação de capital para investimento. A Grã-Bretanha deveu muito da sua precoce prosperidade e começo pioneiro na indústria moderna à sua localização insular, que não só lhe proporcionou efectivamente protecção gratuita contra o desmembramento e destruição do esforço de guerra continental, como também a dotou de transportes baratos. A longa linha da costa, excelentes portos naturais e muitos cursos de água navegáveis eliminaram a maior parte da necessidade de transporte por terra que retardou o crescimento do comércio e da indústria no Continente. 58 A rede britânica de canais e rios navegáveis foi extremamente eficiente naquela época, mas não satisfaz a procura de transporte interno. Tradicionalmente, a manutenção das estradas era da responsabilidade paroquiana, com recurso do trabalho forçado dos habitantes locais. Não, surpreendemente, o estado das estradas assim mantidas era deplorável. No começo da década de 1690, o Parlamento, através de resoluções, criou concessões de portagem a que cometeu a construção e manutenção de troços de boas estradas nas quais os utilizadores, quer viajassem em vagões, carruagens, a cavalo ou a pé, eram cobradas taxas. Tecnologia e inovação industriais Tinham-se feito muitas tentativas para substituir o carvão vegetal por hulha no alto-forno, as impurezas da hulha condenaram-nas ao malogro. Em 1709, Abraham Darby, um industrial siderúrgico quacre de CoalBrookdale, no Shropshire, obteve combustível de carvão duma forma muito semelhante por que outros siderúrgicos produziam carvão vegetal a partir de madeira – isto é, aqueceu o carvão num contentor fechado para lhe retirar as impurezas sob a forma de gás, deixando um resíduo de coque, uma forma quase pura de carbono, que depois utilizou como combustível no alto-forno para fazer ferro-guza. Apesar do avanço tecnológico de Darby, esta inovação difundiu-se lentamente. O aumento constante de preço do carvão vegetal – juntamente com inovações como o processo de pudlagem e laminação de Henry Cort, de 1783-84 -, libertou a produção do ferro da dependência do combustível vegetal. Os industriais siderúrgicos alcançaram economias de escala integrando todas estas operações num único local, normalmente no próprio local de produção de carvão, ou perto deste, e quer a produção total de ferro quer a proporção obtida com combustível mineral aceleraram dramaticamente. A energia do vapor foi em primeiro lugar utilizada nas indústrias minerais. À medida que a procura de carvão e de metais aumentou, intensificaram-se os esforços para obter em minas cada vez mais profundas. Em 1698, Thomas Savery, um engenheiro militar, conseguiu a patente, de uma bomba a vapor, a que chamou «O Amigo do Mineiro». Algumas das bombas de Savery foram instaladas na primeira década do séc. XVIII, sobretudo nas minas de estanho da Cornualha, mas o aparelho tinha vários defeitos – entre os quais a tendência para explodir. Thomas Newcomen, um ferrageiro e latoeiro familiarizado com os problemas das indústrias mineiras, decidiu remediar esses defeitos através do método de tentativas, e, em 1712, conseguiu construir a sua primeira bomba a vapor atmosférico para uma mina de carvão no condado de Stafford. A maior deficiência do dispositivo de Newcomen era o seu elevado consumo de combustível em relação ao trabalho produzido. Na década de 1760 foi pedido a James Watt, um «fazedor de instrumentos matemáticos» (técnico de laboratório) da Universidade de Glásgua, que reparasse um pequeno modelo de uma máquina de Newcomen utilizada em demonstrações no curso de Filosofia Natural. Intrigado, Watt começou a fazer experiências coma a máquina; em 1769 obteve a patente dum condensador separado, que eliminou a necessidade de aquecimento e arrefecimento alternados do cilindro. Entretanto, Watt formou uma sociedade com Mathew Boulton, um próspero fabricante de ferragens perto de Birmingham e que disponibilizou a Watt 59 tempo e instalações para mais experiências. Em 1774, John Wilkinson, industrial de fundição das redondezas, patenteou uma nova perfuradora para fazer canos para canhões que também era adequada para cilindros de máquinas. No ano seguinte, Watt conseguiu uma porrogação da sua patente por 25 anos, e a empresa de Boulton e Watt iniciou a produção comercial de máquinas a vapor. Um dos seus primeiros clientes foi John Wilkinson, que utilizou a máquina para accionar os foles do seu alto-forno. As inovações na fiação e na tecelagem, juntamente com a separadora mecânica de sementes, foram as mais importantes na indústria do algodão, mas de forma alguma as únicas. Verificou-se uma série de pequenos melhoramentos em todas as fases de produção, desde a preparação das fibras para a fiação até ao branqueamento, ao tingimento e à estampagem. As reduções drásticas no preço dos artigos de algodão afectaram a procura de tecidos de lã e de linho e proporcionaram incentivos e modelos para a inovação técnica. As mudanças técnicas envolvendo os têxteis de algodão, a indústria do ferro e a indústria da energia do vapor constituem o fulcro da chamada «revolução industrial» na Grã-Bretanha, mas não foram estas as únicas indústrias assim afectadas. Nem todas as mudanças exigiram o emprego da força mecânica. Adam Simth (contemporâneo de James Watt) escreveu, em A Riqueza das Nações, sobre os grandes aumentos de produtividade conseguidos numa fábrica de alfinetes apenas pela especialização e divisão do trabalho. A indústria química também sofreu importante expansão e diversificação. Alguns dos avanços resultaram do progresso da ciência química, especialmente associada ao químico francês Antoine Lavoisier (1743-94) e aos seus discípulos. Em 1746, John Roebuck, um industrial que tinha estudado química idealizou um económico processo de produção recorrendo a câmaras de chumbo; em sociedade com outro industrial Samuel Garbett, começou a produzir ácido sulfúrico a uma escala comercial. Entre outras utilizações imediatas, o produto foi empregado como agente branqueador nas indústrias têxteis, substituindo o leite azedo, o soro de leite coalhado, a urina e outras substâncias naturais. Outro grupo de produtos químicos amplamente usados em processos industriais era o dos alcalinos, especialmente a soda cáustica e a potassa. Foi outro francês, Nicholas Leblanc, quem descobriu, em 1791, um processo para produzir alcalinos usando cloreto de sódio, ou sal comum. As minas de carvão foram também responsáveis pelos primeiros caminhos-de-ferro na Grã-Bretanha. No séc. XVII, tinham-se usado trilhos e carris na superfície, na vizinhança das minas, para facilitar o transporte, e cavalos como os animais de tiro mais vulgares. A locomotiva a vapor foi o produto dum complexo processo evolutivo com muitos antecedentes. Richard Trevithick (1771-1833), um engenheiro de minas da Cornualha, merece crédito por ter construído a primeira locomotiva operacional, em 1801. 60 Trevithick utilizou um mecanismo de alta pressão (ao contrário de Watt) e concebeu a sua locomotiva para se movimentar em estradas normais. Embora tecnicamente operável, a locomotiva não foi um sucesso económico porque as estradas não conseguiam suportar o seu peso. George Sthephenson (1781-1848), um autodidacta, construiu em 1813, uma máquina a vapor fixa com cabos para içar vagões de carvão vazios dos cias de embarque de volta à mina. Em 1822 persuadiu os promotores da projectada Via Férrea Stockton-Darlington, uma linha de uma mina de carvão, a usar vapor em vez de tracção animal, e na sua inauguração, em 1825, conduziu pessoalmente uma máquina por si concebida. Liverpul-Manchéster. Normalmente considerada a primeira linha ferroviária pública do mundo, abriu em 1830. Variação regional Os termos Grã-Bretanha e Inglaterra foram utilizados mais ou menos alternadamente. A maioria dos primeiros registos da chamada «revolução industrial» concentrou-se unicamente em Inglaterra. É importante reconhecer as grandes variações regionais na industrialização dentro da Inglaterra, bem como os cursos muito diversos de mudança económica dentro das partes constituintes do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. Dentro da Inglaterra, o ritmo diferencial de mudança enfatizou claramente a importância das regiões carboníferas, localizadas sobretudo no Nordeste (particularmente Tyneside) e no Centro, embora o Lancashire também possuísse importantes jazidas. O Lancashire tornou-se quase sinónimo de algodão, mas também tinha grandes empreendimentos vidreiros e químicos, e a indústria do algodão tinha igualmente postos avançados no Centro-Leste. A indústria do ferro e as suas muitas ramificações fabris concentravam-se no Centro-Oeste, no Sul do condado de Iorque e no Nordeste. As indústrias de lanifícios tendiam a concentrar-se na zona ocidental do condado de Iorque, substituindo ao centros mais antigos e pré-industriais de East Anglia e da parte ocidental. O condado de Stafford quase monopolizou a indústria cerâmica e possuía igualmente importantes siderúrgicas. A Cornualha continuou a ser uma importante fonte de estanho e cobre. Exceptuando a florescente metrópole de Londres, com as suas muitas indústrias de bens de consumo (especialmente a indústria cervejeira), o sul manteve-se essencialmente agrícola. O País de Gales, conquistado pelos Ingleses na Idade Média, tinha sido sempre tratado como um parente pobre. Na última parte do séc. XVIII, as extensas regiões carboníferas do sul do País de Gales forneceram as bases para uma grande indústria do ferro, que, por volta de 1800, produzia cerca de um quarto do ferro britânico; mas foi orientada para o comércio de exportação, e gerou muito poucas indústrias subsidiárias. Os minérios eram fundidos sobretudo no sul do País de Gales, em torno de Swansea. A maior parte do interior do país, montanhoso e infértil, manteve-se pobre e pastoril. A Escócia, ao contrário do País de Gales, manteve a sua independência da Inglaterra até à união voluntária dos parlamentos em 1707. em meados do séc. XVIII, a Escócia era um país pobre e de rectaguarda. A maioria da sua população continuava a dedicar-se à agricultura de quase-subsistência, e em grandes áreas das Terras Altas o 61 sistema tribal da organização social e económica manteve-se intacto. Menos de um século depois, a Escócia estava com a Inglaterra na vanguarda das nações industriais do mundo. Em resumo, a transformação da Escócia duma atrasada economia doméstica para uma economia industrial de primeiro plano foi ainda mais espectacular que a industrialização contemporânea da Inglaterra. A inclusão da Escócia no Império Britânico após 1707 deu-lhe acesso aos mercados ingleses, o que indubitavelmente contribuiu para a aceleração do ritmo da vida económica. O sistema educativo do país, desde escolas paroquianas até às suas quatro universidades (com Inglaterra apenas a ter duas), criou uma população invulgarmente letrada para a época. De modo semelhante, o precoce sistema bancário escocês, completamente diferente do inglês e praticamente livre da regulamentação governamental, permitiu aos empreendedores escoceses um acesso relativamente fácil ao crédito e ao capital. A Irlanda, em triste contraste com a Escócia, falhou quase por completo a industrialização. Os Ingleses tratavam a Irlanda, ainda mais que o País de Gales, como uma província conquistada. O facto é que a população irlandesa, como a da Grã-Bretanha, mais que duplicou entre meados do séc. XVIII e 1840, a Irlanda perdeu um quarto da sua população em menos de uma década pela fome e emigração. Aspectos sociais do começo de industrialização Entre 1700 e 1850, os números mostram um crescimento rápido da população durante as primeiras etapas da industrialização. Que o crescimento da população não esteve exclusivamente relacionado com o processo de industrialização é apoiado pelo facto de ter sido um fenómeno europeu generalizado, não confinado à Grã-Bretanha e a outras nações industrializadas. Por outro lado, seria incorrecto dizer que não houve relação; os destinos contrastantes da Grã-Bretanha e da Irlanda nas décadas intermédias do séc. XIX sugerem que a industrialização foi pelo menos um factor permissivo do crescimento continuado da população. Factores que contribuíram para a descida da taxa de mortalidade: - Introdução de prática de inoculação contra a varíola no princípio do século e da vacinação a partir de 1798. - Aperfeiçoamento dos conhecimentos médicos. - Criação de novos hospitais. - Uma melhoria do nível de vida, que foi ao mesmo tempo efeito e causa do crescimento económico. - O progresso agrícola trouxe uma maior abundância e variedade de alimentos, melhorando a nutrição. - A produção acrescida de carvão proporcionou habitações mais quentes. - A produção de sabão, que duplicou na segunda metade do século, indica uma maior atenção à higiene pessoal. 62 - A maior produção de tecido barato de algodão, contribuiu para padrões mais elevados de limpeza. A migração interna alterou em muito o estabelecimento geográfico de população. A maior parte desta migração foi para distâncias relativamente curtas, do campo para as áreas industriais, em expansão, mas – conjuntamente com as taxas mais elevadas de crescimento natural – ocasionou duas mudanças notáveis na distribuição espacial da população: 1. uma viragem na densidade do Sudeste para o Noroeste 2. uma urbanização crescente. O País de Gales e a Escócia eram muito menos densamente povoados que a Inglaterra. No princípio do séc. XIX o condado mais densamente povoado fora da área metropolitana de Londres era o Lancashire, seguido pela região ocidental do condado de Iorque e por quatro condados incluindo as regiões carboníferas do Centro-Oeste. O rápido crescimento das cidades é ainda mais surpreendente se se atender ao facto de que resultou inteiramente da migração dos campos; dadas as hediondas condições sanitárias, a taxa de mortalidade excedia a taxa de natalidade (a mortalidade infantil era particularmente elevada), e a taxa de crescimento natural era, de facto, negativa. O facto de as pessoas se terem sujeitado a viver em tais condições é prova das grandes pressões económicas que as forçaram a mudarem-se. As fábricas desenvolveram-se primeiro no sector têxtil, e estenderam-se lentamente a outras indústrias. As fábricas podiam pagar salários mais elevados porque a produtividade do trabalho era mais elevada em resultado do avanço tecnológico e da disposição de mais capital por trabalhador. Desta forma, as fábricas atraíam gradualmente mais mão-de-obra, e a tendência geral dos salários reais foi de subida. Fazendo um balanço, parece provável ter havido uma melhoria gradual ao nível de vida das classes trabalhadoras nos cem anos que medearam entre 1750 e 1850, embora alguns grupos tenham provavelmente sofrido um revés durante as Guerras Francesas. A desigualdade da distribuição de rendimento e riqueza, que já era grande na economia pré-industrial, tornou-se ainda maior nas primeiras etapas da industrialização 63 64 Cap. VIII Desenvolvimento económico no séc. XIX: Determinantes Básicas Neste capítulo consideramos as tendências mais gerais nas determinantes básicas : População, recursos, tecnologia e instituições. População Após a efectiva estagnação desde o começo ou meados do séc. XVII até meados do séc. XVIII, a população da Europa começou novamente a crescer a partir de cerca de 1740. no séc. XIX, o crescimento populacional na Europa acelerou. O crescimento populacional continuou no séc. XX, embora a taxa de crescimento na Europa tivesse diminuído ligeiramente enquanto a do resto do mundo aumentava. Tais taxas de crescimento, tanto na Europa como no mundo como um todo, não têm precedentes. Além das flutuações a curto prazo (que podiam ser por vezes severas, como durante a Peste Negra), a população mundial tinha duplicado aproximadamente de 1000 em 1000 anos desde a invenção da agricultura até ao fim do séc. XVIII. No séc. XIX, a população da Europa duplicou em menos de cem anos, e, no séc. XX, essa taxa foi mesmo excedida para o mundo como um todo. Ás taxas actuais de crescimento natural, a população mundial duplicará no prazo de 25 ou 30 anos. Não há, assim uma correlação clara entre industrialização e crescimento populacional. Devem equacionar-se outros factores causais. Antes das melhorias dos transportes que permitiram a importação em larga escala de produtos alimentares do Ultramar no último quartel do séc. XIX, um obstáculo de maior importância ao crescimento populacional eram os próprios recursos agrícolas da Europa. A produção agrícola aumentou imenso ao longo do século por dois motivos: 1. a quantidade de terra sob cultivo aumentou. 2. a produtividade agrícola (produção por trabalhador) aumentou por causa da introdução de técnicas novas e mais científicas. Um melhor conhecimento da química do solo e uma maior fertilização, a princípio natural, depois artificial, aumentou o rendimento dos solos ordinários e possibilitou o cultivo de antigas terras improdutivas. O preço mais baixo do ferro promoveu a utilização de ferramentas e utensílios melhores e mais eficazes. A maquinaria agrícola, como debulhadoras e ceifeiras mecânicas, estreou-se na segunda metade do século. O transporte barato também facilitou a migração da população. A migração interna, se bem que menos dramática, foi ainda mais essencial ao processo de desenvolvimento económico no séc. XIX. Em todos os países ocorreram importantes alterações regionais na concentração da população, mas a alteração mais fundamental foi o crescimento da população urbana, quer no seu todo quer em termos de percentagem do total. A urbanização a par da industrialização, progrediu rapidamente no séc. XIX. A Grã-Bretanha, uma vez mais, indicou o caminho. Aproximadamente em 1850, mais de 65 metade da população britânica vivia em cidades com mais de 2000 habitantes, e por volta de 1900 a proporção chegou aos três quartos. A população dos países industriais, não só vivia em cidades, como preferia as cidades maiores. Há muitas razões sociais e culturais para as pessoas quererem viver em cidades. Historicamente, a principal limitação ao crescimento das cidades tem sido económica. Nas sociedades pré-industriais, a maior parte da população, mesmo não agrícola, vivia em zonas rurais. Era mais barato transportar para mercados distantes produtos industriais acabados, como têxteis e ferro, que fornecer alimento e matérias-primas às concentrações de trabalhadores. A introdução da energia a vapor e do sistema fabril, a transição do carvão vegetal para o coque como combustível para a indústria do ferro e os melhoramentos nos transportes e nas comunicações mudaram a situação. A ascensão do sistema fabril exigia uma concentração da força de trabalho. Graças à importância do carvão, alguns dos maiores centros industriais, cresceram em ou perto de, jazidas de carvão – a Província Negra, em Inglaterra, a área do Ruhr, na Alemanha, a região em torno de Lille, no norte de França e a região de Pittsburgh, na América do Norte. Estes exemplos também sublinham a importância dos recursos no crescimento económico moderno. Recursos A Europa Industrial não passou por qualquer aumento mágico na quantidade ou qualidade dos recursos naturais, em comparação com a Europa Pré-Industrial, mas em resultado da mudança tecnológica e da pressão da procura crescente, os recursos que eram anteriormente desconhecidos ou que tinham pouco valor adquiriram, de súbito, uma importância enorme, mesmo crítica. Isto resultou em procura sistemática de fontes anteriormente desconhecidas e em investigação científica e tecnológica para expandir a sua exploração. No fim do séc. XIX, a procura de matérias-primas, além doutros motivos, levou cada vez mais as nações europeias a estenderem o domínio político a zonas pobremente organizadas ou debilmente governadas de África e da Ásia. O desenvolvimento e difusão de tecnologia Simon Kuznets, galardoado com um Prémio Nobel da Economia, referiu-se ao período em que vivemos como a «moderna época económica». Segundo ele, uma época económica é determinada e moldada pelas aplicações e ramificações duma «inovação de época». Segundo Kuznets, uma grande parte da história económica – e mesmo a história política, social e cultural – dos anos entre 1492 e 1776 pode ser explicada por referência a<o progresso da exploração e descoberta, ao comércio marítimo, ao crescimento das marinhas e a fenómenos afins. A época económica actual (moderna), nas palavras de Kuznets, começou na segunda metade do séc. XVIII, e a inovação de época que a ela associou é «a aplicação alargada da ciência e problemas de produção económica». 66 O período da história tecnológica que vai desde o começo do séc. XVIII até aproximadamente 1860 ou 1870 é melhor caracterizado como a era do artesão-inventor. Ao analisar o processo técnico em qualquer período da História mas especialmente na moderna época económica, é sensato ter em conta as distinções entre termos intimamente relacionados, mas conceptualmente diferentes: 1. invenção 2. inovação 3. difusão de nova tecnologia Invenção, em termos de tecnologia, refere-se a uma novidade patenteável de natureza mecânica, química ou eléctrica. Em si mesma, a invenção não tem um significado económico especial. Inovação, quando a invenção é inserida num processo económico, é que assume significado económico. Por exemplo, a invenção de James Watt do condensador separado para a máquina a vapor de Newcomen, que patenteou em 1769, teve um papel insignificante na economia até ele, em sociedade com Matew Boulton , ter começado a produzir e comercializar máquinas a vapor em 1776. Difusão, refere-se ao processo por que uma inovação se dissemina numa dada indústria, entre indústrias e internacionalmente, para lá das fronteiras geográficas. A difusão não é de forma alguma, um processo automático de replicar a inovação inicial; devido às diferentes exigências de indústrias diferentes, a diferentes equilíbrios de factores em ambientes diferentes e a diferenças culturais entre nações, pode deparar-se com problemas semelhantes aos relacionados com a introdução duma inovação original. Fontes de energia e produção de energia Quando a patente básica de watt expirou, em 1800, menos de 500 máquinas estavam operacionais na Grã-Bretanha, e apenas umas quantas dúzias no Continente. Por muito fundamentais que os seus contributos tenham sido para a evolução da tecnologia do vapor, as máquinas de Watt tinham muitas limitações como fontes industriais de energia. São várias as razões para a sua limitada utilidade, entre as quais o imperfeito conhecimento científico, a resistência insuficiente dos metais utilizados na sua construção e a falta de ferramentas adequadas. Os 50 anos seguintes testemunharam muitos desenvolvimentos importantes na tecnologia da máquina a vapor. Metais mais leves e mais fortes, ferramentas mais precisas e melhor conhecimento científico, incluindo mecânica, metalografia, calorimetria e a teoria dos gases, bem como a ciência embrionária da Termodinâmica, todos eles deram a sua contribuição. Os primeiros avanços provieram, de mecânicos práticos e engenheiros como o cornualense Richard Trevithick e o americano Oliver Evans, que construíram e testaram máquinas de alta pressão, que Watt considerava inseguras e nada práticas. O progresso tecnológico também se verificou na principal concorrente da máquina a vapor, a roda hidráulica. Nas décadas de 1820 e 1830, cientistas e engenheiros franceses 67 inventaram e aperfeiçoaram a turbina hidráulica, um dispositivo altamente eficaz na conversão da força da queda da água em energia útil. Os fenómenos eléctricos tinham sido observados em tempos recuados, mas até ao séc. XVIII a electricidade tinha sido considerada como apenas uma curiosidade. Nos finais do séc. XVIII, as pesquisas de Benjamin Franklin na América e dos italianos Luigi Galvani e Alessandro Volta, que inventaram a pilha voltaica, ou bateria, promoveram-na do estatuto de truque de palco a objecto de investigação laboratorial. Em 1807, Sir Humphry Davy descobriu a electrólise. A fase seguinte no estudo da electricidade foi dominada por Michael Faraday, aluno de Davy, pelo físico dinamarquês Hans Ørsted e pelo matemático francês André Ampère. Em 1820, Ørsted observou que uma corrente eléctrica produz um campo magnético à volta dos condutores, o que levou Ampère a formular uma relação quantitativa entre electricidade e magnetismo. Entre 1820 e 1831, Faraday descobriu o fenómeno da indução electromagnética e inventou um primeiro gerador accionado à mão. Trabalhando com base nestas descobertas, Samuel Morse desenvolveu o telégrafo eléctrico na América entre 1832 e 1844. O aperfeiçoamento da lâmpada eléctrica incandescente quase simultaneamente entre 1878 e 1880, por Joseph Swan em Inglaterra e Thomas Edison nos Estados Unidos, tornou obsoleta a iluminação de arco voltaico e inaugurou um crescimento fulgurante da indústria eléctrica. Durante várias décadas, a electricidade competiu acesamente com duas outras fontes de iluminação recentemente aperfeiçoadas, o gás de iluminação e o querosene. Em 1879, o mesmo ano em que Edison patenteou a sua lâmpada eléctrica, um alemão, Werner von Siemens, inventou o carro eléctrico (ou simplesmente, eléctrico), com consequências revolucionárias para o transporte de massas nas metrópoles superlotadas da época. O petróleo é outra importante fonte de energia que veio a evidenciar-se na segunda metade do séc. XIX. A sua exploração comercial começou com a perfuração do poço de Drake em Titusville , na Penisilvânia, em 1859. Como a electricidade também o petróleo líquido e o seu subproduto, o gás natural, começaram por ser utilizados como fontes de iluminação. Vários inventores e engenheiros, faziam experiências com motores de combustão interna. Por volta de 1900, havia vários motores desse tipo, a maior parte dos quais utilizava como combustível um dos vários destilados do petróleo líquido, como a gasolina e o gasóleo. A utilização mais importante para o motor de combustão interna foi nos transportes; nas mãos de empresários como os franceses Armand Peugeot, Louis Renault e André Citroën, o inglês William Morris eo americano Henry Ford, deu azo a uma das maiores indústrias do séc. XX. O motor de combustão interna tinha também aplicações industriais, e, no século XX tornou possível o desenvolvimento da indústria aeronáutica. Aço barato A única grande inovação técnica na indústria do ferro na primeira metade do séc. XIX foi o jacto de ar quente, patenteado pelo engenheiro escocês James B. Nielson em 1828. ao usar gases de desperdícios para pré-aquecer o ar utilizado no alto-forno, o jacto de ar quente gerou uma combustão mais completa do combustível, diminuiu o 68 consumo de combustível e acelerou o processo de fundição. Foi rapidamente adoptado para siderurgias da Escócia, do Continente, e mesmo nos Estados Unidos, mas mais lentamente em Inglaterra e no País de Gales. As inovações tecnológicas mais dramáticas a atingir a indústria do ferro, verificadas na segunda metade do século, relacionam-se com o fabrico de aço. O aço é, na verdade uma variedade especial de ferro; contém menos carbono que o ferro fundido, mas mais que o ferro forjado. Já era fabricado há muitos séculos, mas em pequenas quantidades e a custo elevado, pelo que o seu emprego era limitado a produtos de qualidade como arames, molas de relógio, instrumentos cirúrgicos, lâminas de espadas e cutelaria fina. Em 1856, Henry Bessemer, um inventor inglês patenteou um novo método para produzir aço directamente do ferro fundido, eliminando o processo de pludagem e conseguindo um produto superior. A produção do aço de Bessemer aumentou rapidamente, e em breve destronou o ferro vulgar em inúmeras utilizações. A expansão da indústria do aço teve um impacto profundo sobre outras indústrias, quer nas que abasteciam a indústria do aço (como a do carvão) quer nas que empregavam o aço. Transportes e comunicações A locomotiva a vapor e os seus acessórios, os carris de ferro (ou aço), epitomaram o processo de desenvolvimento económico. Foram, ambos os símbolos e os instrumentos da industrialização. Antes do caminho-de-ferro, os transportes inadequados foram obstáculo maior à industrialização na Europa Continental e nos Estados Unidos. Sem a vantagem dos cursos de água naturais da Grã-Bretanha, viam-se confinados aos mercados locais. Embora desenvolvido mais cedo que a locomotiva, o navio a vapor desempenhou um papel menos vital na expansão do comércio e da indústria até ao final do século. Na primeira metade do séc. XVIII, os navios a vapor deram o seu maior contributo no desenvolvimento do comércio interno. O crédito pela invenção do navio a vapor é normalmente conferido ao americano Robert Falton, cujo navio, o Clermont, fez a sua primeira viagem bem sucedida no Hudson em 1807. Até ao fim da Guerra Civil Americana, os navios a vapor que cruzavam os oceanos transportavam principalmente correspondência, passageiros e carga ligeira e valiosa. A verdadeira era do navio a vapor só chegou com o aperfeiçoamento da hélice (na década de 1840), do motor composto (na década de 1850), dos cascos de aço (na década de 1860) e da abertura do canal de Suez em 1869. Talvez nenhuma invenção isolada do séc. XIX se compare com a da imprensa no século XV quanto ao seu efeito no campo da comunicação. A maquinaria para o fabrico de papel, inventada cerca de 1800, e a impressora rotativa, usada em primeiro lugar pelo Times de Londres em 1812, reduziram drasticamente o custo dos livros e dos jornais. Devido às reduções dos impostos de selo especiais sobre o papel e a impressão, o material de leitura passou a estar mais ao alcance das massas e contribuiu para a sua cada vez maior alfabetização. 69 à invenção da litografia, em 1819, e o desenvolvimento da fotografia depois de 1827 possibilitaram a reprodução barata e a vasta disseminação de imagens visuais. A Grã-Bretanha introduziu a franquia postal em 1840. Em 1866, o americano Cyrus W. Field conseguiu colocar, com sucesso um cabo telegráfico no Atlântico Norte, proporcionando uma comunicação quase instantânea entre a Europa e a América do Norte. Seguiram-se-lhe outros cabos telegráficos submarinos. O telefone patenteado por Alexander Bell em 1876, tornou as comunicações à distância ainda mais pessoais, mas a sua principal utilização, no início, visou facilitar as comunicações locais. O inventor e empresário italiano Gugliemo Marconi, baseando-se nas descobertas científicas do inglês James Clerck Maxwell e do alemão Heinrich Hertz, inventou a telegrafia sem cabos (ou rádio) em 1895. No campo das comunicações de negócios, a invenção da máquina de escrever e doutras máquinas de escritório rudimentares ajudou os ocupados executivos a acompanhar e a contribuir para o fluxo cada vez maior de informações que as suas operações em larga escala e as suas actividades a nível mundial tornavam necessário. A máquina de escrever também foi importante na introdução de mão-de-obra feminina nos escritórios. O emprego da ciência Todas as evoluções se baseavam, muito mais que as primeiras inovações tecnológicas, no emprego da ciência nos processos industriais. A indústria eléctrica, em especial requeria um elevado grau de conhecimento e experiência científicos. Noutras indústrias, o avanço científico tornou-se cada vez mais o pré-requisito do avanço tecnológico. Significou, uma maior interacção entre cientistas, engenheiros e empresários. Cada vez mais, o desenvolvimento tecnológico exigia a colaboração duma série de especialistas em ciência e engenharia cujo trabalho era coordenado por executivos que, embora dela não tivessem qualquer tipo de conhecimento especial, compreendiam as potencialidades da nova tecnologia. A ciência química revelou-se especialmente prolífica no nascimento de novos produtos e processos. Também desempenhou um papel fundamental na metalurgia. No princípio do séc. XIX, os únicos metais economicamente importantes eram os já conhecidos desde a Antiguidade: ferro, cobre, chumbo, estanho, mercúrio, ouro e prata. Após a revolução química associada a Antoine Lavoisier, foram descobertos muitos metais novos, incluindo o zinco, o alumínio, o níquel, o magnésio e o crómio. Além de descobrirem estes metais, os cientistas e os industriais encontraram utilizações para eles e idearam métodos de produção económica. Uma das suas utilizações principais foi na feitura de ligas, a mistura de dois ou mais metais com características distintas dos seus componentes. O latão e o bronze são exemplos de ligas naturais (ligas que ocorrem na natureza). Na segunda metade do séc. XIX, os metalurgistas criaram muitas ligas especiais de aço acrescentando pequenas quantidades de crómio, manganésio, tungsténio e outros metais para conferir qualidades especialmente desejadas ao aço vulgar. Também desenvolveram uma série de ligas não ferrosas. 70 A estrutura institucional A estrutura institucional da actividade económica na Europa do séc. XIX que produziu a primeira civilização industrial, deu grandes oportunidades à iniciativa individual, permitiu a liberdade de escolha ocupacional e a mobilidade geográfica e social, contou com a propriedade privada e o domínio da lei e realçou a utilização da racionalidade e da ciência na prossecução de fins materiais. Nenhum destes elementos era novo no séc. XIX, mas a sua justaposição e o reconhecimento explícito de que foram alvo fizeram deles contributos poderosos para o processo de desenvolvimento económico. Fundamentos jurídicos A Grã-Bretanha, já tinha conseguido uma estrutura substancialmente moderna para o desenvolvimento económico, adaptado tanto à inovação como à mudança social e material. Uma das instituições chaves dessa estrutura foi o sistema jurídico conhecido por direito comum. As características distintivas do direito comum eram o seu carácter evolucionário, a sua confiança no costume e no precedente que ia sendo estabelecido em decisões legais escritas e a sua flexibilidade. Proporcionou protecção para a propriedade e os interesses privados contra as depradações do Estado e ao mesmo tempo protegia o interesse público das exacções privadas. Também incorporou os costumes dos comerciantes (o «direito comercial») tal como se revelavam em tribunais comerciais especializados. Transmitido às colónias inglesas no processo de colonização, o direito comum tornou-se a base dos sistemas jurídicos dos estados Unidos e dos domínios britânicos quando atingiram a independência ou a autonomia. No Continente, as antiquadas instituições do passado tinham-se fossilizado perante as forças erosivas de mudança, a ponto de a transição gradual e pacífica para a nova ordem já não ser possível. A Revolução Francesa, ao abalar o Antigo Regime, abriu novas perspectivas e novas oportunidades para a iniciativa e a ambição. Abolia sem rodeios os restos decadentes da ordem feudal instituiu um sistema jurídico mais racional que veio a ser consagrado nos Códigos Napoleónicos. As assembleias revolucionárias ultrapassaram as meras declarações, e especificaram os fundamentos jurídicos da nova ordem. Além de abolirem o regime feudal estabeleceram a propriedade privada da terra, suprimiram todos os impostos e tarifas aduaneiros internos, aboliram os grémios de ofícios e todo o aparato de regulamentação estatal da indústria, proibiram os monopólios, deram alvarás a companhias e outras empresas privilegiadas e substituíram os lançamentos arbitrários e desiguais de impostos do Antigo Regime por um sistema fiscal racional e uniforme. Em 1791, a Assembleia foi ao ponto de aprovar a drástica Lei Le Chapelier, que proibia organizações ou associações de trabalhadores e patrões. Naturalmente, os Franceses as suas reformas revolucionárias para as terras que conquistaram durante as guerras Revolucionárias e Napoleónicas. 71 A obra purgativa da revolução não deverá ser encarada como meros actos negativos de demolição. Pelo contrário, esses actos representavam os primeiros passos essenciais conducentes a uma política positiva, construtiva e bastante consistente. As instituições francesas modernas- e as várias outras nações influenciadas pelos Franceses – receberam os seus cunhos definitivos, não da própria Revolução, mas de Napoleão. A reacção da opinião pública que possibilitou a ditadura de Napoleão foi uma reacção aos excessos da Revolução e à corrupção e licensiosidade que proliferam sob o directório. A síntese napoleónica será talvez mais bem compreendida na grande obra de codificação legal iniciada durante a Revolução mas completada sob o Império. Um compromisso clássico entre o direito romano herdado, tal como tinha sido adoptado às necessidades e costumes locais, e a nova legislação revolucionária, os Códigos preservam, no entanto, os princípios fundamentais da Revolução: igualdade perante a lei, um Estado secular, liberdade de consciência e liberdade económica. O Code Civile, promulgado em 1804, é o mais fundamental e o mais importante. Escrito por advogados e juristas da classe média, reflectiu claramente as preocupações e interesses das classes proprietárias. Considerou a propriedade um direito absoluto, sagrado e inviolável. Também sancionou especificamente a liberdade contratual e conferia força de lei aos contratos válidos. Reconheceu a letra de câmbio e outras formas de papel comercial e autorizou expressamente os empréstimos a juros – um dispositivo de assinalável importância para o desenvolvimento da indústria nos países católico-românicos. O Code Civile que acompanhou os exércitos franceses de ocupação manteve-se depois de estes terem partido. Por toda a Europa e para lá dela, incluindo a Luisiana e o Quebeque bem como praticamente toda a América Latina. O Code Civile ou foi adoptado integralmente ou constituiu a base dos códigos nacionais. Outros códigos napoleónicos de especial importância para o desenvolvimento económico foi o Code de Commerce, promulgado em 1807. Antes dele, nenhuma norma abrangente regera as formas da empresa comercial. O Code de Commerce distinguia três tipos principais de organizações empresariais: 1. meras sociedades, nas quais os sócios eram individual e colectivamente responsáveis por todas as dívidas do negócio. 2. sociétés en Commandite (sociedades em comandita), sociedades limitadas nas quais o sócio ou sócios activos assumiam a responsabilidade ilimitada de todo o negócio, enquanto os sócios comanditários ou limitados arriscavam unicamente as quantias que tinham efectivamente investido. 3. sociétés anonymes (sociedades anónimas), corporações na acepção americana, com responsabilidade limitada para todos os sócios. Eram companhias «anónimas» na medida em que os nomes dos particulares não podiam constar na designação oficial da companhia. Devido aos seus privilégios, cada anonyme tinha de ser expressamente autorizada pelo Governo, que, na primeira metade do século, foi extremamente relutante em conceder 72 essas autorizações. Uma Commandite, podia ser criada através de simples registo notarial, e rapidamente se tornou a forma preferida de empreendimento. A forma en commandite foi adoptada na maior parte das nações continentais e desempenhou uma função vital na angariação de capital para o comércio e para a indústria no período de transição que antecedeu a livre constituição, numa altura em que a maior parte dos governos se revelava ainda mais conservadora que os Franceses na concessão de alvarás às anonymes. Depois de a França a ter adoptado a constituição livre em 1867, outros países seguiram-lhe rapidamente o exemplo. Política e pensamento económicos Nas décadas de 1760 e 1770, os Fisiocratas (chamados, em França, les économistes) tinham começado a advogar os méritos da liberdade económica e da concorrência. Em 1776, o ano da Declaração da Independência dos Estados Unidos, Adam Smith publicou a Riqueza das Nações, que viria a tornar-se uma declaração da independência económica individual. Smith tinha sido por vezes retratado como apologista dos homens de negócios ou da «burguesia», mas isso é o resultado de uma leitura errada. As suas críticas aos comerciantes não são menos destrutivas que a sua condenação dos governos disparatados ou mal orientados. Todavia, a maior preocupação de Smith ao longo do livro foi mostrar que a abolição de restrições e limitações vexatórias e «desrazoáveis» à iniciativa privada promoveriam a concorrência dentro da economia, e isso, por sua vez maximizaria a «riqueza das nações». Só muito depois da sua morte – e depois de vários outros escritores, como o reverendo T. R. Malthus e David Ricardo, terem contribuído para o corpo de literatura conhecido como «economia política clássica» - é que as ideias de Smith começaram a ser contempladas na legislação. Isto verificou-se em primeiro lugar no Reino Unido, nas décadas de 1820 e 1830. A maior proeza dos economistas clássicos foi a revogação das Corn Laws, o que introduziu um longo período de comércio livre na Grã-Bretanha. Além do comércio livre, os dogmas do liberalismo económico (como ficou conhecida a nova doutrina) preconizavam uma redução do papel do Governo na economia. Em seu nome, o sistema fiscal foi revisto e simplificado e as Leis de Associação, as Leis de Navegação, as Leis de Usura e outros símbolos legislativos do Antigo Regime na vida económica foram todos rejeitados. Segundo Smith e o seu «sistema de liberdade natural», o Governo tinha 3 funções a desempenhar: 1º O dever de proteger a sociedade contra a violência e a invasão doutras sociedades independentes. 2º O dever de proteger, o mais possível, todos os membros da sociedade contra a injustiça ou opressão de cada um dos outros seus membros, ou o dever de estabelecer uma administração correcta de justiça. 3º O dever de erigir e manter determinadas obras públicas e determinadas instituições públicas que um único indivíduo ou um pequeno grupo de indivíduos não podem ter interesse em erigir e manter. 73 Esta descrição idealizada do papel do Governo de acordo com os economistas clássicos deu origem a um mito, que é o mito do Laissez-faire. O seu entendimento popular era o de que os indivíduos, especialmente as pessoas que tinham negócios, deviam ser libertadas de todas as restrições governamentais (excepto as leis criminais) para desempenhar os seus interesses egoístas. Na prática, o Laisser-Faire não era de forma alguma tão impiedoso ou de motivações tão egoístas ou tão inexorável como as declarações extremistas faziam crer. O alvo principal dos economistas clássicos era o velho aparato de regulamentação económica, que em nome do interesses nacional enchia muitas vezes os bolsos de privilégios e monopólios especiais e interferia doutras formas com a liberdade individual e com a procura de riqueza. Ao mesmo tempo que o Parlamento desagregava o velho sistema de regulamentação e de privilégios especiais, decretava uma nova série de regulamentações preocupadas com o bem-estar geral, especialmente, dos menos aptos em se protegerem a si próprios. As medidas incluíram, as Leis Fabris, novas leis de saúde e sanitárias e a reforma do governo local. Estas leis não foram obra de nenhuma classe ou segmento da população, apesar de terem contado com o capital intelectual dos Utilitaristas. Os reformadores humanitários de ascendência aristocrática ou da classe média uniram forças com os dirigentes das classes trabalhadoras para lutar por elas e foram eleitos por whigs e tories, bem como pelos Radicais. O liberalismo económico tinha também os seus defensores no Continente, mas estes nunca alcançaram o mesmo grau de sucesso que os seus pares britânicos. Uma razão para tal, foi a Tradição de o paternalismo estatal estar mais profundamente enraizado no Continente que na Grã-Bretanha. Uma outra foi que, sendo a Grã-Bretanha o reconhecido guia tecnológico, muitos indivíduos esperavam que o Governo ajudasse a diminuir o fosso. O comércio livre ganhou alguns adeptos, e houve uma certa redução da interferência governamental na economia, mas, globalmente, o Governo desempenhou um papel mais activo que na Grã-Bretanha. Os Estados Unidos tinham uma combinação única de governo e iniciativa privada. Os economistas clássicos tinham poucos adeptos puristas. O Governo Federal desempenhou o papel minimalista que lhe fora atribuído pela teoria clássica, e até à Guerra Civil, seguiu geralmente uma política comercial liberal ou de tarifas baixas. Os governos locais ou estatais, por outro lado, desempenharam um papel activo na promoção do desenvolvimento económico. O «Sistema Americano», como lhe chamou Henry Clay, encarava o Governo como uma agência destinada a dar assistência a indivíduos e à iniciativa privada, de forma a acelerar o desenvolvimento dos recursos materiais da nação. Estrutura de classes e lutas de classes A transição da agricultura para as novas formas de indústria e o crescimento das cidades fomentaram o aparecimento de novas classes sociais. É evidente que o lugar dum indivíduo numa hierarquia social depende parcialmente de como ele ou ela ganha a vida, e pessoas com a mesma ocupação tendem a partilhar valores comuns e uma 74 perspectiva comum, diferentes e talvez irreconciliáveis com os valores e as perspectivas das pessoas que se dedicam a outras actividades. O séc. XIX assistiu, por vezes, a lutas amargas entre grupos rivais pelo reconhecimento e domínio social e político. A Waterloo, a aristocracia com terras continuou a gozar de prestígio social e de poder político, apesar dos efeitos da Revolução Francesa. A sua posição de chefia foi duramente desafiada pelas classes médias, que cresciam rapidamente. Em meados do século, estas últimas tinham conseguido instalar-se no poder na maior parte da Europa Ocidental, e durante a segunda metade do século fizeram profundas incursões na posição exclusiva da aristocracia na Europa Central. No começo do séc. XIX, os trabalhadores urbanos constituíam uma pequena minoria da população, mas , com o alargamento do sistema industrial, começaram a ganhar superioridade numérica. No entanto, é enganador falar na classe trabalhadora, pois havia muitas gradações e diferenças no seio da população trabalhadora. Karl Marx profetizou, em meados do séc. XIX, que a polarização que pensava observar nas então avançadas sociedades industriais continuaria até, por fim, restarem apenas 2 classes, a classe governante de capitalistas (absorveria e substituiria a aristocracia) e o proletariado industrial. Enquanto premonição esta profecia foi falsificada pelos factos históricos. Em vez de polarizar 2 classes mutuamente antagónicas, o aumento da industrialização aumentou significativamente a classe média de trabalhadores de colarinho branco, de trabalhadores especializados e de empresários individuais. As formas mais usuais de solidariedade e entreajuda da classe trabalhadora eram os sindicatos e, eventualmente, nalguns países, partidos políticos da classe trabalhadora. Embora os sindicatos tenham uma longa história, que remonta às associações de jornaleiros do fim da Idade Média, o movimento moderno data do começo da indústria moderna. Na primeira metade do séc. XIX, os sindicatos eram fracos e localizados e tinham, normalmente, uma duração curta em face da oposição de patrões adversários e duma legislação desfavorável ou repressiva. A maior parte das nações ocidentais passou por, pelo menos, 3 fases nas suas atitudes oficiais em relação aos sindicatos: 1ª Fase – proibição ou supressão imediata, foi tipificada pela Lei Le Chapelier de 1791, em França, pelas Leis de Associação de 1799-1800, na Grã-Bretanha, e por legislação semelhante noutros países. 2ª Fase – marcada na Grã-Bretanha pela revogação das Leis de Associação em 1824-25, os Governos concederam uma tolerância limitada aos sindicatos, permitindo a sua formação, mas perseguindo-os frequentemente por empenharem em acções públicas como as greves. 3ª Fase – não alcançada antes do séc. XX nalguns países, noutros não alcançado de todo, reconheceu aos trabalhadores e trabalhadoras o direito legal de se organizarem e empenharem em actividades colectivas. 75 Na Grã-Bretanha, na década de 1830, o movimento sindicalista envolveu-se num movimento político mais alargado conhecido por cartismo, cujo objectivo era conseguir o sufrágio e outros direitos políticos para ao que estavam privados deles. Sociedade Unida dos Engenheiros (maquinistas e mecânicos), o primeiro dos chamados sindicatos do Modelo Novo. A característica distintiva do Modelo Novo era a de apenas organizar trabalhadores especializados e por actividades; representava a «aristocracia» do trabalho. Os trabalhadores não especializados e os trabalhadores das novas indústrias fabris continuaram desorganizados até quase ao fim do século. Os sindicatos do Modelo Novo tentaram timidamente aumentar os salários e as condições de trabalho dos seus membros, já então os mais bem pagos da indústria britânica, através de negociações pacíficas com os empregados e de entreajuda mútua. Evitavam as actividades políticas e raramente recorriam às greves, excepto em casos desesperados. Em resultado disso a sua força cresceu, mas os associados eram poucos. Tentativas para organizar a grande massa de trabalhadores semiespecializados ou não especializados resultaram em greves bem sucedidas das «raparigas dos fósforos» (jovens trabalhadoras da indústria dos fósforos), em 1888 e dos estivadores de Londres , em 1889. No Continente os sindicatos tiveram um progresso mais lento. Desde o princípio, os sindicatos franceses estiveram intimamente associados ao socialismo e a ideologias políticas semelhantes. Em 1895, os sindicatos franceses conseguiram formar uma Confederação Geral do Trabalho (CGT) não política, mas nem sequer essa confederação agrupou todos os sindicatos activos e teve, muitas vezes, dificuldades em conseguir que as suas directivas fossem respeitadas a nível local. O movimento trabalhista francês manteve-se descentralizado, altamente individualista e geralmente ineficaz. O movimento laboral alemão data da década de 1860. Como o francês esteve também associado desde o início a partidos políticos e a acção política, ao contrário do movimento francês, foi mais centralizado e coeso. O movimento trabalhista alemão tinha 3 divisões principais: - Os Hirsch-Dunker, ou sindicatos liberais, que se dirigiam sobretudo a trabalhadores especializados. - Os sindicatos socialistas ou «livre», com muito mais membros. - Os sindicatos católicos ou cristãos, fundados coma a benção do Papa por oposição aos sindicatos socialistas «sem Deus». Em 1914, o movimento sindicalista alemão tinha 3 milhões de membros, cinco sextos dos quais pertencentes a sindicatos socialistas, o que fez dele o segundo maior da Europa. Os sindicatos dos Países Baixos, da Suíça e do Império Austro-Húngaro seguiram o modelo alemão. Nos países escandinavos, o movimento trabalhista desenvolveu as suas próprias tradições distintivas. Aliou-se com o movimento cooperativo, bem como os partidos políticos social-democratas, e em 1914 tinha feito mais que qualquer outro 76 movimento sindical para melhorar as condições de vida e de trabalho dos seus membros. Na Rússia e no resto da Europa Oriental, os sindicatos forma ilegais até ao fim da I Guerra Mundial. As primeiras tentativas para formar organizações de massa das classes trabalhadoras nos Estados Unidos tiveram um êxito limitado face à oposição governamental e patronal e à dificuldade de garantir a cooperação entre os trabalhadores de diferentes sectores, profissões, religiões e raízes étnicas. Na década de 1880, Samuel Gompers assumiu a chefia da organização de fortes sindicatos apenas de trabalhadores especializados, e em 1886 uniu-os na Federação Americana do Trabalho (FAT). Como os sindicatos do Modelo Novo da Grã-Bretanha, também a FAT seguiu as tácticas de «pão com manteiga», concentrando-se no bem-estar dos seus membros, mantendo-se afastada dos enredos políticos e evitando a acção política pública. O primeiro Congresso de Sindicatos na Austrália, efectuou-se em 1879, apenas 11 anos depois do primeiro do género na Grã-Bretanha. Educação e alfabetização Outra característica do desenvolvimento económico no séc. XIX – menos notada mas pouco menos notável que o crescimento das cidades, dos trabalhadores industriais e dos rendimentos – foi o crescimento da alfabetização e educação. As percentagens de alfabetização nos adultos mostram uma correlação aproximada entre níveis e taxas de industrialização, por um lado, e esforço e realização educacional, por outro. É significativo que a Grã-Bretanha (ou o Reino Unido), a primeira nação industrial, ocupe uma elevada percentagem, ma não no topo. Em geral, os países do noroeste da Europa (e os Estados Unidos) têm os melhores desempenhos, quer em termos de esforço quer de realização, ao passo que os da Europa Meridional e Oriental (representados pela Espanha, pela Itália e pela Rússia) são menos impressionantes. Isto está em harmonia com os níveis e as taxas de industrialização. O aspecto mais surpreendente, é a posição elevada da Suécia, quer em 1850, quer em 1900; a Suécia era um país pobre em meados do séc. XIX, mas na segunda metade do século registou uma das mais altas taxas de crescimento de todos os países da Europa. O seu elevado nível inicial de alfabetização é atribuível a factores religiosos, culturais e políticos anteriores ao início da industrialização, mas a grande reserva de capital humano assim conseguido manteve-a em vantagem depois de começada a industrialização Antes do séc. XIX, quase não existiam instituições educativas com apoios públicos. Os abastados contratavam tutores particulares para os seus filhos. As instituições religiosas e de caridade e, nuns quantos casos, as escolas particulares que cobravam uma propina providenciavam educação elementar a uma fracção de população, principalmente nas cidades. Ninguém sonhava com a alfabetização universal; na verdade muitas opiniões influentes se opunham à alfabetização dos «pobres trabalhadores», considerando-a incompatível com as suas «posições» na vida. A educação técnica foi proporcionada quase exclusivamente através do sistema de aprendizagem. 77 Os estudos secundários e superiores estavam em grande parte reservados aos filhos (principalmente rapazes) das classes privilegiadas exceptuando os aspirantes a membros do clero. Com poucas excepções (nomeadamente na Escócia e nos Países Baixos), as universidades antigas há muito que tinham deixado de ser centros de desenvolvimento do conhecimento; mergulhadas, num curriculum tradicional que privilegiava os clássicos, formavam funcionários para a Igreja e para o Estado e davam a aparência duma educação liberal aos filhos das classes dirigentes. A Revolução Francesa introduziu o princípio da educação gratuita financiada pelo Estado, mas na própria França o princípio foi ignorado pelos governos da Restauração até depois de 1840. a Revolução Francesa deu azo a outras inovações educativas de particular significado para a Era Industrial. Tratava-se de escolas especializadas para a ciência e para a engenharia das quais a École Polytechnique e a École Normale Supérieure são as mais famosas. Criadas a um nível universitário, mas fora do sistema universitário (que Napoleão reorganizou para formar profissionais e funcionários públicos), estas instituições não só proporcionaram instrução avançada como também se dedicaram à pesquisa. Foram muito imitadas por toda a Europa excepto na Grã-Bretanha, e um docente da Polytechnique que organizou a instrução na Academia Militar Norte-Americana em West Point, a primeira escola de engenharia na América. A época da reforma pós-napoleónica na Alemanha resultou na revitalização das suas velas universidades e na criação de várias outras novas. A formação científica seguiu quase à risca o curriculum e métodos da École Polytechnique, mas foi aberta a um número maior de estudantes que no sistema francês. Assim, à medida que a ciência se transformou cada vez mais na base da indústria, a Alemanha preparou-se para se aproveitar da situação. Quando, na década de 1870, os educadores americanos se começaram a preocupar com a necessidade de remodelar o seus sistema de ensino superior, voltaram-se para o modelo alemão, e não para os modelos francês e inglês. Subsequentemente, as universidades francesas e britânicas, e também de outros países, vieram imitá-las. Relações internacionais No congresso de Viena, em 1814-15, os vencedores de Napoleão tentaram restabelecer o Antigo Regime, política, social e economicamente, mas os seus esforços revelaram-se vãos. As forças ideológicas da democracia e do nacionalismo desencadeada pela Revolução Francesa, juntamente com as forças económicas da industrialização incipiente, minoraram os seus esforços. A queda final do Antigo Regime, excepto na Rússia e no Império Otomano tornou-se evidente nas revoluções de 1830 e 1848 no Continente. Em todas essas revoluções, o nacionalismo foi uma força potente. O nacionalismo como ideologia não pertencia a uma classe social enquanto tal. Era principalmente 78 abraçado por membros das classes médias instruídas, mas também reflectia as aspirações dos povos divididos da Itália e da Alemanha de verem as suas nações unificadas e as aspirações das nacionalidades súbditas dos impérios austríaco, russo e otomano. O séc. XIX não assistiu a quaisquer guerras generalizadas e devastadoras como as Guerras Napoleónicas que lhe deram início ou a I Guerra Mundial que o fechou. As guerras relativamente curtas e limitadas que entretanto ocorreram tiveram por vezes, importantes resultados políticos, com implicações para a política económica, mas não prejudicaram seriamente a acumulação de capital num processo de mudança técnica. Perto do final do século, as tensões políticas, por vezes exarcebadas pela rivalidade económica, tornaram-se mais agudas e extravasaram para o reflorescimento do imperialismo europeu, que alargou grandemente o sistema mundial de mercado, com a Europa no seu centro. 79 80 Cap. IX Padrões de desenvolvimento: os primeiros industrializadores De um certo ponto de vista, o processo de industrialização do séc. XIX foi um fenómeno à escala europeia. De diferente ponto de vista, porém a industrialização foi basicamente um fenómeno regional. Ainda uma terceira forma de encarar o processo de industrialização é, contudo, o método mais convencional de o analisar em termos de economias nacionais. Esse processo tem as desvantagens de possivelmente negligenciar as ramificações internacionais e supranacionais do processo e de ignorar ou menosprezar a sua dinâmica regional; mas tem duas fortes vantagens: 1. é a vantagem puramente técnica de a maior parte das medidas quantitativas descritivas da actividade económica ser reunida e agregada em termos de economias nacionais. 2. e mais fundamentalmente, o quadro institucional da actividade económica e as políticas tendentes a influenciar a direcção e o carácter dessa actividade são, na maior parte das vezes, estabelecidas dentro das fronteiras nacionais. Grã-Bretanha Em resultado da sua primazia na indústria e dos seu papel como potência marítima esmagadoramente superior, alcançada durante as últimas guerras, emergia também como a principal nação comercial, sendo responsável por um quarto ou um terço do comércio internacional total – bem mais que o dobro do dos seus principais rivais. A Grã-Bretanha manteve o seu domínio industrial e comercial durante a maior parte do séc. XIX. Após 1870, mesmo quando a produção e o comércio totais continuavam a aumentar, perdeu gradualmente a primazia para as outras nações que se industrializavam rapidamente. Os Estados Unidos ultrapassaram-na em termos de produção industrial total na década de 1880, e a Alemanha na primeira década do séc. XX. Nas vésperas da I Guerra Mundial, era ainda a principal nação comercial, mas então dominava apenas cerca de um sexto do comércio total e era seguida de perto pela Alemanha e pelos Estados Unidos. Os têxteis, o carvão, o ferro e a engenharia, as bases da prosperidade precoce da Grã-Bretanha, continuaram a ser os seus trunfos. Na indústria mineira, a Grã-Bretanha manteve a primazia na Europa 8embora os Estados Unidos a tivessem ultrapassado no começo do séc. XX) e produzia excedentes para exportação. A indústria da engenharia, uma criação de finais do séc. XVIII, pode encontrar as suas raízes em todas as três indústrias acima referidas. De modo semelhante, a evolução da indústria naval, desde a propulsão à vela até ao vapor e da construção em madeira até ao ferro e ao aço, foi outro poderoso estímulo. A Grã-Bretanha não conseguiu manter indefinidamente a sua preeminência à medida que outras nações menos desenvolvidas mas bem dotadas começaram a industrializar-se. Nesse sentido, o declínio relativo da Grã-Bretanha era inevitável. Tendo em conta os vastos recursos e o rápido crescimento populacional dos Estados Unidos e da Rússia, não é surpreendente que acabassem por ultrapassar a pequena nação insular na produção total. Mais difícil de explicar é a baixa taxa de crescimento 81 da produtividade total dos factores (produção por unidade de todas as entradas) foi de zero. A explicação mais recente aponta para outra causa possível do declínio relativo da Grã-Bretanha: o malogro empresarial. Não restam dúvidas de que a Grã-Bretanha Vitoriana teve alguns empresários individuais dinâmicos e agressivos, William Lever (da Lever Brothers, mais tarde Unilever) e Thomas Lipton (chá), entre outros, tornaram-se nomes familiares. Por outro lado, há provas abundantes de que os empresários do final da época vitoriana não exibiam em geral o dinamismo dos seus antepassados, adoptaram o estilo de vida de cavalheiros ociosos e deixaram a administração diária das suas empresas a gerentes contratados. A introdução tardia e quase timorata de novas indústrias de alta tecnologia (ao tempo), como as dos químicos orgânicos, da electricidade, da óptica e do alumínio, ainda que muitos dos inventores fossem britânicos, é um sinal de letargia empresarial. Ainda mais impressionante é a resposta tardia e parcial dos empresários britânicos à nova tecnologia naquelas indústrias fundamentais de que eram, ou tinham sido representantes máximos. Em parte, o atraso do sistema educativo britânico pode ser responsabilizado pelo abrandamento industrial e pelos fracos resultados empresariais. A Grã-Bretanha foi a última grande nação ocidental a adoptar a escola elementar universal pública, importante para a formação duma força de trabalho especializada. As poucas grandes universidades britânicas, deram importância diminuta à educação científica e em engenharia (mas as universidades escocesas valorizaram-na). Apesar de terem de algum modo recuperado do seu turpor do séc. XVIII, dedicavam-se ainda em primeiro lugar à familiarização dos filhos das classes ociosas com os clássicos. Esta era uma faceta de perpetuação dos valores aristocráticos, com o seu desdém pelas realizações comerciais e industriais. O contraste com o séc. XVIII é flagrante e irónico; nesse tempo, a sociedade britânica era largamente considerada mais fluída e aberta que as do Antigo Regime no Continente. Um século depois, as opiniões, se não a realidade, estavam invertidas. De todas as grandes nações, a Grã-Bretanha era a mais dependente de importações e exportações para o seu bem-estar material. Tinha de longe, a maior marinha mercante e ao maiores investimentos externos de qualquer nação – ambos importantes angariadores de moeda estrangeira. Desde o começo do séc. XIX, se não antes, apesar das suas importantes indústrias exportadoras, que a Grã-Bretanha tinha uma balança «desfavorável», ou negativa, do comércio de mercadorias. O défice era coberto pelos ganhos da marinha mercante e pelo investimento externo o que permitiu o aumento quase contínuo deste último ao longo do século. Em resumo, deve dizer-se que, apesar de todas as vicissitudes, o rendimento real per capita dos Britânicos aumentou sensivelmente duas vezes e meia entre 1850 e 1914, que a distribuição de rendimento se tornou ligeiramente mais igual, que a proporção da população na mais completa miséria diminuiu e que, em 1914, o britânico médio desfrutava do padrão de vida mais elevado da Europa. 82 Estados Unidos O exemplo mais espectacular de rápido crescimento económico nacional foi o dos Estados Unidos. Apesar de os Estados Unidos terem acolhido o grosso da emigração proveniente da Europa, o maior factor de crescimento populacional resultou duma taxa de crescimento natural elevada. Em nenhuma altura a população nascida no estrangeiro ultrapassou um sexto do total. No entanto, a política americana de imigração quase irrestrita até após a I Guerra Mundial marcou definitivamente a vida nacional, e a América tornou-se conhecida como o receptáculo da Europa. O rendimento e a riqueza cresceram ainda mais rapidamente que a população. Desde os tempos coloniais, a escassez de mão-de-obra em relação à terra e a outros recursos implicara salários mais elevados e um nível de vida melhor que na Europa. Foi este facto, juntamente com as oportunidades de realização individual e as liberdades religiosa e política gozadas pelos cidadãos americanos, que atraiu os emigrantes da Europa. Embora as estatísticas sejam imperfeitas, é provável que o rendimento médio per capita tenha pelo menos duplicado entre a adopção da Constituição e a eclosão da Guerra Civil . A permanente escassez e o elevado custo de mão-de-obra premiavam a maquinaria que poupasse mão-de-obra, quer na agricultura, quer na indústria. Na agricultura, as melhores técnicas europeias resultaram em melhor produtividade por hectare que, nos Estados Unidos, mas os agricultores americanos, utilizando máquinas relativamente baratas (mesmo antes da introdução de tractores), conseguiam rendimentos muito superiores por trabalhador. Na indústria prevaleceu uma situação semelhante. As enormes dimensões físicas dos Estados Unidos, com climas e recursos diferentes permitiram um grau de especialização regional ainda maior que o que era possível em qualquer país da Europa. Na época em que conquistou a sua independência quase 90% da sua força laboral dedicava-se principalmente à agricultura e muita da restante ao comércio, a nova nação em breve começou a diversificar-se. Em 1789, o ano em que a Constituição entrou em vigor, Samuel Slater chegou de Inglaterra e, no ano seguinte, em sociedade com comerciantes de Rhode Island, criou a primeira indústria fabril da América. Pouco depois, em 1793, o descaroçador de algodão, inventado por Eli Whitney, lançou o sul da América do Norte como principal fornecedor da matéria-prima da maior indústria fabril do mundo. Esta dicotomia levou a um dos primeiros grandes debates sobre política económica na nova nação. Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro, queria patrocinar as fábricas atravésde tarifas proteccionistas e outras medidas. Por outro lado, Thomas Jefferson, o primeiro secretário de Estado e terceiro presidente, preferiu o encorajamento da agricultura e do comércio como seu auxiliar. Os Jeffersonianos venceram a luta política, mas os Hamiltonianos (depois da morte trágica e prematura de Hamilton) viram as suas ideias triunfarem. Outra vantagem da dimensão dos Estados Unidos foi o seu potencial para um grande mercado interno praticamente livre de barreiras aduaneiras artificiais. Mas para realizar esse potencial foi necessário criar uma vasta rede de transportes. No começo do século XX, a escassa população estava espalhada ao longo da costa marítima do Atlântico; a comunicação era mantida através de navegação costeira, complementada por umas quantas 83 carreiras postais. Os rios proporcionavam o único acesso prático ao Interior e esse acesso estava extremamente limitado por quedas de água e rápidos. Para remediar esta deficiência, os Estados e as municipalidades, em cooperação com interesses privados, empenharam-se num extensivo programa de melhorias internas, o que na prática implicou a construção de estradas com portagens e canais. Uma razão de peso do decepcionante desempenho económico dos canais foi o advento dum novo concorrente, o caminho-de-ferro. A era do caminho-de-ferro começou quase simultaneamente nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, embora nos estados Unidos tenha por muitos anos dependido profundamente da tecnologia, equipamento e capital britânicos. No entanto, os patrocinadores americanos, rapidamente perceberam as potencialidades deste novo meio de transporte. Em 1840, a extensão de vias férreas concluídas excedia, não apenas a da Grã-Bretanha, mas a de toda a Europa, e assim durante a maior parte do século. Apesar do rápido crescimento das fábricas, os Estados Unidos permaneceram uma nação predominantemente rural ao longo de todo o séc. XIX. A população urbana não ultrapassava a população rural senão depois da I Guerra Mundial. Em 1890, os Estados Unidos tinha-se transformado na nação mais industrializada do mundo. Bélgica A primeira região da Europa Continental a adoptar o modelo britânico de industrialização foi a terra que se tornou o reino da Bélgica em 1830. a proximidade à Grã-Bretanha não é um factor a desprezar na sua precoce e bem sucedida imitação da industrialização britânica, mas houve outros motivos mais fundamentais: 1. A região já tinha uma longa tradição industrial. Na Idade Média, a Flandres fora um importante centro de produção de tecidos e, a leste, o vale do Sambre-Mosa foi famoso pela sua cutelaria. Bruges e Antuérpia foram as primeiras cidades do Norte a assimilar as técnicas comerciais e financeiras italianas em finais da Idade Média. Na Flandres cresceu uma importante indústria artesanal do linho, e na bacia do Hainault e no vale do Sambre-Mosa desenvolveu-se a indústria mineira. 2. A riqueza de recursos naturais da Bélgica assemelhava-se à da Grã-Bretanha. Tinha jazidas de carvão de fácil acesso, minério de ferro nas proximidades das jazidas de carvão, bem como minérios de chumbo e zinco. 3. Em parte devido à sua localização e às suas ligações políticas, a região que se tornou a Bélgica recebeu importantes injecções de tecnologia, investimento e capital estrangeiros e desfrutou duma posição favorável em determinados mercados externos, especialmente franceses. As minas de carvão eram as maiores utilizadoras de máquinas a vapor, de ambas as versões, de Newcomen e Watt, e também atraíram a maior quantidade de empresários e capitais franceses. Durante o domínio francês desenvolveu-se um tráfico de grande importância para a indústria carbonífera belga e para a indústria francesa em geral, e que sobreviveu às várias transformações políticas depois de 1814. A indústria do algodão cresceu dentro e em torno da cidade de Gante, que na verdade se transformou na Manchéster belga. As fábricas de Cockerill no rio Mosa em 84 Seraing, perto de Liège, foram o primeiro aglomerado industrial em grande escala no Continente. A Revolução Belga, bastante moderada em termos de perdas de vida e de prosperidade, provocou, uma depressão económica resultante da incerteza sobre o carácter e futuro no novo Estado. Todavia, a depressão foi de curta duração, e os anos intermédios da década foram palco duma vigorosa explosão industrial. Além de condições económicas internacionais, que eram igualmente favoráveis, dois factores especiais foram os principais responsáveis pelo carácter e dimensão do desenvolvimento da Bélgica: 1. a decisão governamental de construir uma extensa rede de caminho-de-ferro à custa do Estado, uma benção especial para as indústrias de carvão, de ferro e de engenharia. 2. uma notável inovação institucional no campo da banca e da finança. Em 1822, o rei Guilherme I autorizou a criação dum banco decapitais anónimos, a Société Générale, para favorecer a Industrie Nationale des Pays-Bas (conhecida após 1830 como Société Générale de Belgique), com sede em Bruxelas; doou-lhe propriedades do Estado investiu uma parcela considerável da sua fortuna pessoal em acções da empresa. Após a revolução contudo, com uma nova administração nomeada pelo novo governo, estimulou um aumento sem precedentes no Continente. Em 1835, um grupo rival de financeiros obteve autorização para criar outro banco privado, o Banque de Belgique. Semelhante à Société Générale em todos os aspectos importantes (embora substancialmente mais pequeno), o novo banco não perdeu tempo a imitar o seu antecessor no sector da banca de investimentos. Como a Société Générale, também o Banque de Belgique tinha uma ligação francesa por intermédio do banco parisiense da Hottinguer et Cie. Em 1840, se não antes, a Bélgica era claramente o país mais industrializado do Continente e, em valores per capita, seguia muito de perto a Grã-Bretanha. França De todos os primeiros países industrializados, a França foi o que teve o padrão de crescimento mais aberrante. A característica mais marcante do séc. XIX, no caso da França, foi a sua baixa taxa de crescimento demográfico. A industrialização da Grã-Bretanha, da Bélgica e, eventualmente, da América e da Alemanha baseou-se essencialmente em abundantes reservas de carvão. A França, embora não estivesse completamente privada de carvão, não possuía jazidas abundantes, e, de resto, o tipo de jazidas que possuía tornava a sua exploração bastante dispendiosa. Estes factos tiveram implicações importantes para outras indústrias relacionadas com a do carvão, como a do ferro e do aço. Em tecnologia, a França não estava atrasada, cientistas, inventores e inovadores franceses tomaram a dianteira em várias indústrias, incluindo a da energia hidroeléctrica, do aço, do alumínio, dos automóveis e, no séc. XX, da aviação. 85 Está agora bem determinado que o crescimento económico moderno em França teve início no séc. XVIII. Para o século como um todo, as taxas de crescimento, quer da produção total quer da produção per capita, foram sensivelmente as mesmas em França e na Grã-Bretanha, talvez até um pouco mais elevada em França, embora a França tivesses começado (e terminado) com um produção per capita mais baixa. Mas o século acabou com a Grã-Bretanha num processo de «revolução industrial» (no algodão), enquanto a França foi apanhada nas malhas duma grande sublevação política, a Revolução Francesa. Nesse ponto reside uma importante diferença que afectou os desempenhos relativos das duas economias durante a maior parte do séc. XIX. Após uma depressão bastante severa no pós-guerra, que afectou toda a Europa Continental Ocidental e tocou mesmo a Grã-Bretanha, a economia francesa retomou o seu crescimento com taxas ainda superiores às do séc. XVIII. Embora o desemprego global da economia fosse bastante respeitável, sofreu variações na taxa de crescimento (além das flutuações a curto prazo, às quais todas as economias em curso de industrialização estavam sujeitas). A indústria do ferro adoptou o processo de pludagem e iniciou a transição para a fundição com coque. Lançaram-se as fundações duma importante indústria de máquinas e de engenharia; em meados do século, o valor das exportações de maquinaria excedeu o das importações em mais de 3 para 1. Muitas das novas máquinas destinaram-se à indústria têxtil caseira, especialmente à indústria de lanifícios e algodão, que eram as maiores utilizadoras de máquinas mais importantes em termos de emprego e de valor acrescentado. As crises políticas e económicas de 1848-51 introduziram um hiato no ritmo de desenvolvimento económico. A crise nas finanças públicas e privadas paralisou a construção de caminhos-de-ferro e doutras obras públicas. A produção de carvão caiu abruptamente; a produção de ferro decresceu mais lentamente. A importação de mercadorias caiu para metade em 1848, mas recuperariam no ano seguinte. Com o coupe d’état de 1851 e a proclamação do II Império no ano seguinte, o crescimento económico francês retomou o seu anterior curso a um ritmo acelerado. A taxa de crescimento afrouxou um pouco após a moderada recessão de 1837, mas as reformas económicas da década de 1860, nomeadamente os tratados de comércio livre e as leis da constituição liberalizada de sociedades comerciais de 1863 e de 1867, providenciaram um novo estímulo. A guerra de 1870-71 trouxe o desastre económico e militar, mas a França recuperou economicamente duma forma que espantou o mundo. A França sofreu menos com a depressão de 1873 que outras nações em curso de industrialização e recuperou mais rapidamente. Deu-se um novo impulso que continuou até ao final de 1881. no período entre 1851 e 1881 como um todo, a riqueza e o rendimento franceses cresceram às taxas mais elevadas de todo o século, a uma média de 2% a 4%. A recessão teve início em 1882 durou mais tempo e provavelmente custou mais à França que qualquer outra do século XIX. No princípio assemelhou-se a muitas outras 86 recessões começando com um pânico financeiro, mas seguiram vários outros factores que a agravaram e prolongaram: doenças catastróficas, que afectaram seriamente as indústrias vinícolas e da seda durante duas décadas; avultadas perdas em investimentos externos por incúria de governos negligentes e de caminhos-de-ferro falidos; o regresso a nível mundial ao proteccionismo em geral e, em particular as novas tarifas francesas; e uma amarga guerra comercial com a Itália desde 1887 até 1898. globalmente, o comércio esterno definhou e manteve praticamente estacionário durante mais de 15 anos e, com a perda de mercados estrangeiros, a indústria interna também estagnou. A acumulação de capital atingiu o seu ponto mais baixo na segunda metade do século. A prosperidade regressou, por fim, mesmo antes do final do século, com a extensão dos campos de minério de Lorena e o advento de novas indústrias como as da electricidade, do alumínio, do níquel e dos automóveis. A França desfrutou uma vez mais de uma subida da taxa de crescimento. La Belle Époque, como os Franceses chamam aos anos imediatamente anteriores à I Guerra Mundial, foi um período de prosperidade material e também de eflorescência cultural. Embora não sejam possíveis comparações precisas, é provável que, em 1913, o francês médio tivesse um nível de vida material tão ou mais elevado que o dos cidadãos de qualquer outra nação continental. De todas as grandes nações industriais a França era a que tinha a maior proporção de mão-de-obra na agricultura – cerca de 40% em 1913. Este facto tem sido frequentemente apontado como uma evidência primária do «retardamento» da economia francesa, mas a interpretação correcta não é assim tão simples. Diversos factores foram invocados para justificar a proporção relativamente elevada de população que se dedicava à agricultura – incluindo as baixas taxas de crescimento populacional e de urbanização!-, mas é menos frequentemente observado que, no princípio do séc. XX, a frança era a única nação industrial da Europa auto-suficiente em géneros alimentares, e tinha mesmo um excedente para exportação. Com respeito à escala e estrutura dos empreendimentos, a França foi famosa (ou notável) pela pequena dimensão das suas empresas, significativamente, estas empresas concentravam-se na mineração, na metalurgia e nos têxteis, as mesmas indústrias nas quais as empresas de grandes dimensões e com elevados investimentos de capitais prevaleciam noutros países industrializados, com a excepção de existirem em maior quantidade. Entre estes dois extremos havia um grande número de empresas de pequena e média dimensão que empregava a grande maioria de assalariados. No extremo mais baixo da escala, os que empregavam menos de 10 trabalhadores cada, dedicavam-se às tradicionais indústrias artesanais, como o processamento de alimentos, o vestuário e a carpintaria, enquanto as que tinham mais de 100 trabalhadores se dedicavam principalmente às indústrias modernas – química, vidrararia, papel e borracha, bem como têxteis, mineração e metalurgia. Duas outras características da dimensão relativamente pequena das empresas francesas não podiam deixar de ser referidas: - Elevado valor acrescentado (artigos de luxo) - Dispersão geográfica. Em parte a dispersão foi determinada pela natureza das fontes de energia disponíveis. 87 A energia hidráulica, por muito importante que tivesse sido para a industrialização francesa, ajudou a impor um padrão: pequena dimensão das empresas, dispersão geográfica e baixa urbanização. Estas características acabaram por ser partilhadas por outros países com poucas reservas de carvão. Alemanha A Alemanha foi a última a juntar-se ao grupo dos primeiros países industrializadores. Pode, na verdade, dizer-se que era um país atrasado. Pobre e pouco desenvolvido na primeira metade do séc. XIX, aquela nação politicamente dividida era também predominantemente rural e agrária. Uma rede deficiente de transportes e de comunicação impediu o desenvolvimento económico, e as inúmeras divisões políticas, com os seus distintos sistemas monetários e políticas comerciais, e outros obstáculos às trocas comerciais, atrasaram ainda mais o progresso. Na vésperas da I Guerra Mundial, o Império Alemão Unificado era a nação industrial mais poderosa da Europa. Possuía as maiores e mais modernas indústrias de produção de ferro e aço e seus derivados, de energia eléctrica e maquinaria e de químicos. Com se deu esta transformação? A história económica alemã no séc. XX pode ser dividida em 3 períodos bastantes distintos e quase simétricos: 1. Estende-se desde o começo do século até à formação do Zollverein, em 1833, testemunhou um despertar gradual para as mudanças económicas que decorriam na Grã-Bretanha, em França e na Bélgica e a criação das condições jurídicas e intelectuais essenciais à transição para a moderna ordem industrial. 2. Um período de imitação e apropriação deliberadas que durou até cerca de 1870 – foram moldadas as fundações materiais da indústria, transportes e finanças modernas. 3. A Alemanha ascendeu rapidamente à posição de supremacia industrial na Europa Ocidental Continental que ainda hoje ocupa. Em cada um destes períodos, as influências estrangeiras desempenharam um papel importante. No princípio, as influências, como também as próprias mudanças, foram basicamente jurídicas e intelectuais, emanando da Revolução Francesa e da reorganização napoleónica da Europa. Um vivo fluxo de capital, tecnologia e dinâmica estrangeiros, que atingiu o seu máximo na década de 1850, marcou o segundo período. No último período, a expansão da indústria alemã para mercados estrangeiros dominou o quadro. A margem esquerda do Reno, unida política e economicamente à França sob Napoleão, adoptou o sistema jurídico francês e as suas instituições económicas, a maior parte das quais se manteve depois de 1815. Sob Napoleão, a influência francesa foi muito forte na Confederação do Reno (a maior parte da Alemanha Central). Até a Prússia adoptou, numa forma modificada, muitas instituições jurídicas e económicas francesas. 88 Um edicto de 1807 aboliu a servidão, autorizou a nobreza a dedicar-se a «ocupações burguesas [comércio e indústria] sem derrogação do seu estatuto» e aboliu a distinção entre propriedade nobre e não nobre, criando assim, efectivamente, o «comércio livre» em terra. Edictos posteriores aboliram os grémios e eliminaram outras restrições à actividade comercial e industrial, melhoraram e modernizaram a administração central. Outras reformas deram à Alemanha o primeiro sistema educativo moderno. Zollverein (literalmente, portagem ou união tarifária)- estabeleceu as fundações em 1818, decretando uma tarifa comum para toda a Prússia. Em 1833, um tratado com os maiores Estados do sul da Alemanha, com excepção da Áustria, resultou na criação do próprio Zollverein, que fez duas coisas: 1. aboliu todas as portagens e barreiras aduaneiras internas, criando um «mercado comum» alemão. 2. criou uma tarifa externa comum determinada pela Prússia. Em geral, o Zollverein seguiu uma política comercial liberal (isto é, de tarifas baixas), não por um princípio económico mas por a administração prussiana querer excluir a proteccionista Áustria da participação na união. Se o Zollverein tornou possível uma economia alemã unificada, o caminho-de-ferro transformou-a numa realidade. A chave da rápida industrialização da Alemanha foi o crescimento célere da indústria carbonífera do Ruhr. Pouco antes da I Guerra Mundial, o Ruhr produzia cerca de dois terços do carvão da Alemanha. A produção comercial no vale do Ruhr começou na década de 1780, sob a direcção da administração mineira estatal prussiana. No final da década de 1830, foram descobertos os veios «escondidos» (profundos) a norte do vale do Ruhr. A produção alemã do aço ultrapassou a da Grã-Bretanha em 1895, e em 1914 ascendia a mais do dobro da produção britânica. As empresas alemãs adoptaram rapidamente a estratégia da integração vertical, adquirindo as suas próprias minas de carvão e minério, fábricas de fundição, altos-fornos, fundições e laminadores, oficinas de fabrico de máquinas, etc. O ano de 1870-71, tão dramático na história política, com a Guerra Franco-Prussiana, o derrube do II Império em França e a criação dum novo II Império na Alemanha, foi menos dramático na história económica. A unificação económica já tinha sido conseguida e um novo aumento cíclico do investimento, do comércio e da produção industrial tinha começado em 1869. esta hiperactividade cessou subitamente com a crise financeira de Junho de 1873, que introduziu uma grave depressão. Depois de terminada a depressão, o crescimento foi retomado com mais vigor que anteriormente. Entre 1883 e 1913, o produto interno líquido aumentou foi de quase 2% por ano. Os sectores mais dinâmicos da indústria alemã foram os que produziram bens de capital ou intermédios para consumo industrial, a negligência relativa dos bens de consumo, contrasta vivamente com a situação em França e ajuda a explicar os seus diferentes padrões de crescimento. 89 Em 1864, Hofman regressou à Alemanha como distinto professor e consultor da nova indústria da tinturaria. No período de alguns anos, a indústria valendo-se do pessoal e recursos das universidades, impôs o seu domínio na Europa e no mundo. A indústria da química orgânica foi também a primeira no mundo a estabelecer os seus próprios laboratórios e pessoal de investigação. Ela introduziu, assim, muitos produtos novos e dominou também a produção de fármacos. A indústria eléctrica cresceu mais rapidamente que a química. A urbanização extremamente rápida da Alemanha que se verificou enquanto a indústria estava em crescimento, proporcionou-lhe um estímulo suplementar; a indústria alemã não teve de lutar contra uma bem-estruturada indústria do gás de iluminação, como a indústria britânica. A iluminação e os transportes urbanos foram as duas primeiras utilizações mais relevantes da electricidade. No princípio do séc. XX, os motores eléctricos estavam a competir com as máquinas a vapor e a substituí-las como fontes de energia. Ainda outra característica notável da estrutura industrial germânica foi a prevalência de cartéis. Um cartel é um acordo ou contrato entre empresas nominalmente independentes para fixar preços, limitar a produção dividir mercados ou, por outro lado, promover práticas monopolistas e anticompetitivas. Esses contratos ou acordos eram contrários à proibição pelo direito comum, de combinações de restrição do comércio na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, mas eram perfeitamente legais e até cobertos por lei na Alemanha. A teoria económica elementar ensina que o comportamento dos cartéis restringe a produção por forma a aumentar os lucros, mas tal prognóstico é dificilmente compatível com a excepcional marca alemã de rápido crescimento da produção, mesmo ou especialmente- em indústrias cartelizadas. A resolução deste paradoxo pode detectar-se na combinação de cartéis com tarifas proteccionistas, após a conversão de Bismarck ao proteccionismo em 1879. Através de tarifas proteccionistas, os cartéis podiam manter artificialmente preços elevados no mercado interno, enquanto se dedicavam a exportações praticamente ilimitadas para mercados estrangeiros, mesmo a preços abaixo do custo médio de produção se os preços das vendas internas pudessem compensar as perdas nominais das exportações. A rentabilidade deste tipo de actividade foi melhorada com a prática dos caminhos-de-ferro estatais ou regulamentados em cobrar uma taxa mais baixa para transportes destinados às fronteiras do país que para transporte dentro do país. 90 91 Cap. X Padrões de desenvolvimento: retardatários e ausentes Na medida em que o começo da industrialização esteve associado ao carvão, os últimos países a iniciarem a industrialização, por outro lado, tinham pouco ou nenhum carvão dentro das suas fronteiras. A produção em Espanha, na Áustria e na Hungria mal bastava para satisfazer a pouca procura interna. A Rússia tinha enormes jazidas, mas antes de 1914 a sua exploração quase não tinha começado a desenvolver-se. Suíça A Alemanha foi o último dos primeiros industrializados, a Suíça foi o primeiro dos retardatários. Apesar de a Suíça já ter adquirido, na primeira metade do século ou antes, alguns recursos importantes que desempenharam um papel relevante na sua rápida industrialização após 1850 – nomeadamente um elevado nível de alfabetização adulta -, a sua estrutura económica era ainda largamente pré-industrial. Só em 1850 conseguiu uma união aduaneira (ao contrário da Alemanha, que tinha um Zollverien mas não um Governo Central), uma união monetária efectiva, um sistema postal centralizado ou um padrão uniformizado de pesos e medidas. País pequeno, tanto em território como em população, a Suíça é igualmente pobre em recursos naturais convencionais que não a água e a madeira, não tem praticamente nenhum carvão. Devido às montanhas 25% da sua área terrestre é incultivável e, na realidade, praticamente inabitável. Apesar destes revezes, os Suíços conseguiram alcançar um dos mais elevados padrões de vida na Europa no começo do séc. XX e, no último quartel do século, o mais elevado do mundo. Como o conseguiram? Os Suíços há muito tempo que praticavam a combinação da indústria doméstica com a agricultura e a criação de gado, devido à escassez de terra arável. Fizeram-no em grande parte com matérias-primas importadas e, na última parte do séc. XIX, também com produtos alimentares importados, dependendo assim de mercados internacionais. O sucesso suíço nos mercados internacionais resultou duma combinação invulgar, se na única, de tecnologia avançada com indústrias de mão-de-obra intensiva. Esta combinação deu origem a produtos de alta qualidade, muito apreciados e de grande valor acrescentado, como os tradicionais relógios de sala e de pulso suíços, os delicados têxteis, a intricada maquinaria especializada e os requintados queijos e chocolates. As indústrias de mão-de-obra intensiva eram, em primeiro lugar de mão-de-obra intensiva especializada. A explicação assenta na elevada taxa de alfabetização na maioria dos cantões suíços e nos sofisticados sistemas de aprendizagem que predominavam. O que forneceu mão-de-obra especializada e adaptável, disposta a trabalhar mediante o pagamento de salários relativamente baixos. O Instituto de Tecnologia, fundado em 1851, que forneceu inteligências bem-formadas e soluções engenhosas para difíceis problemas técnicos que surgiram no final do séc. XIX. Mais tradicional que a indústria do algodão, a indústria da seda acabou na verdade, por dar uma maior contribuição ao crescimento económico suíço no séc. XIX, em termos de 92 emprego e de exportação, que a primeira também passou por um processo de modernização tecnológica. Devido à falta de jazidas de carvão e de pequenas jazidas de minério de ferro, a Suíça sensatamente, não tentou desenvolver uma indústria primária do ferro; mas, com base em matérias-primas importadas, desenvolveu uma importante indústria de transformação de metais. Quando chegou a era da electricidade, a indústria rapidamente se voltou para o fabrico de maquinaria eléctrica; de facto os engenheiros suíços contribuíram com muitas inovações para a nova indústria, especialmente na área da hidroelectricidade. A indústria de lacticínios, muito famosa pelos seus queijos, converteram a sua produção de um processo manual para um processo fabril, assim expandindo grandemente a produção e a exportação. A indústria também desenvolveu a produção de leite condensado (com base numa patente americana) e criou duas indústrias paralelas, a produção de chocolate e de alimentos pré-confeccionados para bebé. Através das suas próprias pesquisas também desenvolveram várias especialidades farmacêuticas, em termos globais, era a segunda maior do mundo; embora atingisse apenas um quinto da produção alemã, produzia tanto como o resto do mundo junto. As tendências firmadas na segunda metade do séc. XIX mantiveram-se no séc. XX: o declínio da importância relativa da agricultura, o crescimento da indústria e (ainda mais acentuadamente) dos serviços e a dependência permanente da procura internacional, especialmente do turismo (a partir da décadas de 1870) e dos serviços financeiros (a partir da I Guerra Mundial). Países Baixos e Escandinávia Pode parecer incongruente associar os Países Baixos aos países escandinavos numa discussão sobre o padrão de industrialização; na verdade é bastante lógico. As características comuns dos países escandinavos considerados conjuntamente são culturais, não económicas. Em termos de estrutura económica, os Países Baixos têm mais em comum com a Dinamarca que qualquer deles com a Noruega e a Suécia. O habitual emparelhamento dos Países Baixos com a Bélgica revela que este foi um dos primeiros países a ser industrializados, ao contrário daqueles; que a Bélgica tinha carvão e desenvolveu uma indústria pesada, os Países Baixos não. Todos esses quatro países depois de permanecerem consideravelmente atrasados em relação aos condutores da primeira metade do século, dispararam rapidamente na segunda metade e, em particular, nas duas ou três últimas décadas. Em 1914, estes quatro países, juntamente com a Suíça, tinham alcançado padrões de vida comparáveis aos dos primeiros países continentais industrializados. Devido ao seu começo mais tardio e à sua carência de carvão, é importante compreender as fontes do seu sucesso. A densidade populacional variou muito. Os Países Baixos tinham uma das maiores densidades da Europa, ao passo que a Noruega e a Suécia tinham a mais baixa, inferior mesmo à da Rússia. A Dinamarca estava no meio, mas estava mais perto dos Países Baixos. 93 Considerando o capital humano como uma característica da população, podemos dizer que todos estes quatro países estavam extremamente bem dotados. Tanto em 1850 como em 1914, os países escandinavos tiveram as taxas de alfabetização mais elevadas da Europa, ou do mundo, e os Países Baixos estavam bastante acima da média europeia. Este facto foi de valor inestimável na ajuda das economias nacionais a encontrar os seus nichos nas correntes em expansão e em constante mutação da economia internacional. Quanto a recursos naturais, a Suécia era o país mais dotado de abundantes depósitos de minérios, tanto fosfóricos como não fosfóricos (e também minérios metálicos não ferrosos, mas estes tinham menos importância), de vastas extensões de madeira virgem e da energia hidráulica. A Noruega também possuía madeira, alguns minérios metálicos e um enorme potencial hidroeléctrico. A energia hidráulica foi, na Suécia e na Noruega, um factor significativo no seu desenvolvimento do início do séc. XIX, mas tornou-se particularmente importante com o aproveitamento da energia hidroeléctrica depois de 1890. A Dinamarca e os Países Baixos estavam quase tão desprovidos de energia hidráulica como de carvão. Tinham alguma energia eólica, que não era negligenciável, mas que dificilmente podia servir de base a um grande desenvolvimento industrial. A localização foi um factor importante para todos os quatro países. Ao contrário da Suíça, todos tinham acesso imediato ao mar. isso teve importantes implicações para um significado recurso natural internacional, o peixe, bem como o transporte barato, as marinhas mercantes e a indústria da construção naval. Cada um aproveitou estas oportunidades à sua maneira. Os Holandeses, com uma longa tradição de pesca e marinha mercante, mas mais recentemente de algum modo moribundas, tiveram dificuldades em desenvolver bons portos adequados a navios a vapor; acabaram por fazê-lo em Roterdão e em Amesterdão, com resultados espectaculares para o comércio em trânsito para a Alemanha e para a Europa Central e para o processamento de produtos alimentares e matérias-primas ultramarinas (açúcar, tabaco, chocolate, cereais, e até petróleo). A Dinamarca também tinha uma venerável história comercial, especialmente em relação ao tráfego através do Sund. Em 1857, em troca dum pagamento de 63 milhões de Kronor por outras nações comerciais, a Dinamarca aboliu os direitos de portagem da Alfândega de Mar e no porto de Copenhaga. Na primeira metade do século, a Noruega tornou-se um grande fornecedor de peixe e de madeira no mercado europeu, e na segunda metade detinha a segunda maior marinha mercante (depois da Grã-Bretanha). A Suécia, embora tivesse desenvolvido a sua marinha mercante mais lentamente beneficiou do levantamento de restrições no comércio internacional em geral e da redução de tarifas de transporte nas suas avultadas exportações de madeira, ferro e aveia. As instituições políticas dos quatro países não colocaram barreiras significativas à industrialização ou ao seu crescimento económico. O acordo pós-napoleónico desligou a Noruega da coroa da Dinamarca e ligou-a à da Suécia, da qual se dissidiou pacificamente em 1905, mas a Suécia perdeu a Finlândia para a Rússia em 1809. o congresso de Viena criou o Reino Unido dos Países Baixos, que agrupava as províncias do Sul, que se 94 separaram não muito pacificamente, para virem a formar a moderna Bélgica em 1830. em 1864, a Prússia e a Áustria apoderaram-se dos ducados dinamarqueses do Eslésvico e da Hulsácia. Por outro lado, o século passou duma forma relativamente pacífica, verificando-se uma democratização progressiva em todos os países. Eram razoavelmente bem governados, sem corrupção notória nem projectos estatais grandiosos, embora em todos eles o governo tivesse dado alguma ajuda às vias férreas e, na Suécia, como na Bélgica, o Estado tivesse construído as linhas principais. Como os países pequenos dependiam de mercados estrangeiros, seguiram essencialmente uma política comercial liberal, embora na Suécia, os dois países cuja estrutura agrária mais se assemelhava às do Antigo Regime, as reformas agrárias efectuaram-se gradualmente, a partir do séc. XVIII, ao longo da primeira metade do séc. XIX. As reformas resultaram na completa abolição dos últimos vestígios de servidão e na criação duma nova classe de camponeses-proprietários independentes com uma pronunciada orientação no mercado. O factor chave do sucesso destes países (a par da elevada alfabetização), foi a sua capacidade de adaptação à divisão internacional do trabalho determinado pelos primeiros industrializadores e de demarcação das áreas de especialização em mercados internacionais para que estavam particularmente ajustados. Isto significou evidentemente, uma grande dependência do comércio internacional, que tinha flutuações notórias; mas também significou elevados lucros para aqueles factores de produção suficientemente venturosos para estarem bem situados em tempos de prosperidade. Apesar destes países terem entrado em força no mercado mundial em meados do séc. XIX, com a exportação de matérias-primas e bens de consumo ligeiramente refinados, tinham todos desenvolvido indústrias altamente sofisticados no começo do séc. XX. A isto chama-se «industrialização contra a corrente»; isto é um país que em tempos exportara matérias-primas começa a processá-las e a exportá-las sob a forma de bens semifabricados e acabados. Todos os quatro países tiveram taxas de crescimento bastante satisfatórias, apesar de sofrerem flutuações cíclicas, desde de pelo menos meados do século até à década de 1890. Depois, nas duas décadas que precedem imediatamente a I Guerra Mundial, essas taxas de crescimento já por si satisfatórias, aceleraram, especialmente nos países escandinavos, elevando rapidamente os seus níveis de rendimento per capita para o nível mais alto no Continente. A electricidade foi uma grande benção para as economias dos quatro países. A Noruega e a Suécia, com o seu vasto potencial hidroeléctrico, foram especialmente favorecidas; mas mesmo a Dinamarca e os Países Baixos, que podiam importar carvão relativamente barato da região carbonífera do nordeste da Grã-Bretanha, beneficiaram muito com a electricidade gerada pelo vapor. Os quatro países desenvolveram rapidamente importantes indústrias para o fabrico de maquinaria e produtos eléctricos (por ex: lâmpadas eléctricas nos Países Baixos). Engenheiros suecos e, em menor escala, noruegueses e dinamarqueses tornaram-se pioneiros da indústria eléctrica. A Suécia foi o primeiro país a fundir ferro em larga escala recorrendo à electricidade, sem necessitar de carvão. 95 Em resumo, a experiência dos países escandinavos, como o da Suíça, mostra que foi possível desenvolver indústrias sofisticadas e um elevado padrão de vida sem recursos internos de carvão ou indústrias pesadas e que não há um modelo único para uma industrialização de sucesso. Império Austro-Húngaro A Áustria-Hungria, ou as terras dominadas antes de 1918 pela Monarquia Habsburga, teve no séc. XIX, uma reputação de certa forma injustificada de atraso económico. O Império Habsburgo caracterizou-se pela diversidade e disparidade regionais, estando as províncias ocidentais (especialmente a Boémia, a Morária e a própria Áustria) economicamente muito mais avançadas que as do leste. Dentro das províncias ocidentais puderam observar-se alguns indícios de crescimento económico moderno logo na segunda metade do séc. XVIII. Os começos da industrialização dentro do império no séc. XVIII estão agora bem definidas. As indústrias têxteis, do ferro, do vidro e do papel cresceram na própria Áustria e nas terras checas. Colectivamente, as indústrias têxteis eram, de longe, as maiores, predominavam os linhos e as lãs, mas uma incipiente indústria do algodão existia desde, pelo menos, 1763. A mecanização teve início na indústria do algodão no final do século, estendeu-se à indústria de lanifícios nas primeiras décadas do seguinte e mais lentamente à indústria do linho. Na década de 1840, o Império era superado apenas no Continente, pela frança na produção de artigos de algodão. Pensava-se que a Revolução de 1848 marcava uma grande linha divisória na história tanto económica como política do Império, mas essa noção tem, hoje, sido desacreditada. Impressionado pelo carácter gradual mas cumulativo da industrialização austríaca desde o séc. XVIII até à I Guerra Mundial, um investigador caracterizou-a como um caso de crescimento económico «vagaroso», mas a palavra laborioso talvez se adequasse mais. Alguns dos obstáculos – o terreno difícil e a falta de recursos naturais – foram impostos pela natureza, outros, como as instituições inimigas do crescimento, foram obras do homem. Entre as últimas, a persistência da servidão legalizada até 1848 foi o mais anacrónico. Na verdade, porém, a servidão foi um impedimento menos significativo do que poderia pensar-se. As reformas de José II na década de 1780 permitiram aos camponeses deixar as propriedades dos seus senhores sem penalizações e comerciar a suas colheitas como quisessem. A principal consequência da abolição da servidão em 1848 foi a de permitir aos camponeses a posse livre e sem encargos e a de substituir os impostos pagos ao estado pelos que eram anteriormente pagos aos seus senhores feudais. A abolição, em 1850, da fronteira aduaneira entre as metades austríacas e húngara do império foi vista por alguns como uma realização progressista e por outros como uma perpetuação do estatuto «colonial» da metade oriental. Outro obstáculo institucional a um crescimento económico mais rápido foi a política comercial externa da Monarquia. Ao longo do século manteve-se firmemente proteccionista, o que facilitou o objectivo da Prússia de a excluir do Zollverein. As 96 elevadas tarifas limitaram não apenas as importações mas também as exportações, porque as indústrias protegidas, que o eram a custo elevado, eram incapazes de competir nos mercados mundiais. No começo do séc. XX, o comércio externo da minúscula Bélgica excedeu o da Áustria-Hungria em valor absoluto; em termos per capita excedeu-o muitas vezes. É inegável que a posição geográfica e a topografia do Império contribuíram para a sua fraca imagem no comércio internacional e que a sua união aduaneira interna que abrangia as áreas industrial e agrícola, compensou em certa medida o seu limitado acesso aos mercados estrangeiros e às fontes de abastecimento. Razão de peso tanto para o lento crescimento como para a desigual difusão da indústria moderna foram os níveis de educação e alfabetização, componentes da maior importância do capital humano. Os níveis de alfabetização para a metade austríaca do Império eram sensivelmente iguais aos de França e da Bélgica em meados do séc. XIX, estavam desigualmente distribuídos. Dentro do Império como um todo, existia uma grande correlação entre níveis de alfabetização e níveis de industrialização e de rendimento per capita. Apesar dos obstáculos, quer naturais quer institucionais, houve industrialização e crescimento económico na Áustria ao longo do século, bem como na Hungria da última parte do século. Na Hungria, depois de esta parte da Monarquia ganhar autonomia e um governo próprio, graças ao Compromisso de 1867, verificaram-se taxas de produção ainda superiores. Os transportes tiveram um papel crucial no desenvolvimento económico do Império. O Danúbio e mais alguns grandes rios corriam para sul e para leste, longe dos mercados e dos centros industriais. Só na década de 1830, com o advento das embarcações fluviais a vapor, é que aqueles puderam ser navegados contra a corrente. Na década de 1860, mais de metade das mercadorias transportadas nos caminhos-de-ferro húngaros consistiu em cereais e farinha. O tráfico de farinha permitiu, todavia, à Hungria começar a industrializar-se. Na última parte do século, Budapeste tornou-se o maior centro de moagem da Europa, e a nível mundial só foi superada por Minneapolis. Também fabricava, e até exportava, maquinaria de moagem, e no final do século começou igualmente a fabricar maquinaria eléctrica. A produção industrial húngara consistia em bens de consumo, especialmente produtos alimentares. Estes incluíam, além da farinha, açúcar refinado (a partir da beterraba), frutas em conserva, cerveja e bebidas alcoólicas. Estas eram as respostas da Hungria à ênfase da Áustria e da Boémia nos têxteis. Na Boémia e na Silésia Austríaca, de algum modo mais bem dotadas de carvão que o resto do Império, as indústrias metalúrgicas modernas desenvolveram-se da década de 1830 em diante. Estas indústrias incluíam, não apenas a produção primária de ferro-gusa, como também a refinação e o fabrico, a par de algumas fábricas de maquinaria e de máquinas-ferramenta. Também se criaram algumas indústrias químicas pesadas. 97 Em resumo, a Monarquia Habsburga, que em termos industriais tinha estado ao mesmo ou mesmo à frente dos desunidos Estados Alemães na primeira metade do séc. XIX, caiu para muito atrás do crescimento industrial do Império Alemão Unificado após 1871. na metade ocidental (austríaca) da Monarquia, a indústria continuou a crescer, regular e não espectacularmente, ao passo que a da metade oriental (húngara) disparou depois de aproximadamente 1867. No começo do séc. XX, a parte ocidental encontrava-se sensivelmente ao mesmo nível de desenvolvimento da média da Europa Ocidental; a região oriental, embora muito atrás da ocidental, estava, apesar de tudo, bem à frente do resto da Europa Oriental. Europa Meridional e Oriental Uma primeira característica comum é o insucesso em se industrializarem significativamente antes de 1914, com os consequentes baixos níveis de rendimento per capita e uma elevada incidência de pobreza. Segunda característica comum: níveis abissalmente baixos de capital humano. Entre as maiores nações, a Itália, a Espanha e a Rússia situavam-se em último lugar, quer em taxas de alfabetização adulta quer em termos de taxas de frequência da escola primária, e os países mais pequenos do sudeste da Europa não se distanciavam muito. Quanto a matrículas na escola primária, a Roménia e a Sérvia estavam à frente da Rússia, mas atrás da Espanha e da Itália. Terceira característica comum: teve um peso importante nas suas possibilidades de desenvolvimento económico: a falta de qualquer reforma agrária significativa, com consequentes baixos níveis de produtividade agrícola. Quarta característica comum: às nações atrasadas, todas sofreram, em diferentes graus, de governos autocráticos, autoritários, corruptos e ineficientes. Península Ibérica No séc. XIX , as histórias económicas da Espanha e de Portugal são tão semelhantes que é conveniente analisá-las como se de uma se tratasse. Ambas emergiram das Guerras Napoleónicas com sistemas económicos primitivos, e mesmo arcaicos, e regimes políticos reaccionários. Este último aspecto fomentou sublevações revolucionárias em ambos os países em 1820, embora as revoluções acabassem por se frustar, conduziram a guerras civis endémicas que interferiram com a actividade económica normal e impossibilitaram qualquer política económica coerente. Finanças públicas deploráveis afligiram ambos os países. A baixa produtividade agrícola permaneceu uma fraqueza estrutural de ambas as economias. A Espanha ensaiou uma reforma agrária, mas que resultou em fiasco completo. Como o governo da França revolucionária, também confiscou as terras da Igreja, das municipalidades e dos aristocratas que se lhe opuseram nas guerras civis, com a intenção de as vender aos camponeses. O resultado foi que a maior parte da terra acabou na posse dos que já eram abastados, tanto aristocratas como a burguesia urbana. 98 Portugal nem sequer tentou uma reforma agrária. Entretanto, o aumento da população de ambos os países resultou no cultivo de mais cereais – o meio de subsistência – em solos inferiores e em menos pastagens para o gado, provocando uma queda acrescida da produtividade. Apesar desta perspectiva globalmente deprimente, existiram alguns casos interessantes – variações regionais sobre um tema de atraso. Na Catalunha, em Barcelona e seus arredores desenvolveu-se uma moderna indústria algodoeira na década de 1790 que, graças a tarifas proteccionistas e a um mercado colonial protegido em Cuba e Porto Rico, floresceu até que à perda das últimas colónias, em 1900. Existiam indústrias vinícolas vocacionadas para a exportação na Andaluzia (a região de Jerez, de onde o sherry inglês e o xerez português) e, em Portugal, na região do Porto («Oporto»). Em 1850, os vinhos e as aguardentes representavam 28% das exportações espanholas, mas a temida filoxera, uma doença da vinha que já tinha atingido a França, espalhou-se pela Espanha nas últimas décadas do século, com um efeito devastador. Em 1913, as vinhas não chegavam aos 12% das exportações espanholas. Na década de 1820, a crescente procura externa de chumbo para canalizações resultou na abertura de jazidas de chumbo extremamente ricas no sul de Espanha. Entre 1869 e 1898, altura em que foi ultrapassada pelos Estados Unidos, a Espanha foi a maior produtora mundial de chumbo. Em 1900, as exportações de minérios e de metais representavam cerca de um terço do total das exportações. Infelizmente para a Espanha, a maior parte das exportações era efectuada em bruto (chumbo e cobre) ou em minério (ferro), com poucos benefícios para a economia interna. O capital estrangeiro também predominou noutros sectores da economia especialmente na banca e nos caminhos-de-ferro. Antes de 1850, os desenvolvimentos nestas duas áreas tinham sido insignificantes; a banca era dominada pelo Banco de Espanha, essencialmente um instrumento das finanças governamentais, e no final da década de 1840 apenas tinham sido construídos alguns quilómetros de via-férrea. Na década de 1850, numa das frequentes mudanças de governo, o novo regime deu um encorajamento especial aos investidores estrangeiros (sobretudo franceses) para criarem bancos e construírem ferrovias. Infelizmente, quando as principais linhas foram construídas e a garantia de dividendos acabou, os caminhos-de-ferro não tinham desenvolvido um tráfego suficiente para fazer face aos custos de operação, e a maioria das linhas férreas entrou em falência. Só no final do século é que os caminhos-de-ferro se tornaram um negócio rentável. Portugal inaugurou em 1856 a sua primeira via-férrea, uma curta linha que partia de Lisboa, e a história dos caminhos-de-ferro portugueses é ainda mais triste que a de Espanha . construídas com capital estrangeiro (especialmente francês), as suas vias férreas sofreram com a fraude e a corrupção, bem como com falências, e pouco fizeram pelo desenvolvimento da economia. A Espanha tinha algumas jazidas de carvão (Portugal nenhuma), mas não eram de boa qualidade e estavam mal localizadas para fins de exploração industrial. Apesar disso, nas duas últimas décadas do séc. XIX cresceu uma pequena indústria do ferro e do aço ao 99 longo da costa setentrional, nas proximidades de Bilbau. No séc. XX, a região tornou-se uma das mais ricas e economicamente desenvolvidas da Espanha. Nada de semelhante se verificou em Portugal. Itália Relegada para a rectaguarda da mudança económica desde o começo da Idade Moderna, dividida e dominada por poderes estrangeiros, há muito que a Itália tinha perdido a primazia nos assuntos económicos. O Congresso de Viena reimpôs o desconcertante mosaico de principados nominalmente independentes, mas a maior parte, incluindo os Estados Papais e o Reino das Duas Sicílias, estava sob o domínio ou influência do Império Habsburgo. A Áustria anexou directamente a Lombardia e Veneza; duas das províncias economicamente mais avançadas, e antigas sedes de famosas indústrias e de comércio, foram separadas do resto da Itália por barreiras tarifárias da Áustria. O reino de Sardenha, o único Estado genuinamente independente, era uma mistura curiosa, uma nação artificial composta por quatro grandes subdivisões com diferentes climas, recursos, instituições, e até línguas. A ilha da Sardenha, estiolava-se na estagnação do feudalismo; os seus senhores absentistas não tinham interesse nenhum em melhorar as suas propriedades, e, consequentemente, a população iletrada vivia nas condições mais primitivas. A Sabóia que deu ao Reino, e mais tarde à Itália, a sua dinastia reinante, pertencia cultural e economicamente à França. Génova, o centro comercial, mantivera-se uma república independente durante vários séculos antes de Napoleão. Os diferenciais económicos regionais, importantes em quase todos os países, eram especialmente marcados em Itália. Aí, o clivo norte-sul, ainda hoje evidente, existia desde a Idade Média. A produtividade agrícola era mais elevada no Norte, especialmente no Piemonte e no vale do Pó, e havia também alguma indústria. E foi no Norte, economicamente mais desenvolvido, que se iniciou o movimento de unificação nacional. Um homem notável destacou-se no reino de Sardenha. Foi o Conde Camillo Benso di Cavour – proprietário fundiário e agricultor progressista que também patrocinara um caminho-de-ferro, um jornal e um banco e que, em 1850, se tornou ministro da Marinha, do Comércio e da Agricultura na recentemente monarquia constitucional do seu pequeno país. No ano seguinte acumulou pasta das Finanças, e em 1852 tornou-se primeiro-ministro. Afirmou repetidamente que a ordem financeira e o progresso económico eram as duas condições indispensáveis para Piemonte assumir, aos olhos da Europa, a primazia da Península Itálica. Para alcançar estes objectivos, defendeu o auxílio económico externo, incluindo o investimento de capitais estrangeiros. Entre 1850 e 1855, as exportações aumentaram 50%, enquanto as importações quase triplicaram; os investimentos franceses financiaram a conseguinte balança comercial altamente deficitária. Uma parte da dívida pública tinha sido contraída para saldar mal-sucedidas guerras de 1848 e 1849, e ainda mais para preparar a agora triunfante guerra de 1859, em que o reino da Sardenha, com o auxílio militar e financeiro da França, derrotou o Império Austríaco e preparou o caminho para o reino unificado da Itália, em 1861. 100 Com a maior parte da mão-de-obra empregada na agricultura de baixa produtividade, a Itália tinha um longo caminho a percorrer sob as melhores circunstâncias. A unificação mitigou um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento económico, a fragmentação do mercado; mas sem a exploração das vantagens dos transportes e das comunicações, até esta realização teria sido ilusória. Nenhuma lei podia remediar a pobreza de recursos naturais, e apenas a legislação mais sensata e a administração mais judiciosa podiam superar a escassez de capital. Infelizmente para a Itália, os esforços de Cavour durante esses anos alucinantes levaram à sua morte prematura apenas 3 meses depois da proclamação do Reino, assim privando o país as sua sensata e inspirada chefia. Perto do fim da década de 1890, após a guerra tarifária com a frança e com uma nova injecção de capital estrangeiro, desta vez da Alemanha, a Itália vivenciou um pequeno crescimento industrial que durou, com flutuações, até depois do início da I Guerra Mundial. A Itália não era ainda uma nação industrial, mas tinha feito um começo tardio. Sudeste da Europa Os cinco pequenos países que ocupavam o extremo sudeste do Continente Europeu – Albânia, Bulgária, Grécia, Roménia e Sérvia – eram, com a possível excepção de Portugal, os países mais pobres da Europa a ocidente da Rússia. No princípio do séc. XX eram todos predominantemente rurais e agrários, com 70 ou 80% da mão-de-obra empregada na produção primária. A tecnologia era primitiva e a produtividade e o rendimento per capita correspondentemente baixos. Havia uma ligeira variação dentro do grupo, estando a Roménia ligeiramente melhor que as outras e a Albânia na cauda. Apesar da sua pobreza, taxas de natalidade elevadas, combinadas com taxas de mortalidade moderadamente decrescentes, engendraram um crescimento acentuado da população a partir de meados do séc. XIX. Houve migração para áreas urbanas e para os países mais desenvolvidos do Ocidente e a alguma migração para outros continentes, especialmente de Gregos para os Estados Unidos. Não havia uma abundância de recursos naturais que aliviasse a pressão populacional. Grande parte da terra era montanhosa e inadequada para cultivo, especialmente na Grécia e, menos marcadamente, na Albânia, na Bulgária e na Sérvia. A Roménia estava mais bem dotada de terra arável, mas, empregando-se técnicas primitivas de cultivo, não era ainda especialmente produtiva. Existiam algumas pequenas jazidas de carvão muito dispersas, e pequenas jazidas de metais não ferrosas, mas mal tinham começado a ser exploradas, pelo capital estrangeiro, quando eclodiu a I Guerra Mundial. O recuso mineral mais importante era o petróleo da Roménia. Várias empresas estrangeiras, sobretudo alemãs, começaram a fazer perfurações na última década do séc. XIX. De acordo com o seu carácter agrário, o comércio externo de todos estes países consistia na exportação de produtos agrícolas e na importação de produtos fabricados, principalmente bens de consumo. Os cereais, sobretudo o trigo, representavam cerca de 70% das exportações da Roménia e da Bulgária. A Sérvia, com menos terra arável, 101 exportava principalmente porcos vivos e, pouco antes da guerra, produtos suínos processados, ameixas secas e frescas e a sua famosa aguardente de ameixa, a slivovica. A Grécia, com ainda menos terra arável e não muito adequada ao cultivo de cereais, exportava sobretudo uvas e passas de uvas, bem como algum vinho e aguardente. Em contraste com a lenta difusão de tecnologia agrícola e industrial, a tecnologia institucional de bancos e dívidas externas espalhou-se rapidamente. Em 1885, todos os quatro Estados das Balcãs tinham criado bancos centrais com poderes exclusivos de emissão de notas. Em 1898, a Grécia chegou a um ponto tão grave de endividamento ao estrangeiro, que teve de concordar com uma Comissão Financeira Internacional criada pelas grandes potências para supervisionar as suas finanças. Por fim, todos os outros estados dos Balcãs, com excepção da Roménia, tiveram de aceitar uma verificação estrangeira semelhante. Grande parte dos empréstimos externos foi contraída para a construção de redes ferroviárias, principalmente por conta do Estado. Depois de aproximadamente 1895 emergiu um pequeno sector industrial em cada um dos países, principalmente de indústrias de bens de consumo, mas nada comparável aos desenvolvimentos industriais anteriormente verificados na Europa Ocidental no séc. XIX. Na prática, pode dizer-se que a indústria moderna não tinha ainda penetrado no sudeste da Europa antes da I Guerra Mundial. Rússia Imperial No princípio do séc. XX, o Império Russo era geralmente considerado uma das grandes potências. O seu território e população, de longe maiores que os de qualquer outra nação europeia, fazia merecer aquele estatuto. Também em termos económicos brutos a Rússia se destacava: em produção industrial ocupava o quinto lugar mundial, depois dos Estados Unidos, da Alemanha, da Grã-Bretanha e da França. Tinha grandes indústrias têxteis, e especialmente de algodão e linho, e também indústrias pesadas: carvão, ferro-gusa e aço. Era a segunda maior do mundo (depois dos Estados Unidos) em produção de petróleo, e durante alguns anos, no fim do séc. XIX, esteve em primeiro lugar. Porém, estes valores são enganadores enquanto indicadores do poderio económico da Rússia. A Rússia continuava a ser uma nação predominantemente agrária, com mais de dois terços da sua mão-de-obra ligados à agricultura e a produzir mais de metade do rendimento nacional. A produtividade, especialmente na agricultura, era abissavelmente baixa, embaraçada que estava por uma tecnologia primitiva e pela escassez de capital. Os começos da industrialização russa têm sido detectados no reinado de Pedro, o Grande, e mesmo antes mas, exceptuando a indústria oitocentista do ferro do Ural, estas primeiras empresas industriais eram empreendimentos «de estufas» relacionados com as necessidades do Estado Russo e não eram economicamente viáveis. Na primeira metade do séc. XIX, especialmente na década de 1830, a industrialização tornou-se mais visível. A maioria destes trabalhadores era de servos formais que descontavam dos seus salários pagamentos em dinheiro aos seus senhores, em vez dos habituais pagamentos em trabalho. Paradoxalmente, havia igualmente uma série de empresários-servos. 102 A indústria mais dinâmica e de crescimento mais rápido foi a dos têxteis de algodão, principalmente na região de Moscovo, e as refinarias de açúcar de beterraba da Ucrânia ocupavam um distante segundo lugar. São Petersburgo vangloriava-se de várias fábricas de algodão grandes e modernas e também de algumas oficinas metalúrgicas e de maquinaria, como também a Polónia Russa. A Guerra da Crimeia revelou singelamente o atraso da indústria e da agricultura russas e preparou, indirectamente, o caminho para uma série de reformas, a mais notável das quais foi a «emancipação dos servos» em 1861. Simultaneamente, o governo encorajou um programa de construção de vias-férreas com base em capital e tecnologia importadas e reorganizou o sistema bancário para permitir a introdução de técnicas financeiras ocidentais. Os sinais da eficácia das novas políticas tornaram-se evidentes em meados da década de 1880 e no «grande arranque» de produção industrial na década de 1890. Muito do mérito deste grande arranque deve-se ao programa de construção de redes ferroviárias, especialmente ao da Linha Transiberiana, estatal iniciada em 1891, e à expansão associada das indústrias mineira e metalúrgica. A Donbas, nome por que a bacia é conhecida (sudeste da Ucrânia), possuía grandes jazidas de carvão, mas estava muito longe dos principais centros populacionais. Nos arredores de Krivoi Rog, descobriram-se jazidas muito ricas em minério de ferro, pelo mesmo motivo não puderam ser economicamente exploradas. Na década de 1880, empresários franceses persuadiram o Governo Czarista a construir uma via-férrea que ligasse as duas zonas e instalaram altos-fornos em ambos os locais, criando assim a primeira união metalúrgica «de extracção cruzada» do mundo. A produção de carvão e ferro-gusa subiu em flecha. O Governo procurou, por vários meios, encorajar a industrialização. Contraiu empréstimos externos para financiar a construção de caminhos-de-ferro estatais e garantiu as obrigações dos caminhos-de-ferro pertencentes a empresas privadas. Onerou altamente as importações de produtos de ferro e aço, mas ao mesmo tempo facilitou a introdução do equipamento mais recente de fabrico de ferro e aço e de produtos de engenharia. Os produtos da Silísia Polaca e de São Petersburgo, bem como do sudeste da Ucrânia, beneficiaram com estas medidas. No meio século que antecedeu a I Grande Guerra, a economia russa passou por mudanças substanciais no sentido de um sistema mais moderno e tecnologia, proficiente, mas manteve-se bastante atrás das economias ocidentais mais avançadas, em particular da alemã. A sua fraqueza económica agudizou-se durante a guerra, contribuindo para a derrota russa e abrindo caminho às revoluções de 1917. Japão A última entrada, e a mais surpreendente, no rola das nações que iniciaram a industrialização no séc. XIX – e a única completamente alheia à tradição europeia – foi a do Japão. Na primeira metade dos século, o Japão manteve a sua política de exclusão da influência estrangeira, em especial a Ocidental, mais eficazmente que qualquer outra nação oriental. Desde o começo do séc. XVII, o governo dos Tokugawa tinha proibido o comércio com o exterior e tinha proibidos os Japoneses de viajarem para o estrangeiro. A sociedade estava estruturada em rígidas classes sociais, ou castas, nalguns aspectos semelhantes ao feudalismo da Europa medieval. O nível de tecnologia era semelhante ao da Europa do princípio do séc. XVII. Apesar destas limitações, a organização da economia 103 era surpreendentemente sofisticada, com mercados activos e um sistema de crédito. O nível de alfabetização era substancialmente mais elevado que o dos países da Europa Meridional e do Leste. Em 1853, e de novo em 1854, o comodoro Matthew Perry, um comandante naval norte-americano, entrou na baía de Tóquio e, ameaçando bombardear a cidade, forçou o xógum Tokugawa a encetar relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos. Em breve, outras nações ocidentais conseguiram privilégios semelhantes aos que tinham sido concedidos aos Estados Unidos. A fraqueza do xogunato dos Tokugawa face às usurpações ocidentais deu origem a motins nacionalistas e a um movimento para repor o Imperador, que durante séculos tinha apenas desempenhado funções cerimoniais, numa posição central da governação. Em 1867, subiu ao trono um jovem imperador vigoroso e inteligente, Mutsu-hito; no ano seguinte, o partido do Imperador forçou o Xógum a abdicar e levou o Imperador para Tóquio, a capital de facto. Este acontecimento marcou o nascimento do Japão Moderno, é chamado Restauração Meiji (Meiji significa «governo iluminado» e foi o nome escolhido por Mutsu-hito para designar o seu reinado). A Era Meiji durou desde 1868 até à morte de Mutsu-hito, em 1912. Imediatamente depois de conquistar o poder, o novo Governo mudou o tom do movimento nacionalista. Em vez de tentar expulsar os estrangeiros, o Japão cooperou com eles mas mantendo-os a uma meiga distância. O antigo sistema feudal foi abolido e substituído por uma administração formalista altamente centralizada, moldada no sistema francês, por um exército de tipo prussiano e por uma marinha à inglesa. Métodos industriais e financeiros foram importados de muitos países, mas em particular dos Estados Unidos. Homens jovens e inteligentes foram estudar para o estrangeiro, os métodos ocidentais da política e governação, ciência militar, tecnologia industrial, comércio e finanças, com o objectivo de adoptar os métodos mais eficientes. Criaram-se no Japão novas escolas segundo os modelos ocidentais e convidaram-se peritos estrangeiros para formarem os seus homólogos japoneses. Porém, o Governo foi cauteloso em estabelecer rígidos limites às suas funções e em se certificar de que abandonavam o país de pois de cessados os seus contratos, para os impedir de estabelecerem posições de domínio. Os problemas financeiros tinham sido uma das causas de descontentamento para com o antigo regime dos Tokugawa, e o novo Governo Meiji herdou uma imensidão de papel moeda inconvertível, que foi forçado a aumentar nos primeiros anos de transição. Em 1873 decretou um imposto sobre a terra calculado com base na produtividade potencial da terra arável, sem atender à produção real. Isto teve um efeito duplamente benéfico: por uma lado assegurou ao Governo uma receita segura ( à custa dos camponeses, é bom não esquecer); em segundo lugar, garantiu que a terra seria utilizada da melhor forma, todos os que fossem incapazes de maximizar os rendimentos perdê-la-iam ou seriam forçados a vendê-las aos que o conseguiam. O Japão tinha poucos recursos naturais . as duas indústrias têxteis tradicionais do Japão baseadas em matérias-primas nacionais, a seda e o algodão, tiveram destinos muito diferentes. Pouco depois da liberalização do comércio, a indústria do algodão foi completamente aniquilada pelos produtos fabricados no Ocidente, especialmente na 104 Grã-Bretanha. A indústria da seda, por outro lado sobreviveu, e a sua parte mais próxima do sector agrário, a produção do fio de seda em bruto a partir de casulos, até floresceu. A outra grande exportação agrária era de chá, que nos primeiros anos da Era Meiji foi tão importante como a seda; porém a sua importância relativa declinou gradualmente com o crescimento da população e do rendimento nacionais. Embora a iniciativa governamental tenha sido responsável pela introdução da maioria dos elementos tecnológicos ocidentais, não foi intenção do Governo proibir a iniciativa privada. Pelo contrário, uma das suas palavras de ordem era «desenvolver a indústria e promover a iniciativa». As indústrias pesadas- ferro, aço, engenharia e químicos – desenvolveram-se mais lentamente, e fizeram-no recorrendo a grandes subsídios e à protecção tarifária, sendo já auto-suficiente no fabrico dos seus produtos por volta de 1914. A I Guerra Mundial representou um grande benefício para a economia japonesa. Ao entrar na guerra ao lado dos Aliados, o Japão teve também a possibilidade de se apropriar de colónias alemãs no Pacífico e de concessões na China. Globalmente a transição económica do Japão de uma sociedade atrasada e tradicional na década de 1850 para uma importante nação industrial no tempo da I Guerra Mundial foi um feito espantoso. A transição económica do Japão teve também consequências políticas. Em 1894-95, o Japão derrotou rapidamente a China numa curta guerra e juntou-se ao grupo das nações imperialistas ao anexar território chinês (nomeadamente Taiwan, que mudou o nome para Formosa) e demarcando uma esfera de influências na própria China. Apenas em 10 anos o Japão derrotou decisivamente a Rússia tanto em terra como no mar. as recompensas desta proeza foram a metade meridional da ilha de Sacalina e os interesses russos em Port Arthur e na península chinesa de Liaodong, bem como o reconhecimento russo da predominância japonesa na Coreia, que o Japão anexou em 1910. Os Japoneses provaram, assim, que podiam jogar o jogo do homem branco. 105 106 Cap. XI O crescimento da economia mundial O período de crescimento mais rápido ocorreu entre o princípio da década de 1840 e 1873, quando o comércio total aumentou anualmente mais de 6% - cinco vezes mais rapidamente que o crescimento populacional e três vezes mais que o aumento da produção. A movimentação internacional de pessoas e capitais – migração e investimento estrangeiro – também aumentou rapidamente. No princípio do séc. XX era já possível falar significativamente duma economia mundial, na qual praticamente todas as partes habitadas tinham participação, ainda que mínima, embora a Europa fosse, de longe, a mais importante. Ela era, de facto o centro dinâmico que estimulava o todo. A Grã-Bretanha opta pelo comércio livre O Governo Britânico tinha começado a alterar o regime proteccionista no fim do séc. XVIII, mas o eclodir da Revolução Francesa e das Guerras Napoleónicas protelou os seus esforços. Na verdade, o bloqueio britânico e o Sistema Continental representavam formas extremas de colisão com o comércio internacional. A defesa de Adam Smith do comércio internacional livre proveio da sua análise dos ganhos da especialização e divisão do trabalho quer entre nações quer entre os indivíduos. David Ricardo, no seu Princípios de Economia Política (1819), supôs (incorrectamente) que Portugal tinha uma vantagem absoluta na produção de tecidos e de vinho, quando comparado com Inglaterra, mas que o custo relativo de produzir vinho era inferior; nessas circunstâncias, demonstrou que Portugal teria toda a vantagem em especializar-se na produção de vinhos e em comprar tecidos à Inglaterra. Este era o princípio da vantagem comparativa, a base da teoria do moderno comércio internacional. Tantos os argumentos de Smith como os de Ricardo para o comércio livre se fundaram em campos puramente lógicos. Para terem quaisquer efeitos práticos na política, estes argumentos tinham de convencer grandes grupos de gente influente de que o comércio livre os beneficiaria. Em 1820, um grupo de comerciantes londrinos dirigiu uma petição ao Parlamento no sentido de este liberalizar o comércio internacional. Por coincidência, aproximadamente na mesma altura, vários homens relativamente jovens apostados em modernizar e simplificar os processos arcaicos de governação ascenderam a posições influentes no Partido Tory, que então governava. Entre eles encontrava-se Robert Peel, que, enquanto ministro do Interior; reduziu o número de crimes capitais de mais de 200 para 100; e criou o Corpo da Polícia Metropolitana – o primeiro do género, cujos membros eram chamados bobbies ou peelers. Outro dos chamados tories liberais foi William Husskisson; que, como presidente da Comissão do Comércio, simplificou em muito e reduziu o labirinto de restrições e impostos que impediam o desenvolvimento do comércio internacional. A reforma parlamentar de 1832 estendeu os direitos à classe média urbana, maioritariamente favorável a um comércio livre. O pilar e o símbolo do sistema proteccionista do Reino Unido (que inclui a Irlanda a partir de 1801) foram as chamadas Corn Laws, impostos sobre a importação de cereais panificáveis. Após anteriores tentativas mal sucedidas para as revogar ou modificar, Richard Cobden, um industrial de Manchéster, formou, em 1839, a Liga contra as Corn 107 Laws e montou uma forte e eficaz campanha para influenciar a opinião pública. Em 1841, o governo dos Whigs, então no poder, propôs reduções nas tarifas de trigo e do açúcar, quando estas medidas foram derrotadas, foram convocadas novas eleições gerais. Na campanha eleitoral, os Whigs, procurando lucrar com o sentimento anti-Corn Laws, propuseram uma redução (não revogação) das Corn Laws, ao passo que os Tories defenderam o statu quo. Os Tories venceram, mas o novo primeiro ministro, agora Sir Robert Peel, já tinha decidido efectuar profundas revisões no sistema fiscal, incluindo a abolição de tarifas de exportação, a eliminação ou redução de muitas tarifas de importação, mas não dos impostos sobre os cereais, e a criação dum imposto sobre o rendimento para cobrir as receitas cessantes. Peel introduziu uma proposta de lei para revogar as Corn Laws, que, com o apoio da maioria dos Whigs foi aprovada em Janeiro de 1846, apesar da oposição interna da maior parte do seu próprio partido. Na sequência da revogação das Corn Laws, o moderno sistema político inglês – pelo menos até 1914 – começou a tomar forma. Os Whigs, depois conhecidos como Liberais, tornaram-se o partido do comércio livre e das indústrias, ao passo que os Tories também conhecidos por Conservadores, continuaram a ser o partido dos proprietários de terras e, porventura, do imperialismo. A era do comércio livre O grande desenvolvimento que se seguiu no movimento para o comércio livre foi um notável tratado de Comércio, o Tratado de Cobden-Chevalier, ou Tratado Anglo-Francês de 1860. Parte da política proteccionista da França consistia numa simples proibição imposta à importação de todos os têxteis de algodão e lã e em tarifas muito elevadas sobre outros produtos, incluindo mesmo matérias-primas e bens intermédios. Depois da Guerra da Crimeia, na qual a Grã-Bretanha e a França tinham sido aliadas, Napoleão III quis cimentar esses novos laços de amizade. Além do mais, embora a França tivesse tradicionalmente seguido uma política de proteccionismo, uma forte corrente de pensamento favorecia o liberalismo económico. O economista Michel Chevalier, enquanto professor tinha ensinado os princípios do liberalismo económico e do comércio livre. Nomeado por Napoleão para o Senado Francês, persuadiu o Imperador de que um tratado de comércio com a Grã-Bretanha seria desejável. Chevalier era amigo de Richard Cobden, famoso pela sua oposição às Corn Laws, e por intermédio de Cobden persuadiu Gladstone, o ministro britânico das Finanças, das vantagens dum tratado. O tratado especificava que a Grã-Bretanha eliminaria todas as tarifas sobre as importações de produtos franceses, com excepção do vinho e da aguardente. Devido aos antigos laços económicos da Grã-Bretanha com Portugal, que também produzia vinho, a Grã-Bretanha foi cautelosa ao proteger o privilégio português no mercado britânico. Por seu lado a frança retirou as proibições à importação de têxteis britânicos e reduziu as tarifas sobre uma grande variedade de produtos britânicos. Os Franceses desistiram do proteccionismo extremo a favor de um proteccionismo moderado. 108 Característica importante do Tratado foi a inclusão duma cláusula de nação mais favorecida. Isto significava se uma parte negociasse um tratado com um terceiro país, a outra parte do tratado beneficiaria automaticamente de quaisquer tarifas mais baixas concedidas ao terceiro país. As consequências desta rede de tratados de comércio foram muito notáveis. A maior parte do aumento verificou-se no comércio intra-europeu, mas as nações ultramarinas também participaram. Outra consequência dos tratados, nomeadamente em frança mas também em vários outros países, foi uma reorganização da indústria imposta pela concorrência; empresas ineficientes que tinham sido protegidas por tarifas e proibições tiveram de se modernizar e melhorar a sua tecnologia, ou fechavam as portas. Assim, os tratados promoveram a eficiência técnica e aumentaram a produtividade. A «Grande Depressão» e o regresso ao proteccionismo Com a industrialização e o comércio internacional a crescerem, as flutuações estavam mais frequentemente relacionadas com o «estado do comércio» (flutuações na procura), tornaram-se cíclicas na sua natureza e transmitiram-se de país para país através dos canais comerciais. A natureza cíclica dos movimentos tornou-se mais pronunciada à medida que o século avançava. Estatísticas posteriores distinguiram diversas variedades de «ciclos económicos», como vieram a ser chamados: «ciclos das existências», com um prazo relativamente curto (2 ou 3 anos); movimentos com prazos maiores (9 ou 10 anos), terminando frequentemente em crises financeiras seguidas por depressões. Os preços, em praticamente todos os países da Europa e também nos Estados Unidos, alcançaram um pico no princípio do século, quase no fim das Guerras Napoleónicas. As causas foram reais (restrições de guerra) e monetárias (exigências das finanças de guerra). Daí em diante, até meados do século, apesar das flutuações de curto prazo, a tendência secular foi de descida. Otto von Bismarck , criador e Chanceler do novo Império Alemão, anteriormente, Chanceler da Prússia, um político astuto e ele próprio um latifundiário da Prússia Oriental, viu a sua oportunidade. Os industriais da Alemanha Ocidental há muito que clamavam por protecção; agora que os Junkers da Prússia Oriental também a exigiam, Bismarck «acedeu» às suas exigências, condenou os tratados do Zollverein com a França e com outras nações e, em 1879, deu a sua aprovação a uma nova lei tarifária que introduziu o proteccionismo na indústria e na agricultura. Este foi o primeiro passo importante para o «regresso ao proteccionismo». Junkers – designação corrente no séc. XIX dos proprietários fundiários prussianos a leste do rio Elba, que continuavam, ao arrepio da generalizada abolição da servidão pessoal na Europa, a exercer com cobertura legal e até ao fim da I Guerra Mundial, uma tutela de carácter feudal sobre os trabalhos agrícolas. Os interesses proteccionistas em França, nunca conformados com o Tratado de Cobden-Chevalier, ganharam força política com a derrota na Guerra Franco-Prussiana, e ainda mais com a tarifa alemã de 1879. Em 1881, conseguiram obter uma nova lei tarifária que reintroduziu explicitamente o princípio do proteccionismo. 109 Os adeptos do comércio livre continuaram a ter uma influência política considerável, e, em 1882, novos tratados de comércio com sete países continentais mantiveram os princípios básicos do Tratado de Cobden-Chevalier. A tarifa de 1881 não correspondeu às exigências proteccionistas dos agrários. Depois das eleições de 1889 (em França), uma maioria proteccionista regressou à Câmara dos Deputados, e foi aprovada a infame tarifa Meline de 1892. A tarifa tem sido caracterizada como extremamente proteccionista, mas um termo mais correcto seria «proteccionismo refinado». Embora garantisse protecção a alguns sectores da agricultura e mantivesses a protecção industrial da tarifa de 1881, também continha várias características defendidas pelos adeptos do comércio livre. Houve uma quantas persistências de comércio livre neste regresso ao proteccionismo das quais a Grã-Bretanha foi a mais notável. Desenvolveram-se movimentos políticos para a «política de reciprocidade» e para a «preferência do Império», não conseguiram qualquer sucesso antes da I Guerra Mundial. Os Países Baixos especializaram-se no processamento de exportações ultramarinas como o açúcar, o tabaco e o chocolate para reexportação para a Alemanha e outros países continentais; mantiveram, assim, uma confortável posição de comércio livre, como também a Bélgica, que estava profundamente dependente das suas indústrias de exportação. A Dinamarca, uma nação predominantemente agrária, parece ter sofrido com as importações em larga escala de cereais baratos; mas os Dinamarqueses ajustaram-se muito rapidamente, trocando o cultivo de cereais pela criação de gado e produtos leiteiros e de aves domésticas, importando cereais baratos para ração. Assim, a Dinamarca também se manteve no bloco de comércio livre. Em resumo, a economia mundial do princípio do séc. XX estava mais interdependente do que alguma vez estivera ou voltaria a estar até muito Guerra Mundial. Na agonia e no rescaldo da guerra mundial, os povos do especial os da Europa, descobririam, à sua própria custa, o quanto afortunados. integrada e depois da II mundo, e em tinham sido O padrão-ouro internacional Ao longo da História, vários bens (por ex: terra, gado e trigo) serviram como padrões monetários, mas o ouro e a prata foram sempre os padrões mais destacados. A função de um padrão monetário é a de definir a unidade de valor num sistema monetário, a unidade na qual todas as outras formas de dinheiro são convertíveis. Depois das guerras, o Governo Britânico decidiu regressar a um padrão metálico, mas escolheu o ouro, o padrão de facto do séc. XVIII, em detrimento da prata, embora a libra tivesse continuado a chamar-se «esterlina». A moeda de conta (padrão de valor) era o soberano de ouro, ou libra de ouro, definido como 113,0016 grãos de ouro fino (puro). De acordo com os termos da lei parlamentar que criou o padrão ouro, houve que observar três condições: 1. A Real Casa da Moeda foi obrigada a comprar e vender quantidades ilimitadas de ouro a um preço fixo. 2. O Banco de Inglaterra – e, por extensão, todos os outros bancos – ficou obrigado, sob solicitação, a resgatar por ouro as suas obrigações monetárias (notas bancárias, depósitos) 3. Não se podiam impor quaisquer restrições à importação ou exportação de ouro. 110 Isto significa que o ouro serviu como derradeira base ou reserva de todas as disponibilidades monetárias do país . a quantidade de ouro que o Banco de Inglaterra guardava nos seus cofres determinava o montante de crédito que podiam conceder. Durante os primeiros três quartos do séc. XIX, a maior parte dos restantes países tinha padrões de pratas ou bimetálicos 8ouro e prata); alguns não tinham sequer um padrão metálico. Durante um curto período, nas décadas de 1860 e 1870, a França tentou criar uma alternativa ao padrão-ouro internacional na forma da União Monetária latina. Entretanto, a primeira nação, depois da Grã-Bretanha, a adoptar oficialmente o padrão-ouro foi o novo Império Alemão. Depois da vitória sobre a França na Guerra Franco-Prussiana, Bismarck, o chanceler alemão, exigiu à nação derrotada uma indemnização de reparação. O Governo adoptou uma nova moeda de conta, o marco de ouro, e constituiu o Reichsbank como o seu banco central e único emissor de moeda. Antes da Guerra Civil, os Estados Unidos estavam tecnicamente num padrão bimetálico, aderiram ao padrão-ouro a partir de 1879, embora o Congresso não o tivesse adoptado legalmente senão em 1900. A Rússia tinha adoptado um padrão nominal de prata ao longo do séc. XIX, na década de 1890, o conde Whitte decidiu que o país deveria aderir ao padrão-ouro, o que fez em 1897. nesse mesmo ano, o Japão, criou uma reserva de ouro no Banco do Japão e adoptou oficialmente o padrão-ouro. Assim, no princípio do séc. XX, praticamente todas as importantes nações mercantis tinham adoptado o padrão-ouro internacional. Este sistema resistiu menos de duas décadas. Migração e investimentos internacionais Além do movimento mais livre de mercadorias simbolizado pela era do comércio livre, também se verificou no séc. XIX um grande aumento no movimento internacional de pessoas e capitais, os factores de produção além da terra. O maior número de emigrantes saiu das Ilhas Britânicas; galeses, escoceses e irlandeses instalaram-se no estrangeiro, principalmente nos Estados Unidos e nas colónias britânicas. Emigrantes de língua alemã foram para os Estados Unidos e para a América Latina. Esta também recebeu muitos novos cidadãos de Espanha e Portugal. O final do séc. XIX e os princípios do séc. XX assistiram a uma grande migração da Itália e da Europa Oriental. Os Italianos foram para os Estados Unidos, mas também para a América Latina, especialmente para a Argentina. Emigrantes da Áustria-Hungria, da Polónia e da Rússia dirigiram-se principalmente para os Estados Unidos. Globalmente, esta vasta migração teve efeitos benéficos; aliviou as pressões populacionais nos países fornecedores de emigrantes, assim diminuindo a tendência da descida dos salários reais; e proporcionou aos países de muitos recursos e escassa mão-de-obra uma oferta de trabalhadores motivados por salários mais altos que os que conseguiriam auferir nos seus países de origem. Através de laços humanos e culturais, bem como económicos, promoveu a integração da economia internacional. 111 Em geral, os recursos disponíveis para o investimento no estrangeiro (como também para o investimento interno) resultaram dos enormes aumentos de riqueza e rendimento gerados pela aplicação de novas tecnologias. Mas, ao contrário do investimento interno, o investimento externo requer fontes especiais de fundos gerados pelo comércio e pagamento externos. Há duas categorias principais de fundos (ouro ou moeda estrangeira) que podem ser usados para o investimento internacional: · Os que provêm do saldo de exportações do comércio e mercadorias · Os que provêm de exportações «invisíveis» como serviços de navegação, ganhos da banca e seguros internacionais, remessas de emigrantes e juros e dividendos de anteriores investimentos externos. O principal incentivo ao investimento no estrangeiro é a expectativa (nem sempre cumprida) que o investidor tem duma taxa de rentabilidade mais elevada no estrangeiro que no seu próprio país. Os mecanismos de investimento no estrangeiro consistem numa série de dispositivos institucionais para a transferência de fundos de um país para outro: - Mercados cambiais - Mercados accionistas e obrigacionistas - Bancos centrais - Bancos privados de investimento e comerciais - Corretores e muitos outros A maioria destes dispositivos institucionais especiais, embora já existissem anteriormente, cresceu grandemente durante o séc. XIX. A Grã-Bretanha – ou mais precisamente, os investidores privados da Grã-Bretanha – era de longe, o maior investidor estrangeiro antes de 1914. esta situação verificou-se apesar de durante a maior parte do século a Grã-Bretanha ter tido uma balança comercial desfavorável, isto é, importou mercadorias de valor superior às que exportou. Assim, para a Grã-Bretanha, as fontes dos seus investimentos externos consistiram quase inteiramente em exportações invisíveis. No princípio do século, os lucros da marinha mercante britânica, a maior do mundo, foram os grandes responsáveis pela sua balança de pagamentos favorável (e não da comercial9, e continuaram a ser decisivos até ao fim. Cada vez mais, os lucros da banca e dos seguros internacionais e, em especial, dos antigos investimentos no estrangeiro contribuíram para o saldo positivo. Antes de cerca de 1850, os investidores britânicos, adquiriram títulos de dívida pública de vários países europeus e investiram aí em empresas privadas, especialmente nas primeiras vias-férreas francesas. As revoluções de 1848 no Continente Europeu desencorajaram os investidores britânicos doutros investimentos nesses países. Em vez disso, voltaram-se para as vias-férreas, minas e ranchos americanos, para investimentos semelhantes na América Latina e, acima de tudo, para o Império Britânico. A França era o segundo maior investidor no estrangeiro. Iniciou o século contraindo empréstimos externos, principalmente na Grã-Bretanha e Holanda, para pagar a avultada indemnização de reparação exigida pelos Aliados após a derrota de Napoleão. Mas a França rapidamente estabeleceu um grande excedente de exportação no comércio de 112 mercadorias, que providenciou o grosso dos recursos para o investimento no exterior até à década de 1870. Depois disso , os ganhos dos investimentos anteriores, como acontecia com a Grã-Bretanha, mais que financiaram novos investimentos. Na primeira metade do século, os franceses investiram principalmente nos seus vizinhos: Espanha, Portugal, nos vários estados Italianos e Bélgica, e em investimentos menos avultados na Suíça, Áustria e Alemanha Ocidental, bem como os do Império Otomano e do Egipto – de que se arrependeriam, quando esses dois estados declararam falência parcial em 1875-76. Depois da aliança franco-russa de 1894, os investidores franceses, investiram quantias astronómicas em títulos russos, tanto públicos como privados. Em 1914, no eclodir da I Guerra Mundial, um quarto de todo o investimento externo francês estava centrado na Rússia. Ao contrário dos Britânicos, os Franceses apostaram menos de 10% dos seus investimentos nas colónias francesas. Globalmente o contributo francês para o desenvolvimento económico da Europa foi substancial, mas devido a guerras, revoluções e outros desastres naturais e provocados pelo homem, e especialmente a enorme catástrofe da I Guerra Mundial, os investidores e os seus herdeiros sofreram consequências dramáticas. A Alemanha apresenta o interessante caso duma nação que, ao longo do século, sofreu a transição de devedora líquida para credora líquida. Desunida e pobre no princípio do século, os Estados Alemães tinham poucas dívidas externas e ainda menos créditos no estrangeiro. Nas décadas intermédias do século, as províncias ocidentais beneficiaram de um influxo de capital francês, belga e britânico; este capital ajudou a desenvolver indústrias poderosas e um forte excedente para exportação que providenciou os fundos com que a Alemanha repatriou o capital estrangeiro e acumulou investimento no exterior. O Governo Alemão, como o Francês, tentou por vezes socorrer-se do investimento privado estrangeiro como arma de política externa; em 1887, vedou a bolsa de valores de Berlim aos títulos russos e forçou mais tarde, o Deutsche Bank a empreender a construção da linha férrea da Anatólia (chamada Berlim-Bagdade). As mais pequenas nações desenvolvidas da Europa Ocidental – a Bélgica, os Países Baixos e a Suíça -, todas tendo, ao longo do século, beneficiado de investimentos estrangeiros nas suas economias, tornaram-se de igual modo credoras líquidas no final do século. De entre os beneficiários de investimento estrangeiro, os estados Unidos eram, de longe, os maiores. Depois da Guerra Civil, e em particular a partir do final da década de 1890, os investidores americanos começaram a investir directamente no estrangeiro numa diversidade de operações industriais, comerciais e agrícolas. Nos quatro anos seguintes da I Guerra Mundial, em resultado de empréstimos americanos aos Aliados, os Estados Unidos tornaram-se a maior nação credora do mundo. Na Europa, o maior beneficiário singular de investimento estrangeiro era a Rússia. A rede russa de caminhos-de-ferro, foi construída com uma grande parte de capital estrangeiro, que foi canalizado para títulos privados (acções e obrigações) e para obrigações do Estado ou com aval do Estado. Bancos estrangeiros, também investiram fortemente em 113 bancos comerciais russos e nas grandes empresas metalúrgicas da Bacia do Donetz, entre outras. O que contraía mais empréstimo era o Governo Russo que utilizava o dinheiro não só para construir vias-férreas mas também para financiar o seu exército e marinha. Depois de 1917, os investidores perderam tudo. A maior parte dos investimentos nos países escandinavos não só se pagou a si própria como teve contribuições positivas no desenvolvimento das economias nas quais foi efectuada. Os investimentos estrangeiros na Suécia, na Dinamarca e na Noruega foram, numa base per capita, os maiores da Europa. As quantias emprestadas foram sensatamente investidas, e, a par dos elevados níveis educacionais das populações desses países, deve-lhes ser creditado o rápido desenvolvimento daquelas economias no final do século XIX. Como os países escandinavos também a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá tinham volumosos investimentos estrangeiros relativamente à dimensão das suas populações, o que ajuda a perceber as suas elevadas taxas de crescimento e altos padrões de vida no começo do séc. XX. Tendo em conta as populações dispersas e as grandes áreas territoriais destes três países, não é surpreendente que se tivessem especializado na produção de bens que exigissem pouca mão-de-obra em relação à terra: lã na Austrália e na Nova Zelândia e trigo no Canadá. Com rendimentos per capita relativamente altos, os três países desenvolveram indústrias terciárias domésticas e alguma capacidade fabril, mas continuaram dependentes da Europa, sobretudo da Grã-Bretanha. No princípio do séc. XX, os Estados Unidos tinham substituído a Grã-Bretanha como maior fornecedor e mercado estrangeiro no Canadá. O renascer do imperialismo ocidental Os vastos continentes da Ásia e da África participaram apenas residualmente na expansão comercial do séc. XIX até a isso serem obrigados pelo poderio militar do Ocidente. Apesar de regiões da Ásia, nomeadamente a Índia e a Indonésia, tivessem estado sujeitas à influência e conquista europeias desde o princípio do séc. XVI, grande parte do Continente continuava isolada. A maior parte da África tinha um clima opressivo para os Europeus e uma série de doenças desconhecidas e frequentemente letais. Tinha poucos rios navegáveis o que tornava o Interior extremamente inacessível. A efectiva ausência de Estados políticos organizados à semelhança dos europeus e o baixo nível de desenvolvimento económico tornaram-na pouco atractiva para os comerciantes e empresários europeus. No entanto, apesar dessas características negativas, uma concatenação de acontecimentos levou inexoravelmente ao envolvimento da Ásia e da África na crescente economia mundial antes do fim do séc. XIX. África A Colónia do Cabo, no extremo sul de África, tinha sido colonizada pelos Holandeses em meados do séc. XVII e era utilizada como posto de abastecimento pelos navios da carreira da Índia em viagem de e para a Indonésia. Os Britânicos apoderaram-se do posto durante as Guerras Napoleónicas, especialmente a abolição da escravatura em todo o Império em 1834 e os esforços para garantir um tratamento mais humano dos nativos, enfureceram os Bóeres ou Africânderes (descendentes dos colonizadores holandeses). 114 No princípio, tanto as colónias Bóeres como as britânicas eram essencialmente agrárias, mas, em 1867, a descoberta de diamantes levou a uma grande invasão de caçadores de tesouros provenientes de todo o mundo. Em 1886 descobriu-se ouro no Transval. Estes factos alteraram completamente a base económica das colónias e intensificaram as rivalidades políticas. Em outubro de 1899 começou a Guerra Sul-Africana, ou dos Bóeres. Os Britânicos sofreram várias derrotas inicialmente, mas vieram a reorganizar-se com reforços e ocuparam e anexaram o Transval e o Estado Livre de Orange. Pouco depois, o Governo Britânico alterou a sua política, de repressão para a conciliação, restaurou a autonomia e incentivou o movimento para a união com a colónia do Cabo e o Natal, que os Britânicos tinham anteriormente anexado. Em 1910, a União Sul-Africana juntou-se ao Canadá, à Austrália e à Nova Zelândia como domínio autónomo de pleno direito do Império Britânico. Os Franceses no final do século, tinham conquistado e anexado um enorme território escassamente povoado (incluindo a maior parte do deserto do Sara), que baptizaram de África Ocidental Francesa. Em 1830, Carlos X conquista a Argélia Francesa. Em 1881, ataques fronteiriços à Argélia perpetrados por povos tribais da Tunísia foram o pretexto para invadir a Tunísia e criar um «protectorado». Os Franceses completaram o seu império norte-africano em 1912 estabelecendo um protectorado na parte mais larga de Marrocos. A abertura do canal do Suez por uma empresas francesa, em 1869, revolucionou o comércio mundial. Também pôs em perigo o «corredor vital» britânico para a Índia – ou assim parecia aos Britânicos. Os Britânicos viraram-se contra os Franceses, que estavam a expandir-se para leste a partir dos seus domínios da África Ocidental. Em Fachoda, em 1898, forças rivais francesas e britânicas defrontaram-se, mas as rápidas negociações em Londres e Paris evitaram hostilidades mais acesas. Por fim, os Franceses retiraram, abrindo o caminho para o Governo Britânico no que se tornou conhecido como o Sudão Anglo-Egípcio. A África Central foi a última região do «Continente Negro» a ser aberta à penetração europeia. A sua inacessibilidade, clima inóspito, flora e fauna exóticas foram responsáveis pelo seu epíteto e formidável reputação. Antes do séc. XIX, as únicas reivindicações europeias na região eram as de Portugal: Angola na Costa Ocidental e Moçambique na Costa Oriental. A descoberta de diamantes na África do Sul estimulou a exploração na esperança de descobertas semelhantes na África Central. Por fim, a ocupação francesa de Tunes em 1881, e a ocupação britânica do Egipto, em 1882, desencadearam uma luta de reivindicações e concessões. Para impedir as reivindicações britânicas e portuguesas, Bismarck e Jules Ferry, o primeiro-ministro francês, convocaram uma conferência internacional sobre assuntos africanos a realizar em Berlim, em 1884. catorze nações, incluindo os Estados Unidos, enviaram representantes. Reconheceram o Estado Livre do Congo, encabeçado por Leopoldo, rei dos Belgas, uma decorrência da sua Associação Internacional, e lançaram as regras básicas de posteriores anexações. A mais importante especificava que uma nação deve ocupar efectivamente um território para ver a sua reivindicação reconhecida. 115 Ásia A decadência interna tinha enfraquecido seriamente a dinastia Manchu, que governava a China desde os meados do séc. XVII. Os interesses comerciais britânicos proporcionaram a ocasião inicial para a intervenção. As sedas e os chás chineses encontraram um bom mercado na Europa, mas os comerciantes britânicos tinham muito pouco para oferecer em troca, até descobrirem que os chineses tinham um apreço especial por ópio. O governo Chinês proibiu a sua importação, mas o comércio floresceu através de contrabandistas e funcionários alfandegários corruptos. Quando um honesto funcionário apreendeu e queimou, em Cantão, um grande carregamento de ópio em 1839, os comerciantes britânicos exigiram retaliação. Lord Palmerston, o ministro dos Negócios Estrangeiros, informou-os de que o Governo não poderia intervir com o fim de permitir que súbditos britânicos violassem as leis do país com que comerciavam, mas os representantes militares e diplomáticos no local desrespeitaram essas instruções, e tomaram medidas punitivas contra os chineses. E assim começou a Guerra do Ópio (1839-42), que terminou com o imposto Tratado de Nanquim. De acordo com esse tratado, a China deu à Grã-Bretanha a ilha de Hong-Kong, concordou com a abertura de mais cinco portos para comerciar sob supervisão consular, criou uma tarifa de importação uniforme de 5% e pagou uma substancial indemnização de reparação. O comérci9o do ópio continuou. A China evitou a cisão completa pelas grandes potências apenas devido à grande rivalidade entre elas. Em vez duma divisão definitiva, a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha, a Rússia, os Estados Unidos e o Japão contentaram-se com a concessão, por tratados especiais, de portos, de esferas de influência e arrendamentos a longo prazo no território chinês. O Império Chinês entrou num estado de decadência quase visível. Sucumbiu, em 1912, a uma revolução conduzida pelo Dr. Sun Yat-sem, médico formado no Ocidente, cujo programa era «nacionalismo, democracia e socialismo». As potências ocidentais não tentaram interferir na revolução, nem tão pouco ficaram preocupadas. A nova República da China permaneceu fraca e dividida com as suas esperanças de reforma e regeneração adiadas por muito tempo. A Coreia do séc. XOX era um reino semi-autónomo sob governação nominal da China, embora os Japoneses há muito que tivessem aí pretensões. A acesa rivalidade entre a China e o Japão pelo predomínio e a pobreza em geral do país desencorajaram os diplomatas e comerciantes ocidentais. O Japão anexou formalmente a Coreia em 1910. Indochina é o nome frequentemente dado à vasta península do sudeste da Ásia por a cultura da região ser essencialmente um misto das civilizações indiana e chinesa. Durante o séc. XIX, os Britânicos, movimentando-se a partir da Índia, estabeleceram o domínio sobre a Birmânia e os Estados Malaios e vieram a incorporá-los no Império. Em 1858, uma expedição francesa ocupou a cidade de Saigão, na Cochinchina, e quatro anos depois a França anexou a própria Cochinchina. Uma vez estabelecidos na Península, os 116 Franceses viram-se envolvidos em conflito com os nativos, o que os obrigou a estender a sua protecção a regiões mais extensas que nunca. Na década de 1880 dispuseram a Cochinchina, o Camboja, Aname e Tonquim na União da Indochina Francesa, a que acrescentaram o Laus em 1893. A Tailândia (ou Sião, como era designada pelos Europeus), entre a Birmânia a ocidente e a Indochina Francesa a leste, teve a sorte de permanecer um reino independente. Embora estivesse aberta à influência Ocidental devido a tratados desarmantes, como a maior parte da Ásia, os seus governantes reagiram com gestos conciliatórios e ao mesmo tempo tentaram aprender com o Ocidente a modernizar o seu reino. Explicações do imperialismo Depois de adoptar a tecnologia ocidental, o Japão seguiu políticas imperialistas muito parecidas com as da Europa. Os Estados Unidos, apesar de fortes críticas internas, embarcaram numa política de colonialismo antes do final do século. Alguns territórios britânicos eram muito mais agressivamente imperialistas que a própria metrópole. Faz-se por vezes uma distinção entre imperialismo e colonialismo. Assim, nem a Rússia nem a Áustria-Hungria tinham colónias ultramarinas, mas ambas eram claramente impérios no sentido de que governavam povos estrangeiros sem o seu consentimento. As causas do imperialismo foram muitas e complexas. Não há uma única teoria que explique todas as causas. De facto, o imperialismo tem sido chamado «imperialismo económico», como se formas anteriores de imperialismo não tivessem conteúdo económico. Uma dessas explicações diz o seguinte: 1. A concorrência no mundo capitalista torna-se mais intensa, resultando na formação de grandes empresas e na eliminação de empresas pequenas. 2. Nas grandes empresas, o capital acumula-se mais rapidamente e, como o poder de compra das massas é insuficiente para adquirir todos os produtos da indústria de larga escala, a taxa de lucro decai. 3. À medida que o capital se acumula e a produção das indústrias capitalistas não é escoada, os capitalistas recorrem ao imperialismo para obterem domínio político sobre regiões nas quais podem investir o excedente de capital e vender os seus produtos em excesso. Em última análise, o imperialismo moderno, bem como político ou económico que é, deve ser encarado como um fenómeno psicológico e cultural. 117 118 Cap. XII Sectores estratégicos Há três áreas que têm de ser analisadas com alguma profundidade para que o processo de industrialização seja inteligível – agricultura, finanças e banca e o papel do Estado nos assuntos económicos. Agricultura Uma das maiores mudanças estruturais ocorridas na economia do séc. XIX foi o declínio da dimensão relativa do sector agrícola. Isso não implica, que a agricultura tivesse deixado de ser importante; muito pelo contrário. O pré-requisito dum declínio na dimensão relativa foi o aumento da produtividade agrícola, sendo a dimensão do declínio da primeira proporcional ao aumento da última. Um aumento da produtividade agrícola pode contribuir para o desenvolvimento económico global, de cinco formas possíveis: 1. O sector agrícola pode fornecer um excedente de população (mão-de-obra) que se ocupa de actividades não agrícolas. 2. O sector agrícola pode fornecer produtos alimentares e matérias-primas para o sustento da população não agrícola. 3. O sector agrícola pode servir como mercado para a produção das indústrias e para o sector terciário. 4. Tanto através de investimento voluntário como de impostos, o sector agrícola pode fornecer capital para investir em sectores não agrícolas. 5. Através das exportações agrícolas, o sector agrícola pode fornecer moeda estrangeira que permita aos outros sectores obterem as entradas necessárias de bens de capital ou de matérias-primas que não estão internamente disponíveis. Não é necessário que o sector agrícola desempenhe todas estas cinco funções para uma sociedade se desenvolver economicamente, mas é difícil imaginar uma situação na qual o desenvolvimento possa verificar-se sem o apoio da agricultura em, pelo menos, duas ou três delas. E, para que isso aconteça a produtividade tem de aumentar. O próspero sector agrário também proporcionou um pronto mercado para a indústria britânica. Na verdade, a população rural da nação de antes de meados do séc. XIX constituiu, para a maior parte das indústrias, um mercado maior que o das nações estrangeiras. Embora apenas uma porção ínfima da receita agrícola fosse investida na indústria, a riqueza agrária contribuiu substancialmente para a criação de infra-estruturas económicas e sociais: canais e portagens no séc. XVIII e vias férreas no séc. XIX. Globalmente a agricultura britânica desempenhou um papel decisivo na ascensão da indústria britânica. O papel da agricultura no Continente, diferiu do da britânica, e também de região para região. Houve uma estreita correlação entre produtividade agrícola e industrialização de sucesso, com um gradiente de noroeste para sul e leste. A reforma agrária foi frequentemente um pré-requisito da melhoria substancial na produtividade. Basicamente a reforma agrária envolve uma mudança no sistema da propriedade fundiária. 119 O movimento de vedação dos campos em Inglaterra, que resultou na criação de explorações compactas e relativamente grandes no lugar do sistema de campos abertos, pode ter-se por uma espécie de reforma agrária. A Revolução Francesa, que aboliu o Antigo Regime e confirmou aos proprietário-camponeses autónomos franceses a posse das suas pequenas quintas, foi um tipo diferente de reforma agrária. A Suécia e a Dinamarca aboliram a servidão na última parte do séc. XVIII e instituíram procedimentos de vedação dos campos que, em meados do séc. XIX, tinham dado origem a uma classe de verdadeiros proprietários camponeses. Noutros países, a reforma agrária teve um resultado menos feliz. Na Monarquia Habsburga, José II tentou, na década de 1780, aliviar os fardos que pesavam sobre o campesinato, com resultados medíocres; a emancipação total teve de esperar pela revolução de 1848. Em Espanha e em Itália, tentativas timoratas de reforma agrária colidiram com as necessidades governamentais de receitas, e foram eficazmente reprimidas. Os Estados Balcânicos herdaram os seus sistemas de propriedade fundiária do período do domínio turco, mas não fizeram tentativas sérias para os alterarem. A Rússia Imperial distinguiu-se por passar por dois tipos muito distintos de reforma agrária em duas gerações sucessivas. A emancipação dos servos, empreendida relutantemente em 1861; os antigos servos, embora libertados dos seus senhores, pertenciam agora compulsivamente à comuna camponesa, a mir, para dela saírem, tinham de obter um passe especial, mas, mesmo que partissem, eram ainda obrigados a pagar a sua parte de impostos e pagamentos liberatórios. A seguir à Revolução de 1905-6, o Governo aboliu outros pagamentos liberatórios e decretou a chamada Reforma de Stolypine (nome do ministro que a ideou), que previa a propriedade privada da terra e a consolidação de parcelas em quintas compactas. Em resultado desta «aposta nos fortes», a produtividade da agricultura russa começou a ascender, mas todo o país foi, pouco depois, submerso pela guerra e pela revolução. O desempenho da agricultura francesa é, à primeira vista, tão contraditório e paradoxal como o da indústria francesa. A França frequentemente acusada de ser orientada para a agricultura de subsistência e tecnicamente atrasada, também tinha muitos agricultores progressistas. Em 1882, quando o morcellement (desmembramento da propriedade) estava no seu auge, havia cerca de 27% da terra em parcelas de 10 hectares, situavam-se no Sul e no Ocidente, menos férteis, e mais de 45% da terra continham-se em propriedades de 40 hectares ou mais, principalmente nas regiões mais férteis do Norte e do Leste. Estas quintas prósperas produziam um excedente comerciável para alimentar a crescente população urbana a níveis de nutrição cada vez mais elevados. Há igualmente alguns indícios de que as poupanças originadas na agricultura eram aplicadas em investimentos industriais ou pelo menos, em infra-estruturas. Por fim, a indústria vinícola, que faz parte da agricultura, serviu como importante fonte de receitas de exportação. Na Bélgica, nos Países Baixos e na Suíça, a agricultura há muito que estava orientada para o mercado. A produtividade nestes três países situava-se entre as mais elevadas do Continente. 120 Uma grande variedade caracterizou o desempenho da agricultura nos diversos Estados alemães e, mais tarde, no novo Império Alemão. A agricultura contribuiu muito para o desempenho económico tanto da Dinamarca como da Suécia, embora não para o da Noruega. A forma mais espectacular por que os sectores primários dos países escandinavos contribuíram para o seu desenvolvimento económico foi por meio das exportações. A Finlândia, que era governada pelo czar da Rússia como grão-ducado, é por vezes incluída nos países escandinavos. Porém, ao contrário deles, não sofreu qualquer mudança estrutural substancial no séc. XIX. Continuou predominantemente agrária com uma agricultura de baixa produtividade e baixas receitas médias. A sua maior exportação era a madeira. A agricultura austro-húngara, como indústria austro-húngara, reflectiu fielmente a localização do Império entre o ocidente e o oriente. O crescimento da produção agrícola, parece ter sido razoavelmente satisfatório ao longo do século em ambas as metades do Império. A população camponesa constituía um mercado adequado, e até dinâmico, para os têxteis e bens de consumo. A metade húngara da Monarquia «exportava» produtos agrícolas, especialmente trigo e farinha, para a metade austríaca, em troca de produtos fabricados e, também, de investimentos de capital. A incapacidade do Império como um todo em desenvolver uma exportação agrícola substancial pode atribuir-se a dois factores: 1. as dificuldades de transportes 2. o facto de o mercado interno absorver a maior parte da produção. Espanha, Portugal, Itália, Grécia , não passaram por nenhuma reforma agrária significativa no séc. XIX. Com bem mais de metade da população envolvida na agricultura, mesmo nos primeiros anos do séc. XX, a produtividade e as receitas mantiveram-se entre as mais baixas da Europa. Embora estes quatro países exportassem alguma fruta e vinho, para que os seus climas eram adequados, todos eles se mantiveram em parte dependentes de importações para as suas necessidades panificáveis. A agricultura desempenhou um papel dinâmico no processo de industrialização americana e na ascensão do Estados Unidos à posição de maior potência do mundo. Desde o período colonial, a agricultura forneceu em abundância não só a alimentação e as matérias-primas, mas também a maior parte das exportações americanas. A agricultura americana esteve orientada para o mercado desde o princípio; embora houvesse, por ex: casos de produção doméstica de bens de consumo e de tecidos, os agricultores americanos cedo contaram com alguns artesãos rurais e com pequenas indústrias para o fabrico das suas ferramentas e doutros artigos. Os Estados Unidos nem tiveram nem necessitaram duma reforma agrária ao estilo europeu, mas beneficiaram dum extraordinário estímulo à economia agrícola na disposição do domínio público. Desde o começo que o Governo seguiu uma política de vendas a indivíduos particulares (e a algumas empresas) em propriedade aloidal - por outras palavras, um mercado livre da terra. 121 Talvez em nenhum outro país a agricultura tenha desempenhado um papel tão vital no processo da industrialização como no Japão. Através do imposto sobre a propriedade da terra de 1873, a agricultura também financiou a maior parte das despesas orçamentais (94% na década de 1870 e quase metade ainda em 1900) e, deste modo, indirectamente, uma parte da formação de capital. Apesar da sua pobreza, os camponeses japoneses constituíam o maior mercado para a indústria japonesa. Finança e banca O processo de industrialização no séc. XIX foi acompanhado por uma proliferação no número e variedade de bancos e outras instituições financeiras necessárias ao fornecimento dos préstimos financeiros exigidos pelo mecanismo económico cada vez mais complexo e alargado. Dum largo espectro de formas possíveis de interacção entre o sector financeiro e os outros sectores da economia que carecem dos seus serviços, podemos isolar três casos-tipo: 1. aquele no qual o sector financeiro desempenha um papel positivo e indutor de crescimento. 2. aquele no qual o sector financeiro é essencialmente neutro ou meramente permissivo. 3. aquele no qual o financiamento inadequado restringe ou impede o desenvolvimento industrial e comercial. Os sistemas bancários inglês e escocês foram distintos até à segunda metade do séc. XIX, o sistema irlandês era também distinto, ao passo que o do País de Gales estava agregado ao inglês. De acordo com a Lei Bancária de 1844, o Banco de Inglaterra trocou o seu monopólio da banca comercial por um monopólio de emissão de notas. Manteve-se primordialmente um banco estatal (embora de propriedade privada), fornecendo serviços financeiros ao Governo; no entanto, tornou-se também, cada vez mais, um banco dos banqueiros, e em finais do século tinha conscientemente adoptado as funções dum banco central. O sistema bancário francês, como o inglês, era dominado por um banco de inspiração política que fazia a maior parte dos seus negócios com o Governo, o Banco de França. Criado por Napoleão em 1800, rapidamente adquiriu um monopólio de emissão de notas e outros privilégios especiais. Antes de 1848, a França não tinha bancos comerciais nem bancos semelhantes aos bancos ingleses de província. Era, com efeito, subbancária, pois os notários provinciais, que desempenhavam algumas funções de corretagem, não podiam suprir o papel dos bancos em falta. A França tinha, na primeira metade do século XIX, outro tipo importante de instituição financeira. Era a haut banque parisienne, banqueiros comerciais privados semelhantes aos de Londres. As actividades principais destes bancos privados (referiam-se a si próprios como de «negócios») eram, como em Londres, o financiamento do comércio internacional e as transacções em moeda e ouro e prata estrangeiros, mas, a seguir às Guerras Napoleónicas, começaram a colocar empréstimos e outros títulos públicos, como os das empresas de canais e caminhos-de-ferro. 122 Os bancos franceses, quer ao privados quer os comerciais, também abriram o caminho à promoção do investimento francês no estrangeiro. Globalmente, o sistema bancário francês da primeira metade do século XIX, travado pelo conservadorismo governamental e pelas políticas restritivas do Banco de França, não conseguiu explorar todo o seu potencial na promoção do desenvolvimento da economia; na segunda metade do século foi um pouco mais expansivo, mas menos que os sistemas da Bélgica e da Alemanha. A Société Générale de Belgique e o Banque de Belgique operaram maravilhas na promoção da industrialização do seu pequeno país, mas a própria latitude dos seus poderes, juntamente com a sua intensa rivalidade, conduziu-os a dificuldades. Em 1850, o Governo criou o Banque Nationale de Belgique como um banco central com o monopólio de emissão de notas, libertando os demais e todos os que foram posteriormente autorizados para o exercício de funções bancárias comerciais e de investimento normais. Globalmente, o sistema bancário belga atingiu elevadas marcas no seu papel de promoção e desenvolvimento da sua economia. Os Holandeses estavam muito longe da posição de primazia nas finanças e comércio europeus que tinham ocupado no séc. XVII, mas continuavam a ter reservas de poder financeiro. Em 1814, o Reino Unido dos Países Baixos ocupou o lugar da defunta República Holandesa, o Nederlandsche Bank ocupou o lugar do Banco de Amesterdão, que tinha sido extinto durante a ocupação francesa. A Suíça que veio a revelar-se um centro financeiro mundial de primeira grandeza no séc. XX, era muito menos importante antes de 1914. Genebra foi, na Renascença, um dos centros financeiros chave da Europa e que os banqueiros privados suíços eram ainda importantes no séc. XVIII. No entanto, as bases da ulterior proeminência suíça foram lançadas no séc. XIX. Nas décadas de 1850, 1860 e 1870, inúmeros novos bancos foram criados segundo o modelo do Crédit Mobilier francês, incluindo vários dos que mais tarde se tornariam famosos. Não se podia dizer que existisse um sistema bancário alemão na primeira metade do séc. XIX. Os vários Estados soberanos, com os seus distintos sistemas monetários e de cunhagem, impediram a emergência dum sistema financeiro unificado. A Prússia, a Saxónia e a Baviera tinham bancos com o monopólio da emissão de notas (primeiro deles, o banco da Baviera, fundado em 1835), mas eram rigorosamente fiscalizados pelos respectivos governos e estavam sobretudo ao serviço das finanças públicas. Existiam inúmeros bancos privados, especialmente em importantes centros comerciais, mas a sua principal preocupação era o financiamento do comércio local e internacional ou, nalguns casos, a colocação de fortunas pessoais. Da década de 1840 em diante, alguns deles começaram a envolver-se nas finanças promocionais, fundando e participando no capital de novas empresas industriais e, em especial, nas vias-férreas. Foi o prenúncio duma nova era na banca alemã. A característica distintiva do sistema financeiro alemão tal como se desenvolveu na segunda metade do século, foi a banca comercial «universal» ou banca «mista», dedicada tanto ao crédito a curto prazo como a investimento a longo prazo, ou banca promocional. Uma outra importante inovação institucional o Reichsbank, criado em 1875, encimou a estrutura financeira alemã. Também ele foi, em parte, uma consequência da vitória da Prússia sobre a França e da avultada indemnização da reparação que aquela acarretou. Na 123 designação, foi meramente uma transformação do Banco Estatal Prussiano, mas os seus recursos e poderes foram grandemente alargados. Detinha o monopólio da emissão de notas e agia como banco central. Como tal, podia sustentar os Kreditbank em tempos difíceis, e permitiu-lhes, assim, assumirem riscos maiores aos que assumiriam em condições normais. O desenvolvimento da banca alemã na segunda metade do séc. XIX foi uma das consequências mais decisivas – na verdade, como alguns diriam, uma causa – do igualmente rápido processo de industrialização. Talvez se tenha sobrevalorizado o papel dos bancos; naturalmente, muitos outros elementos contribuíram para o sucesso da indústria alemã e, por sua vez, esse mesmo sucesso contribuiu para o sucesso e prosperidade do sistema bancário. É um facto que os bancos desempenharam um papel proeminente no desenvolvimento industrial; globalmente, o sistema bancário alemão era, no princípio do século XX, talvez o mais poderoso. A Áustria (ou Monarquia Habsburga) adoptou o seu moderno sistema bancário ao mesmo tempo que a Alemanha. O primeiro banco comercial moderno foi o Creditanstalt austríaco, constituído em Dezembro de 1855. A sua fundação foi o resultado directo da rivalidade dos irmãos Pereire e dos Rothschild. Os Pereire lançaram, por ele, uma oferta de compra, ao mesmo tempo que conseguiam adquirir os Caminhos-de-ferro Estatais Austríacos para o Crédit Mobilier, mas os Rothschild, que tinham sido os «judeus da corte» dos Habsburgos desde o tempo de Napoleão, inviabilizaram o negócio. Mantém-se, hoje em dia, após transformações profundas, uma das instituições financeiras mais poderosas da Europa Central. Apesar de a economia da Suécia ser relativamente atrasada na primeira metade do séc. XIX, tinha uma longa tradição bancária. O Svreiges Riksbank (o antecessor do Banco Nacional da Suécia), fundado em 1656, foi, na verdade, o primeiro banco a emitir verdadeiras notas. No entanto, a história moderna da banca na Suécia, como a de muitos outros países europeus, data das décadas de 1850 e 1860 e buscou a sua inspiração no exemplo do Crédit Mobilier. Poder discutir-se se a bem sucedida transformação da economia sueca contribuiu para a prosperidade dos bancos, ou vice-versa, mas é evidente que ambos progrediram juntos. Na primeira metade do séc. XIX, a Dinamarca tinha um banco central, o NationalBank, de capitais privados mas dominado pelo Governo, e várias pequenas caixas económicas. Como a Suécia, a sua história bancária moderna remonta à década de 1850. financeiramente, a Noruega e a Finlândia estavam menos avançadas que a Dinamarca e a Suécia, mas nestes quatro países os níveis gerais de alfabetização tornaram a população mais apta ao aproveitamento dos instrumentos bancários. As nações latinas do Mediterrâneo também lograram obter modernas instituições financeiras nas décadas de 1850 e 1860, mas principalmente por iniciativa francesa e empregando capital francês. A Espanha tinha um banco emissor, o Banco de San Carlos (mais tarde designado Banco de España), que datava de 1782, mas a sua principal preocupação eram as finanças públicas. A importante cidade comercial e industrial de Barcelona tinha também um banco emissor 124 que remontava à década de 1840, mas não se envolveu em actividades promocionais. Em 1855, depois de uma mudança de governo ter instalado uma facção «moderada», persuadiram o ministro das Finanças a apresentar um projecto de lei nas Cortes autorizando o Governo a dar alvarás a entidades bancárias do modelo do Crédit Mobilier. No princípio do ano seguinte, instituíram a Sociedad General de Credito Mobiliario Español. A lei que autorizava o Credito Mobiliario Español permitiu ao Governo dar alvarás a instituições semelhantes sem qualquer outro consentimento das Cortes. O pouco desenvolvimento económico que a Espanha alcançou no séc. XIX foi, em grande medida, um resultado das actividades destas instituições de inspiração francesa. Pouco depois de obterem o alvará para o Credito Mobiliario Español, os Pereire acordaram com o Governo Português uma instituição similar em Lisboa. A câmara alta do Parlamento Português recusou-se a ratificar o acordo. Mais tarde nesse mesmo ano, outro especulador financeiro francês, que tinha auxiliado o Governo na obtenção de um empréstimo, conseguiu um alvará para um Crédit Mobilier português, mas foi de pouca dura. O investidor abriu falência na crise de 1857, e a instituição afundou-se com ele. Subsequentemente, empresários franceses contribuíram para a formação de dois bancos hipotecários nos moldes do Crédit Foncier, mas nenhum outro investidor considerou Portugal zona vantajosa para a banca de investimentos. Os Pereire também pretendiam abrir uma filial no florescente estado do Piemonte. Cavour, o génio impulsor desse desenvolvimento, recebeu de braços abertos o seu interesse como contrapeso da influência que os Rothschild exerciam sobre todas as relações financeiras do pequeno reino; mas acabou por se decidir contra a alienação daquele poder financeiro, e concedeu à Cassa del Commercio e delle Industrie, propriedade dos últimos, o único alvará dum banco de investimentos de capitais privados do Piemonte. Devido a uma má administração resultaram grandes prejuízos, os Rothschild retiraram-se em 1860, o banco estagnou até 1863, altura em que os Pereire adquiriram a participação maioritária, aumentaram o seu capital social e mudaram-lhe o nome para Società Generale de Creidto Mobiliare Italiano. Nos anos seguintes, passou a estar associada a praticamente todos os novos empreendimentos em Itália, incluindo vias-férreas, siderurgias e metalurgias. Mantinha relações de proximidade com altas esferas do poder e era o segundo maior banco de Itália, logo a seguir à Banca Nazionale. Porém, em plena crise de 1893, a revelação de graves escândalos na sua organização interna e nas suas relações com o Governo forçou-o a fechar. A Guerra da Crimeia revelou dramaticamente o atraso económico da Rússia face ao ocidente e levou o governo do Czar a uma campanha de construção de vias-férreas e à emancipação dos servos. Também o levou a um exame dos sistemas financeiro e bancário. A maior instituição financeira era o Banco Estatal, fundado em 1860. era totalmente detido pelo Estado e estava sob supervisão directa do ministério das Finanças. De início, não emitiu notas de banco – o papel-moeda inconvertível era emitido directamente pela imprensa do Estado -, mas quando, em 1897, a Rússia aderiu ao padrão-ouro, o Banco Estatal ficou com o monopólio da emissão de notas. 125 Os financeiros europeus também colaboraram com a sua experiência com os seus vizinhos do Próximo e Médio Oriente. O primeiro banco comercial fundado na região (e o primeiro banco britânico num país estrangeiro), o Banco do Egipto, começou a funcionar em 1855. Desenvolvimento semelhante ocorreu no venerável e decrépito Império Otomano. Em 1856, um grupo de investidores britânicos organizou o Banco Otomano em Constantinopla como um simples banco comercial. Alguns anos depois solicitou um alvará de único banco emissor, mas os ministros reformadores de formação francesa desejavam, ao tempo, uma ligação com o mercado financeiro francês. Em 1863, obrigaram o Banco Otomano a unir-se a um grupo francês encabeçado pelo Crédit Mobilier numa nova instituição, o Banque Impériale Otomane. Era uma instituição extremamente invulgar, combinando as funções de banco central e o monopólio da emissão de notas com as dum regular banco comercial e de investimentos. A Pérsia (actual Irão) tinha uma instituição semelhante, o Banco Imperial da Pérsia, fundado por interesses britânicos em 1889. os investidores tinham pretendido usar o banco para financiar a construção de caminhos-de-ferro, mas o Governo Russo, receoso da penetração britânica no seu flanco sul, exerceu pressões diplomáticas sobre o Xá para impedir a construção de vias-férreas. O banco, criado, assim, «por lapso» e gerido por não-profissionais da área financeira, pouco contribuiu para o desenvolvimento económica da Pérsia. O Banco de Hong-Kong e Xangai, fundado por comerciantes britânicos aí instalados, desempenhou um papel de relevo nas finanças chinesas e é, hoje em dia, uma grande empresa multinacional. A principal função destes bancos era o financiamento do comércio internacional, mas também colaboraram na emissão de títulos de empresas e governos estrangeiros. No séc. XIX, a banca teve, nos Estados Unidos, uma carreira diversificada. Nos primeiros anos da república a luta entre os Hamiltonianos, que defendiam um forte protagonismo do Governo Federal, e os Jeffersonianos, que preferiam deixar a política aos Estados individuais, reflectiu-se na história da Banca. Durante a guerra civil, e em parte como medida de finanças de guerra, o Congresso criou o Sistema Bancário Nacional, que permitia aos bancos munidos de alvará federal competir com bancos constituídos ao abrigo do alvará estadual. A concorrência era injusta porque o Congresso também impunha um imposto discriminatório sobre as emissões de notas pelos bancos estaduais, o que forçou muito deles a converterem-se em bancos nacionais. Ambos os sistemas bancários, estadual e nacional, suportaram normas e regulamentos excessivamente restritivos. Por ex: a ramificação bancária era, em geral, proibida. Os bancos não podiam envolver-se nas finanças internacionais, o que significava que o grande volume de importações e exportações do país era financiado a partir da Europa e pelo número relativamente pequeno de bancos comerciais privados. Alguns acreditavam que a ausência de um banco central também tornava o país mais susceptível aos pânicos financeiros e às depressões que ocorreram. Para remediar esta falha, o Congresso criou, em 1913, o Sistema de Reserva Federal, que, entre outras coisas, aliviou os bancos nacionais da sua função de emissores de notas, mas também lhes permitiu o envolvimento nas finanças internacionais. 126 Em resumo, a experiência dos estados Unidos, com um rápido crescimento económico e um sistema bancário em mudança e de certa forma caótico, parece mostrar que, apesar de os bancos serem necessários ao crescimento económico em sociedades industriais complexas, já um sistema racional não o é. O papel do Estado É possível ao Governo desempenhar diversos papéis em relação à economia. A função mais fundamental do Governo na esfera económica, que não pode ser evitada ou dispensada, é a conformação do contexto legal do esforço económico. Esta pode variar entre uma parte política de «não interferência» e uma de domínio estatal absoluto. A segunda grande categoria de formas por que o Governo participa na economia inclui actividades promocionais que excluam as directamente produtivas. Entre elas se contam tarifas, isenções fiscais, abatimento e subsídios, bem como medidas como a criação de gabinetes de turismo ou imigração. Nem todas as actividades desta categoria são necessariamente conducentes ao crescimento; por ex: uma tarifa proteccionista pode perpetuar uma indústria ineficiente. Em alguns aspectos semelhantes às actividades promocionais, mas normalmente com um objectivo diferente em mente, são as funções reguladoras de governo. Estas variam entre medidas para proteger a saúde e segurança de grupos específicos de trabalhadores e fiscalizações rigorosas de preços, salários e produção. O objectivo de tais regulamentações pode ser o de fomentar o crescimento, mas, mais frequentemente, o objectivo está relacionado com o crescimento; destina-se, antes, a eliminar a injustiça ou a exploração. Neste último caso, os efeitos secundários e não desejados da regulamentação podem retardar o crescimento. Por fim, os Governos podem tomar parte em actividades directamente produtivas. Estas variam entre medidas benignas, como o oferecimento de estruturas educativas, e a propriedade e domínios absolutos pelo Estado de todos os bens produtivos. Essa participação governamental pode ser essencialmente empreendedora ou inovadora e, consequentemente, favorável à iniciativa privada; ou pode competir com, ou suplantar a iniciativa privada, como no caso da propriedade estatal de empresas de serviços públicos ou de instalações telegráficas. Apesar da sua reputação de berço do governo minimalista, a dimensão da administração pública no Reino Unido (ou Grã-Bretanha) foi provavelmente típica da da Europa como um todo; quanto muito, foi ligeiramente maior, em termos relativos, que a maioria das nações continentais. Antes do séc. XIX, os serviços postais privados coexistiam com serviços postais públicos pesados e ineficientes, que eram mantidos mais com fins de censura, espionagem e receitas que por utilidade pública. O moderno serviço postal teve início em 1840, quando Sir Rowland Hill, correio-mor do Reino Unido, introduziu a franquia pré-paga e uniforme de um péni. Em poucos anos, a maioria das nações ocidentais tinham adoptado sistemas semelhantes. A mesma política foi mais tarde seguida, no decurso do século, após a invenção do telefone. A maior parte dos países continentais seguiu o exemplo britânico, 127 mas nos estados Unidos tanto o telégrafo como o telefone foram deixados à iniciativa privada. Exemplo muito invulgar de empresa privada foi a Companhia das Índias Orientais. Embora tivesse sido fundada no princípio do séc. XVII como empresa estritamente comercial, no princípio do séc. XIX tinha-se tornado a governante da Índia, «um Estado dentro dum Estado». Houve um sector em que a Grã-Bretanha correspondeu à sua reputação minimalista. Em campo algum de se deixou ficar tão atrás das demais nações ocidentais como no apoio público à educação. Até 1870, as únicas escolas disponíveis eram geridas por fundações privadas ou religiosas, a maior parte das quais cobrava propinas, com excepção das escolas paroquianas da Escócia. Em resultado disso, metade da população não recebia qualquer educação formal. Apenas os ricos recebiam mais que os rudimentos. Esse factor, mais que qualquer outro, servia para preservar a arcaica estrutura britânica de classes numa época de rápidas mudanças sociais e contribuiu para o declínio relativo da primazia industrial britânica. A Lei de Bases da Educação de 1870 instituiu o apoio do Estado às escolas privadas e ligadas à Igreja já existentes que obedecessem a certos critérios. No entanto, só em 1891 é que a educação se tornou, e em princípio gratuita e universal até aos 12 anos. Mesmo em 1920, apenas um oitavo da população elegível frequentara uma escola secundária. No ensino superior, a Inglaterra também ficava muito atrás do Continente e dos Estados Unidos. Até serem instituídas bolsas de estudo estatais no séc. XX, Oxford e Cambridge apenas estavam abertas aos filhos dos abastados, sobretudo aristocracia. Por contraste, a Escócia, com uma população muito inferior, tinha quatro universidades antigas e prósperas abertas a todos os candidatos qualificados. A maioria dos países continentais tinha longas tradições de paternalismo estatal ou Estatismo. Em vários deles, o Estado detinha florestas, minas e mesmo empresas industriais. No séc. XVIII, à medida que a superioridade da tecnologia britânica em determinadas indústrias se tornou óbvia, os Governos patrocinaram esforços de obtenção de acesso a essa tecnologia, pela espionagem ou por outras formas. A tecnologia em rápido desenvolvimento dos transportes – especificamente, a dos caminhos-de-ferro – obrigou todos os governos ao envolvimento. O britânico, fiel à sua tradição minimalista, fez o mínimo, deixando a promoção, a construção e a maior parte dos pormenores de funcionamento à iniciativa privada; mas mesmo o Parlamento Britânico teve de aprovar legislação de base que permitisse às empresas comprar terras para servidões de passagem e a Lei do Caminho-de-Ferro de 1844 fixou uma série de normas e regulamentos, incluindo uma tarifa máxima para passageiros de terceira classe. Nos outros países, os Governos interessam-se muito mais pelos caminhos-de-ferro. Outros países, se não começaram com redes estatais, mais cedo ou mais tarde aproximar-se-iam do princípio da propriedade pública. Se, em retrospectiva, o séc. XIX parece ser um século em que o Governo foi menos usurpador que em séculos anteriores, ou que o que se seguiu, isso não significa que o Governo não tenha desempenhado papel algum. 128 129 Cap. XIII Visão de conjunto da economia mundial no Século XX Estimulada pelo ritmo acelerado da mudança tecnológica, ferida pelas duas guerras mais destrutivas da História, a economia mundial do séc. XX assumiu dimensões novas e sem precedentes. E onde estas dimensões foram mais evidentes foi no comportamento populacional. População à população da Europa mais que duplicou no séc. XIX, mas a do mundo fora das áreas de colonização europeia aumentou pouco mais de 20 %. No séc. XX, por outro lado, o crescimento populacional na Europa desacelerou, enquanto o do resto do mundo acelerou a taxas sem precedentes. A maior parte desse crescimento ocorreu desde a II Guerra Mundial. A causa do formidável aumento nos números foi o declínio das taxas brutas de mortalidade, especialmente em países não ocidentais. As nações ocidentais sofreram uma «transição demográfica» ( de um regime de elevadas taxas de natalidade e mortalidade para um muito inferior) em finais do séc. XIX e princípio do séc. XX. Factor de maior importância contributivo para o declínio da taxa de mortalidade global foi o declínio da mortalidade infantil (com menos de 1 ano). Consequência da maior importância do declínio das taxas de mortalidade foi um aumento da esperança média de vida. Isto é frequentemente medido pelo conceito «esperança de vida à nascença», o número médio de anos que as pessoas nascidas num dado ano viverão. No começo do séc. XX, este valor situava-se normalmente abaixo de 50, mesmo em países avançados. Há uma estrita correlação entre estas estatísticas, em especial as da esperança de vida, e várias medidas de bem estar – como o rendimento per capita, os níveis nutricionais e os padrões de cuidados de saúde. Assim, em países, com altos rendimentos médios a população, por regra, é mais bem alimentada e tem melhor assistência médica que a de países de rendimentos nitidamente inferiores; consequentemente, as taxas de mortalidade são inferiores e a esperança de vida correspondentemente maior. O processo de urbanização, tão marcado na Europa, no séc. XIX, continuou no séc. XX, espalhando-se a outras regiões do mundo. Em nações industriais avançadas, as cidades são normalmente centros de afluência, bem como de cultura, uma vez que a produtividade e os rendimentos são geralmente mais elevados nas ocupações urbanas que nas ocupações rurais. Todavia, isto não é necessariamente verdade nas nações do Terceiro Mundo. Nelas, uma grande proporção dos habitantes urbanos consiste em migrantes desempregados ou subempregados vindos dos campos e vivendo em miseráveis bairros de lata na orla dos centros citadinos. O crescimento das cidades deu-se, em primeiro lugar, em resultado da migração interna, à medida que a população excedente de áreas rurais e pequenas cidades procurava as melhores oportunidades e a liberdade da vida e sedução citadinas. A migração internacional, característica tão destacada da história populacional do séc. XIX, também 130 continuou, embora sob circunstâncias de algum modo diferentes. A maior parte da migração do séc. XIX tinha sido motivada por pressões económicas internas e oportunidades no estrangeiro. Estes factores mantiveram-se influentes no séc. XX, mas a opressão política (ou a sua ameaça) na sequência das guerras e revoluções também desempenhou um papel de relevo. O tipo de migração internacional do séc. XIX atingiu o seu auge nos anos imediatamente anteriores à I Guerra Mundial, principalmente para os Estados Unidos. A depressão dos anos 30 reduziu drasticamente as oportunidades na América e a II Guerra Mundial reduziu ainda mais a maré de imigração, muitos refugiados da devastação dos tempos de guerra e das novas repressões políticas fizeram engrossar o número de imigrantes. O carácter de imigração também mudou em décadas recentes. Anteriormente, os imigrantes eram, na sua esmagadora maioria, europeus; hoje muitos mais chegam da Ásia e da América Latina. O carácter de imigração e emigração europeia tem-se também modificado no séc. XX. No séc. XIX, a Europa forneceu o grosso dos migrantes internacionais, mas hoje em dia, a Europa Ocidental tornou-se um abrigo de refugiados políticos e, pelo menos temporariamente, uma terra de oportunidades para as multidões empobrecidas da Europa Mediterrânica, do Norte de África e de regiões do Médio Oriente. A Alemanha Ocidental suportou o ímpeto da maré de refugiados, que a princípio pareceu um fardo pesado; mas, com a reanimação económica da Europa Ocidental Continental, nos anos 50 e 60, com a sua grande procura de mão-de-obra ultrapassou a oferta de refugiados, o fardo mostrou ser uma benção. Vários países nomeadamente a França, a Suíça, a Bélgica, bem como a Alemanha Ocidental, convidaram «trabalhadores hóspedes» de Portugal, da Espanha, da Itália, da Grécia, da Jugoslávia, da Turquia e do Norte de África para complementarem a sua mão-de-obra nativa. Na maior parte dos casos, estas migrações foram temporárias, ou assim se pretendia que fossem, mas também levaram a alguma imigração permanente. Recursos O crescimento sem precedentes da população no séc. XX, bem como a fortuna crescente de pelo menos uma parte do mundo, resultaram numa procura sem precedentes dos recursos mundiais. A economia mundial reagiu razoavelmente bem às exigências que se lhe fizeram. Deveu-se, em grande parte, à interacção crescente da ciência e da tecnologia com a economia. Os agrónomos descobriram novas formas de aumentar o rendimento das culturas, os engenheiros descobriram novas utilizações para os recursos existentes e, na verdade, criaram novos recursos a partir dos velhos na forma de produtos sintéticos. Em termos de recurso, o desenvolvimento mais importante no séc. XX tem sido uma mudança da natureza e das fontes da energia primária. No séc. XX, o carvão tem sido largamente, embora não completamente, substituído por novas fontes de energia, especialmente o petróleo e o gás natural. Embora o petróleo 131 tenha começado a ser produzido comercialmente no séc. XIX, ele era então usado sobretudo para iluminação, e só depois como lubrificante. O petróleo adquiriu um grande significado geopolítico. Ironicamente, a Europa, embora abundantemente dotada de carvão, é, de entre as maiores massas terrestres, a de menos reservas de petróleo. Por outro lado, os Estados Unidos, a Rússia, e possivelmente a China, têm imensos recursos de carvão e petróleo. Foi nos estados Unidos que a produção do petróleo se começou a fazer em larga escala. Apesar de continuarem a ser grandes produtores, os Estados Unidos passaram a ser importadores líquidos de petróleo. Os países do Médio Oriente que circundam o golfo Pérsico são agora, colectivamente, a maior fonte de abastecimento do mercado mundial. A Rússia é também grande produtora. Tecnologia Em épocas anteriores, a marca do sucesso das sociedades humanas foi a sua capacidade para se adaptarem aos ambientes. No séc. XX, a marca do sucesso foi a sua capacidade para manipular o ambiente e adaptá-lo às necessidades da sociedade. O meio fundamental de manipulação e adaptação é a tecnologia – especificamente a tecnologia baseada na ciência moderna. Importante causa do ritmo mais acelerado da mudança social no séc. XX, é notória a aceleração do progresso científico e tecnológico. A história recente dos transportes e das comunicações proporcionam um exemplo da aceleração da mudança tecnológica. No princípio do séc. XIX, a rapidez das viagens não tinha mudado significativamente desde o período helénico. Até à invenção do telégrafo eléctrico, a comunicação com distâncias apreciáveis estava limitada pela velocidade dos mensageiros humanos. A base científica da indústria moderna resultou em centenas de novos produtos e materiais. Depois da invenção da seda artificial, em 1898, criaram-se dúzias de fibras têxteis artificiais ou sintéticas. No séc. XX, os materiais plásticos feitos a partir do petróleo e doutros hidrocarbonetos substituíram a madeira, os metais, as louças de barro e o papel em milhares de usos que vão desde os pequenos contentores até às máquinas perfuradoras de alta velocidade. O emprego crescente de energia eléctrica e mecânica, a invenção de novos dispositivos que poupam mão-de-obra e o desenvolvimento de instrumentos automáticos de gestão provocaram alterações nas condições de vida e trabalho de maior projecção que a chamada «revolução industrial» na Grã-Bretanha. No princípio do séc. XX, empregavam-se una quantos dispositivos mecânicos rudimentares, principalmente com fins comerciais, mas a era do computador electrónico só teve início após a II Guerra Mundial. Desde então, o progresso tem rivalizado com a velocidade a que opera. Sem ele, muitos outros avanços científicos, como a exploração do espaço, teriam sido impossíveis. Outro requisito do avanço científico e técnico é uma considerável disponibilidade de mão-de-obra especializada – ou «cérebro». No começo do séc. XX, praticamente todos os países ocidentais tinham elevadas taxas de alfabetização, em forte contraste com as taxas baixas da maior parte do resto do mundo. O fosso técnico, cada vez maior entre 132 regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas do mundo está patente em diferenças de níveis educacionais, bem como em diferenças de rendimento. A mera alfabetização, por muito importante que seja para a iniciação e manutenção do desenvolvimento económico, não é suficiente para o mundo de alta tecnologia do final do séc. XX. A capacidade dos indivíduos para participarem plena e efectivamente na nova matriz científico-tecnológica da civilização quer como cientistas e técnicos, quer nas suas super-estruturas comerciais e burocráticas, exige cada vez mais estudos avançados ao nível liceal ou universitário e além destes. Essa é outra razão do fosso cada vez maior entre nações ricas e pobres. Na agricultura, ainda hoje a principal fonte de abastecimento da maioria dos produtos alimentares e matérias-primas do mundo, a produtividade aumentou grandemente nas nações ocidentais graças às técnicas científicas de fertilização, de selecção de sementes e criação de gado e de contenção de pestes e à utilização de energia mecânica. Infelizmente, estas técnicas ainda não são largamente utilizadas nos países do Terceiro Mundo, mantendo-se assim um enorme fosso de produtividade entre países ricos e países pobres. O aumento da produção de energia foi ainda mais notável. A maior parte do aumento verificou-se em regiões de colonização europeia e sob formas ainda embrionárias no princípio do século. A preponderância da América do Norte (principalmente, nos Estados Unidos) e da Europa em todos os tipos de electricidade, tanto em 1950 como nos anos 80, em contraste com as minúsculas quotas da África e da América do Sul. O petróleo e o gás natural, que representavam no início do século, apenas uma diminuta fracção da energia total, ultrapassaram o carvão como fonte de energia por volta de 1960, e nos anos 80 ascenderam a mais de 60% da produção mundial total. O motor de combustão interna, o mais importante consumidor de petróleo, foi uma invenção do séc. XIX, mas apenas gerou uma revolução quando foi aplicado aos dois dispositivos tecnológicos do séc. XX, o automóvel e o avião. O automóvel veio a simbolizar o desenvolvimento económico do séc. XX da mesma forma que a locomotiva a vapor simbolizou o do séc. XIX. A indústria da aviação comercial desenvolveu-se rapidamente nos anos 30, a par da tecnologia – e, nas vésperas da II Guerra Mundial, o serviço transatlântico ficou disponível. Instituições Modificada pela mudança tecnológica e por alterações no emprego dos recursos naturais, pressionada pelo crescimento da população mundial e alternadamente prejudicada e aliviada por mudanças políticas fora do âmbito da própria economia, a estrutura institucional da economia mundial de finais do séc. XX diferiu grandemente do que fora no princípio do século. Mudanças institucionais mais significativas: - nas relações internacionais - o papel do Governo - natureza e dimensão das empresas 133 - o papel da educação. Relações internacionais A economia mundial de antes de 1914 foi dominada, literal e figuradamente, pela Europa (especialmente a Ocidental) e pelos Estados Unidos. A I Guerra Mundial e as suas concomitantes, as revoluções russas de 1917, trouxeram mudanças fundamentais a esta estrutura. A Rússia Czarista desapareceu, sendo o seu lugar ocupado pela União Soviética, com uma forma nova de organização económica. O Império Habsburgo, na Europa Centro-Oriental, também desapareceu, substituído por vários Estados nacionais novos ou alargados, economicamente empobrecidos e instáveis. A Alemanha perdeu o seu império ultramarino, bem como uma parte substancial do seu próprio território e população. Os restantes impérios europeus exploraram as suas colónias com um fervor nacionalista crescente. O Japão, que antes da guerra tinha um pequeno império, alargou-o, e tornou-se uma importante potência económica. A própria Europa sofreu um declínio da sua quota no comércio e nas produções mundiais, principalmente para os Estados Unidos, para os domínios britânicos e Japão. Por fim, as décadas de 1920 e 1930 testemunharam a ascensão das ditaduras fascistas em Itália, na Alemanha e em várias outras nações europeias, também elas com novas formas de organização económica. A II Guerra Mundial trouxe consigo uma reorganização mundial das relações internacionais, com importantes consequências económicas. A Europa perdeu a sua hegemonia, tanto na política como na economia. Em vez disso, uma rivalidade entre as duas novas superpotências, os Estados Unidos e a União Soviética, substituiu a velha contenda entre as grandes potências europeias tradicionais. Em consequência desta rivalidade, a Europa foi dividida mais clara e decisivamente que nunca entre leste e ocidente: um bloco do Leste sob domínio soviético e um grupo ocidental de nações predominantemente democráticas, a maior parte das quais política e economicamente ligadas aos Estados Unidos. O Japão devastado pelo bombardeamento americano, que incluiu as duas únicas bombas atómicas, suportou quase cinco anos de ocupação por forças militares americanas, praticamente todas as suas principais instituições (com a notável excepção da dinastia imperial), emergindo como uma nação verdadeiramente democrática. A eclosão da Guerra da Coreia, que coincidiu com a restauração da soberania japonesa, proporcionou um poderoso estímulo económico para o Japão, que o aproveitou muito bem. Numas quantas décadas, o Japão tornara-se a segunda maior economia do mundo. A China, que tinha resistido mais ou menos bem às incursões ocidentais durante mais de dois séculos, sofreu duas mudanças radicais – revoluções – no séc. XX, bem como décadas de guerra civil e internacional. Em 1911, um grupo de jovens reformadores com ideias ocidentais derrubou a venerável dinastia Ts’ing (Ch’ing) e tentou criar uma moderna república democrática. Imediatamente após a II Guerra Mundial, o Partido Comunista Chinês começou o seu ataque ao Governo, que acabaria por derrubar em 1949. Durante alguns anos, os Comunistas chineses aliaram-se à União Soviética e tentaram modelar a sua economia de acordo com a orientação soviética. Depois de romperem com a União Sovi´tica em 1960, ensaiaram várias outras experiências sem sucesso. Pontualmente nos naos 70, restabeleceriam relações diplomáticas e económicas com os Esatdos Unidos e outras nações ocidentais, e começou uma nova era de desenvolvimento económico com uma curiosa amálgama de iniciativa pública e privada. 134 Algumas instituições internacionais datam do séc. XIX – por exemplo, a Cruz Vermelha Internacional, fundada em Genebra em 1864, e a União Postal Universal, criada em 1874 e com sede em Berna, na Suíça -, mas o século XX tem sido prolífico na sua criação. Existem literalmente centenas de organizações, a maioria das quais de pouco ou nenhum significado económico, mas algumas afectam o desempenho da economia mundial de formas relevantes. A Sociedade das Nações, criada pelo tratado de Versalhes em 1919, foi ideada por Woodrow Wilson para garantir a paz mundial e, deste modo, a prosperidade. A recusa do Senado Norte-Americano em ratificar o tratado e dos estados Unidos em entrarem para a Sociedade, a par da fraqueza da sua estrutura, condenou-a ao malogro. Uma das subagências da Sociedade, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobreviveu à Sociedade, e persiste como subagência das Nações Unidas. A sucessora da Sociedade – as Nações Unidas – tem obtido uma marca ligeiramente melhor na manutenção da paz e tem criado várias agências especializadas na resolução de assuntos económicos e afins. Duas delas precederam, na verdade, a criação das Nações Unidas e têm desempenhado um papel de relevo na economia mundial: o Fundo Monetário Mundial (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial) – ambas aprovadas numa conferência em julho de 1944 em Breton Woods no New Hamsshire, em antecipação da vitória aliada na II Guerra Mundial. O papel do Governo Outra importante mudança institucional que afecta todas as nações no séc. XX é o papel muito mais alargado do Governo na economia. O crescimento do Governo está em parte relacionado com as necessidades financeiras das duas guerras mundiais e com outras considerações de defesa nacional – mas apenas em parte. Na União Soviética, e noutras economias ao estilo soviético, o Governo assumiu total responsabilidade pela economia através dum amplo sistema de planeamento e verificação económicos. Depois da II Guerra Mundial, a maioria dos países adoptou uma qualquer forma de planeamento económico, embora não tão abrangente ou compulsivo como o da União Soviética. Daí o rótulo de «economias mistas» que se tem aplicado às nações da Europa Ocidental. A outra grande razão do crescimento do Governo – os pagamentos de transferência – também têm raízes no final do séc. XIX, mas não alcançou grandes proporções antes do fim da II Guerra Mundial. Na década de 1880, Bismarck, o chanceler alemão, introduziu o seguro obrigatório de doença e acidentes para trabalhadores e um sistema de pensões muito limitado para os idosos e incapacitados, em grande parte por razões paternalistas. Estas inovações foram gradualmente copiadas e alargadas noutros países, principalmente após a I Guerra Mundial; os Estados Unidos, por ex: só adoptaram uma segurança social alargada (incluindo o subsídio de desemprego) depois das reformas de New Deal, nos anos 30. Depois da II Guerra Mundial, devido a grandes pressões políticas, a maior parte dos estados democráticos alargou em muito os seus sistemas de segurança social e outros 135 pagamentos de transferência. Por este motivo, tornaram-se conhecidos nalguns sectores como «Estados-Providência». As formas de empresa No princípio do séc. XX, a sociedade anónima de responsabilidade limitada, ou empresa moderna, estava já bem implantada nos principais países industriais, mas, na maior parte das vezes, era apenas adoptada em indústrias de grandes dimensões e que necessitavam de avultados investimentos de capital. Estas tendências no emprego da forma societária de organização tiveram o seu início nos Estados Unidos na última parte do séc. XIX, mas difundiram-se rapidamente pela Europa por todo o mundo no séc. XX. O motivo para tanto foi o de permitir às empresas competirem com sucesso com outro fenómeno de origem norte-americana a empresa multinacional. As empresas multinacionais não eram uma novidade absoluta, nem eram exclusivamente norte-americanas – o bando dos Médicis, no séc. XV, sedeado em Florença, tinha filiais noutros países -, mas eram relativamente raras até ao séc. XX. Mão-de-obra sindicalizada No princípio do séc. XX, o direito dos trabalhadores de se organizarem e negociarem colectivamente foi reconhecido (por ex: na Grã-Bretanha e na Alemanha ) a mão-de-obra sindicalizada exercia um poder considerável no mercado de trabalho. Mesmo nesses países, a mão-de-obra sindicalizada era uma minoria. Os anos entre as duas guerras testemunharam um aumento da adesão dos sindicatos nas nações industrializadas e uma difusão da sindicalização noutras nações menos desenvolvidas. Desde meados da década de 1950, com o crescimento do sector terciário a das indústrias de alta tecnologia, a associação sindical declinou, em termos de percentagem de mão-de-obra. Na Europa Ocidental, as tendências de adesão sindical, embora distintas dos Estados Unidos, têm sido semelhantes. Diferença significativa, é a de que na Europa as associações sindicais estão muito mais intimamente identificadas com os partidos políticos que nos Estados Unidos. Os nazis aboliram não só os partidos políticos como também os sindicatos. Todos os trabalhadores forma obrigados a tornarem-se membros da Frente do Trabalho, uma organização conduzida por elementos do Partido Nazi para assegurar a disciplina laboral. Em Itália, na União Soviética e noutros países totalitários ocorreram desenvolvimentos semelhantes. Ao tempo da Revolução de 1917, os membros das associações sindicais russas (que subsistiram ilicitamente no regime czarista) pensaram que seriam chamados para desempenhar na reforma e reorganização da economia e da sociedade russas. Ficaram profundamente decepcionadas quando o Governo se serviu dos sindicatos não como defensores dos direitos dos trabalhadores mas como instrumentos para impor a disciplina laboral e partidária. 136 137 Cap. XIV Desintegração económica internacional As consequências económicas da I Guerra Mundial Antes de 1914, a economia mundial tinha funcionado livre e, no seu todo eficientemente. Apesar de algumas restrições sob a forma de tarifas proteccionistas, monopólios privados e cartéis internacionais, o grosso da actividade económica, tanto interna como internacional, foi regulada por mercados livres. Durante a guerra, os governos de todas as nações beligerantes e os de algumas não beligerantes impuseram contenções directas dos preços da produção e da fixação da mão-de-obra. Estas contenções estimularam artificialmente alguns sectores da economia e, do mesmo modo, restringiram artificialmente outros. Embora a maioria das contenções tivesse sido eliminada no final da guerra, as relações anteriores à guerra não se restabeleceram nem rápida nem facilmente. Um problema ainda mais sério resultou da ruptura do comércio externo e das formas da guerra económica a que os beligerantes – a Grã-Bretanha e a Alemanha, em particular recorreram. Antes da guerra, a Grã-Bretanha, a Alemanha, a França e os Estados Unidos, na qualidade de principais nações industriais e comerciais do mundo, eram igualmente, entre si, os melhores clientes e principais fornecedores. As trocas comerciais entre a Alemanha e as demais nações interromperam-se imediatamente, embora os Estados Unidos, na sua fase neutral, tentassem manter relações . nisso foram impedidos pelas acções retaliatórias tanto da Grã-Bretanha como da Alemanha. Intimamente relacionada com a ruptura do comércio internacional e com a imposição de contenções pelos Governos, a perda de mercados externos teve efeitos ainda mais duradouros. A Alemanha, foi completamente banida dos mercados ultramarinos – é , sem o engenho dos seus cientistas e engenheiros, teria sido forçada a capitular muito mais cedo do que o fez. Mesmo a Grã-Bretanha, com o seu domínio dos mares e uma grande marinha mercante, foi forçada a desviar recursos das suas utilizações correntes para a produção de guerra. Em 1918, as suas exportações industriais tinham caído para cerca de metade do seu nível de antes da guerra. Consequentemente, as nações ultramarinas começaram a fabricar para si mesmas ou a comprar a outras nações ultramarinas produtos que anteriormente adquiriam na Europa. Os Estados Unidos e o Japão, que tinham já desenvolvido importantes indústrias fabris, que protegeriam, depois da guerra com tarifas elevadas. Os Estados Unidos também aumentaram em muito as suas exportações para os países aliados e neutrais da Europa. A guerra também perturbou o equilíbrio da agricultura mundial. Ao aumentar grandemente a procura de géneros alimentares e de matérias-primas, ao mesmo tempo que algumas regiões deixavam de produzir ou eram banidas dos mercados, a guerra estimulou a produção, quer em zonas organizadas, como nos Estados Unidos, quer em áreas relativamente virgens, como na América Latina. Isto levou à superprodução e à queda dos preços nos anos 20. o trigo, o açúcar, o café e a borracha revelaram-se especialmente vulneráveis. Além de perderam mercados externos, as nações beligerantes da Europa sofreram ainda uma quebra de receitas nos transportes marítimos e noutros serviços. A marinha 138 mercante alemã, completamente paralisada durante a guerra, teve de ser cedida aos Aliados em pagamento de reparações de guerra. O esforço de guerra submarina dos Alemães infligiu pesados danos à marinha mercante britânica, ao passo que os Estados Unidos, com um programa subsidiado de construção naval em tempo de guerra, se tornaram, pela primeira vez desde a Guerra Civil, grandes competidores no transporte marítimo internacional. Londres e outros centros financeiros europeus perderam alguma da sua receita na banca, nos seguros e noutros serviços financeiros e comerciais, que, durante a guerra, foram transferidos para Nova Iorque e para outros países (Suíça, por exemplo). Outra grande perda provocada pela guerra foi a da recita de investimentos no estrangeiro. Antes da guerra, a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha eram os principais investidores externos. Uma vez que a Grã-Bretanha e a frança importavam mais do exportavam, a receita proveniente dos investimentos externos ajudava a pagar o excedente das importações. Foram ambas obrigadas a alienar alguns dos seus investimentos externos para financiar a aquisição de material de guerra de que necessitavam com urgência. O valor doutros investimentos diminuiu em resultado da inflação e de dificuldades monetárias com ela relacionadas. Outros, ainda, sofreram grandes reveses ou a rejeição mais completa, nomeadamente os avultados investimentos franceses na Rússia, que o novo poder soviético se negou a reconhecer. Os investimentos da Alemanha em países beligerantes foram confiscados durante a guerra e, subsequentemente, todos consignados a pagamentos de reparação. Os Estados Unidos, por outro lado, passaram de devedores líquidos a credores líquidos em consequência do seu enorme excedente de exportação e dos avultados empréstimos aos Aliados. A inflação provocou uma desarticulação final nas economias nacionais e internacionais. As pressões das finanças de guerra forçaram todos os beligerantes (e alguns não beligerantes), com excepção dos Estados Unidos, a saírem do padrão-ouro, que servira no período de antes da guerra para estabilizar, ou pelo menos sincronizar, os movimentos de preços. Todos os beligerantes recorreram a empréstimos em larga escala e à emissão de papel-moeda para financiarem a guerra. Isto provocou uma subida dos preços, embora nem todos tenham subido na mesma proporção. A grande disparidade nos preços e, consequentemente, nos valores das moedas dificultou a retomada do comércio internacional, igualmente provocando graves repercussões sociais e políticas. Consequências económicas da paz A Paz de Paris, como ficou conhecido o acordo pós-guerra, em vez de tentar resolver os graves problemas económicos causados pela guerra, acabou por exacerbá-los. Os negociadores da paz não pretenderam que isso sucedesse; pura e simplesmente, não conseguiam avaliar as realidades económicas. Dos tratados de paz resultaram duas grandes categorias de dificuldade económica: - o crescimento do nacionalismo económico - problemas monetários e financeiros os tratados da paz não foram os únicos culpados de ambas as dificuldades, mas a ambas acrescentaram problemas, em vez de os minorarem. 139 O Tratado de Versalhes com a Alemanha, restituiu à França e autorizou a ocupação francesa do Vale do Sarre, rico em carvão, durante 15 anos. Concedeu à recentemente recriada Polónia a maior parte da Prússia Ocidental e uma parte da Silésia Superior, rica em minérios. As suas colónias em África e no Pacífico já tinham sido ocupadas pelos aliados (incluindo o Japão), que viram confirmadas as suas posses. Além disso, a Alemanha teve: - de entregar a sua marinha de guerra - aceitar restrições às suas forças armadas - aceitar a ocupação aliada da Renânia durante 15 anos - várias outras condições danosas ou meramente humilhantes A mais humilhante de todas foi a famosa cláusula de «culpa da guerra». Artigo 231º John Maynard Keynes, um conselheiro económico da delegação britânica à conferência da paz, ficou tão perturbado, que se demitiu das suas funções e escreveu um best-seller – As consequências Económicas da Paz – em que previa consequências terríveis, não apenas para a Alemanha mas para toda a Europa, a menos que as cláusulas de reparação fossem revistas. Embora o raciocínio de Keynes tenha sido contestado, o curso posterior dos acontecimentos pareceu apoiar a sua predição. Õ desmembramento do Império Austo-Húngaro nas últimas semanas da guerra resultou em dois novos Estados, a Áustria e a Hungria. A Checoslováquia, criada a partir de antigas províncias austríacas e húngaras, e a Polónia, recriada de antigas terras austríacas, alemãs e (principalmente) russas, também se tornaram novos Estados-Nação. A Sérvia obteve as províncias eslavas meridionais da Áustria-Hungria e uniu-se ao Montenegro para se tornar a Jugoslávia. A Roménia, aliada às potências ocidentais, obteve muito território da Hungria, ao passo que a Bulgária, um inimigo vencido, perdeu terra para a Grécia, para a Roménia e para a Jugoslávia. A Itália ficou com Trieste, o Trentino e o Tirol Meridional Austríaco, de língua alemã. O nacionalismo económico não se limitou aos novos Estados que emergiram da desagregação de impérios. Durante a sua guerra civil, a Rússia simplesmente desapareceu da economia internacional. Quando reemergiu sob o regime soviético, as suas relações económicas foram conduzidas duma forma completamente diferente de qualquer outras anteriormente utilizada. O Estado tornou-se o único comprador e vendedor no comércio internacional. Apenas comprava e vendia o que os seus governantes políticos consideravam ser estrategicamente necessário ou conveniente. Um nacionalismo económico tão exagerado produziu o oposto ao que os seus formuladores pretendiam – níveis de produção e rendimentos inferiores, e não superiores. As consequências adversas deste neomercantilismo, nome dado a tais políticas, não cessaram com a aplicação das medidas legislativas. Cada nova medida de restrição provocava retaliação doutras nações cujos interesses eram atingidos. As desordens monetárias e financeiras causadas pela guerra e agravadas pelos tratados da paz acabariam por levar a um completo colapso da economia internacional. A Grã-Bretanha tinha abandonado o padrão-ouro em 1914 como medida orçamental de guerra, como centro indisputado dos mercados financeiros mundiais, fizeram-se sentir 140 fortes pressões para um rápido regresso ao padrão-ouro, a fim de evitar uma acrescida erosão, iniciada durante a guerra, da sua primazia financeira. Sob o sistema de antes da guerra, a libra equivalia a 4,86 dólares, mas os Estados Unidos tinham permanecido no padrão-ouro durante toda a guerra. A Grã-Bretanha tinha uma taxa de inflação superior à dos Estados Unidos. Em 1925, o ministro das Finanças Winston Churchill, que antes tinha trocado a sua lealdade aos Liberais pelos Conservadores, resolveu fazer regressar a Grã-Bretanha ao padrão-ouro à prioridade do anteguerra. Para manter a indústria britânica competitiva, era necessária uma queda dos preços de aproximadamente 10 %, o que por sua vez exigiu uma descida equivalente dos salários. O efeito global foi uma redistribuição do rendimento à custa dos trabalhadores e a favor dos que viviam de rendimentos fixos. Quando confrontados com um corte de salários em resultado do regresso ao padrão-ouro os mineiros entraram em greve em 1 de Maio de 1926 e persuadiram muitos outros sindicatos a juntarem-se-lhe no que deveria ser uma greve geral, mas a greve só durou 10 dias, acabando com a derrota dos sindicatos. Por curta que fosse, a greve geral deixou um legado amargo da divisão e ódio de classes que dificultou ainda mais uma acção nacional concertada contra os problemas internos e internacionais. Apesar dos problemas da Grã-Bretanha, a maior parte da Europa prosperou no final dos anos 20. Durante cinco anos, de 1924 a 1929, parecia que a normalidade tinha de facto regressado. A maioria dos países, particularmente os Estados Unidos, a Alemanha e a França, viveu um período de prosperidade. Porém, a base dessa prosperidade era frágil e dependia do continuado fluxo voluntário de fundos da América para a Alemanha. A Grande Depressão, 1929-33 Ao contrário da Europa, os Estados Unidos emergiram da guerra mais fortes que nunca. Embora tenham vivido, a par da Europa, uma depressão aguda em 1920-21, a queda revelar-se-ia breve, e durante quase uma década a sua economia crescente sofreu apenas pequenas flutuações. No final do Verão de 1929, a Europa começava já a sentir a tensão da interrupção dos investimentos americanos no estrangeiro, e mesmo a economia americana tinha deixado de crescer. Na Europa, a Grã-Bretanha, a Alemanha e a Itália estavam já no meio duma depressão. Mas, com os preços das acções em alta permanente, os investidores americanos e os supervisores públicos pouca importância deram a estes sinais pertubadores. Em 24 de Outubro de 1929 - «a Quinta-Feira Negra» da história financeira norte-americana, seguiu-se-lhe outra onda de vendas em 29 de Outubro, a « Terça-Feira Negra» e continuou a cair. A retirada de capital da Europa, continuou ao longo de 1930, provocando uma pressão intolerável em todo o sistema financeiro. Os mercados financeiros estabilizaram, mas os preços das mercadorias eram baixos e continuavam em queda, transmitindo a pressão a produtores como a Argentina e a Austrália. 141 A derrocada do mercado bolsista não foi a causa da depressão – que tinha já começado, tanto nos Estados Unidos como na Europa – mas foi um sinal evidente de que a depressão se estava a instalar. O comércio internacional caiu drasticamente entre 1929 e 1932, induzindo quedas semelhantes, embora menos drásticas, na produção fabril, no emprego e no rendimento per capita. Uma característica maior das decisões de política económica de 1930-31 tinha sido a sua aplicação unilateral: as decisões de suspender o padrão-ouro e de impor tarifas e contingentes tinham sido tomadas por governos nacionais sem consulta ou acordo internacional e sem considerarem as repercussões nem as reacções das partes afectadas. Isto foi em grande parte responsável pela natureza anárquica da desordem que se seguiu . Õ último grande esforço a fim de garantir a cooperação internacional para acabar com a crise económica foi a Conferência Monetária Mundial de 1933. Oficialmente proposta pela Sociedade das Nações em Maio de 1932 e adoptada por resolução na Conferência de Lausana em Julho desse ano, a ordem de trabalhos da conferência previa acordos para restaurar o padrão-ouro, reduzir as pautas aduaneiras e os contingentes de importação e incrementar outras formas de cooperação internacional. O papel dos estados Unidos, então envolvidos numa eleição presidencial, numa tal conferência foi universalmente tido por essencial. Roosevelt foi investido no auge da depressão; um dos seus primeiros actos oficiais foi a decretação de 8 dias de «feriado bancário», para dar ao sistema bancário tempo para se reorganizar, e a maior parte das medidas dos famosos «cem dias» envolveu acções de emergência para fortalecimento da economia interna. Quando a conferência se efectuou em Londres, em Junho, Roosevelt fez saber que a primeira responsabilidade do Governo Norte-Americano era a recuperação da prosperidade interna e que não poderia participar em quaisquer compromissos internacionais que interferissem com essa tarefa. Desanimados, os delegados à conferência escutaram uns quantos discursos sem qualquer importância e suspenderam os trabalhos em Julho sem tomarem qualquer medida significativa. Uma vez mais, a cooperação internacional tinha falhado. As consequências a longo prazo da depressão também merecem referência. Entre elas encontravam-se um crescimento do papel do Governo na economia, uma mudança gradual nas atitudes em relação à política económica (a chamada revolução Keynesiana) e os esforços de países da América Latina e de alguns outros do Terceiro Mundo para desenvolverem indústrias orientadas para a substituição das importações. A depressão também contribuiu, através do sofrimento e inquietação que provocou, para a ascensão de movimentos políticos extremistas, tanto da esquerda como da direita, nomeadamente na Alemanha, contribuindo, indirectamente, para o germinar da II Guerra Mundial. Tentativas rivais de reconstrução Frankelin Roosevelt, durante os quatro anos do seu primeiro mandato, o volume de legislação ultrapassou o de qualquer administração anterior. Lidou, sobretudo com a recuperação económica e a reforma social nos sectores da agricultura e da banca, com o 142 sistema monetário, os mercados de títulos, o trabalho, a segurança social, a saúde, a habitação, os transportes, as comunicações, os recursos naturais – na verdade, com todos os aspectos da economia e da sociedade americanas. O acto legislativo mais característico de todo o período talvez tenha sido a Lei da Reconstrução Industrial Nacional. Instituiu uma Administração de Reconstrução Nacional (ARN) para supervisionar a preparação, por representantes da própria indústria, de «códigos de concorrência leal» para cada indústria. Era um sistema de planeamento económico privado («autogoverno industrial») com supervisão governamental, para proteger o interesse público e garantir o direito de os trabalhadores se organizarem e reivindicarem colectivamente. Nenhuma nação ocidental sofreu mais coma a guerra que a França. A maioria dos combates na Frente Ocidental tinha ocorrido na sua região mais rica. Mais aterradora foi a perda de vidas, por isso não é surpreendente que a França exigisse à Alemanha que pagasse pela guerra. Contando com as reparações alemãs para pagar os custos, o Governo Francês iniciou imediatamente um programa alargado de reconstrução física nas regiões danificadas pela guerra que teve o efeito incidental de estimular a economia para novos máximos de produção. O franco desvalorizou-se mais nos primeiros sete anos da paz que durante a guerra. Percebendo que os alemães não podiam ser obrigados a pagar, um gabinete de coligação constituído por seis antigos primeiro-ministros estabilizou o franco em 1926 a cerca de um quinto do seu valor de antes da guerra, recorrendo a drásticas opções económicas e a firmes aumentos nos impostos. Esta solução foi mais satisfatória que qualquer outra das soluções extremas adoptadas pela Grã-Bretanha e pela Alemanha, mas ignorou quer a classe dos que viviam de rendimentos fixos, que perdeu cerca de quatro quintos do seu poder de compra com a inflação quer as classes operárias, que suportaram a maior parte do fardo da agravação fiscal. Assim, como na Alemanha, a inflação contribuiu para o crescimento do extremismo tanto à direita como à esquerda. O franco quando se estabilizou, estava subvalorizado em relação a outras moedas importantes. Isso estimulou as exportações, entravou as importações e conduziu a um influxo de ouro. Assim, a depressão atacou a França mais tarde que os outros países – não antes de 1931 – e foi talvez menos severa, mas foi de maior duração. Como acontecera noutros países, a depressão deu origem a protestos sociais e a uma nova onda de organização extremistas. O governo da Frente Popular nacionalizou o Banco de França e os caminhos-de-ferro e aplicou uma série de medidas de reforma laboral, como sejam o máximo de 40 horas de trabalho por semana, a arbitragem necessária de litígios laborais e férias pagas aos trabalhadores da Indústria. No problema mais vasto da recuperação económica, a frente Popular não teve mais sucesso que os Governos anteriores, franceses e estrangeiros, tinham tido, e cindiu-se em 1938, quando os assuntos externos dominavam cada vez mais o universo político. Na Europa Central e Oriental, e também em Espanha, os desenvolvimentos políticos – a ascensão das ditaduras fascistas – obscureceram os fenómenos puramente económicos; mas mesmo aqueles tinham os seus aspectos económicos. A primeira ditadura foi a de Itália. Benito Mussolini foi legitimamente empossado em 1922, mas rapidamente 143 consolidou o seu poder com métodos totalitários. Para acomodar os fundamentos do seu regime, Mussolini contratou o filósofo Giovanni Gentile para prover a uma racionalização do Fascismo, que foi então publicitada como a própria filosofia de Mussolini. O Fascismo: - Glorificava o uso da força - Tinha a guerra pela mais nobre das actividades humanas - Denunciava o liberalismo, a democracia, o socialismo e o individualismo - Tratava o bem-estar material com desdém - Considerava as desigualdades humanas não apenas inevitáveis como desejáveis. Acima, de tudo deificava o Estado como a encarnação suprema do espírito humano. Como tentativa da reconstrução total da sociedade, o Fascismo necessitava duma forma distinta de organização económica. Mussolini criou o Estado Corporativo, uma das mais publicitadas e menos bem sucedidas inovações do seu regime. Em princípio o Estado Corporativo era a antítese tanto do Capitalismo como do socialismo. Embora permitisse a propriedade privada, os interesses quer de proprietários quer de trabalhadores estavam subordinados aos interesses mais elevados da sociedade no seu todo tal como era representada pelo Estado. Na prática, e se é que as corporações funcionaram de todo agiram sobretudo como sindicatos patronais capitalistas cujo propósito era o aumento dos rendimentos dos homens de negócios e dos administradores do partido, à custa dos trabalhadores e consumidores. Mais bem sucedida que a Itália no combate à depressão, a Alemanha Nazi, foi a primeira grande nação industrial a alcançar a recuperação total. Desenvolveu o primeiro sistema moderno de auto-estradas e fortaleceu e expandiu grandemente as suas indústrias, o que lhe conferiu uma vantagem decisiva sobre os seus inimigos nos primeiros anos da II Guerra Mundial. Ao contrário do regime totalitário da Rússia, os Nazis não recorreram à nacionalização total da economia (embora a administração das empresas confiscadas aos Judeus fosse frequentemente entregue a membros do partido); apoiam-se na coerção e na autoridade para alcançarem os seus objectivos. Um dos principais objectivos económicos dos Nazis foi o de tornar a economia alemã auto-suficiente em caso de guerra. Não esqueceram os efeitos devastadores do bloqueio aliado durante a I Guerra Mundial e quiseram ficar imunes a esse tipo de dificuldades no futuro. A política de auto-suficiência também determinada a natureza das relações comerciais alemãs com outras nações. A Espanha, tendo evitado o envolvimento na I Guerra Mundial, escapou a muitos dos problemas e dilemas colocados a outros países europeus. A sua indústria beneficiou inclusivamente da procura em tempo de guerra, mas era ainda uma nação predominantemente agrária, prejudicada por uma agricultura de baixa produtividade. Durante a ditadura de Miguel Primo de Rivera, entre 1923 e 1930, a economia participou na prosperidade internacional da época, mas a depressão que se seguiu foi factor determinante da queda da monarquia e do estabelecimento da II República, em 1931. O clima internacional desses anos não foi muito favorável às reformas que os Republicanos visavam empreender. Em 1936, o general Francisco Franco iniciou uma guerra civil 144 sangrenta e destrutiva que terminou com o derrube da república em 1939 e a instituição dum regime autárquico nalguns aspectos semelhante aos da Itália Fascista e da Alemanha Nazi, mas sem a tecnologia avançada desta última. As revoluções russas e a União Soviética A Rússia Imperial entrou na I Guerra Mundial na expectativa de uma rápida vitória sobre os Impérios Centrais. Essa ilusão depressa se desvaneceu e, à medida que a guerra se arrastava, os tradicionais flagelos russos, a ineficiência e a corrupção, cobraram os seus créditos. No começo de 1917, a economia estava destruída. No início de Março, greves e motins eclodiram em Petrogrado ( o novo nome de Petersburgo). No 12 de Março, aos chefes dos grevistas e dos soldados juntaram-se-lhe representantes de vários partidos socialistas num soviete (conselho) de Delegados dos Trabalhadores e dos Soldados. No mesmo dia, uma comissão da Duma (parlamento) decidiu formar um governo provisório e, em 15 de Março, conseguiu a abdicação do Czar. Assim terminou o longo reinado dos Romanov, numa revolução curta, quase sem chefes e praticamente sem derramamento de sangue. O Governo Provisório era uma mistura heterogénea de aristocratas, intelectuais e parlamentares. O novo regime proclamou imediatamente a liberdade de expressão, de imprensa e de religião, anunciou que empreenderia a reforma social e a redistribuição da terra e prometeu reunir uma assembleia constituinte para determinar a forma permanente de governo da Rússia. Também tentou continuar a guerra contra a Alemanha; isso revelar-se-ia a sua desgraça. Lenine, o chefe da facção bolchevique dos partidos socialistas russos, que tinha passado a maior parte da sua vida adulta no exílio, regressou a Petrogrado com a conivência do Governo Alemão, que esperava que ele contribuísse para a agitação social e para o caos político. Lenine assumiu rapidamente o seu domínio no Soviete de Petrogrado e levou a cabo uma incansável campanha contra o Governo Provisório. À Revolução de Outubro seguiram-se quatro anos de lutas e amarga guerra civil. Os Bolchevistas, que agora se chamavam a si mesmos comunistas, introduziram uma política drástica designada Comunismo de Guerra. Implicava a nacionalização da economia urbana, o confisco e a distribuição de terras aos camponeses e um novo sistema jurídico. A sua característica mais significativa foi, a sua introdução dum governo de partido único, a «ditadura do proletariado» com Lenine à frente. Pouco depois da Revolução de Outubro, o Governo acedeu à exigência de independência da Finlândia. Embora tenha acedido às exigências dos estados bálticos da Estónia, da Lituânia e da Letónia, resistiu às da Ucrânia, da Transcaucásia e doutras regiões. Em 1922, Lenine decidiu criar uma federação, pelo menos de nome contra o conselho do seu especialista nas questões das nacionalidades, o georgiano naturalizado russo José Estaline. Em 30 de Dezembro de 1922 nasceu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Confrontado com a estagnação económica e a possibilidade duma grande revolta camponesa, Lenine inverteu radicalmente a sua acção com a chamada Nova Política Económica (NEP), um compromisso com princípios capitalistas da economia que Lenine considerou «um passo atrás para seguir um frente». Mas os chamados pilares dominantes 145 da economia permaneceram na posse e sob o domínio do Estado. A NEP também incluía um vigoroso programa de electrificação, a criação de escolas técnicas para engenheiros e gestores industriais e a criação duma organização mais sistemática dos sectores estatais da economia. Apesar de algumas dificuldades acrescidas com os camponeses, a produção aumentou tanto na indústria como na agricultura, e, por volta de 1926 a 1927, os níveis de produção do anteguerra tinham sido substancialmente recuperados. Em 1928, o domínio de Estaline sobre o parido e sobre o país era praticamente total. Em 1929, assim que passou a dominar firmemente o aparelho do partido e dos orgãos do Estado, lançou o primeiro dos planos quinquenais. A este acontecimento chama-se, por vezes «a segunda revolução bolchevique». Todos os recursos do Governo Soviético foram directamente ou indirectamente empregados nesses esforço. Para assuntos puramente técnicos, a Comissão do Planeamento Estatal (Gosplan) tinha a responsabilidade genérica da formulação de planos, definição de objectivos de produção e emissão de directivas às diversas agências subsidiárias. Sem atender a custos, lucros ou preferências dos consumidores, o mecanismo de planeamento substitui o mercado. Os objectivos do I Plano Quinquenal foram oficialmente declarados cumpridos decorridos apenas quatro anos e três meses. Na verdade, o plano estava longe de ser um completo sucesso. Apesar de em alguns sectores da indústria e da produção terem aumentado prodigiosamente, a maior parte das indústrias não tinham conseguido atingir as suas quotas, que tinham sido irrealisticamente elevadas a uma alta fasquia. Em 1933, o Governo inaugurou o II Plano Quinquenal, no qual se deveria dar ênfase aos bens de consumo. Apesar de grandes aumentos na produção industrial, o país manteve-se essencialmente agrário. Uma particularidade notável do II Plano Quinquenal deu-se em 1936-37 – a Grande Purga. Milhares de pessoas, desde trabalhadores não qualificados até importantes chefes partidários e militares, foram levados a julgamento (ou executados sem julgamento) por alegados crimes que iam da sabotagem à espionagem e à traição. Naturalmente, isto teve um efeito significativo na produção. O III Plano Quinquenal, lançado em 1938, foi interrompido pela invasão alemã de 1941, e a União Soviética recaiu em algo semelhante ao Comunismo de Guerra. Aspectos económicos da II Guerra Mundial Verdadeira guerra global, envolveu directa ou indirectamente as populações de todos os continentes e de quase todos os países do mundo. Ao contrário da sua antecessora, que tinha sido antes de mais, uma guerra de estratégia, esta foi uma guerra de evolução – em terra, no ar e no mar. As capacidades económicas e, em especial, industriais dos beligerantes adquiriram uma nova importância. Em última análise, a linha de produção tornou-se tão importante como alinha de fogo. A derradeira arma secreta dos vitoriosos foi a enorme capacidade produtiva da economia americana. Os prejuízos materiais foram muito superiores aos da I Guerra Mundial, em grande medida devido aos bombardeamentos aéreos. As infra estruturas de transportes, especialmente caminhos-de-ferro e portos e docas revelaram-se alvos tentadores. 146 Todos os combatentes recorreram à guerra económica, uma expressão nova para uma velha política. No fim da guerra, o cenário económico era, na Europa, extremamente desolador. Em 1945, a produção industrial e agrícola foi de metade, ou menos, da que tinha sido em 1938. Além dos prejuízos materiais e da perda de vidas humanas, milhões de pessoas tinham sido desenraízadas e afastadas das suas famílias e outros milhões ainda enfrentavam a perspectiva da fome. Para piorar as coisas, o quadro institucional da economia tinha sido profundamente danificado. A reconstrução não iria ser tarefa fácil. 147 148 Cap. XV Reconstruindo a economia mundial No fim da guerra, a Europa estava prostrada, quase paralisada. Todos os países beligerantes excepto a Grã-Bretanha e a união Soviética tinham sofrido derrota militar e ocupação inimiga. Apenas os poucos países neutrais europeus escaparam aos prejuízos directos, mas mesmo eles sofreram de muitas carestias provocadas pela guerra. O auxílio chegou por dois canais principais, sobretudo com origem na América: - À medida que as forças aliadas avançavam pela Europa Ocidental no Inverno e Primavera de 1944-45, distribuíram rações de emergência e medicamentos à população civil em risco, tanto à inimiga como à libertada. - O outro canal foi a Administração das Nações Unidas para Auxílio e reconstrução (ANUAR). Os Estados Unidos suportaram mais de dois terços dos custos, outros membros das Nações Unidas o restante. Depois de 1947, o trabalho da ANUAR foi continuado pela Organização Internacional dos Refugiados, pela Organização Mundial de Saúde e por outras agências especializadas das Nações Unidas, bem como agências nacionais voluntárias e oficiais. Em contraste com s Europa, os Estados Unidos emergiram da guerra mais fortes que nunca. O mesmo se passou, em menor grau, com o Canadá e as demais nações da Commonwealth e vários países da América Latina. Poupados aos prejuízos directos da guerra, as suas indústrias e agricultura beneficiaram de grande procura em tempo de guerra, o que permitiu a utilização total da sua capacidade, modernização tecnológica e expansão. Apesar das dificuldades que a inflação trouxe a quem vivia de rendimentos fixos, ela manteve as indústrias a trabalhar e permitiu aos estados Unidos alargarem a necessária ajuda económica à reconstrução da Europa e doutras regiões devastadas pela guerra e flageladas pela pobreza. Planeamento da economia do pós-guerra Uma tarefas mais urgentes que esperavam os povos europeus depois das suas necessidades de sobrevivência foi a da restauração da lei, da ordem e da administração pública normais. A própria magnitude do esforço de reconstrução apontou para um papel bem mais importante para o Estado na vida económica e social que o que fora característico do período anteguerra. A nível internacional, o planeamento do pós-guerra, tinha começado durante a própria guerra. Em Agosto de 1941, Frankelin Roosevelt e Winston Churchill assinaram a Carta do Atlântico, que comprometia os seus países (e, subsequentemente, outros membros das Nações Unidas) a empreenderem a reconstrução dum sistema multilateral de comércio mundial na vez do bilateralismo dos anos 30. Claro que foi apenas uma declaração de intenções e não obrigou a quaisquer acções concretas; mas pelos menos, foi uma declaração de boas intenções. 149 Em 1944, numa conferência internacional na estância de Bretton Woods, no Newhampshire, na qual os delegados americanos e britânicos tiveram os principais papéis, foram lançadas as bases de duas grandes instituições: - O Fundo Monetário Internacioal (FMI) seria responsável pela gestão da estrutura de taxas de câmbio entre as várias moedas mundiais e também pelo financiamento de desequilíbrios a curto prazo das balanças de pagamento. - O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhecido como Banco Mundial, concederia empréstimos a longo prazo para a reconstrução das economias devastadas das nações mais pobres do mundo. Estas duas instituições não se tornariam operacionais antes de 1946 e, por vários motivos, não foram completamente eficazes durante vários anos; mas pelo menos tinha-se tomado uma iniciativa no sentido de reconstruiu a economia mundial. Os conferencistas de Bretton Woods também consideraram a criação duma Organização Internacional do Comércio (OIC) que formularia regras de reciprocidade entre as nações. Foram efectuadas mais conferências com este fim, mas o melhor que se conseguiu foi um Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), assinado em Genebra em 1947. O Plano Marshall e «milagres» económicos Em 5 de Junho de 1947, o general George C. Marshall, que fora nomeado secretário do Estado Norte-Americano pelo presidente Truman, proferiu uma alocução de investidura na Universidade de Harvard em que anunciou que, se as nações da Europa apresentarem um pedido unificado e coerente de ajuda, o governo dos Estados Unidos daria uma resposta favorável. Foi esta a origem do Plano Marshall. Representantes de 16 nações reuniram-se em Paris em 12 de Julho de 1947, autodesignando-se Comité de Cooperação Económica Europeia (CCEE). Dele faziam parte todas as nações democráticas da Europa Ocidental (e a Islândia), mesmo as neutrais Suíça e Suécia, bem como a Áustria (ainda sob ocupação militar), o não democrático Portugal, a Grécia e a Turquia. A Finlândia e a Checoslováquia mostraram-se interessadas em participar, mas foram contidas pela União Soviética; nem a união Soviética nem qualquer outro país do Leste da Europa se fizeram representar. A Espanha de Franco não foi convidada e a Alemanha, ainda sujeita a ocupação militar, não tinha governo para se ver representada. A Administração Truman lançou um forte programa de persuasão com esse fim, e, na Primavera de 1948, o Congresso aprovou a Lei da Ajuda Externa, que criou o Programa da Reconstrução Europeia (PRE), que seria gerido pela Administração de Cooperação Económica (ACE). Depois da deliberação do Congresso dos Estados Unidos, o CCEE converteu-se na Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE), que foi responsável, juntamente com a ACE, pela afectação da ajuda americana. Os membros da OECE também tiveram de constituir fundos de contrapartida nas suas próprias moedas, a serem atribuídas sob o consentimento da ACE. A Conferência de Potsdam tinha aceite o abate de armamentos alemães e doutras indústrias pesadas (já iniciado pelos Russos), reparações aos vitoriosos e às vítimas da agressão nazi, rígidas limitações à capacidade produtiva alemã e um vigoroso programa de 150 desnazificação, incluindo o julgamento de dirigentes nazis como criminosos de guerra. Na verdade, apenas o último objectivo foi cumprido tal como se tinha pretendido inicialmente. Assim como o Zollerein serviu como percursor do Império Alemão, a unificação económica das zonas ocidentais de ocupação delineou a futura República Federal da Alemanha. Para estimularem a recuperação económica nas suas zonas, as potências ocidentais efectuaram uma reforma da moeda alemã em Junho de 1948, substituindo os desvalorizados e desprezados Reichmarks nazis por marcos alemães numa proporção de 1 marco novo por cada 10 marcos antigo. Á reacção imediata e esmagadora, chamou-se milagre económico. A União Soviética, que não tinha sido consultada sobre a reforma monetária e que considerava uma infracção ao acordo de Postdam (o que de facto era), retaliou fechando todas as ligações rodoviárias e ferroviárias entre as zonas ocidentais de ocupação e Berlim Ocidental. Entretanto, a Alemanha Ocidental estava a ser integrada no Programa de Reconstrução Europeia. De início, em 1948, o auxílio às zonas ocidentais de ocupação foi recebido e distribuído pelo governo militar americano. Posteriormente, os estados da Alemanha Ocidental foram autorizados a eleger representantes para uma convenção constitucional, e, em Maio de 1949, nasceu a República Federal da Alemanha. Em Setembro, retirou o bloqueio a Berlim. Com a Alemanha Ocidental agora perfeitamente integrada na OECE e no Plano Marshall, a recuperação económica da Europa Ocidental podia considerar-se completa. O Plano Marshall chegou ao fim em 1952; tinha superado as expectativas de vários dos seus participantes, e mesmo as de alguns dos seus criadores. Para lá do facto de a Europa Ocidental ter não só recuperado como excedido níveis de produção do anteguerra, a OECE e outras instituições recém-criadas mantiveram-se e estimularam a economia a novos extremos. Uma das mais importantes dessas novas instituições foi a União Europeia de Pagamento (UEP). Este engenhoso dispositivo permitiu um comércio multilateral livre dentro da OECE Os resultados foram espectaculares. Sensivelmente nas duas décadas que se seguiram à formação da UEP, o comércio mundial cresceu a uma taxa anual média de 8%, a mais elevada da História com excepção de alguns anos que se seguiram aos tratados comerciais da década de 1860. A OECE metamorfoseou-se na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) à qual aderiram os Estados Unidos e o Canadá (e, mais tarde, o Japão e a Austrália): uma organização de países industriais avançados para coordenar a ajuda a países subdesenvolvidos, promover acordo sobre políticas macroeconómicas e debater outros problemas de interesse comum. O termo «milagre económico» foi aplicado pela primeira vez ao notável arranque do crescimento da Alemanha Ocidental após a reforma monetária de 1948. foi então notado que várias nações nomeadamente a Itália e o Japão, tinham taxas de crescimento tão ou mais altas que a alemã. 151 A ajuda americana desempenhou um papel crucial no início da recuperação. Daí em diante, os Europeus mantiveram-na com elevados níveis de poupança e investimento. As economias europeias tinham estagnado durante toda uma geração. Além de terem perdido o seu incremento potencial de crescimento, apenas dispunham de equipamento obsoleto e estavam muito atrás dos Estados Unidos em progresso tecnológico. Assim, a modernização tecnológica acompanhou o chamado milagre económico, para o que foi importante factor contributivo. Os sistemas económicos da Europa Ocidental do pós-guerra estavam igualmente longe do antiquado capitalismo estereotipado do séc. XIX e das economias de doutrina socialista da Europa do Leste. Nas economias mistas ou de Estado-providência, que se tornaram características das democracias ocidentais, o Governo assumiu as tarefas de promoção da estabilidade global, dum clima favorável ao crescimento e da protecção mínima aos economicamente débeis e desprivilegiados, mas abandonou à iniciativa privada a tarefa fundamental de produção de bens e serviços desejados pelas populações. Por fim, e a longo prazo, há que ter em grande conta a riqueza europeia de capital humano. As suas elevadas taxas de alfabetização e instituições educativas especializadas, dos jardins de infância às escolas profissionais, universidades e institutos de investigação, forneciam o pessoal especializado e os peritos que faziam a nova tecnologia funcionar com eficiência. A emergência do Bloco Soviético De todas as nações que entraram na guerra, a União Soviética foi a que, em sentido absoluto mais prejuízos sofreu. Segundo estimativas oficias, 30% da riqueza do período que antecedeu a guerra tinha sido destruída. Apesar dos sofrimentos do seu povo, a União Soviética emergiu como uma das duas superpotências do mundo do pós-guerra. Embora fosse pobre numa base per capita, os seus vastos territórios e população permitiram-lhe desempenhar esse papel. Para recuperar a economia devastada e arremessar a produção a novos níveis, o Governo lançou o IV Plano Quinquenal em 1946. Como já os planos anteriores tinham feito, favoreceu a indústria pesada e os armamentos, dando especial atenção à energia atómica. O novo plano também recorreu extensivamente às indemnizações físicas e à tributação dos antigos países do Eixo e novos satélites da URSS. Estaline, instituiu uma série de mudanças em altos cargos do Governo e da economia nos anos imediatamente a seguir à guerra. Uma revisão constitucional em 1946 substituiu o Conselho de Ministros, no qual Estaline assumiu a posição de presidente, ou primeiro-ministro. Estaline morreu em 1953. Nikita Khruchtchev, sucedeu a Estaline como secretário-geral do Partido Comunista, emergiu como chefe supremo. O Governo iniciou um programa oficial de «desestalinização», que inclui a remoção do seu corpo do famoso Túmulo de Lenine na Praça Vermelha, em Moscovo. Apesar da mudança de chefia e dumas quantas reformas superficiais, a natureza básica do sistema económico soviético não se alterou. Em 1955, o Governo anunciou o 152 «cumprimento» dum plano quinquenal e a inauguração doutro, embora altos funcionários se queixassem da ineficiência generalizada e de um terço das empresas industriais não terem atingido as suas metas de produção. A agricultura soviética manteve-se num estado de crise quase sem remédio durante o período pós-guerra, apesar dos esforços maciços do Governo para aumentar a produtividade. O sistema de exploração colectiva não oferecia incentivos suficientes aos camponeses. Em Janeiro de 1949, na sequência dos sucessos iniciais do Programa de Reconstrução Europeia, a União Soviética criou o Conselho de Assistência Económica Mútua (COMECON –raramente se emprega a sigla CAEM, preferindo em geral o acrónimo do inglês Council for Mutual Economic Assistance) numa tentativa de moldar as economias dos seus satélites leste-europeus numa união mais coesa. Em vez de desenvolver um sistema de comércio multilateral, como na Europa Ocidental, a maior parte do comércio tanto com a União Soviética como entre os outros países continuou a ser bilateral. Embora não pertencesse ao Bloco Soviético, a República Popular da China esteve por pouco tempo aliada à União Soviética. Objectivo fundamental da chefia comunista chinesa era a reestruturação da sociedade e a correcção dos processos de análise, do comportamento e da cultura. Os vestígios da estrutura «feudal» e «burguesa» de classes foram eliminados pelos expedientes simples da expropriação e da execução judicial. A União Soviética tinha desde o início oferecido assistência económica, técnica e militar à RPC (República Popular da China), mas os Chineses recusaram-se aceitar os ditames soviéticos. Em 1960, a URSS cortou toda a ajuda e retirou todos os seus conselheiros e assistentes técnicos. Apesar da retirada dos técnicos e do auxílio soviéticos, a China alcançou o seu maior triunfo tecnológico em 1964, com a explosão duma bomba atómica. A União Soviética tinha três outros Estados satélites, ou clientes, na Ásia: - República Popular da Mongólia - República Popular Democrática da Coreia ou Coreia do Norte - República Socialista do Vietname O único Estado socialista reconhecidamente aliado da União Soviética no Hemisfério Ocidental foi a República de Cuba. Fidel Castro, o chefe revolucionário que derrubou o despótico ditador Fulgencio Batista, em 1 de Janeiro de 1959, não se proclamou imediatamente marxista; mas a política anti-Castro dos estados Unidos, que culminou no apoio à desastrosa invasão da baía dos Porcos em 1961, empurrou-o para os braços duma União Soviética encantada por descobrir uma base de difusão das suas doutrinas no Hemisfério Ocidental. Tornou-se membro da COMECON em 1972. A economia da descolonização A II Guerra Mundial assinou o atestado de óbito do imperialismo europeu. As palavras de ordem dos Aliados Ocidentais em tempo de guerra, exigindo liberdade e democracia em todo o mundo, reforçaram a causa dos movimentos independentistas, ao realçarem o contraste entre os ideais ocidentais e as realidades do colonialismo. Quando a Grã-Bretanha concedeu a independência ao Subcontinente Indiano em 1947, emergiram quatro nações: 153 Índia, Paquistão, Sri Lanka e Bangladesh. Os quatro países têm populações extremamente densas, poucos e pobres recursos naturais e baixos níveis de alfabetização. Estão também sujeitos a perturbações raciais e religiosas e a governos instáveis, frequentemente ditatoriais. A maior parte da mão-de-obra dedica-se em todos eles, à agricultura de baixa produtividade. Todos estes países são extremamente pobres. A Índia é o menos desafortunado. Nos anos 60 e 70 valeu-se da «revolução verde» na agricultura e é hoje praticamente auto-suficiente em provisões alimentares. Tem também mais indústria que os outros. Nenhum deles é um estado de orientação socialista, mas em todos o Governo desempenha um papel fundamental na economia. A Birmânia rebaptizada Myanmar, a Indonésia, o Laus, o Camboja, o Vietname do Norte, Singapura, Malásia e a República das Filipinas. Todos estes países excepto Singapura, têm características em comum, incluindo o clima e a topografia. São todos predominantemente rurais e agrários, dividindo-se a mão-de-obra entre explorações agrícolas de subsistência e a produção agrícola de plantação para exportação. Alguns também possuem minérios estratégicos muito procurados nos mercados mundiais petróleo na Indonésia e estanho na Malásia. Todos têm baixas taxas de alfabetização e altas taxas de crescimento populacional. As correntes de democracia são fracas e a maioria desesperadamente pobre. Singapura, porém, é altamente urbanizada e relativamente abastada. Situada na confluência de importantes rotas comerciais, desenvolveu uma economia sofisticada, à semelhança de Hong-Kong, tendo como principal suporte o comércio, bem como serviços bancários e financeiros, e mesmo alguma indústria. O mapa político de África no final da II Guerra Mundial pouco diferiu do dos anos do entreguerras. As potências imperiais do passado subjugavam ainda quase todo o Continente. A antiga colónia italiana da Líbia tornou-se a primeira nação africana a conseguir a independência. Com a sua escassa população, aparente falta de recursos naturais e economia atrasada, o futuro da nova nação estava longe de ser promissor, mas subsídios ocidentais ajudaram-na a sobreviver até a descoberta de petróleo ter fortalecido a sua base económica. O Sudão com uma vasta área mas poucos recursos e uma população na sua maioria analfabeta, tem sido incapaz de fazer funcionar quer uma democracia quer uma economia e tem sido governado por uma série de regimes militares. A sua independência foi declarada a 1 de Janeiro de 1956. Tunísia, Marrocos e Argélia (África Setentrional Francesa) eram países predominantemente agrários, com uma agricultura do tipo mediterrânico (cereais, oliveiras, citrinos, etc.), mas também possuem importantes depósitos minerais. Em especial, as jazidas de petróleo e de gás natural da Argélia, descobertas pouco depois da independência, proporcionaram-lhe meios para desenvolver a indústria e ter uma palavra na política mundial. Antes da independência todos estes três países estavam comercialmente orientados para a França, e essa orientação manteve-se, embora um acordo comercial com a Comunidade Europeia, em 1976, tenha alargado os seus mercados 154 externos. A Argélia passou a exportar muito do seu gás natural líquido para os Estados Unidos. Em 1957, o estado do Gana emergiu como a primeira nação negra na comunidade Britânica, tornando-se membro das Nações Unidas, seguido da Nigéria em 1960 e outros antigos domínios britânicos seguiram o mesmo exemplo. Paradoxalmente, as primeiras colónias britânicas em África a conseguirem a independência total encontravam-se entre as menos avançadas económica e politicamente. Porque eram essencialmente povoadas por africanos negros, não houve problemas de minorias brancas. Embora o colonialismo estivesse a morrer, se é que não estava já morto, deixou um legado deplorável. Com poucas excepções, largamente confinadas a áreas de colonização europeia, as novas nações eram desesperadamente pobres. Em três quartos de um século de colonialismo, as nações da Europa tinham extraído fortunas imensas em minérios e outros produtos mas partilhado pouco da sua riqueza com os Africano. Só tardiamente algumas potências coloniais tinham feito qualquer esforço para instruírem os seus súbditos ou os preparem para uma autonomia responsável. A maioria dos governos das novas nações foi flagelada pela ineficiência e pela corrupção. Mesmo quando as suas intenções eram benignas, poucos dispunham dos recursos, especialmente de capital humano, para as levarem a bom termo. As origens da Comunidade Europeia As Organizações Internacionais dependem da cooperação voluntária dos seus membros e não têm poderes directos de coerção. As Organizações Supranacionais exigem que os seus membros cedam pelo menos uma parte da sua soberania e podem compelir na extensão dos seus mandatos. Tanto a Sociedade das Nações como as Nações Unidas são exemplo de organizações internacionais. A continuada a bem sucedida cooperação poderá porventura, levar a uma fusão de soberanias, que é a esperança dos proponentes da unidade europeia. Têm-se tornado, desde 1945, cada vez mais frequentes as propostas, formuladas por fortes cada vez mais influentes, de algum tipo de organização supranacional na Europa. As propostas decorrem de duas fontes distintas mas relacionadas – políticas e económicas: - A motivação política esta enraizada na crença de que só pela organização supranacional se pode erradicar permanentemente a ameaça de guerra entre as potências europeias. - A motivação económica assenta no argumento de que mercados maiores promoverão uma maior especialização e uma concorrência acrescida e, consequentemente maior produtividade e melhores níveis de vida. As duas motivações fundem-se na ideia de que o poderio económico é a base do poder político e militar e de que uma economia europeia plenamente integrada tornaria as 155 guerras intra-europeias menos prováveis, se não impossíveis. Devido à ideia profundamente enraizada de soberania nacional, a maior parte das propostas práticas de uma organização supranacional tem encarado a unificação económica como preliminar de uma unificação política. Em 1950, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros Robert Schuman, propôs a integração das indústrias francesas e oeste-alemão do carvão e do aço e convidou outras nações a participarem. O Plano Schuman foi um artifício para manter a indústria alemã sob vigilância e fiscalização. A Alemanha Ocidental, as nações do Benelux e a Itália acederam. O tratado que criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) foi assinado em 1951 e entrou em vigor no ano seguinte. Previa a eliminação de tarifas e de contingentes sobre o comércio intracomunitário de minério de ferro, carvão, coque e aço, uma pauta externa comum sobre as importações doutras nações e fiscalizações sobre a produção e as vendas. Pouco depois de a Comunidade ter iniciado a sua obra, as mesmas nações ensaiaram um novo passo de gigante no sentido da integração, com um tratado de uma Comunidade Europeia de Defesa. Em 1957, os participantes no Plano Schuman assinaram dois outros tratados em Roma, criando: - A Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM), para o desenvolvimento de usos pacíficos da energia atómica. - A Comunidade Económica Europeia (CEE) ou Mercado Comum O tratado do Mercado Comum previa a eliminação gradual de direitos aduaneiros sobre as importações e de restrições quantitativas sobre todo o comércio entre os Estados membros e a sua substituição por uma pauta aduaneira comum ao longo do período de transição de 12 a 15 anos. Os membros da Comunidade comprometeram-se à implantação de políticas comuns em relação a transportes, agricultura, segurança social e uma série de outros sectores críticos da política económica e à permissão da livre circulação de pessoas e de capitais dentro das fronteiras da Comunidade. O tratado do Mercado Comum entrou em vigor, em 1 de Julho de 1958 e, em poucos anos, a Comunidade frustrou os pessimistas ao encurtar, em vez de alargar, o período de transição. Depois da assinatura do tratado do Mercado Comum, a Grã-Bretanha, os países escandinavos, a Suíça, a Áustria e Portugal criaram a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), os chamados «sete de fora», em contraste com os seis Estados inseridos no mercado comum. O tratado da EFTA só previa a eliminação de tarifas sobre produtos industriais entre os países signatários. Não abrangia os produtos agrícolas, não previa uma pauta aduaneira comum e admitia a retirada a qualquer momento de qualquer membro. Era uma união muito mais fraca que a do Mercado Comum. 156 157 Cap. XVI A economia mundial no fim do séc. XX A longa prosperidade económica da Europa do pós-guerra teve a sua correspondência noutras zonas da economia mundial, nomeadamente no Japão. De finais dos anos 30 até finais dos anos 40, a economia japonesa tinha estado isolada do resto do mundo, e o Japão podia adoptar muitas inovações tecnológicas a um custo mínimo. Mais importante foi o alto nível de capital humano do Japão, que lhe permitiu aproveitar a tecnologia superior. Depois de o Japão ter compensado o seu atraso tecnológico, tornou-se pioneiro na introdução de nova tecnologia, especialmente na electrónica e na robótica. Para isto, pôde contar não só com as suas reservas de capital humano mas também com os elevados níveis de poupança e investimento do povo japonês. Outro factor significativo é a sofisticação da gestão japonesa, que compreendeu o elevado retorno da investigação e desenvolvimento industriais. Poderíamos citar o espírito ou mentalidade do povo japonês – colectivista (num sentido geral), cooperante e dado ao jogo em equipa. Isto é evidente tanto nas atitudes dos empregadores para com os empregados (e vice-versa) como na política governamental. No fim do séc. XIX e na primeira metade do séc. XX, os países da América Latina tinham tido uma participação activa na divisão internacional do trabalho, com base na sua vantagem comparativa em produtos primários. Mesmo em meados do séc. XX, alguns deles os países do cone meridional (Argentina, Uruguai e Chile), gozavam rendimentos per capita comparáveis aos da Europa Ocidental. A partir daí, na despropositada suposição de que eram de certa forma cidadãos mundiais de segunda classe, dada a sua especialização em produtos primários, várias nações da América Latina aderiram a programas de «industrialização de substituição das importações», tentando produzir para si mesmos os produtos fabricados que anteriormente importavam. Estes programas goraram-se por vários motivos: 1. os mercados internos eram demasiados pequenos 2. havia uma falta de cooperação internacional na região 3. ao contrário do Japão, faltava à região capital humano para empregar com eficiência a nova tecnologia. Embora a produção total, tanto industrial como agrícola, tenha aumentado substancialmente abaixo do do resto do mundo excepto da África e a quota da região no comércio mundial total diminuiu continuamente. As desfavoráveis balanças comerciais das nações individuais, especialmente da Argentina, do Brasil e do México, deram origem a níveis alarmantes de endividamento internacional nos anos 80, que ameaçaram todo o sistema de pagamentos internacionais. As condições económicas em África tornaram-se com o avanço do séc. XX para o seu fim, ainda mais deploráveis que as da América Latina. Às novas nações que emergiram com o fim do colonialismo europeu faltavam recursos, naturais e, em particular humanos, para fazerem face às complexidades duma economia moderna. As circunstâncias políticas entravaram, de igual modo, esforços de desenvolvimento económico. 158 Outra região do mundo que adquiriu uma grande importância económica na última parte do séc. XX foi o sudoeste da Ásia ou Médio Oriente. A razão desta crescente importância económica pode resumir-se sucintamente numa só palavra: petróleo. O petróleo foi descoberto no Irão (então chamado Pérsia) na primeira década do séc. XX e, subsequentemente, em vários Estados árabes das margens do Golfo Pérsico – Iraque, Arábia Saudita, Kwait e emiratos mais pequenos. Em 1960, os países do Médio Oriente juntamente com s Líbia e a Venezuela, formaram a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) a que vários outros países aderiram mais tarde. Em 1970, as nações da OPEP eram responsáveis por mais de um terço da produção mundial de energia. Mudanças políticas e religiosas no Médio Oriente alteraram o equilíbrio económico do poder. Em 1979, no Irão, uma revolta religiosa fanática expulsou o Xá e instituiu uma república islâmica. O colapso do Bloco Soviético No segundo semestre de 1989 desenrolaram-se na Europa do Leste vários acontecimentos tão significativos como inesperados: o derrube de regimes comunistas num país após o outro. Uma mescla de motivos políticos e económicos subjaz à revolta das massas nessas terras de antigo domínio dos Comunistas. Tivessem esses regimes sido capazes de cumprir as promessas de condições materiais melhoradas e de um alto nível de vida, e o povo teria provavelmente aceite a privação de liberdade; mas não foram. Pelo contrário, as circunstâncias materiais, incluindo as condições de vida e de trabalho das gentes, detioraram-se claramente, em contraste com as facilidades e a abundância dos seus vizinhos ocidentais. Um dos acontecimentos mais dramáticos e simbólicos de 1989 foi a destruição do marco de Berlim. Durante quase três décadas, permaneceu como um símbolo da tirania e repressão comunistas. Em 1964, os conservadores na hierarquia do Partido Comunista depuseram o exuberante Nikita Khruchtchev, colocando no seu lugar Leonid Brejnev, que governou quase duas décadas. Sob Brejnev, a economia soviética estagna; a ineficiência e a corrupção proliferaram. Tanto a taxa de crescimento económico como a produtividade declinaram. Quando Mikhail Gorbachov – primeiro dirigente soviético nascido depois da Revolução de Outubro – subiu ao poder em 1985, a economia estava em crise. Gorbachov apercebeu-se, sem dúvida, de que a União Soviética já não estava em posição de impor a sua vontade aos seus relutantes ex-satélites. A sua maior necessidade era a de se reformar a si própria, e daí o programa de Gorbachov de reestruturação e abertura. Embora Gorbachov desse maior ênfase à perestoika (reestruturação), foi a glasnot (abertura) que teve o efeito mais imediato. Uma das justificações da glanost foi a de recrutar a iniciativa e o entusiasmo da população para as tarefas da perestroika, ou reestruturação económica. 159 Gorbachov defendia, aparentemente, um regresso a algo como a Nova Política Económica de Lenine, na qual o Estado manteria o domínio dos «sectores vitais» da economia mas permitiria uma iniciativa limitada nos restantes. Em Agosto de 1991, nas vésperas dum novo tratado entre a união Soviética e algumas das suas repúblicas constituintes que conferiria muito mais poder a estas últimas, um pequeno grupo da linha dura do Partido Comunista tentou um golpe de Estado. Os condutores do golpe, colocaram Gorbachov, então em férias na Crimeia, sob prisão domiciliária, suspenderam a liberdade de imprensa e declararam lei marcial. Porém, o povo russo, especialmente os cidadãos de Moscovo e de Leninegrado, recusaram-se a serem intimidados. Sob a chefia de Ieltsin e com o apoio de algumas unidades militares que vieram em seu auxílio, desafiaram abertamente os condutores do golpe, que rapidamente perderam a coragem e fugiram, vindo a ser presos. Três dias depois, um Gorbachov triunfante regressou a Moscovo, mas a Moscovo para onde voltou não era a mesma que deixara. As relações de poder tinham-se alterado drasticamente. A maior parte das repúblicas constituintes declarou a sua independência do Governo Central. Gorbachov demitiu-se da Presidência no dia 25 de Dezembro, e a união Soviética deixou de existir. Alguns economistas que estudaram a união Soviética nos anos 60 e 70 previram o fenómeno de «convergência» - que as economias soviética e ocidental se tornariam parecidas. A esfoliação da Comunidade Europeia Após mais de 30 anos de existência, a comunidade Europeia ainda não tinha realizado os sonhos e visões dos proponentes mais ardentes da unidade europeia, uns estados unidos da Europa. Apesar da remoção de barreiras aduaneiras internas não tinha conseguido abolir todas as restrições ao comércio intra-europeu nem abolir as fronteiras aduaneiras internas. A união monetária estava longe da conclusão e as crises orçamentais eram um problema perene. A admissão dos países mediterrânicos menos desenvolvidos, Grécia, Espanha e Portugal, introduziu uma série de novos problemas, em particular na esfera agrícola. O objectivo final da união política evoluiu por uma luta entre dois grandes grupos partidários: - À Comissão Europeia, com sede em Bruxelas e as hostes eurocratas; juntou-se o Parlamento Europeu na procura de medidas cada vez maiores de unidade e dum papel mais relevante para o Parlamento. - Os governos estavam representados no Conselho de Ministros, também conhecido como Conselho Europeu, que detinha o poder final em todos os assuntos não cobertos pelos tratados que instituíram a Comunidade. Em 1985, o Conselho Europeu (chefes de Estado ou de governo) decidiu, prosseguir para uma maior união, e, em Fevereiro de 1986 assinou o Acto Único Europeu (AUE), que assumiu a forma de emendas e aditamentos aos trabalhos existentes. O movimento para a unidade sofreu um impulso noutra direcção em 1986, quando os governos de França e do Reino Unido concordaram com a construção dum túnel de 160 caminho-de-ferro sob o Canal da Mancha. A sua conclusão foi agendada para 1993, pouco depois da entrada em vigor do Acto Único Europeu. Outro desenvolvimento favorável, também agendado para 1993, foi a criação dum Espaço Económico Europeu (EEE) através da fusão da Comunidade Europeia com a Associação Europeia de Comércio Livre. Em 1991, a Comunidade decidiu criar o seu próprio banco central em 1994, a que se seguiria uma moeda única em 1999. Limites ao Crescimento? Em 1972, previa-se que os limites ao crescimento neste planeta serão atingidos algures dentro dos próximos cem anos. Invocaram-se cinco grandes tendências de preocupação global: 1. industrialização acelerada 2. rápido crescimento populacional 3. subnutrição generalizada 4. diminuição dos recursos não renováveis 5. ambiente em deterioração Muitos críticos acreditaram que os autores tinham sobredramatizado as suas conclusões, quase todos concordaram que eles tinham identificado de facto tendências de «preocupação global», nomeadamente o crescimento populacional e a degradação ambiental. Durante mais ou menos os últimos cem anos, as nações abastadas sofreram uma transição demográfica de um regime de elevadas taxas de natalidade e de mortalidade para um muito menor, com consequente redução da taxa de crescimento populacional. A expectativa é de que, à medida que as outras nações mais pobres aumentam o seu nível de bem-estar material, também estas reduzem as taxas de natalidade e, consequentemente, as taxas de crescimento populacional. A desigualdade na distribuição de recursos – entre indivíduos, grupos sociais e nações, está no âmago do problema do desenvolvimento económico. A sua solução não será fácil. Vai exigir estudo, pesquisa e mudança institucional generalizada. É esse o desafio que enfrentam tanto as nações desenvolvidas como as subdesenvolvidas. A história contada neste livro mostra que o desafio pode ser ganho. 161 162 Índice Cap. I: Introdução: história económica e desenvolvimento ............................... - Crescimento, desenvolvimento e .................................................................. - Determinantes do desenvolvimento económico ............................................................ - Produção e produtividade .................................................................................................. - Estrutura económica e mudança estrutural .................................................................. - A logística do crescimento económico ............................................................................ económico progresso 1 1 2 3 3 4 5 5 7 8 8 Cap. II: Desenvolvimento económico nos tempos antigos ........................................................ - Dinâmica económica e a emergência da civilização ...................................................... - As fundações económicas do império ............................................................................. - Comércio e desenvolvimento no mundo mediterrânico ............................................... - Comércio e desenvolvimento no mundo mediterrânico ............................................... 10 10 11 11 12 12 Cap. III: Desenvolvimento económico na Europa Medieval 12 ..................................................... 13 - Sociedade rural 14 ................................................................................................................... - Padrões de estabilidade 15 .................................................................................................... 15 - Forças de mudança 16 ............................................................................................................. 16 - A Europa expande-se 17 ......................................................................................................... 18 - O renascimento da vida urbana 19 ....................................................................................... - Correntes e técnicas comerciais 21 ..................................................................................... 22 - Tecnologia industrial e as origens da força mecânica 23 ................................................ 25 - A crise da economia medieval 26 .......................................................................................... 27 29 Cap. IV: Economias não ocidentais nas vésperas da expansão ocidental 31 .............................. - O mundo do Islão 34 ................................................................................................................. 34 - O Império Otamano 35 ............................................................................................................ 35 - Ásia Oriental 37 ........................................................................................................................ 39 163 - Ásia Meridional .................................................................................................................... - África ........................................................................................................................... .......... - As Américas .......................................................................................................................... Cap. V: A segunda logística ............................................................................................. - População e níveis de vida .................................................................................................. - Exploração e descoberta ................................................................................................... - A expansão ultramarina e a sua repercussão na Europa ............................................ - A revolução dos preços ...................................................................................................... - Tecnologia e produtividade agrícola ............................................................................... - Tecnologia e produtividade industriais .......................................................................... - Comércio, rotas comerciais e organização comercial ................................................. 42 44 45 47 47 48 49 europeia 51 53 55 57 57 58 58 59 60 61 62 62 63 64 66 68 Económico 70 Cap. VI: Nacionalismo e Imperialismo ...................................................................... - Mercantilismo: um termo incorrecto .............................................................................. - Os elementos comuns ......................................................................................................... - Espanha e América espanhola .......................................................................................... - Portugal ........................................................................................................................... ...... - Europa Central , Oriental e Setentrional ...................................................................... - Colbertismo em França ...................................................................................................... - O desenvolvimento prodigioso dos Países Baixos ........................................................ - «Colbertismo Parlamentar» na Grã-Bretanha .............................................................. Cap. VII: O despontar da ........................................................................... - Características da indústria moderna ............................................................................ Indústria 71 71 72 74 75 77 81 81 82 85 87 87 89 90 91 92 Moderna 95 95 96 97 164 - A «Revolução Industrial»: um termo incorrecto ......................................................... - Pré-requisitos e concomitantes da industrialização ................................................... - Tecnologia e inovação industriais .................................................................................... - Variação regional ................................................................................................................. - Aspectos sociais do começo de industrialização ......................................................... 98 99 Cap. VIII: Desenvolvimento económico no séc. XIX: Determinantes Básicas .................... - População ........................................................................................................................... .... - Recursos ........................................................................................................................... ..... · O desenvolvimento e difusão de tecnologia ................................................... · Fontes de energia e produção de energia ....................................................... · Aço barato .............................................................................................................. · Transportes e comunicações .............................................................................. · O emprego da ciência ........................................................................................... - A estrutura institucional ................................................................................................... · · · · · Fundamentos jurídicos ......................................................................................... Política e pensamento económicos .................................................................... Estrutura de classes e lutas de classes .......................................................... Educação e alfabetização ................................................................................... Relações internacionais ....................................................................................... Cap. IX: Padrões de desenvolvimento: os primeiros industrializadores ............................... - Grã-Bretanha ........................................................................................................................ - Estados Unidos .................................................................................................................... - Bélgica ........................................................................................................................... 165 ......... - França ........................................................................................................................... ......... - Alemanha ........................................................................................................................... .... Cap. X: Padrões de desenvolvimento: retardatários e ausentes ............................................ - Suíça ........................................................................................................................... ............ - Países Baixos e Escandinávia ............................................................................................ - Império Austro-Húngaro ................................................................................................... - Europa Meridional e Oriental ........................................................................................... · · · - Península Ibérica ................................................................................................... Itália ........................................................................................................................ Sudeste da Europa ............................................................................................... Rússia Imperial .................................................................................................................... - Japão ........................................................................................................................... ........... Cap. XI: O crescimento da economia mundial ............................................................................. - A Grã-Bretanha opta pelo comércio livre ...................................................................... - A era do comércio livre ...................................................................................................... - A «Grande Depressão» e o regresso ao proteccionismo ........................................... - O padrão-ouro internacional ............................................................................................. - Migração e investimentos internacionais ....................................................................... - O renascer do imperialismo ocidental ....................................................................... · África ...................................................................................................... .......... · Ásia ........................................................................................................... ............ · Explicações do imperialismo ........................................................................... 102 102 103 105 106 106 109 114 116 166 Cap. XII: Sectores estratégicos ............................................................................................... - Agricultura ........................................................................................................................ - Finança e banca ............................................................................................................... 116 117 118 - O papel do Estado 119 ........................................................................................................... 120 121 Cap. XIII: Visão de conjunto da economia mundial no Século XX 122 ..................................... 122 - População ....................................................................................................................... 123 .... 123 - Recursos 124 ....................................................................................................................... 126 ..... 127 - Tecnologia 130 ....................................................................................................................... 131 .. - Instituições 133 ...................................................................................................................... 133 · Relações internacionais 134 .................................................................................. 136 · O papel do governo 137 ........................................................................................... 139 · As formas de empresa ..................................................................................... 141 · Mão-de-obra sindicalizada 142 .............................................................................. 143 144 Cap. XIV: Desintegração económica internacional ................................................................. - As consequências económicas da I Guerra Mundial ................................................ - Consequências económicas da paz ............................................................................... - A Grande Depressão, 1929-33 ..................................................................................... - Tentativas rivais de reconstrução .............................................................................. - As revoluções russas e a União Soviética ................................................................. - Aspectos económicos da II Guerra Mundial ............................................................ Cap. XV: Reconstruindo a economia mundial ........................................................................... - Planeamento da economia do pós-guerra ................................................................... - O Plano Marshall e «milagres» económicos ............................................................... - A emergência do Bloco Soviético ................................................................................ - A economia da descolonização ..................................................................................... - As origens da Comunidade Europeia ........................................................................... Cap. XVI: A economia mundial no fim do séc. XX .................................................................. - O colapso do Bloco Soviético ....................................................................................... - A esfoliação da Comunidade Europeia ........................................................................ - Limites ao Crescimento? ................................................................................................ 167 168