Lopez HV • As bactérias “superbugs” PUNTO DE VISTA/PONTO DE VISTA As bactérias “superbugs” The superbugs Hélio Vasconcellos Lopes* * Professor Titular da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC. Professor Assistente da UNIMES (Universidade Metropolitana de Santos). Coordenador do Comitê de Uso Racional de Antibióticos da Associação PanAmericana de Infectologia. Membro do Comitê de Antibióticos da Sociedade Brasileira de Infectologia. Rev Panam Infectol 2010;12(4):63-64. Conflicto de intereses: ninguno Recibido en 20/9/2010. Aceptado para publicación en 10/11/2010. No primeiro semestre de 2010 foram identificadas no Centers for Disease Control and Prevention (CDC) as três primeiras enterobactérias dotadas de um novo mecanismo de resistência; essas bactérias eram produtoras de metalo-beta-lactamase Nova Délhi (NDM-1) - um novo gene resistente a inúmeros antibióticos - e, por isso, denominadas “superbugs” ou “superbactérias”. Este gene foi encontrado em cepas de Escherichia coli, de Klebsiella pneumoniae e de Enterobacter cloacae. A presença deste novo mecanismo genético, identificado como blaNDM-1, confere resistência a todos os antibióticos beta-lactâmicos, com exceção do aztreonam. No entanto, os três isolados mostraramse resistentes ao aztreonam, provavelmente por algum outro mecanismo de resistência. Estas três “superbactérias” foram isoladas em três Estados americanos (Califórnia, Illinois e Massachusetts) de pacientes que haviam recebido recentemente atendimento médico na Índia.(1) Publicação recente(2) documenta um estudo multicêntrico que avaliou a prevalência de NDM-1 em enterobactérias multirresistentes procedentes da Índia, Paquistão e Reino Unido. Na Índia (em Chennai e em Haryana) foram isoladas 70 cepas, 37 no Reino Unido e 73 em outras regiões da Índia e no Paquistão. Nesse total de 180 isolados predominaram a Klebsiella pneumoniae (111) e a Escherichia coli (36). Essas bactérias mostraram-se resistentes a todos os antibióticos, inclusive os carbapenêmicos, fazendo exceção a tigeciclina e a polimixina E (colistina). Na maioria dos isolados o gene NDM-1 estava localizado em plasmídios extracromossômicos. Muitos dos pacientes no Reino Unido haviam viajado no último ano para Índia ou Paquistão para realizar procedimentos médico-cirúrgicos. Estes autores concluem que “o potencial do NDM-1 em tornar-se um problema global de saúde pública é grande e vigilância internacional coordenada torna-se necessária”. Esta e outras publicações(1,3,4) alertam para que os médicos do planeta estejam atentos à possibilidade de serem encontradas cepas de enterobactérias produtoras de NDM-1 e resistentes aos carbapenêmicos em pacientes que tenham recebido cuidados médicos na Índia e/ou Paquistão. Em entrevista com o descobridor do gene, Tim Walsh, da Universidade de Cardiff,(4) o cientista refere que em cerca de três anos o gene NDM-1 passou de raramente detectado para estar presente em 1% a 3% dos pacientes com infecções por enterobactérias na Índia; esse autor refere que estas bactérias são comuns não apenas nos hospitais, mas também na comunidade em geral (na Índia), por que nesse país a contaminação da água potável possibilita facilmente sua propagação. 63 Rev Panam Infectol 2010;12(4):63-64. Conclui que as viagens internacionais, a globalização e o turismo médico predispõem para uma rápida e global disseminação deste gene, particularmente causando pneumonia e infecção do trato urinário. Alex Kallen e Brandi Limbago, dois dos pesquisadores responsáveis por esta investigação no CDC,(3) fazem algumas colocações importantes: - é a primeira vez que se detecta a presença do gene metalo-beta-lactamase (resistente aos carbapenêmicos) em enterobactérias no território norteamericano; - no entanto, a detecção habitual de resistência aos carbapenêmicos é devida à presença de Klebsiella pneumoniae produtora de carbapenemase (KPC)*, endêmica em algumas regiões estadunidenses; - acreditam que apenas tigeciclina e polimixinas – e talvez aztreonam – possam ser antibióticos efetivos; - aventam para a possibilidade de ser comum, nas bactérias, a presença do gene NDM-1 associado a outros mecanismos de resistência, dificultando ainda mais seu enfrentamento. Tim Walsh conclui: “não existem, atualmente, antibióticos em fase de investigação que sejam ativos contra enterobactérias produtoras de NDM-1 e, mesmo se fosse imediatamente desenvolvido um, não haveria tempo hábil para enfrentar estas “superbugs”. No recente ICAAC (setembro/2010) investigadores identificaram o NDM-1 em Escherichia coli no Canadá e em Klebsiella sp na Austrália: ambos os casos envolviam pacientes que haviam recentemente viajado para a Índia. Nesse congresso, um conferencista (Patrice Nordmannn) afirmou que os reservatórios deste gene são Índia, Paquistão e Bangladesh, devido a fatores 64 incontroláveis, como o uso abusivo de antibióticos, higiene precária e diarreia em regiões com superpopulação. Além de tigeciclina e polimixinas, a fosfomicina também mostrou-se ativa in vitro, segundo Johann Pitout. A propagação global do NDM-1 parece ser inevitável e o gene já foi isolado na Austrália, França, Japão, Quênia, Estados Unidos, Cingapura, Taiwan e Reino Unido.(5) *Esta bactéria também vem sendo chamada de Superbactéria. Referências 1. Detection of enterobacteriaceae isolates carryng metallobeta-lactamase – United States, 2010. MMWR, June 25, 2010:59(24):750. 2. Kumarasamy KK, Toleman MA, Walsh TR et al. Emergence of a new antibiotic resistance mechanism in Índia, Pakistan, and the UK: a molecular, biological, and epidemiological study. Lancet Infectious Diseases, September 2010;10(9):597-602. 3. Peckham P. NDM-1 - Making resistant bugs in New Ways. From Medscape Internal Medicine, publicado em 13/09/2010. 4. Boseley S. Antibiotics’ efficiency wanes due to global spread of drug-resistant bactéria. The Guardian, August 11, 2010. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/science/2010/aug/11/ antibiotics-efficiency-drug-resistant bacteria. 5. 50th Interscience Conference on Antimicrobial Agents and Chemotherapy (ICAAC): Abstracts C1-675ª and C1-1332. Presented September 14, 2010. Correspondência: Dr. Hélio Vasconcellos Lopes Av. Brigadeiro Luís Antonio, 4.178 CEP 01402-002 - São Paulo, SP, Brasil. e-mail: [email protected]