ENTREVISTA Zita Martins Astrobióloga portuguesa do Imperial College de Londres "Estamos mais perto de descobrir a origem da vida" Texto Fotos VIRGÍLIO AZEVEDO IMPERIAL COLLEGE Uma equipa de cientistas britânicos e americanos liderada pela Zita astrobióloga portuguesa Martins, do Imperial College de Londres, provou pela primeira vez de forma experimental que de um cometa num o impacto planeta vai gerar aminoácidos — os blocos constituintes de todos Na experiência fo- os seres vivos. ram disparados projéteis a alta velocidade contra uma mistura de gelo de composição semelhante à dos cometas. ?A experiência que fizeram mostra que o impacto de um co- meta num planeta pode gerar aminoácidos e estar na origem da vida. Mas do laboratório à realidade vai alguma distância. ? Simulámos em laboratório as condições que replicam a Natureza, como a velocidade de im- pacto (25.740 km/hora) ou a mistura de gelo que usámos, semelhante às superfícies geladas de Europa, satélite de Júpiter, e de Encelado, satélite de Saturno. A experiência teve como ob- jetivo responder às críticas sobre as limitações dos modelos de simulação em computador. E vai ser muito útil para as futuras missões espaciais aos satélites daqueles dois planetas, a asteroides e a cometas. Agora estamos mais perto de descobrir a origem da vida, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Q O que aconteceu na experiência para que uma mistura gelada de moléculas simples de dióxido de carbono, metanol e amónia, desse origem a moléculas complexas de aminoácidos? QOs impactos de objetos nos planetas e satélites do sistema solar acontecem com muita fre- quência, vemos crateras em muitos locais. Sabemos que esses impactos ocorrem a grande velocidade e a pressões e temperatu- ras elevadas. Nestas concentrem só as atenções extremas, as ligações que existem nas moléculas orgânicas partem-se e depois reorganizam-se de forma mais complexa. Marte para a Q As outras teorias sobre a origem da vida na Terra ficam agora em desvantagem? cer nas futuras missões espaciais. É entusiasmante que o nos- em procura de vida, mas também noutros sítios. E estamos convencidos que essa mu- condições dança de perspetiva ? Não, esta é mais uma teoria, embora seja a única suportada por uma experiência concreta em laboratório. Há basicamente duas grandes teorias: a primeira diz que a vida surgiu na Terra, à superfície ou no fundo dos oceanos (nas fontes segunda hidrotermais); a — que nós defendemos — afirma que a vida tem origem nas moléculas orgânicas extra- terrestres. O que a nossa experiência demonstra é que o impacto dos cometas e asteroides tem um papel fundamental, o que significa que a vida pode existir não apenas na Terra mas noutros planetas (e satélites) do sistema solar. Em todo o caso, uma teoria não exclui a outra. ? Quando se fala da procura de vida no sistema solar todos falam de Marte, mas os candidatos mais prováveis parecem ser os satélites de Júpiter e Saturno. G Sem dúvida. Quando falamos nestes candidatos, o nosso objetivo é que a comunidade científica e as agências espaciais não vai aconte- so trabalho de investigação tenha demonstrado que os blocos constituintes da vida podem ser reunidos em qualquer parte do sistema solar e provavelmente noutros ? sistemas DO TÉCNICO À NASA planetários. O que a vai entusiasmar mais Uma astrobióloga com uma carreira brilhante Zita Mateus licenciou-se em Química no Instituto Superior Técnico de Lisboa e fez o doutoramento em Astrobiologia na Universidade de Leiden nas próximas investigações? O Chegar à etapa final e desco- (Holanda), onde o tema da sua tese era brir como a vida surgiu. Temos de dar um passo de cada vez. Só a preparação e execução desta demorou experiência quatro anos, mas no artigo que publicámos na revista científica "Nature Geoscience" sobre a descober- "Moléculas orgânicas em meteoritos e origem da vida na Terra". Esteve na NASA como cientista convidada e desde 2009 ta, mostrámos do Imperial de Londres. que a experiência se pode reproduzir noutros laboratórios. Agora queremos pegar na mistura de aminoácidos obtida e ver se origina proteínas. Depois, queremos saber como estas dão origem às células, as unidades básicas da vida. Q O que aconteceu nos primórdios da Terra depois de se formarem os aminoácidos? ? Há várias teorias, mas a verdade é que ainda não sabemos. [email protected] é investigadora Faculdade na de Engenharia College Aos 34 anos, é citada com frequência nos media de língua inglesa e tem 30 artigos científicos publicados.