O USO DOS DISPOSITIVOS DE ASSISTÊNCIA VENTRICULAR NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA GRAVE: RELATO DE CASO E REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA BAILUNI NETO, José João. Discente do Curso de Graduação em Medicina PEREZ, Mario Castro Alvarez. Docente do Curso de Graduação em Medicina Palavras-chave: Dispositivos de Assistência Ventricular, Insuficiência cardíaca; INTRODUÇÃO A insuficiência cardíaca é uma doença comumente encontrada na população, sendo responsável por diversas internações anuais. Com o avanço tecnológico, os pacientes estão conseguindo, com o tratamento otimizado, se manter maior tempo compensados. Os principais responsáveis pela descompensação cardíaca são: má adesão medicamentosa, digressão dietética e infecções. Os pacientes com doença refratária se tornam candidatos ao uso de dispositivos de assistência ventricular. O tratamento de escolha para a insuficiência cardíaca é o transplante cardíaco1, sendo essa intervenção terapêutica a única capaz de interromper o curso da doença e modificar as condições hemodinâmicas vigentes no paciente. Todavia, essa intervenção tem aplicabilidade muito limitada, seja por carência de doadores, por dificuldades implícitas à sua execução ou por falta de locais especializados onde possam ser realizados. Anualmente, são realizados em torno de 4.000 a 5.000 transplantes cardíacos por ano nos Estados Unidos. Em contrapartida, no Brasil, somente foram realizados em torno de 2.000 transplantes cardíacos no intervalo de 2004 a 2014, o que revela ser este o quarto tipo de transplante de órgão mais prevalente no Brasil.2 Em razão disso, os dispositivos de assistência ventricular (DAVs) têm se tornado importante ferramenta para o manejo de tais pacientes. Em 1966, De Bakey foi o primeiro a utilizar os DAVs. Tratava-se de uma paciente de 37 anos, com IC em período pós-cardiotomia. De Bakey lançou mão de um by-pass de ventrículo esquerdo. O dispositivo foi aplicado no átrio esquerdo, sendo a anastomose distal posicionada na aorta. O dispositivo permaneceu em uso durante 10 dias, o que possibilitou a restauração da função miocárdica, tendo a paciente sobrevivido após sua remoção. 2 OBJETIVOS Realizar um relato de caso e revisão bibliográfica sobre o uso dos dispositivos de assistência ventricular; Relatar um caso de um paciente com disfunção biventricular, no qual foi implantado um dispositivo do tipo Centrimag®, em ventrículo direito; Discussão a respeito do tipo de dispositivo com relação ao déficit do paciente; METODOLOGIA O trabalho aqui presente é estruturado por um relato de caso associado a uma revisão da literatura conforme é orientado pelas normas ABNT e VANCOUVER. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica que ocorre em pacientes que, em razão de alguma anormalidade herdada ou adquirida, apresentam uma alteração na estrutura e/ou na função cardíaca que leva à deficiência do coração em manter os órgãos adequadamente oxigenados (perfundidos), ou somente o fazendo às custas do aumento das pressões de enchimento.3 Com o passar do tempo, os pacientes afetados desenvolvem uma deterioração progressiva da função cardíaca, ocorrendo piora de sua capacidade funcional e determinando que eles necessitem rotineiramente de repetidas internações hospitalizares, elevando os custos de seu tratamento. O diagnóstico da insuficiência cardíaca é dado pelos critérios de Framingham sendo estabelecido quando ocorre a presença simultânea de pelo menos dois critérios maiores ou um critério maior em conjunto com dois critérios menores4. O tratamento é baseado em tratamento não farmacológico, tratamento farmacológico e cirúrgico. Dentre os principais fatores do tratamento farmacológico, temos que destacar a adesão dietética e exercícios regulares. O tratamento farmacológico é baseado principalmente na administração dos fármacos que comprovadamente modificam a sobrevida na IC em associação àqueles que contribuem para a melhora dos sintomas. O tratamento cirúrgico da IC deve ser voltado para a sua etiologia, estando entre as principais condições causais a doença arterial coronariana e as doenças valvares. Os dispositivos mecânicos de assistência ventricular são utilizados em 5 circunstâncias distintas (ponte para transplante, ponte para candidatura, ponte para 3 recuperação, ponte para decisão e terapia de destino) sendo os objetivos primários de sua utilização diferentes em cada contexto. Um determinado paciente pode ter sua estratificação alterada à medida que ocorra uma melhora do quadro hemodinâmico em função do uso do dispositivo, passando o objetivo da terapêutica em curso a ter outra conotação. Os DAVs disponíveis podem ser classificados segundo os seguintes critérios: Tipo de fluxo empregado: contra-pulsação, fluxo centrífugo, fluxo pulsátil e fluxo axial; Em relação ao ventrículo a que estão associados: de ventrículo direito, de ventrículo esquerdo ou biventriculares; Geração do aparelho: primeira, segunda ou terceira; Implantabilidade: implantáveis ou para-corpóreos; Tempo de duração: curta, média ou longa duração. O dispositivo mais utilizado é o Balão intra-aórtico, sendo rotineiramente utilizado em serviços de cirurgia cardíaca. Outros dispositivos como o HeartMate® e Impella® também são comumente aplicados. A seleção de pacientes candidatos é procedida a partir da avaliação da sua classe funcional (NYHA), seus aspectos laboratoriais e exames de imagem. Com base na necessidade de melhor avaliar os pacientes candidatos ao implante de DAVs, em 2006 foi instituído o registro INTERMACS, patrocinado pelo NHLBI (National Heart, Lung, and Blood Institute – USA). O intuito de sua criação foi investigar, facilitar e propor uma melhoria na utilização desses dispositivos. Com o mesmo objetivo, pesquisadores europeus criaram o EUROMAC (European registry for patients in Mechanical Circulatory support).5 As principais complicações observadas no período per-operatório e a curto prazo em razão do uso dos DAVs são: insuficiência de múltiplos órgãos, insuficiência de ventrículo direito, sangramento, sepse e eventos neurológicos. A longo prazo, podemos citar a ocorrência de eventos embólicos, sangramentos gastrointestinais e alterações psicológicas. O transplante cardíaco segue sendo o melhor tratamento para a insuficiência cardíaca refratária2. Nas últimas décadas, houve avanços nos equipamentos e fármacos disponíveis para o tratamento da condição, tendo surgido, também, novas técnicas cirúrgicas voltadas ao tratamento da IC. 4 Nesse aspecto, o Brasil vem se tornando um pais de destaque na América Latina, uma vez que a utilização do transplante cardíaco nos pacientes afetados pela cardiopatia chagásica vem sendo considerado modelo para outros países. Apesar de estarem na fila para o transplante, alguns pacientes podem não chegar a recebê-lo. Entretanto, como a fila é dinâmica, deve-se sempre buscar que o paciente esteja compensado em relação à sua IC, com o tratamento clínico otimizado. RELATO DE CASO Masculino, 67 anos, branco, sexo masculino, casado, portador de cardiomiopatia dilatada de etiologia desconhecida, possivelmente alcóolica, foi internado, na unidade cardiointensiva do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), em 25/02/2014, com um quadro de descompensação aguda de sua insuficiência cardíaca. ECOTT (24/04/2014): VE e VD com diâmetros aumentados; disfunção sistólica de VE; disfunção de valva tricúspide e mitral, com falha de coaptação dos folhetos valvares, ambas com dilatação do anel e refluxos graves; aumento grave da PSAP (66 mmHg); VCI congesta. Foi estabelecido o diagnóstico de disfunção biventricular, com insuficiência mitral grave. Propôs-se, então, a troca valvar mitral com programação de colocação de valva biológica; O paciente foi submetido à cirurgia cardíaca no dia 02/06/14, sendo implantada uma valva mitral biológica da Saint Jude Medical nº 29. O paciente permaneceu por um total de 3 horas (2+1) em circulação extracorpórea (CEC); na primeira abordagem, a CEC permaneceu por 2 horas, tendo sido instalada a prótese pelo átrio esquerdo. Foi realizado um ecocardiograma de controle na sala de cirurgia, que evidenciou a presença de regurgitação paraprotética, sendo necessária a realização de reabordagem, que foi procedida, então, por via transeptal (CEC de uma hora). Depois do retorno da circulação espontânea, o paciente evolui com TV/FV (taquicardia ventricular/fibrilação ventricular), que foi abordada, tendo, em seguida, demandado aumento progressivo das aminas simpaticomiméticas (noradrenalina e dobutamina). Foi necessário então o implante de balão intra-aórtico (BIA), numa relação 1:1, além de Centrimag® em AD e VP (1.800 rpm e índice cardíaco [IC] de 2,5 L/m2). O paciente evoluiu com instabilidade hemodinâmica constante, refratária, mesmo em uso de aminas em dose máxima. No dia 29/06, evoluiu com parada cardiorrespiratória 5 em atividade elétrica sem pulso, não respondendo às manobras de ressuscitação cardiopulmonar, sendo constatado o óbito no início da manhã. DISCUSSÃO Após a revisão bibliográfica, estabelecemos que os dispositivos de assistência temporária, como o Centrimag®, são utilizados para os pacientes pós injuria aguda, no caso relatado ele se encontrou em ponte para resgate, após uma cirurgia complicada de troca valvar mitral. O paciente apresentava disfunção biventricular, e possivelmente iria obter um maior benefício do uso do Centrimag® em ambas as câmaras. CONCLUSÃO A insuficiência cardíaca é um problema de saúde mundial, estando entre as principais condições responsáveis pela redução da qualidade de vida da humanidade. Os pacientes agudamente lesados e aqueles refratários ao tratamento clínico otimizado podem se beneficiar do uso dos chamados dispositivos de assistência ventricular (DAV). Com o advento de novas tecnologias, as empresas responsáveis pelo desenvolvimento desses dispositivos vêm atuando no intuito de progressivamente reduzir o tamanho dos aparelhos, ao mesmo tempo que buscam aumentar sua durabilidade. Em um futuro não tão distante, possamos ter grande parte dos pacientes com IC refratária sendo submetidos ao transplante cardíaco, e que aqueles pacientes em que esse tipo de tratamento não seja possível, seja por indisponibilidade de doadores ou risco cirúrgico elevado, estejam aptos a receber DAVs implantáveis ou minimamente invasivos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Nogueira PR, Rassi ,S, Correa, KS. Perfil epidemiológico, clínico e terapêutico da insuficiência cardíaca em hospital terciário. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(3): 392-398. 2. Mangini S, Alves BR, Silvestre OM, Pires PV, Pires LJT, Curiati MNC et al. Transplante cardíaco: revisão. Einstein. 2015; 13(2): 310-8. 3. Fiorelli AI, Oliveira Junior JL, Coelho GHB, Rocha DC. Assistência circulatória mecânica: porque e quando. Rev Med (São Paulo). 2008; 87(1): 1-15. 4. Mann DL, Chakinala M. Insuficiência cardíaca e cor pulmonale. In: Medicina Interna de Harrison, 18 edição, 2013. Capitulo 234, p 1902. 5. Kirklin JK, Naftel DC, Kormos RL, Stevenson LW, Pagani FD, Miller MA et al. Second INTERMACS annual report: more than 1,000 primary left ventricular assist device implants. J Heart Lung Transplant. 2010; 29(1): 1-10