Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 PLANTAS MEDICINAIS: UMA ANÁLISE A PARTIR DE CONHECIMENTOS PRÉVIOS Matheus Fabricio Verona (Departamento de Ciências Biológicas – FEUC) Monica Martim Leonel (Graduanda em Ciências Biológicas – FEUC) Resumo Desde os tempos remotos, praticamente todos os povos relatam a utilização das plantas medicinais. Esse uso passou por profundas modificações, desde o caráter primitivo e mágico até o conhecimento atual, que envolve a detecção de seus princípios ativos e eventuais toxicidades. Portanto, o presente trabalho tem como objetivo avaliar os conhecimentos prévios dos alunos de 8º ano das escolas públicas de um município do interior paulista sobre plantas medicinais. Os resultados evidenciam a influência do meio social, em particular da família, na elaboração das concepções alternativas sobre essa área, bem como a necessária reformulação da abordagem botânica nas escolas de nível básico. Palavras chave: Plantas Medicinais, Conhecimentos Prévios, Ensino de Botânica. Introdução O conceito de Plantas Medicinais sempre foi utilizado para designar vegetais que ajudam no tratamento de doenças. Seu uso vem desde nossos ancestrais, que acreditavam no poder da cura contra as enfermidades que surgiam naquela época. Hoje, essas plantas continuam sendo usadas para essa mesma finalidade, além de serem empregadas junto à indústria de cosméticos. Considerando essa breve trajetória histórica do uso das plantas medicinais, é coerente tomarmos, como pressuposto, que a família exerce grande relevância nas informações adquiridas pelos alunos ao longo de suas vidas e, consequentemente, esses dados passam a compor os conhecimentos prévios dos educandos. Logo, ao chegarem à escola, trazem, de maneira geral, uma rica rede de informações sobre esse assunto, entretanto, essas exigem uma sistematização para que sejam coerentes com o saber de referência. Vale destacar que o conhecimento prévio é essencial no dia a dia da criança/adolescente, e que estabelece uma relação direta com a parte afetiva, sensorial e cognitiva da vida. Acredita-se que, quanto à origem, existem três grandes grupos para classificar estas ideias prévias: origem sensorial, que é baseada na interação com o mundo natural; origem social, que está atrelada a um conjunto de crenças a qual o estudante pertence e, por fim, a origem analógica, que se relaciona ao domínio do saber (POZO et al., 1991). Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo avaliar os conhecimentos prévios dos alunos de 8º ano das escolas públicas estaduais de um município do interior paulista sobre plantas medicinais. SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4270 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Nesses termos, consideramos ainda, que a escola básica representa, para muitos, a última oportunidade para ter acesso às informações sistematizadas sobre as diferentes áreas do conhecimento e, portanto, torna-se necessário que o trabalho ali desenvolvido apresente dados relevantes para a vida dos alunos, pois, assim sendo, os educandos tornam-se divulgadores da referida temática, pois com o domínio do assunto tendem a apresentar seus conhecimentos junto aos pares e familiares. Logo, este trabalho justifica-se pela necessidade de inferirmos sobre o papel da escola junto ao trabalho com plantas medicinais, bem como pela contribuição em ampliar o conhecimento sobre essa temática junto aos licenciandos da área de Ciências Biológicas. Plantas Medicinais, uma breve apresentação O conceito atrelado às Plantas Medicinais vem de décadas passadas, juntamente com nossos ancestrais e, historicamente, eram utilizadas para tirar o mal-estar que atingia o corpo humano e buscava a cura de doenças. A partir disso, começaram a aparecer interesses econômicos e científicos sobre tais vegetais (MENGUE; MENTZ; SHENKEL, 2001). As primeiras informações sobre essas plantas foram escritas em tábuas de barros, no tempo babilônico, a mais ou menos 3.000 anos a.C. (CUNHA, 2003). O homem primitivo buscou na natureza as soluções para os diversos males que o assolava, fossem esses de ordem espiritual ou física. Aos feiticeiros, considerados intermediários entre os homens e os deuses cabia a tarefa de curar os doentes, unindo-se, desse modo, magia e religião ao saber empírico das práticas de saúde, a exemplo do emprego de plantas medicinais. A era Antiga inaugurou outro enfoque, quando, a partir do pensamento hipocrático, que estabelecia relação entre ambiente e estilo de vida das pessoas, os processos de cura deixaram de ser vistos apenas com enfoque espiritual e místico (ALVIM et al., 2006 apud FIRMO et al., 2011, p.91). As antigas civilizações acreditavam que o poder das plantas vinha direto dos deuses e que ajudavam na cura de enfermidades, portanto, tinha ligação religiosa, pois através delas o homem ficaria mais perto dos seres superiores (GOFF, 1997). Existe, ainda, outro documento escrito por um egiptólogo alemão de nome Georg Ebers, que revolucionou a medicina em relação às plantas, e relatou: ‘Aqui começa o livro relativo à preparação dos remédios para todas as partes do corpo humano’. Esse papiro foi decifrado em 1873 e era pertencente ao ano XVI a.C. (CUNHA, 2003). Há relatos que a medicina egípcia existira desde 2000 anos antes de surgirem os primeiros médicos gregos. Na Medicina Chinesa já se tem indícios de uso de plantas medicinais desde 2500 a.C. (SCHENKEL; GOSMAN; PETROVICK, 2003). No antigo Egito, foram descobertos papiros que relatavam mais de 700 drogas encontradas juntamente com SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4271 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 extratos de plantas, metais e venenos de animais (ALMEIDA, 1993). Na Idade Média há um processo de evolução em relação à utilização dessas plantas, ou seja, da ‘Arte de Curar’, pois nessa época, os povos achavam que esses vegetais eram mágicos (CUNHA, 2003). Informações de 2300 a.C. indicam que civilizações como os hebreus, assírios e egípcios, plantavam essas ervas. Na Grécia, as plantas tinham valor terapêutico/tóxico muito conhecido por Hipócrates, considerado como o ‘pai da Medicina’, pois através de seus estudos, publicou a obra ‘Corpus Hipocratium’, que mostrava que para cada enfermidade existia uma planta adequada (MARTINS et al., 2000). No Brasil, esta cultura de utilização das plantas teve grande influência dos costumes indígenas, europeus e africanos. Quando os escravos chegaram ao Brasil trouxeram consigo, em embarcações, as plantas que usavam em rituais religiosos. Já os indígenas que habitavam as terras brasileiras, consumiam os vegetais que eram passados pelos pajés de suas tribos, que transmitiam tais informações de geração em geração. Por sua vez, os europeus que vieram ao nosso país adquiriram essas práticas através das próprias necessidades, ou seja, conforme iam ficando enfermos, eles mesmos descobriam plantas que os ajudavam e, também, contavam com o auxílio dos indígenas (LORENZI; MATOS, 2002). Com o surgimento do Renascimento, essa cultura em relação ao uso de plantas pouco a pouco foi dando lugar a experimentações, assim como novos fármacos foram sendo introduzidos na terapêutica (CUNHA, 2003). Dessa forma, a utilização das plantas medicinais obteve um nome ligado ao ramo da ciência – fitoterapia (CARVALHO; CRUZ; WIEST, 2005). A partir do isolamento dos constituintes ativos de vegetais, foi possível iniciar uma nova fase com relação aos estudos de plantas medicinais, pois, desde então, seus compostos foram reconhecidos como responsáveis pela ação farmacológica (CUNHA, 2003). Segundo Pierre Pomet, citado por Cunha (2003), o estudo das plantas entra no cenário científico, na obra ‘Histoire géneral des Drogues’ quando surge a classificação e a descrição taxonômica, ou seja, que traduz a identificação botânica mais exata, algo essencial para uma utilização segura (CUNHA, 2003). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), de 65-80% da população dos países em desenvolvimento dependiam das plantas medicinais como única forma de acesso para cuidar de sua saúde e ressalta que era mais acessível devido ao baixo custo (AKERELE, 1993). No Brasil existem, aproximadamente, 22% das espécies vegetais do planeta, o que representa uma biodiversidade incomparável e, consequentemente, uma enorme vantagem para o país (FUZÉR; SOUZA, 2003). SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4272 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Segundo Fuzér e Souza (2003), estas plantas medicinais são utilizadas para fabricação de medicamentos com um custo mais acessível quando comparado aos produtos sintéticos, além de ter ação biológica eficaz, de baixíssima toxidade e efeitos colaterais. No Brasil, essas plantas são consumidas, mas, na maioria vezes, não se tem uma comprovação de suas propriedades farmacológicas (BLUMENTAHL, 1998). Substâncias contidas nas plantas medicinais, quando usadas na fitoterapia, podem apresentar benefícios, mas, também, podem ser muito prejudiciais à saúde, pois o uso inadequado dessas ervas pode causar danos irreparáveis (MENGUE; MENTZ; SHENKEL, 2001). Em nosso país, pesquisas para avaliação do uso seguro de plantas medicinais e fitoterápicos ainda são principiantes, assim como o controle da comercialização pelos órgãos oficiais em feiras livres, mercados públicos ou lojas de produtos naturais (MENGUE; MENTZ; SHENKEL, 2001). Segundo Schenkel, citado por Mengue, Mentz e Shenkel (2001), algumas dessas plantas com toxinas estão no nosso dia a dia: comigo ninguém pode, coroa de cristo, mamona, cartucheira, entre outras. Um dos aspectos mais importantes que se deve ressaltar é que muitas plantas ainda tem toxinas desconhecidas (CUNHA, 2003). Para se ter um produto adequado ao uso, é necessário fazer rigorosamente, um controle de qualidade, pois o Brasil é o país que mais tem espécies de plantas medicinais e mais exporta também. No ano de 2004 foi aprovada, em nosso país, a Resolução de nº 48, que aborda sobre as etapas que a planta passa para fabricação do medicamento, e o controle que se deve ter (ANVISA, 2004). O Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006, apresenta alguns aspectos que devem ser seguidos, visando à segurança do produto, qualidade e eficácia ao consumo. Também faz inferências sobre a prática de cultivo, de produção e a sua manipulação (SIMÕES; GOSMANN; SCHENKEL, 2004). Plantas Medicinais e Conhecimentos Prévios Admitimos, a priori, que a escola é o local em que os professores devem fornecer as ‘ferramentas’, para que os alunos desenvolvam conhecimentos e que, assim, se tornem cidadãos ‘de bem’, que tenham ciência dos deveres e diretos que possuem na sociedade. De certa forma, a unidade escolar tem, entre outros papéis, de utilizar as concepções prévias do aluno como um ponto de partida para a construção do conhecimento e, também, como uma forma de se fazer a análise diagnóstica para ter ciência das informações que o aprendiz já conhece, independentemente da coerência ou não em relação ao saber de referência. Nesse sentido, conhecer o que o aluno já sabe significa colocá-lo diante de uma SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4273 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 situação problema para que sinta a necessidade de buscar novas informações afim de que se torne capaz de chegar à solução. Dessa forma, é possível cogitar a remodelação dos conhecimentos prévios (SFORNI; GALUCH, 2006). Segundo Companario, citado por Carretero (1997), as concepções alternativas podem influenciar muito no processo de ensino e aprendizagem, pois, como ressaltado anteriormente, o aluno já chega à escola com informações sobre os assuntos que serão trabalhados (principalmente em relação àqueles que se associam às Ciências Naturais por, direta ou indiretamente, fazerem parte do seu cotidiano), podemos destacar, também, o papel das diversas mídias que abordam tais temas. Porém, o mesmo autor salienta que, às vezes, os conceitos são empregados (fora do contexto escolar) de forma inadequada e, neste caso, o professor deve, por meio de diferentes estratégias, mostrar ao aluno uma visão mais ampla do assunto e, assim, buscar desestabilizar as informações que ele apresentava para que, ativamente, possa modificar/ampliar/remodelar essas informações. Neste caso, o Ensino de Ciências tem, como uma de suas principais funções, ajudar o aluno a reorganizar suas ideias sobre os conceitos naturais para que possa utilizá-las, de maneira correta e eficiente, em suas ações diárias (DRIVER, 1985). Carretero (1997), entretanto, chama a atenção para o fato de que podemos encontrar denominações diferentes para o conhecimento prévio dos alunos, como: concepções espontâneas, concepções errôneas, concepções alternativas. Sendo assim, é fundamental a escola valorizar o saber popular como forma de incentivar e de abrigar a participação da comunidade e, principalmente, dos alunos. Quando o aluno escuta o que o professor ensina e tem a lhe dizer, se torna mais seguro de si mesmo, de seus atos, tanto na sociedade como em relação ao ambiente (ACHCAR, 2004). Pinsk (1998) ressalta, sobre esse assunto, que exercer o direito de cidadania é votar, é não sujar a cidade, é dar opinião, ser crítico, é respeitar o outro. E, certamente, a escola exerce papel importante na concretização de tais objetivos. Castro (2010) adverte que, de maneira geral, observa-se uma lacuna entre o conhecimento escolar e o espontâneo justamente pelo fato de que os professores do primeiro nível da educação básica (alvo de seus estudos de mestrado) ao trabalharem com conceitos científicos não apresentam todas as informações necessárias para suprir a curiosidade dos alunos. Ressalta, ainda, que os livros didáticos (um dos mais importantes recursos pedagógicos utilizado na escola) também não contribuem de forma significativa nesse sentido. Tudo isso gera, consequentemente, uma falta de conexão entre as informações que os alunos já apresentam e aquelas que são acrescentadas durante a vida escolar. SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4274 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) salientam, entretanto, que nem todas as crianças possuem um conhecimento prévio sobre todos os diversos assuntos trabalhados na educação básica, para isso o professor deverá apresentar ideias, situações problemas, textos informativos ou, ainda, trabalhar com as concepções que, eventualmente, algum aluno apresenta para que, assim, possa auxiliar os outros a construir um conceito sobre a temática em questão. O mesmo documento indica, como algo oportuno, valorizar as dúvidas e questionamentos dos educandos, porque eles podem representar uma forma de exteriorização dessas informações prévias (BRASIL, 1998a). Buscando compreender as informações que os alunos trazem para a escola acerca da temática ‘plantas medicinais’ desenvolvemos uma pesquisa junto às cinco escolas públicas estaduais de Vargem Grande do Sul, interior do estado de São Paulo. O Ministério da Educação, via PCN, salienta que é no terceiro ciclo da educação básica (6º e 7º anos, antigas 5ª e 6ª séries), que se amplia o estudo sobre o ambiente e seus problemas, bem como os seres vivos. Sendo assim, é o momento em que se faz a [...] caracterização dos estratos herbáceo, arbustivo e arbóreo, presentes em diferentes ambientes, o que representa avanço significativo no reconhecimento dos componentes vegetais das paisagens, permitindo uma descrição interessante da vegetação e a identificação, em alguns casos, de diferentes fases do processo de recomposição do ambiente natural. A descrição e comparação de plantas significativas de determinados ambientes estudados também é importante [...] (BRASIL, 1998b, p.69-70). Partindo dessa recomendação oficial e tendo como princípio o fato de que durante a 6ª série (7º ano) os alunos tiveram contato com diversos assuntos botânicos, optamos por realizar a coleta de dados junto à 7ª série (8º ano) do Ensino Fundamental. Utilizamos, como instrumento para a coleta de dados, um questionário estruturado contendo questões abertas e fechadas (apresentadas e discutidas a seguir), sobre Plantas Medicinais, em que os alunos deveriam responder com suas palavras, o que era pedido. Sendo assim, obtivemos um total de quatrocentos e três (403) questionários respondidos. Para que essa aplicação fosse realizada, primeiramente, solicitou-se autorização junto à direção de cada uma das unidades escolares. A partir do momento em que essa foi concedida, o questionário era aplicado durante o horário de aula, com o acompanhamento e supervisão dos professores de Ciências de cada uma das turmas. Ainda que o professor estivesse em sala, previamente, tínhamos solicitado que não fornecesse qualquer ajuda aos alunos, pois, caso contrário, não encontraríamos dados condizentes com a realidade. O preenchimento do questionário teve caráter voluntário e realizado de maneira individual. A avaliação dos resultados obtidos fundamentou-se na análise descritiva das SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4275 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 respostas a cada uma das questões, logo, a partir de uma abordagem qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994) os dados foram analisados com base nos referenciais teóricos. O gráfico 1, apresentado a seguir, mostra a distribuição percentual das respostas dos alunos quando questionados sobre ‘Qual planta medicinal você mais utiliza em casa?’. A análise gráfica permite-nos considerar que há grande predominância de plantas que, historicamente, fazem parte da cultura popular quanto à capacidade dos vegetais combaterem certos problemas de saúde. Percebemos aqui a interação direta entre as informações trazidas pelos alunos ao contexto escolar e seu cotidiano e, consequentemente, às interações estabelecidas com a família, certamente, responsável direta pela associação entre essas plantas e o possível efeito medicinal por elas apresentado. 40 37,96 35 Percentual 30 25 20,34 20 15 9,67 10 5 0 0,99 8,28 7,44 6,2 2,48 0,99 0,99 1,24 0,99 2,43 Gráfico 1: Percentual de respostas quanto à planta medicinal rotineiramente mais utilizada, segundo alunos do 8º ano de escolas públicas estaduais de Vargem Grande do Sul – SP. Dessa forma, é possível observar que a grande maioria dos alunos mencionou Hortelã, Erva cidreira e Boldo. Porém, vale destacar que um número considerável de educandos ficou em dúvida em relação ao conceito de planta medicinal, ou seja, da definição do que, realmente, seria medicinal e, por consequência, não responderam a essa pergunta, o que poderia justificar as respostas ‘em branco’. Inserimos na categoria ‘outros’ as referências em relação à abobreira, arruda, carqueja, eucalipto (com 0,24% para cada uma delas), alfavaca, Cannabis e limão, com 0,49% para cada um desses vegetais. Essa influência do contexto social dos alunos pôde ser, também, evidenciada quando foram questionados se ‘acreditavam no poder das plantas medicinais no tratamento de doenças’. Isso porque, como podemos verificar no gráfico 2, a grande maioria dos avaliados acredita nos benefícios que as plantas trazem ao corpo humano. Esse dado encontra respaldo quando associado com as informações apresentadas no gráfico anterior, quando foi possível SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4276 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 verificar a apresentação de uma elevada variedade de vegetais utilizados com fins medicinais no cotidiano desses alunos. Logo, pela nossa avaliação, há coerência em acreditar no efeito das plantas e, consequentemente, ser capaz de citar exemplos de algumas delas. 80 72,45 70 Percentual 60 50 40 30 20 15,65 10 5,95 5,95 0 Sim Não Não sei Em branco Gráfico 2: Percentual de respostas quanto à crença do poder das plantas medicinais para o tratamento de doenças, segundo alunos do 8º ano de escolas públicas estaduais de Vargem Grande do Sul – SP. Os dados supracitados são totalmente coerentes com a análise da pergunta que indagava aos alunos ‘O que você entende por PLANTA MEDICINAL?’, pois 65,5% das respostas mostram associações que pudemos inserir em uma categoria genérica referente ao ‘poder de cura’ desses vegetais, ou seja, grande parte dos educandos associa, de maneira direta, o conceito de plantas medicinais à cura. Além disso, 2,7% dos respondentes fizeram associações com o nome de plantas medicinais; 0,24% responderam ter relação com culinária e 0,49% associaram à ideia de vegetais de laboratório que são plantados em casa. Vale salientar que 18,3% dos questionários não apresentavam respostas para essa questão. Tivemos, com a análise da pergunta ‘Tudo o que você conhece sobre plantas, quem lhe ensinou?’ uma confirmação dos aspectos indicados e discutidos no gráfico 2. Isso porque, como apresentado no gráfico 3 a seguir, há um elevado percentual de alunos que indica a família como sendo a responsável por compartilhar as informações associadas às plantas medicinais. Dessa forma, temos fortes indícios para admitirmos que os conhecimentos prévios dos alunos em relação a essa temática são fortemente influenciados pelo contexto em que vivem, logo, são úteis para resolver seus problemas cotidianos, mas, não necessariamente, são coerentes com o conhecimento científico. Algo que deveria ser trabalhado e melhor explorado pela escola, onde poderíamos, partindo dessas informações trazidas pelos alunos e, adquiridas por suas interações sociais, serem remodelas, enriquecidas, para, por exemplo, fornecer significado e aplicabilidade para as aulas direcionadas ao tratamento dos conteúdos botânicos, trabalhados de maneira geral, de forma teórica, com excesso de terminologia e, portanto, SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4277 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 distante de uma aprendizagem significativa, pois não mobiliza as informações já presentes na rede cognitiva dos alunos. 60 Percentual 50 50,1 40 30 26,49 20 12,51 10 6,94 3,22 0,74 Televisão Internet 0 Familiares Escola Ninguém Em branco Gráfico 3: Percentual de respostas quanto à origem das informações sobre plantas medicinais, apresentadas por alunos do 8º ano de escolas públicas estaduais de Vargem Grande do Sul – SP. Dados semelhantes a esses foram encontrados por Macedo, Oshiwa e Guarido (2007) ao analisarem informações sobre o uso de plantas medicinais em um bairro na cidade de Marília – SP. Nessa pesquisa, encontraram que 55,17% das indicações de uso de plantas medicinais eram feitas por amigos e parentes. Vale destacarmos, também, a baixa indicação dos meios de comunicação nas respostas dos alunos, algo que consideramos coerente, uma vez que os temas atrelados às plantas medicinais não são abordados com elevada frequência quando comparados a temas como drogas, violência, aborto, entre outros. Nesse sentido, consideramos ainda mais importante o papel da escola para trabalhar com coerência e rigor científico junto a essa temática. Outra informação de grande relevância foi obtida ao analisarmos as respostas à pergunta ‘Hoje em dia, em sua casa, são utilizados com maior frequência os remédios manipulados ou as ervas naturais?’, pois, conforme dados apresentados no gráfico 4, existe uma proximidade percentual bastante elevada entre a utilização de remédios manipulados e, portanto, provenientes da indústria farmacêutica em relação ao uso da ervas medicinais. Esses dados evidenciam que as plantas medicinais apresentam uma relevância no cotidiano das pessoas, porém seu uso, de maneira geral, está atrelado, também, à medicação convencional que, via de regra, apresenta um custo mais elevado em relação à primeira. Entretanto, consideramos importante destacar, que essas informações também apresentam relevância já que a utilização dos remédios convencionais se faz, na maioria das vezes, com a orientação de um médico, algo de grande importância para a preservação da vida/saúde das pessoas. Nesse mesmo sentido, não podemos esquecer que muitas plantas tidas como medicinais carecem de estudos científicos para a confirmação de suas reais SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4278 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 propriedades. Logo, o acompanhamento médico (indiretamente associado ao uso dos remédios manipulados) mostra-se algo necessário. 40 37,22 35 32,75 Percentual 30 25 19,85 20 15 10,18 10 5 0 Planta Medicinal Método Convencional Não sei Em branco Gráfico 4: Percentual de respostas quanto a prevalência de utilização entre plantas medicinais e remédios da industria farmacêutica, segundo alunos do 8º ano de escolas públicas estaduais de Vargem Grande do Sul – SP. O questionário indagava ainda ‘Você já ouviu falar em fitoterapia? Caso a sua resposta foi sim, escreva duas palavras relacionadas ao termo FITOTERAPIA’. Nossas análises revelaram que a grande maioria – 71,4% dos alunos questionados – disse nunca ter ouvido o referido termo. Entretanto, 14,1% responderam ‘sim’, sugerindo conhecer o conceito. Porém, ao analisarmos as palavras indicadas como relacionadas a esse termo, encontramos ‘plantas que curam’ e ‘fisioterapia’. Vale salientar, então, que muitos alunos buscam estabelecer relações de sentido / fonética entre os termos que lhes são apresentados com outras palavras que fazem parte de sua estrutura cognitiva, algo que já foi evidenciado em trabalhos que buscaram avaliar concepções alternativas de alunos em relação a outras temáticas (VERONA, 2006). Consideramos importante evidenciar que fitoterapia é o estudo em que se utilizam extratos de origem natural, ou seja, ‘fito’ é planta e ‘terapia’, cura, portanto, ‘plantas que curaram’. Já fisioterapia é uma palavra de origem grega que vem de ‘phýsis’, um conjunto de técnicas que ajuda na prevenção de lesões. Encontramos, ainda, entre as respostas, muitos alunos que apesar de afirmarem já ter ouvido falar o termo fitoterapia, não foram capazes de associar palavras relacionadas a elas. Portanto, embora haja uma grande quantidade de informações relativas à Ciência e Tecnologia em diversos tipos de mídia, essas são cada vez mais complexas e distantes do entendimento dos alunos e, possivelmente, dos cidadãos comuns, de tal modo que é preciso haver uma socialização maior de conhecimentos específicos (LEGEY, 2009). E é justamente nesse ponto que o papel da escola deve ser realçado, fazendo um elo entre os conhecimentos SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia 4279 Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 prévios dos alunos, adquiridos pelo convívio familiar e/ou por meio das diversas mídias, com o conhecimento de referência, nesse caso em particular, com a botânica. Considerações Finais A utilização da fitoterapia, ou seja, o tratamento pelas plantas é algo que vem de épocas remotas e, consequentemente, faz parte da história da humanidade. O uso dessa, e de outras práticas alternativas, precisa ser analisada, também, como uma opção à falta de atendimento às necessidades básicas de grande parte da população. Logo, a exemplo de dados apresentados pela literatura, encontramos junto aos alunos aqui avaliadas, que a transmissão das informações relativas às plantas medicinais, apresenta um cunho intergeracional, ou seja, passada ao longo das gerações e tendo forte influência familiar. Destacamos, também, que isso se associa ao fato de que muitos dos vegetais utilizados não apresentam comprovação de seu efeito fitoterápico. A análise dos conhecimentos prévios apresentados pelos alunos que participaram da presente pesquisa revelou que a escola tem fornecido uma contribuição pouco relevante quanto a essa temática para o desenvolvimento intelecto-social dos educandos. Entretanto, indicamos que o trabalho com as plantas medicinais poderia constituir uma rica oportunidade para aproximar o Ensino da Botânica à realidade dos discentes e, portanto, ser uma alternativa ao trabalho com conceitos, geralmente, abstratos e pouco motivantes para essa faixa etária. Referências ACHCAR, T. Ciência e saber popular de mãos dadas. Revista Nova Escola, São Paulo, 2004. AKERELE, O. Summary of WHO guidelines for assessment of herbal medicines. HerbalGram, Austin, n.28, p.13-19, 1993. ALMEIDA, E.R. Plantas medicinais brasileiras. São Paulo: Hemus, 1993. ANVISA. Resolução RDC nº 48, de 16 de março de 2004. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. 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