Jul-Ago - Sociedade Brasileira de Oftalmologia

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REVISTA BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA
vol. 73 - nº 4 - Julho/Agosto 2014
JUL/AGO 2014
VOLUME 73 NÚMERO 4 P. 191-252
100
95
75
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RBO
5
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DESDE 1942
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terça-feira, 23 de setembro de 2014 12:16:49
191
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ISSN 1982-8551
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE CATARATA E IMPLANTES INTRAOCULARES
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193
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Sumário - Contents
Editorial
195
A padronização do ensino em oftalmologia
Teaching standardization in ophthalmology
Newton Kara-Junior
197
Avanços em substâncias viscoelásticas na facoemulsificação
Advances in ophthalmic viscosurgical devices in phacoemulsification
Rodrigo França de Espíndola
Artigos originais
199
Analysis of ocular cyclotorsion in lying position after peribulbar block and topical anesthesia
Análise da ciclotorção ocular em posição supina após bloqueio peribulbar e anestesia tópica
202
Tratamento cirúrgico da blefaroptose congênita
Surgical treatment of congenital blepharoptosis
210
Aumento da imunorreatividade da molécula de adesão intercelular-1 na esclera e coroide
em modelo experimental de hipercolesterolemia
Increased intercellular adhesion molecule-1 immunoreactivity in the sclera-choroid complex
in hypercholesterolemia experimental model
Newton Kara-Junior, Paula C. Mourad, Renata L. B. Moraes, Caroline Piva, Marcony Rodrigues Santhiago
Suzana Matayoshi, Ivana Cardoso Pereira, Luiz Angelo Rossato
Rogil José de Almeida Torres, Lucia de Noronha, Regiane do Rocio de Almeida Torres, Seigo Nagashima,
Caroline Luzia de Almeida Torres, Andréa Luchini, Robson Antônio de Almeida Torres, Leonardo Brandão
Précoma, Dalton Bertolim Précoma
194
216
Relação entre acuidade visual e condições de trabalho escolar em crianças de um colégio
do ensino fundamental público de Curitiba
Visual acuity evaluation in children of the elementary school of Curitiba
220
Prognóstico visual de ‘crosslinking’ para ceratocone com base em tomografia
de córnea pré-operatória
Visual prognosis of crosslinking for kearatoconus based on preoperative corneal tomography
225
Prevalência de doenças oculares e causas de comprometimento visual em crianças
atendidas em um Centro de Referência em Oftalmologia do centro-oeste do Brasil
Prevalence of eye diseases and refractive errors in children seen at a referral center for ophthalmology in the central-west region, Brazil
Carlos Augusto Moreira Neto, Ana Tereza Ramos Moreira, Luciane Bugmann Moreira
Bernardo Lopes, Isaac Ramos, Tobias Koller, Theo Seiler,Renato Ambrósio Jr
Maria Nice Araujo Moraes Rocha; Marcos Pereira de Ávila; David Leonardo Cruvinel Isaac; Luisa Salles de
Moura Mendonça; Liene Nakanishi; Luisa Jácomo Auad
230
Pressão intraocular (PIO) após cirurgia de extração de catarata
Intraocular pressure (IOP) after cataract extraction surgery
Maria Picoto, José Galveia, Ana Almeida, Sara Patrício, Helena Spohr, Paulo Vieira, Fernanda Vaz
Artigo de Revisão
237
Doação e fila de transplante de córnea no Estado do Rio de Janeiro
Donation and waiting list for corneal transplantation in the State of Rio de Janeiro
Gustavo Bonfadini, Victor Roisman, Rafael Prinz, Rodrigo Sarlo, Eduardo Rocha, Mauro Campos
Relato de Casos
243
Dacriocistocele congênita: relato de caso e conduta
Congenital dacryocystocele: case report and treatment
Silvia Helena Tavares Lorena, Eliana Domingues Gonçalves, João Amaro Ferrari Silva
246
Ptose palpebral causada por Paquidermoperiostose
Palpebral ptosis caused by Pachydermoperiostosis
Patricia Regina de Pinho Tavares, Eduardo de Castro Miranda Diniz, Thomaz Fracon de Oliveira, Mariana
Rezende de Oliveira, Ícaro Perez Soares
Errata
249
Instruções aos autores
250
Normas para publicação de artigos na RBO
EDITORIAL
195
A padronização do ensino em oftalmologia
Teaching standardization in ophthalmology
A
ssim como na educação básica, em que os alunos são divididos em séries, para que o mesmo conteúdo seja ensinado a todos, esta tendência padronizadora também acontece na formação dos oftalmologistas. Nos dois primeiros anos da residência médica, o aluno aprende a examinar e a entender o
funcionamento do olho. No terceiro ano, já define algumas áreas de preferência e aprende a operar. Para o
estágio de especialização, escolhe uma área de atuação. A partir daí, em geral, a tendência atual é pela hiperespecialização progressiva: retina, catarata, glaucoma, córnea, etc (1,2).
O modelo de formação acima descrito estimula a atuação profissional em escala, em que o subespecialista
cuida somente de sua área. Assim, cada profissional dedicaria seu tempo e energia para estudar e atuar
somente em um segmento. O rápido avanço tecnológico da medicina, com excesso de conhecimento disponível, favorece esse modelo. No entanto, a saúde não pode ser tratada como uma linha de montagem, em que
pacientes passam, como em uma esteira, por vários subespecialistas, dependendo dos sintomas. A sociedade,
em geral, não suportaria financeiramente este modelo.
Embora sete bilhões de pessoas no mundo só conseguem sobreviver por causa da otimização da produtividade em geral, secundária à divisão do trabalho em uma seqüência linear de tarefas especializadas, ganhos
constantes de eficácia e à venda de produtos padronizados (linha de montagem), na área da saúde, essa
hierarquização leva, entre outros problemas, ao aumento insuportável do custo, pois a tendência do
hiperespecialista é a de solicitar exames complementares cada vez mais complexos, para melhor avaliar o,
cada vez menor, segmento em que atua, indicando tratamentos clínicos ou cirúrgicos, algumas vezes precipitados. Existe, portanto, uma contradição, em que a padronização excessiva da saúde levaria à perda de eficiência
ao invés da desejada melhora da cobertura assistencial à população (3-6).
Como, também, existem problemas oculares complexos, os quais necessitarão de um raciocínio lógico e
elaborado por parte do médico, que entende o funcionamento do olho como um todo e associa o conhecimento de várias subespecialidades. A formação e a atuação em escala não estimula e nem exercita o mecanismo de
pensar e refletir a respeito do olho, da visão e do paciente, pois, em uma linha de montagem, cada profissional
realiza uma tarefa curta e repetitiva, de maneira que nenhum tem o domínio do processo como um todo.
Não considero errado o modelo da residência médica ou a opção do oftalmologista em aprofundar seus
estudos em algumas subespecialidades. O que sugiro é que a opção de muitos colegas, ainda em formação, por
atuar em somente uma única área, deva ser repensada. Muitas vezes, traçamos nossos projetos profissionais
influenciados somente pelo momento atual, enquanto deveríamos, também, tentar projetá-los visando um
futuro próximo. Nos EUA, por exemplo, a hiperespecialização tem sido desestimulada pelo governo, com
consequente corte no número de bolsas de estudo para a formação após a residência. Dessa maneira, é
possível, que em alguns anos, o profissional mais valorizado seja o oftalmologista com boa formação geral e
preparado para conduzir adequadamente tanto doenças clássicas como complexas, encaminhando somente
casos muito específicos. É certo que o hiperespecialista nunca irá desaparecer, mas talvez tenha menos campo
de trabalho, inclusive porque avanços tecnológicos permitem, progressivamente, que um menor número de
profissionais, principalmente de uma maneira padronizada, consiga tratar uma maior quantidade de pessoas.
Enquanto que o raciocínio clínico não pode ser replicado.
Com relação aos clientes mais exigentes, estes sempre valorizarão o profissional que discute o raciocínio
clínico e explica de maneira coerente o problema e as possibilidades de cura, ou seja, valorizarão o oftalmolo-
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 195-6
196
Kara-Junior N
gista com boa formação geral, treinado para refletir sobre os sintomas, as doenças e as necessidades dos
pacientes. A formação padronizada da residência médica ou do estágio de complementação, em geral, não
prioriza este ensinamento, mas oferece as ferramentas adequadas para sua obtenção, principalmente ao proporcionar a proximidade dos alunos com os professores, em um ambiente acadêmico. Contudo, acredito que
seja no período de uma eventual pós-graduação (mestrado ou doutorado), que o jovem médico terá melhores
condições de aprender e de treinar a pensar e a raciocinar sobre sua prática, pois essa é a essência da pesquisa
científica.
Enquanto o sistema linear e padronizado da residência médica forma alunos, em geral, com o mesmo
conhecimento, o programa de pós-graduação tende a otimizar a capacidade individual de cada aluno, abrindo
sua mente e preparando-o para acessar o conhecimento que está além do livro-texto, aquele conhecimento
adquirido por meio do raciocínio, capacitando-o a resolver problemas diversos e complexos.
Newton Kara-Junior
Editor-Chefe da Revista Brasileira de Oftalmologia
Professor Colaborador, livre-docente e Professor do Programa de Pós-graduação
da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
REFERÊNCIAS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Chamon, W, Schor P/ Teaching ophthalmology to the medical student: a novel approach. Arq Bras Oftalmol. 2012;75(1): 5-7.
Ventura CC, Gomes ML, Carvalho BV, Ventura LO, Brandt CT. Características e deficiências dos programas de pós-graduação em oftalmologia no
Brasil segundo pós-graduandos participantes. Rev Bras Oftalmmol. 2012;71 (3):173-9.
Bar-Yam Y. Making things work. Solving complex problems in a complex world. Cambridge, MA: Nesci Knowledge Press; 2004.
Nye DE. Amercia s assembly line. Cambridge: MIT Press; 2013.
Burgierman DR. O mundo está muito complexo. São Paulo: Abril; 2014.
Estacia P, Reginatto RC, Nunes TT, Silva TM, Pasqualotti A. Avaliação do custo de colírios lubrificantes a base exclusivamente de carboximetilcelulose
no mercado brasileiro. Rev Bras Oftalmol. 2013;72(5):331-4.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 195-6
EDITORIAL
197
Avanços em substâncias viscoelásticas
na facoemulsificação
Advances in ophthalmic viscosurgical devices in phacoemulsification
C
harles Kelman realizou as primeiras cirurgias de facoemulsificação (FACO) na câmara posterior,
porém, preocupado em popularizar rapidamente o domínio da técnica, optou por luxar a catarata para
a câmara anterior na qual, sem substância viscoelástica (SVE), o risco potencial de danos ao endotélio
era presente o tempo todo.1
Em meados dos anos oitenta, com o aperfeiçoamento dos facoemulsificadores, a introdução das lentes
intraoculares (LIO) dobráveis e das SVE, a utilização da capsulotomia curvilínea contínua e a emulsificação
do núcleo do cristalino dentro do saco capsular, a técnica da FACO passou a ter importantes vantagens e
grande aceitação pelos pacientes.2,3
As SVE foram originalmente descritos para o uso em cirugia de catarata por Miller e Stegmann em 1980.
A primeira SVE disponível no mercado era composto por hialuronato de sódio 1% (Healon), lançado pela
Pharmacia no mesmo ano.4 Suas principais funções são a manuntenção do volume da câmara anterior, especialmente durante a confecção da capsulorrexe e a protecão endotelial durante a FACO. Pode-se citar ainda a
capacidade das SVE em ampliar a midríase intraoperatória, romper sinéquias, inibir a formação de radicais
livres, fragmentar núcleos moles (visco-fratura), facilitar o implante e/ou explante da LIO, servir como barreira mecânica contra a perda vítrea ou hemorragia, auxiliar na retirada de fragmentos nucleares e restos corticais
(viscoexpressão) e até de facilitar a visualização da câmara anterior durante a cirurgia, quando usada sobre a
córnea (lente positiva). É fundamental para o cirurgião de catarata conhecer as propriedades das diferentes
SVE disponíveis, suas vantagens e desvantagens, para que o produto adequado seja selecionado para cada
caso. Muitas vezes, o ideal é combinarmos em diferentes etapas da FACO as caraterísticas dos dois tipos de
soluções (coesivos e dispersivos). A técnica consagrada de soft shell, descrita por Arshinoff em 1999, combina
um viscoelástico de baixa viscosidade (dispersivo) com uma solução de alta viscosidade (coesivo), em uma
camada externa e interna, respectivamente.5 A utilização de apenas um tipo de solução durante toda a cirurgia, torna improvável a combinação de diferentes propriedades físicas em um único agente.
Os viscoelásticos são soluções aquosas compostos por longas cadeias de polímeros naturais como hialurato
de sódio, hidroxipropilmetilcelulose (HPMC) e sulfato de condroitina. Os viscoelásticos podem ser classificadas de acordo com suas propriedades físicas (ou reológicas) em coesivas ou dispersivas.
As soluções coesivas apresentam alto peso molecular e longas cadeias moleculares (alta viscosidade), de
maneira que formam uma massa compacta na câmara anterior, facilitando a manuntencão do espaço (e
pressurização) durante a FACO. Devido a esse comportamento, são facilmente removidos ao final da cirurgia,
porém, são mais propensos a aumentar a pressão intraocular (PIO) por obstruir a malha trabecular.6
As soluções dispersivas apresentam baixo peso molecular e pequenas cadeias moleculares (baixa viscosidade) o que permite elevada aderência tissular. Essas soluções revestem e protegem melhor os tecidos (especialmente o endotélio) durante a FACO. Sua principal desvantagem é a remoção mais trabalhosa ao final da
cirurgia, pois eles ficam mais fragmentados, sendo aspirados em “pedaços”, porém, tendem a aumentar menos
a PIO que os viscoelásticos coesivos.6
A escolha da SVE depende da experiência do cirurgião, do caso cirúrgico e dos recursos disponíveis. O uso
de mais de uma solução viscoelástica durante a cirurgia, embora seja ideal na maioria dos casos, eleva o custo
final do procedimento. Pode não ser a realidade da maioria dos cirugiões e médicos em treinamento no Brasil,
dispor de vários tipos de SVE para cada caso. A utilização de uma boa técnica cirúrgica, adequados instrumentais cirúrgicos e facoemulsificadores, podem minimizar a falta da diversidade de soluções disponíveis.
Em último levantamento realizado no Brasil em 2009, a HPMC foi a SVE mais utilizada pelos cirurgiões
brasileiros (60,8%).7 Provavelmente pelo baixo custo desse agente dispersivo e sua ampla utilização pelos
convênios e Sistema Único de Saúde (SUS). Em contrapartida, ao analisarmos práticas de cirurgiões americaRev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 197-8
198
Espíndola RF
nos e canadenses, a maioria utiliza o DuoVisc (39%) seguido de DisCoVisc (16%).8 Em último levantamento
da Academia Americana de Catarata de Cirurgia Refrativa (ASCRS), 37% utilizavam DuoVisc (Viscoat e
ProVisc) e apenas 2% a HPMC.9
O uso de SVE de alta qualidade pode ser decisivo em algumas situações especiais, na qual o máximo
controle do ambiente intraoperatório é exigido. Cataratas hipermaduras, casos pediátricos, córnea guttata/
distrofia de Fuchs, câmaras rasas, fragilidade zonular, pupilas pequenas e floppy iris syndrome são alguns
desses exemplos.7,10 Entendo, que para alguns casos selecionados, os convênios/seguros de saúde e até mesmo
o SUS, deveriam disponibilizar uma diversidade maior de SVE para cirurgia. A combinação de diferentes
SVE, como realizada pela maioria dos cirurgiões em países desenvolvidos, além de melhorar os resultados
refrativos, podem facilitar a técnica cirúrgica e promover uma melhor proteção endotelial, fator importante
para a córnea a médio e longo prazos.
Nos últimos anos, muitos avanços vem aprimorando os resultados da FACO. Com o advento da cirurgia
assistida por femtosecond laser, os cirurgiões de catarata tem optimizado seus resultados. Estudos mostram
que o tratamento prévio do núcleo pelo laser (fratura e “amolecimento”), tem reduzido o tempo de ultrassom
necessário na conquista dos fragmentos durante a FACO.11 Menor edema corneano no pós-operatório precoce, proporciona uma recuperação visual mais rápida e portanto, benefícios aos pacientes.
Com menores taxas de ultrassom empregadas com o femtosecond laser, alguns autores acenam para a
possibilidade do uso de apenas um tipo de SVE durante a cirugia ou até mesmo não utlilizá-las.12 Entretanto,
o uso das SVE permanece fundamental para melhorarmos os resultados, mesmo com o uso desta tecnologia.
É bom lembrar que outras variáveis podem afetar o endotélio corneano durante a FACO além do tempo de
ultrassom. Podemos citar os efeitos biomecânicos da solução salina (turbulência e volume) e o trauma mecânico direto ocasionado pelos instrumentos cirúrgicos, fragmentos nucleares e da LIO. As SVE minimizam os
efeitos destes eventos sobre o endotélio, favorecendo córneas mais claras no pós-operatório.
Em suma, o uso das SVE é fator decisivo para o sucesso da FACO e a combinação de diferentes características deveria estar disponível para a maioria dos cirurgiões, especialmente em casos mais desafiadores.
Rodrigo França de Espíndola
Assistente de Cirurgia Refrativa e Aluno do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
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Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 197-8
ARTIGO ORIGINAL199
Analysis of ocular cyclotorsion in lying position
after peribulbar block and topical anesthesia
Análise da ciclotorção ocular em posição supina após
bloqueio peribulbar e anestesia tópica
Newton Kara-Junior1; Paula C. Mourad1; Renata L. B. Moraes2; Caroline Piva3; Marcony Rodrigues Santhiago1
ABSTRACT
Purpose: Evaluate the magnitude of cyclotorsion during cataract surgery in patients with indication for intraocular toric lenses comparing
the results after peribulbar and after topical anesthesia.Methods: This prospective study comprised 112 eyes that underwent cataract
surgery with implantation of toric intraocular lens by topical anesthesia or peribulbar block. We estimated how many degrees of
cyclotorsion occurred after topical anesthesia and peribulbar block with the patient in supine position. A tag was performed in the
position of 180 degrees of the right eye and zero degrees of the left eye, with the patient seated. Afterwards, it was requested a change to
the supine position and then a new dial in 180 and zero degrees respectively from right and left eye were made. Results: The current
study demonstrated that patients submitted to cataract surgery with implantation of toriclens under local anesthesia showed approximately
6.89 degrees of incyclotorsion (82 eyes) and 6.93 degrees of excyclotorsion (38 eyes) and a mean of cyclotorsion of 6.91 degrees.
Patients undergoing peribulbar block showed 5.68 degrees of incyclotorsion (73 eyes) and 4.81 degrees of excyclotorsion (47 eyes) and
a mean of cyclotorsion of 4.92 degrees. Conclusion:Through the study we can see that the movement of incyclotorsion in patients
undergoing peribulbar anesthesia was lower when compared to topical anesthesia. This is relevant since the greater the incyclotorsion,
the lower the predictability of the surgery and the lower the chance of obtaining excellent results in the final refractometric.
Kewords:Eye movements; Torsion abnormality; Patient positioning;Peribulbar block;Anesthesia, local; Administration, topical
RESUMO
Objetivo: Avaliar a magnitude da ciclotorção durante a cirurgia de catarata em pacientes com indicação de lentes intraoculares
tóricas comparando os resultados após o bloqueio peribulbar e após a anestesia tópica. Métodos: Esse estudo prospectivo compreende 112 olhos que foram submetidos à cirurgia de catarata com implante de lente intraocular tórica por meio de anestesia tópica ou
bloqueio peribulbar. Foram estimados quantos graus de ciclotorção ocorreu após a anestesia tópica e após o bloqueio peribulbar,
com o paciente em posição supina.Foi realizada uma marcação na posição de 180 graus do olho direito e zero grau do olho esquerdo,
com o paciente sentado, em seguida,houve uma mudançade posição para decúbito dorsal, sendo realizadas novas marcações em 180
e zero graus dos olhos direito e esquerdo, respectivamente. Resultados: O presente estudo demonstrou que pacientes submetidos à
facoemulsificação com implante de lente tórica com anestesia tópica apresentaram aproximadamente 6.89 graus de inciclotorção
(82 olhos) e 6,93 graus de exciclotorção (38 olhos) com uma média de ciclotorção de 6.91 graus. Já os pacientes submetidos à
anestesia peribulbar apresentaram 5.68 graus de inciclotorção(73 olhos) e 4,81 graus de exciclotorção (47 olhos) com uma média de
ciclotorção de 4,92. Conclusão: Através do estudo podemos observar que o movimento de inciclotorção em pacientes submetidos à
anestesia peribulbar foi menor quando comparado ao da anestesia tópica. Isso se torna relevante uma vez que, quanto maior for a
inciclotorção, menor a previsibilidade da cirurgia e menor a chance de obtenção de excelência nos resultados refratométricos finais.
Descritores: Movimentos oculares; Anormalidade torsional; Posição do paciente; Anestesia local; Administração tópica
1
2
3
Universidade de São Paulo, São Paulo, (SP), Brazil;
Hospital Naval Marcílio Dias, Rio de Janeiro (RJ), Brazil;
Hospital Federal Bonsucesso, Rio de Janeiro (RJ), Brazil;
Study carried out at Departament of Oftalmology, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brazil
There are no conflicts of interest.
Recebido para publicação em 16/03/2014 - Aceito para publicação em 14/04/2014.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 199-201
200
Kara-Junior N, Mourad PC, Moraes RLB, Piva C, Santhiago MR
INTRODUCTION
C
yclotorsions are movements of cyclorotation of the
eyes(1). The cyclotorsion of the human eye occurs with
movement of the head and body, changing the original
position of the corneal axis. A significant different range of
cyclotorsion between a lie and a supine position was previously
reported as varying from 2 to 7 degrees(2) .The measurement of
the rotation raised concern among refractive and cataract
surgeons especially regarding astigmatism correction where a
mistake in the position of the axis will lead to a significant impact
in patients visual acuity.
Peribulbar block is one of the techniques for anesthesia
for cataract surgery and is one of the most popular throughout
the world because it is a safe procedure and it’s able to warrant
a cataract surgery with no pain(3). The objective is not only the
analgesia but also ocular akinesia during the surgical procedure.
It is believed that after the peribulbar block, the torsional motion
of the eye suffers distortions, which could result in consequences
if not evaluated prior to surgery procedure(4,5).
Toric intraocular lenses (IOLs) are spherocylindrical and
correct for corneal astigmatism after cataract surgery. The
orientation of the toric IOL in the capsular bag is critical
because misalignment negates the desired effect of correcting
astigmatism. If, for instance, a toric IOL rotates 30 degrees
off the prescribed axis of alignment, there is virtually no
correction of astigmatism; if it rotates more than 45 degrees
from the prescribed axis, the IOL augments the preoperative
ocular cylinder (6).
The aim of this prospective study is to determine the amount
of ocular cyclotorsion in lie positions after topical anethesia and
peribulbar block.
METHODS
This prospective series of cases included 112 eyes of 112
patients. The study was approved by the ethical committee of
University of São Paulo. Exclusion criteria were patients who
showed any alteration in ocular extrinsic motility and patients
with very shallow or deep orbit, abnormalities of their visual
system and their stereopsis less than 40 seconds of arc. Strabismus
(especially dissociated vertical divergence, DVD) and any
organic eye disease were excluded by thorough ophthalmological
examination including biomicroscopy, indirect ophthalmoscopy,
refractometry or retinoscopy in cycloplegia, cover test,
assessment of ocular motility, prism and cover test, verification
of stable, central fixation by using the so called ‘‘Haidinger
Büschel’’ and after image, determination of stereopsis by the Lang
stereotest and the Titmus test. The nature of the study had been
clearly explained and informed consent was obtained from all
subjects before testing. The study follows the tenets of declaration
of Helsinki.
Perilimbar mark was performed in the position of 180
degrees in right eye and zero degrees of left eye, with the patient
seat down, in the immediately sequence requested that the patient
lie down, and then a new dial in 180 and zero degrees respectively
from right and left eye were made. The angle of rotation of the
original mark was recorded after topical anesthesia.
After that, the block was performed with peribulbar
infiltration of 5mL of anesthetics in access inferotemporal. New
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 199-201
measures were taken in lying down position, always with reference
to the initial marking in the supine position.
Statistical analysis was performed using SPSS for
Windows (version 115, SPSS, Inc.). For statistical analysis of
visual acuity, LogMAR values were used. Normality was
checked using the Kolmogorov-Smirnov test. When parametric
analysis was not possible the non-parametric Mann–Whitney
U test was used to compare data between the two IOL groups.
The analysis of primary outcome measures was based on a
non-normal distribution of the data. When parametric analysis
was possible, the Student’s t-test was used to compare the
outcomes. All the statistical tests have been conducted at an
alpha level of 0.05.
RESULTS
This study evaluated 112 eyes of 112 patients and the
measured cyclotorsional deviation in supine position, in patients
with topical anesthesia was located around 6.89 degrees (82 eyes)
of incyclotorsion and 6.93 (38 eyes) degrees of excyclotorsion,
with a mean of cyclotorsion located around 6.91 degrees.
In patients with peribulbar block, the deviation were located
around 5.68 degrees (73 eyes) of incyclotorsion and 4.81 degrees
(47 eyes) of excyclotorsion and a mean of cyclotorsion of 4.92
degrees. (p=0.002).
Statistical analysis of the different test positions and
anesthesia showed less positionaly induced incyclotorsion on
patients with peribulbar block.
There were also no statistically significant difference
between the topical anesthesia and peribulbar block on
excyclotorsion (p=0.120).
DISCUSSION
In this prospective series of 112 consecutive cases we
observed that the range of cyclotorsion (incyclotorsion)
previously the block, in lie positions was 6.91±2.36 degrees. After
the peribulbar block there was a decrease in the cyclotorsion,
for 4.92±2.91degrees (p=0.002).
These results lead us to suggest that, despite the apparent
akinesia achieved with the peribulbar block, the cyclotorsion
persists and presents significant different values when compared
to topical anesthesia. It is known that a rotation of 6 degrees can
reduce the effect of an astigmatic correction by approximately
20% (2,5).
Positional induced inexcyclotorsion could be an important
factor concerning of astigmatism in refractive surgery. Before
performing refractive and cataract surgery correcting
astigmatism, the axis of astigmatism is usually measured in seated
position, while the procedure of correction itself takes place in a
supine position.
Positional induced inexcyclotorsion could be an important
factor in the outcome of cataract and refractive surgery. Two
possible mistakes with clinical significance may occur. Firstly, a
simple difference of the axis of astigmatism between the sitting
and supine position will lead not only to an erroneous correction
of the astigmatism itself, but the whole spherocylindrical
correction could be false(7).
The refractive outcome of the cylinder correction depends
on the accuracy of the axis treatment. For example, a 10-degree
Analysis of ocular cyclotorsion in lying position after peribulbar block and topical anesthesia
axis shift decreases the efficiency of the desired cylinder
correction by more than 30%. Even minimal meridional errors
can have significant negative refractive consequences,
particularly in cases of moderate to high astigmatism(8).
Febbraro et al. also evaluated cyclorotationand found that
the mean static of cyclotorsionin their study was 3.08 +/ - 2.68
degrees, which was statistically significant greater than 0
degrees.The cyclotorsion was less than 5 degrees in 53 eyes
(71%), 5 to 9 degrees in 19 eyes (26%) and 10 degrees or more
in 2 eyes (3%).Incyclotorsion appeared in 22 eyes (31%) and
the mean of rotation was 2.9 degrees. Excyclotorsion ocurred in
42 eyes (60%) and the mean was 3.6 degrees. There were no
cyclotorsion in 6 eyes(9).
Postural changes, such as moving from an upright to a supine
position, can induce a mean ocular cyclotorsional effect of 0.4 to
4.2 degrees (range 0 to 16 de- grees)(10,11),and this effect can be
incyclotorsional or excylcotorsional(10). However, keratometry is
typically recorded with the patient upright, whereas ocular
surgery is performed with the patient supine. As a consequence,
it has been recommended that preoperative corneal markings of
the 0- to 180-degree meridian using specifically designed
instruments should be made with the patient upright and that the
markings should then be aligned with the 0- to 180-degree
meridian of a fixation ring with the patient supine, from which
the meridian of the toric IOL to be implanted is marked with a
meridian marker.
In conclusion, cyclotorsion represents another potential
source of residual refractive errors that subsequently will lead
to a reduced visual quality postoperatively. Therefore should be
carefully taken into account in the preoperative analyses.
201
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Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 199-201
ARTIGO ORIGINAL
202
Tratamento cirúrgico da blefaroptose congênita
Surgical treatment of congenital blepharoptosis
Suzana Matayoshi1, Ivana Cardoso Pereira2, Luiz Angelo Rossato2
RESUMO
A blefaroptose é o posicionamento inadequado da pálpebra superior, estando abaixo de sua posição normal na posição primária do
olhar, a qual seria 0,5 – 2mm abaixo do limbo superior. Pode causar bloqueio parcial ou completo do campo visual superior, além do
comprometimento estético. As causas são categorizadas em congênitas ou adquiridas. É considerada congênita se presente ao
nascimento ou diagnosticada no primeiro ano de vida. As principais técnicas utilizadas para o tratamento da ptose congênita são a
ressecção da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior (MLPS) e a suspensão frontal. A medida da função do MLPS
é o parâmetro mais importante na escolha da técnica cirúrgica. Quando a função é fraca, a suspensão frontal é mais indicada; a
ressecção supramáxima do MLPS também pode ser empregada. Acima de 4 ou 5mm de função do MLPS, prefere-se a ressecção da
aponeurose. Para a cirurgia de suspensão frontal, vários são os materiais utilizados, portanto apresentamos uma comparação entre
os estudos mais relevantes. Discutiremos também particularidades em casos mais complicados, como as Síndromes da Blefarofimose
e de Marcus-Gunn, além de técnicas cirúrgicas menos utilizadas e as complicações relatadas.
Descritores: Blefaroptose/congênito; Blefaroptose/cirurgia; Blefaroptose/complicações; Pálpebra/patologia
ABSTRACT
The blepharoptosis is the improper positioning of the upper eyelid, being below its normal position in primary gaze, which is 0.5 - 2mm
below the superior corneal limbus. It may block partially or completely the upper visual field, and lead to aesthetic commitment. The
causes are categorized as congenital or acquired. It is considered congenital if present at birth or diagnosed during the first year of life.
The main techniques used for the treatment of congenital ptosis are the resection of the levator muscle aponeurosis and the frontalis
suspension. The function of the levator muscle is the most important parameter to define the surgical technique. When the function is
weak, the frontalis suspension is more appropriate; the supra-maximal resection of the levator muscle may also be employed. With
function above 4 or 5mm, the resection of the aponeurosis is preferred. For the frontalis suspension surgery, various materials can be
used, so we present a comparison of the most relevant studies. We also discuss some characteristics in more complicated cases, such as
the Blepharophimosis syndrome and the Marcus-Gunn syndrome, and surgical techniques less performed and complications reported.
Keywords: Blepharoptosis/congenital; Blepharoptosis/surgery; Blepharoptosis/ complications; Eyelid/pathology
1
2
Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil;
Programa de pós-graduação, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil;
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
Os autores declaram não haver conflitos de interesse
Recebido para publicação em 03/02/2014 - Aceito para publicação em 23/03/2014.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 202-9
Tratamento cirúrgico da blefaroptose congênita
INTRODUÇÃO
A
blefaroptose é caracterizada pelo posicionamento inadequado da pálpebra superior, estando abaixo de sua
posição normal na posição primária do olhar (PPO), a
qual seria 0,5 – 2mm abaixo do limbo superior(1). A queda da
margem palpebral geralmente resulta em bloqueio parcial ou
completo do campo visual superior na posição primária do olhar
e em infraversão, além de ter comprometimento estético.
A medida da diferença entre a posição da margem
palpebral superior ptótica e a posição normal (que seria de uma
cobertura de 2mm em relação ao limbo corneano às 12 horas)
foi um dos primeiros parâmetros utilizados na semiologia da
ptose. Assim, Beard(2) classificou a ptose em três grupos, sendo
considerada leve (1,5-2mm), moderada (3mm) e grave (a partir de 4 mm).
Como pode ocorrer perda de precisão da medida, uma vez
que há necessidade de o examinador elevar manualmente a pálpebra para a mensuração, Sarver e Putterman(3) propuseram considerar a utilização da distância entre a margem palpebral superior e o reflexo pupilar (DMR1), que corresponde clinicamente
à distância entre a margem palpebral superior e o centro pupilar,
para detecção da ptose. A DMR1 normal situa-se entre 2,6 e
4,4mm; assim, qualquer valor abaixo desse número poderia ser
considerado como ptose(4). Entretanto, esses números devem ser
avaliados levando-se em conta outros fatores, como presença ou
não de assimetria facial e/ou palpebral, além de proporções faciais
e características raciais.
O paciente, de forma inconsciente, tenta compensar a ptose
por meio de contração da musculatura frontal e dos músculos
corrugadores, ou mudando o posicionamento da cabeça, por meio
da elevação do queixo, ou ainda, através da elevação das pálpebras e/ou sobrancelhas com os dedos. O estímulo constante dos
músculos da face pode causar cefaleia tensional.
A frequência da ptose é igual entre os sexos e as diferentes raças. Fatores de risco para queda da pálpebra superior são:
idade, diabetes, miastenia gravis e tumor cerebral, os quais podem afetar a resposta neural ou muscular(5).
As causas são categorizadas em congênitas ou adquiridas.
É considerada congênita se presente ao nascimento ou
diagnosticada no primeiro ano de vida. As adquiridas são ainda
divididas em anormalidades anatômicas, neurogênicas, mecânicas, traumáticas e miogênicas(6,7).
Em relação às estruturas anatômicas envolvidas, são 3 os
músculos envolvidos na elevação palpebral superior: o músculo
levantador da pálpebra superior (MLPS) (inervado pelo nervo
oculomotor, é o principal músculo), o músculo liso de Müller
(inervação simpática, responsável por até 2mm de elevação) e o
músculo frontal (inervado pelo nervo facial, função adjuvante
para a elevação).
O tratamento da ptose palpebral é cirúrgico e se baseia na
abordagem dos três músculos acima referidos. A indicação pode
ser funcional ou estética. É uma cirurgia eletiva, devendo ser
planejada, avaliando-se os riscos e benefícios.
A escolha da técnica e o resultado final são influenciados pelo tipo de ptose, pela função do MLPS, idade, lateralidade,
presença de anormalidades oftalmológicas ou neurológicas adi-
203
cionais, e preferência do cirurgião. Basicamente são três as
modalidades cirúrgicas mais utilizadas atualmente: a
ressecção-reinserção da aponeurose do MLPS; a ressecção
do músculo de Müller (conjuntivo-Müller ectomia ou conjuntivo-tarso Müller ectomia) e a suspensão ao músculo frontal(5,6).
Ao longo do artigo as técnicas serão melhor apresentadas e
comentadas.
Características clínicas da ptose congênita
A ptose congênita mais frequentemente resulta de uma
falha no desenvolvimento embrionário do MLPS. Durante a
embriogênese, o MLPS começa a se formar a partir do músculo
reto superior e atinge sua posição normal por volta do quarto
mês. É nesse período que as anormalidades começam a aparecer. O músculo de Muller também se desenvolve nesse estágio.
Na ptose congênita miogênica, as fibras do MLPS são distróficas
e substituídas por tecido fibroso(8).
Ao contrário da ptose adquirida, a ptose congênita apresenta características diferentes em relaçao às versões: na
supraversão se acentua e na infraversão mostra lid lag (o músculo não consegue o relaxamento normal), além do sulco
palpebral ser ausente na maioria dos casos(9).
A avaliação inicial de crianças com ptose congênita inclui
medida da distância margem palpebral superior ao reflexo
corneano (MRD1), excursão do MLPS, altura do sulco palpebral
superior, presença de fenômeno de Bell e exclusão de síndromes
como a de Marcus-Gunn e estrabismo vertical associado(1). Geralmente, apresentam redução significativa da função do MLPS
(4 mm ou menos). Apesar de ser considerada uma condição não
progressiva, crianças com ptose apresentam maior incidência de
ambliopia (14-23%), além de outros distúrbios do desenvolvimento visual, como miopia, astigmatismo, anisometropia, torcicolo e estrabismo(10).
É unilateral em 70% dos casos, e pode estar ou não associa-da a alterações de um ou mais músculos extraoculares e/ou
doença sistêmica. Casos mais graves envolvem hipoplasia do
MLPS ou da aponeurose, com sulco palpebral ausente ou atenuado (6).
A medida da função do MLPS, ou melhor da excursão
palpebral, é o parâmetro mais importante na escolha da técnica
cirúrgica. Necessita de cooperação da criança para que a
mensuração seja correta.
Tratamento cirúrgico da ptose congênita
Registros do século 19 já detalhavam o tratamento cirúrgico da ptose congênita. Bowman primeiramente relatou a
resecção do MLPS em 1857 e Dransart descreveu a primeira
suspensão frontal em 1880. Em 1909, Payr introduziu o uso de
fáscia lata autóloga e depois, foi reintroduzida por Wright em
1922. Em 1966, Tillett e Tillett descreveram pela primeira vez o
uso de silicone para a correção de ptose por suspensão frontal.
Em meados do século 20 autores como Berke, Jones e Beard
sistematizaram conceitos e técnicas cirúrgicas(11).
As técnicas principalmente utilizadas atualmente são a
ressecção do MLPS e a suspensão frontal.
Se não há risco ou sinais de ambliopia, a correção cirúrgica pode ser adiada até a idade de 3 a 5 anos, quando as estruturas palpebrais estão melhor desenvolvidas e é possível a retira-
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 202-9
204
Matayoshi S, Pereira IC, Rossato LA
da da fáscia lata. Se ambliopia é presente, deve-se realizar a
correção da ptose precocemente e materiais aloplásticos podem
ser usados como forma de suspensão temporária até que o paciente atinja a idade necessária para utilização de fáscia lata
autóloga.
Ressecção da aponeurose do MLPS
A cirurgia tradicional para acesso da aponeurose se inicia
com incisão horizontal da pele de aproximadamente 20 a 22mm,
dissecção do músculo orbicular, abertura do septo, identificação
da aponeurose (estrutura branco-nacarada que se situa abaixo
da gordura palpebral), ressecção da mesma na altura pretendida e subsequente avanço até o terço médio da placa tarsal com
3 suturas em U, distribuídas na região central, medial e lateral(1).
Para facilitar a identificação e individualização da
aponeurose, pode-se injetar lidocaína a 2% com vasoconstrictor
(adrenalina 1:200000) por via subconjuntival, que separa facilmente a aponeurose do MLPS do complexo músculo de Mullerconjuntiva. Pequena incisão horizontal da aponeurose no terço
superior do tarso, seguida de ampliação medial e lateral,
desconectam a aponeurose do tarso. Cortes oblíquos na direção
vertical dos cornos medial e lateral da aponeurose mobilizam
melhor a anteriorização da mesma. O uso da pinça de Berke
pode também facilitar a manipulação da aponeurose (figura 1).
Figura 1: Esquema da ressecção da aponeurose do MLPS, utilizando-se a pinça de Berke
Deve ser usado fio não absorvível, já que a sutura com fio
absorvível pode levar à falência tardia do procedimento(12).
O sulco ou prega palpebral pode ser confeccionado pela
sutura envolvendo margem superior da pele, aponeurose e pele
da margem inferior da incisão. Habitualmente são aplicadas 3
ou 4 suturas.
A dúvida maior nessa cirurgia se relaciona à quantidade de
aponeurose que será ressecada. Depende muito da experiência
do cirurgião. A ressecção pode ser pequena (10-13mm), média
(14-20mm) ou grande (acima de 21mm) tendo como parâmetro a
função do MLPS e o grau de ptose. Em geral as medidas se baseiam na tabela de ressecção proposta por Beard(1) (tabela 1).
Duas são as variantes desta técnica:
1. Suspensão no ligamento de Whitnall: resseca-se a
aponeurose até o ligamento de Whitnall, o tarso é suturado direRev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 202-9
Tabela 1
Grau de ptose e quantificação da ressecção
da aponeurose do MLPS
Grau de
ptose (mm)
Leve(1,5-2,0)
Moderada (3,0)
Grave (4 ou mais)
Função
MLPS (mm)
Boa (8 ou mais)
8 ou mais
Procedimento
Ressecção 10-13mm
Ressecção 14-17mm
5-7
Ressecção 18-22mm
Menor ou igual a 4 Ressecção acima de 23mm
4 ou menos
5-7
Ressecção acima de 23mm
Ressecção acima de 23mm
tamente no ligamento. Tem indicação nos casos de função entre
4-5mm. O ponto negativo é que alguns advogam que o ligamento de Whitnall funciona como uma “luva” móvel para o MLPS,
transformando sua força horizontal em força vertical para a pálpebra superior. A dissecção dos pilares medial e lateral do ligamento poderia comprometer seu papel de sustentação(13). Pode
haver eversão palpebral se a sutura for realizada próximo a borda inferior do tarso.
2. Ressecção supramáxima da aponeurose: consiste na
ressecção de mais de 30mm de tecido, englobando aponeurose e
MLPS. Para a liberação da porção posterior ao ligamento, resseca-se a adesão do mesmo medial e lateralmente. A dissecção
deve evitar lesionar o músculo reto superior(14). É uma forma de
se evitar a suspensão frontal evitando o risco de infecção e
extrusão, ou de retirada de fáscia lata, evitando outra cicatriz e
reduzindo o tempo cirúrgico.
Suspensão frontal
A técnica de suspensão frontal é amplamente utilizada para
reparo da ptose com função pobre do MLPS e com boa função
do músculo frontal, principalmente na ptose congênita, mas também na síndrome de blefarofimose e nas neurogênicas (paralisia
de terceiro nervo craniano e síndrome de Marcus-Gunn)(10,15).
Esse procedimento conecta a unidade motora (músculo frontal)
à pálpebra superior (figura 2).
A maioria das técnicas se baseia em incisões cutâneas ao
Figura 2: Suspensão frontal. A seta indica o ponto de união das extremidades do elemento suspensor na cabeça do supercílio
Tratamento cirúrgico da blefaroptose congênita
205
nível do tarso e do supercílio, as quais permitem a passagem do
material para a suspensão no plano suborbicular(10). O material
utilizado é alojado anteriormente ao plano do septo orbitário,
dessa forma a pálpebra é elevada em direção ao supercílio e
não ao longo da superfície do olho, diminuindo a interação pálpebra-córnea. Pode haver também a formação de “tenda” sob a
pele pré-tarsal e pré-septal e retardo na descida da pálpebra
superior no olhar para baixo(6).
patibilidade, apesar de exigir um segundo sitio cirúrgico(16). Exige também que o paciente tenha pelo menos 3 anos de idade
para ter o tamanho da perna suficiente para a retirada de fáscia
adequada(16,18). O aloenxerto de fáscia lata é outra opção, mas
apresenta taxa de recorrência maior (8 a 63,2%) quando comparada a fáscia lata autóloga (0,8 a 5%), principalmente a longo
prazo(10,13,19). A fáscia lata preservada pode ser substituída por
tecido fibroso, levando a um efeito permanente, porém, pode também ser absorvida prematuramente, além do risco de transmissão de doenças infecciosas. Embora vários autores prefiram a
fáscia lata como o melhor material para a suspensão frontal(10),
outros tem optado pelo silicone(20).
O silicone é facilmente acessível e ajustável, elástico, o que
o torna um material conveniente para suspensão frontal com
fenômeno de Bell fraco, como na oftalmoplegia externa progressiva crônica, miastenia gravis e paralisia do terceiro nervo
craniano(20). A sutura do silicone no tarso traz como benefícios
uma menor migração e consequente menor recorrência, além
de ser importante para a confecção do sulco palpebral(21).
A tabela 2 mostra resumidamente os estudos que compa-
Materiais endógenos versus exógenos
Os materiais endógenos mais comumente utilizados são
fáscia lata ou temporal preservadas ou não, tendão palmar longo e veia umbilical. Diferentes materiais exógenos têm sido utilizados para a suspensão, como fio de silicone, nylon, colágeno,
seda, aço inoxidável, malha de Mersilene (Ethicon, Blue Ash,
OH, U.S.A.), Supramid (polifilamento de nylon, S. Jackson,
Alexandria, VA, U.S.A.) e Gore-Tex (politetrafluoroetileno, W.L.
Gore and Associates, Newark, DE, U.S.A.)(17).
A fáscia lata autóloga apresenta risco mínimo de infecção,
extrusão e ruptura, além de maior tempo de viabilidade e com-
Tabela 2
Comparação dos diversos materiais utilizados na suspensão frontal
N casos
Wasserman (2001) (17)
Fáscia autogena
Fáscia preservada
Polipropileno
Nylon
Mersilene
Polifluortetraetileno
34
Lee (2009) (21)
Fáscia preservada
Silicone
63
60
Ben Simon (2005) (22)
Fáscia autogena
Nylon
Silicone
Politetrafluoretileno
27
Wagner (1984) (24)
Fáscia lata preservada
Nylon
42
Berry-Brincat (2009)
Mersilene
Mehta (2004)
Mersilene
‘Follow-up’ (meses)
Recorrência (%)
30
18
24
24
8
6
4,2
51,4
12,5
69,2
27,3
0
36
36
41,4-63,2
29,2
Complicações (%)
8,3
5,7
0
7,7
9,1
45,5
> 20
20
> 20
20
22
25
44
15
0
5
42,9
11,1
20,8
31,5
8,3
28,1
0
12,4
28
30
17,02
0
12
32
27
(25)
(26)
Juncedo-Moreno (2005)
Fáscia autóloga
Fáscia preservada
Silicone
Politetrafluoretileno
(27)
12
18
23
15
20
20
5
40
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 202-9
206
Matayoshi S, Pereira IC, Rossato LA
ram os diversos materiais utilizados na cirurgia de suspensão
frontal. Nota-se que os resultados são muito díspares nos estudos, tanto em relação à recorrência da ptose ao longo do tempo
quanto ao índice de complicações. Até 2005 era praticamente
unânime a aceitação da fáscia lata como melhor material, porém estudos mais recentes tem-se inclinado para o silicone, inclusive em relação à superioridade nos resultados estéticos e
menor recorrência(21).
Na realidade há necessidade de estudos prospectivos e
randomizados para se confirmar a superioridade do silicone sobre
a fáscia lata(21) ou na comparação de quaisquer outros materiais.
Em relação a outros materiais, estudos indicam que o nylon,
o mersilene e o politetrafluoretileno (PTFE ou “Gore-tex”), tem
uma boa aceitação, mas com variados graus de extrusão, infecção e formação de granulomas(17,19,22).
A utilização de fáscia lata autóloga continua a ser o método
preferido pela maioria dos cirurgiões e considerado procedimento padrão ouro(7,10,16,18,23). Fáscia lata preservada aparece com segunda melhor opção (23). Apesar da altura, contorno e sulco
palpebrais se apresentarem satisfatórios no período pós-operatório precoce, com o passar do tempo o resultado cosmético pode
sofrer mudança, principalmente com relação à simetria da altura
palpebral em casos unilaterais e sulco palpebral em casos uni e
bilaterais, mesmo se o resultado funcional continua bom. Outros
autores, porém, descrevem bons resultados funcionais em longo
prazo, com manutenção da altura e do sulco palpebrais(16).
Há risco de afrouxamento do material, diminuindo sua função e efetividade(6). Pacientes asiáticos são mais propensos à
inversão palpebral após cirurgia de suspensão frontal(16).
Alça da suspensão
Não há consenso quanto ao formato da alça; triângulo simples, triângulo duplo, romboide simples (método de FriedenwaldGuyton), romboide dupla (método de Iliff), trapezóide dupla
(método de Wright), pentagonal simples (método de Fox) e
pentagonal dupla (método de Crawford) são configurações usadas(16,23). Alguns autores acreditam que o método monotriangular
é melhor para sobrancelhas com pontas e o tipo pentagonal ou
romboide para sobrancelhas difusamente elevadas. Outros recomendam o modelo monotriangular (método de Fox modificado) para crianças e o bitriangular (método de Crawford modificado) para adultos(23). Outros ainda, recomendam o método
romboide simples para crianças pequenas, por prevenir dobras
palpebrais pós-operatórias(10). Ben Simon et al. não encontraram diferença em recorrência, função ou estética quando comparadas a alça romboide simples e o pentágono duplo(22). Para a
fáscia lata, é recomendada a utilização da técnica de Crawford
e para os materiais aloplásticos, o método de Fox(5). Quanto às
incisões, aquelas feitas no sulco mostraram melhores resultados
em termos de contorno palpebral e simetria do sulco quando
comparadas as realizadas acima dos cílios(22).
Cirurgia bilateral versus unilateral na ptose unilateral grave
Alguns autores recomendam a cirurgia bilateral de suspensão frontal para tratamento de ptose congênita unilateral, com a
justificativa de melhora da simetria ao fechar os olhos, piscar e
olhar para baixo(16,18). Por outro lado, a cirurgia bilateral coloca
os dois olhos sob o risco de complicação pós-operatória, como
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 202-9
lagoftalmo, ceratite de exposição, entrópio de pálpebra superior,
ptose de cílios, ausência de sulco palpebral, excesso de pele e
paralisia de músculo oblíquo superior. Outros autores, porém,
sugerem que a cirurgia unilateral preservando o lado saudável,
traz maior aceitação do procedimento pelos pais, tempo e riscos
cirúrgicos reduzidos. A presença de elevação espontânea do
supercílio no pré-operatório no lado afetado pode predizer o
sucesso de uma suspensão frontal unilateral. A cirurgia unilateral é recomendada para ptose congênita unilateral com função
pobre do MLPS sem ambliopia(28). Pacientes com ambliopia estão sujeitos ao risco de hipocorreção da mesma se submetidos à
cirurgia unilateral, portanto suspensão frontal bilateral é preferida nesses casos(16).
Outras técnicas menos utilizadas
Tarsectomia
Descrita inicialmente por Gillet de Grandmont em 1891,
segundo Reifler(29) ganhou popularidade nos últimos 20 anos por
sua flexibilidade em se associar à ressecção da aponeurose do
MLPS(30,31) e à ressecção do Músculo de Muller pela via posterior (Fasanella-Servat, 1961)(32). Foi também descrita como técnica para correção de ptoses recidivadas e de pouca resposta a
outras técnicas cirúrgicas habituais(31). Esta técnica se baseia no
encurtamento vertical da pálpebra, com a consequente elevação da margem palpebral. A ressecção do tarso deve manter
3mm pelo menos a partir da margem palpebral para manter a
estabilidade da pálpebra(32).
‘Frontalis transfer’
Trata-se de um flap dinâmico de músculo frontal tunelizado
até a pálpebra superior e suturado à placa tarsal, para casos de
ptose congênita, adquirida ou ambas que recidivaram após outros tipos de correção, e função do MLPS menor que 4mm(6,7,19).
O músculo frontal é dissecado do periósteo e do músculo
orbicular, o septo orbital é separado da margem orbitária e cria
uma polia semielástica para acomodar o flap(19). O MLPS é avançado e dobrado sobre a aponeurose por 12 a 16mm. O flap é
suturado a placa tarsal com fio inabsorvível 6-0 ou 7-0 (3 pontos:
centro da pupila, limbo lateral e limbo medial). A margem
palpebral é ajustada para permanecer ao nível do limbo superior e os pacientes tem que aprender a posicionar a pálpebra de
forma funcional e estética. As complicações relatadas foram excursão reduzida da pálpebra em extremas supraversão e
infraversão (principalmente no pós-operatório imediato),
sangramento pela dissecção do músculo frontal, denervação,
deformidades no local doador com assimetria de sobrancelhas,
cicatriz supraciliar e lagoftalmo. Exposição corneana não foi relatada. Simetria no posicionamento das pálpebras foi atingido
mais frequentemente quando o procedimento foi realizado bilateralmente(7,19). Esse procedimento pode ser realizado em crianças mais novas, já que o músculo frontal está bem desenvolvido
aos 2 anos de idade(6).
Indicações para a escolha da técnica cirúrgica
As recomendações atuais para correção de ptose congênita são variáveis, porém em crianças com menos de 3-4 anos
com função pobre do MLPS, é recomendada suspensão frontal.
Tratamento cirúrgico da blefaroptose congênita
207
Figura 3: Blefarofimose - notam-se as marcas da correção do epicanto
inverso; ptose grave com arqueamento de supercílios, diminuição de
fenda horizontal e euribléfaro
Figura 4: Hipocorreção de ptose à esquerda no 15o pós-operatório de
ressecção de aponeurose de MLPS
Em crianças com menos de 3mm de função do MLPS, as opções
são suspensão frontal, flap do músculo frontal e suspensão utilizando o ligamento de Whitnall. Em pacientes com mais de 5mm
de função do MLPS, podem ser realizadas a ressecção ou avanço do MLPS. Para casos com recidiva após suspensão frontal,
pode-se realizar a suspensão pelo ligamento de Whitnall (com
ou sem tarsectomia) e vice-versa(6).
A dificuldade maior é indicar a cirurgia em casos de função entre 5-7mm porque a ressecção da aponeurose do MLPS
pode não ser suficiente. Outras opções consistem em suspensão
frontal, ressecção máxima do MLPS e suspensão ao ligamento
de Whitnall ou associado à tarsectomia superior(20,30).
posição e a excursão da pálpebra afetada(15).
É classificada de acordo com a excursão da pálpebra superior conforme a estimulação da boca, graduada em milímetros: leve (< 2mm), moderada (2-5mm) e severa (> 5mm)(36).
Quando a síndrome acarreta comprometimento funcional ou
cosmético, deve-se considerar o tratamento cirúrgico, como por
exemplo, a excisão do MLPS (aponeurose e músculo terminal)
no lado afetado, enfraquecimento ou excisão do MLPS
contralateral, seguidas de suspensão frontal bilateral(15,36). Em
pacientes que não querem ser submetidos a cirurgia bilateral
envolvendo o lado normal ou que não são ambliogênicos, podese realizar o procedimento somente no lado afetado, porém isso
pode gerar assimetria palpebral no olhar para baixo. Pacientes
submetidos à cirurgia bilateral obtiveram melhor simetria das
pálpebras superiores em posição primária do olhar(36).
Deve-se antes resolver alterações associadas, como
ambliopia tratável (23 a 59% dos pacientes), estrabismo vertical (23 a 48%) e estrabismo horizontal (34%)(36). Se a sincinesia
mandíbula-pálpebra trouxer mínimo comprometimento cosmético, ela pode ser ignorada no tratamento da ptose e esta pode
ser corrigida conforme as técnicas adequadas para cada nível
de função do MLPS. Se a sincinesia é moderada a severa e traz
problemas ao paciente, o tratamento cirúrgico deve levá-la em
consideração. Se a sincinesia é leve, o tratamento inclui observação, resecção MLPS ou técnica de Fasanella-Servat(15).
A aponeurose do MLPS apresenta numerosas conexões
abaixo do ligamento de Withnall e divide a glândula lacrimal em
porções orbitária e palpebral, dessa forma, a excisão do MLPS
nem sempre é completa e tais conexões entre o MLPS e a pálpebra podem ser restauradas. Por isso, alguns autores recomendam
a excisão do aponeurose e do MLPS terminal e suspensão frontal bilateral. Com isso, o resultado final seria melhor devido à
simetria de fraqueza da pálpebra superior, de elevação pela suspensão frontal e de uso do músculo frontal para elevar ambas
pálpebras superiores(36).
Cirurgia na Síndrome da Blefarofimose
Pacientes apresentam como características principais:
epicanto inverso, estreitamento horizontal e vertical da fenda
palpebral, telecanto e ptose grave (hipoplasia do MLPS). Outras alterações associadas são: estrabismo, ambliopia, supercílios
arqueados e mais altos, deformidades de orelha, hipogonadismo
e infertilidade(33).
Se possível a correção do telecanto e do epicanto devem
preceder a correção da ptose devido à possibilidade de diminuição vertical da fenda palpebral com as manipulações cirúrgicas(34) (figura 3).
A cirurgia mais indicada é a suspensão frontal com fáscia
lata(33). Alguns autores relatam boa experiência na ressecção
supra-máxima do MLPS(14).
Apesar de todos os procedimentos, mesmo nos casos de
sucesso, os pacientes com blefarofimose continuam com fácies
característicos e mantêm a fenda palpebral mais estreita.
Síndrome de Marcus-Gunn
É uma sincinesia trigêmio-oculomotora, consiste em ptose
congênita unilateral na qual há retração da pálpebra ptótica com
a estimulação do músculo pterigoideo ispsilateral. Essa
estimulação pode ser por meio da abertura da boca, mastigação,
sucção, sorriso, movimentação lateral da mandíbula para o mesmo lado afetado e/ou para o outro, protusão da mandíbula ou da
língua e contração do músculo esternocleidomastoideo(35). Existem casos bilaterais, mas são muito raros. Afeta igualmente ambos os sexos e ambos os lados e é observada em 2 a 13% dos
pacientes com ptose congênita. Como etiologia, acredita-se que
um ramo do quinto nervo craniano é desviado para o terceiro
nervo craniano, porém outros nervos cranianos podem estar envolvidos. Alguns pacientes aprendem com o tempo a controlar a
Complicações da cirurgia de correção de ptose
Dentre as complicações, a mais comum é a hipocorreção
(10-15% dos casos), que pode resultar de ressecção inadequada, identificação incorreta das estruturas, cicatrização excessiva
ou suturas inapropriadas(6,7) (figura 4). A hipercorreção resulta
na oclusão palpebral incompleta e é condição rara na correção
da ptose congênita, mas pode ocorrer se a pálpebra é suturada
ao ligamento de Whitnall ou se o septo orbitário é encurtado
excessivamente(7). Apesar de desejável no pós-operatório, a siRev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 202-9
208
Matayoshi S, Pereira IC, Rossato LA
randomizados e controlados envolvendo várias técnicas cirúrgicas e materiais aloplásticos ou homólogos nessa área dificultam
uma análise mais objetiva e a escolha da melhor abordagem da
ptose congênita.
REFERÊNCIAS
1.
2.
Figura 5: Reação a silicone com processo inflamatório local e exposição parcial do material
metria na altura palpebral pode gerar exposição corneana, por
isso é recomendada a realização da sutura de Frost ao final da
cirurgia e sua retirada após 48 horas.
Existe ainda o risco de diplopia transitória ou permanente
em casos de paralisia residual de terceiro nervo craniano, reação
adversa aos agentes anestésicos, sangramento intra ou pós-operatório, processo infeccioso, ceratite leve e abrasão corneana devido
a suturas em locais inadequados, reações aos materiais aloplásticos
(figura 5) ou abscessos nas suturas, sulco palpebral ausente ou baixo pode resultar de incisão incorreta ou falha na confecção do sulco
e distorções na margem palpebral podem resultar de avanço
assimétrico da aponeurose(6). Assimetria palpebral e sensação de
corpo estranho corneano podem ser complicações tardias.
Podem ocorrer ainda ptose de cílios, entrópio e dobra por
excesso de pele. A fixação da fáscia na porção mais baixa do
tarso cria um torque anterior na margem palpebral e reduz a
chance de entrópio, mas pode levar ao afastamento da margem
simulando euribléfaro superior. A criação do sulco palpebral também é importante. Para evitar a dobra de pele, deve-se retirar o
excesso de pele apropriadamente(16).
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
CONCLUSÃO
14.
As principais técnicas utilizadas para o tratamento da ptose congênita são a ressecção da aponeurose do MLPS e a suspensão frontal.
Na existência de ambliopia a correção da ptose deve ser precoce, de
outra forma pode ser realizada a partir dos 3 anos de idade.
A medida da função do MLPS, ou melhor da excursão
palpebral, é o parâmetro mais importante na escolha da técnica
cirúrgica. Quando a função é fraca a suspensão frontal é mais
indicada; como alternativa a ressecção supramáxima do MLPS
também pode ser empregada. Acima de 4 ou 5 mm de função do
MLPS, prefere-se a ressecção da aponeurose.
Na Síndrome da Blefarofimose, os resultados são menos
eficazes do que nos casos de ptose congênita simples. A suspensão frontal bilateral ainda é a técnica mais usada, embora nesses
casos posssa se cogitar na ressecção supramáxima do MLPS. Na
Síndrome de Marcus-Gunn ressecção máxima do MLPS aliado à
suspensão frontal oferece os melhores resultados.
A complicação mais frequente é a hipocorreção, seguida
de deformidades de sulco, lagoftalmo, ceratopatia, extrusão de
implante e formação de granulomas (no uso de materiais
aloplásticos na suspensão frontal).
Embora a literatura seja vasta, a ausência de estudos
15.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 202-9
16.
17.
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Autor correspondente:
Luiz Angelo Rossato
Rua Cruzeiro do Sul, nº 220
CEP 86050-260, Londrina (PR), Brasil
E-mail: [email protected]
ARTIGO ORIGINAL
210
Aumento da imunorreatividade da molécula de
adesão intercelular-1 na esclera e coroide em
modelo experimental de hipercolesterolemia
Increased intercellular adhesion molecule-1 immunoreactivity
in the sclera-choroid complex in hypercholesterolemia
experimental model
Rogil José de Almeida Torres1, Lucia de Noronha2, Regiane do Rocio de Almeida Torres3, Seigo Nagashima4,
Caroline Luzia de Almeida Torres5, Andréa Luchini6, Robson Antônio de Almeida Torres5, Leonardo Brandão
Précoma7, Dalton Bertolim Précoma8
RESUMO
Objetivo: O objetivo deste trabalho é avaliar a expressão da molécula de adesão intercelular-1 (ICAM-1) na esclera e coroide de
coelhos hipercolesterolêmicos. Métodos: Coelhos New Zealand foram organizados em dois grupos: GN (grupo dieta normal), composto por 8 coelhos (8 olhos), recebeu ração padrão para coelhos, durante 4 semanas; GH (grupo hipercolesterolêmico), composto
por 13 coelhos (13 olhos), recebeu dieta rica em colesterol a 1% por 8 semanas. Foi realizada a dosagem sérica de colesterol total,
triglicerídeos, HDL colesterol, glicemia de jejum no início do experimento e no momento da eutanásia. Ao final da 4ª semana para
o GN e 8ª semana para o GH foi realizada a eutanásia dos animais. Os olhos foram corados com hematoxilina-eosina e submetidos
à análise histológica, histomorfométrica e imunohistoquímica com o anticorpo ICAM-1. Resultados: Observou-se significativo aumento do colesterol total e triglicerídeos do GH em relação ao GN (p<0,001). A avaliação histológica com hematoxilina eosina
revelou grande quantidade de macrófagos no complexo esclero-coroidal do GH. No GH constatou-se significativo aumento da
espessura da esclera e coroide em relação ao GN (p<0,001). Houve significativo aumento da expressão da ICAM-1 na esclera e
coroide dos animais do GH em relação ao GN (p<0,001). Conclusão: Este estudo demonstra que a dieta hipercolesterolêmica induz
ao aumento da expressão da ICAM-1 na esclera e coroide de coelhos.
Descritores: Colesterol; Moléculas de adesão celular; Macrófagos; Coroide; Esclera; Degeneração macular
ABSTRACT
Objective: The aim of this study is to investigate the expression of the intercellular adhesion molecule 1 (ICAM-1) in the sclera and choroid
of hypercholesterolemic rabbits. Methods: New Zealand rabbits were divided into two groups: the normal diet group (NG), with 8 rabbits
(8 eyes), was fed a standard rabbit diet for 4 weeks; the hypercholesterolemic group (HG), with 13 rabbits (13 eyes), was fed a 1%
cholesterol- enriched diet for 8 weeks. Total serum cholesterol, triglyceride, HDL cholesterol and fasting blood glucose exams were performed
at the start of the experiment and at the euthanasia time. HG and NG animals were euthanized after 8th week and 4th week, respectively.
Their eyes were stained with hematoxylin-eosin and underwent histological, histomorphometric and immunohistochemical analyses with
ICAM-1 antibody. Results: The diet has induced a significant increase in total cholesterol and triglyceride levels in HG when compared
with NG (p<0.001). The histological analysis with hematoxylin-eosin revealed a large number of macrophages in the HG sclera-choroid
complex. Moreover, a significant increase in the HG sclera and choroid thickness was observed in relation to NG (p<0.001). There was a
significant increase in the ICAM-1 expression in HG sclera and choroid in relation to NG. Conclusion: This study has revealed that the
hypercholesterolemic diet induces an increase in the ICAM-1 expression in the rabbits’ sclera and choroid.
Keywords: Cholesterol;Cell adhesion molecules; Macrophages; Choroid; Sclera; Macular degeneration
1
Programa de pós-doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Curitiba (PR), Brasil;
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Curitiba (PR), Brasil;
5
Universidade Positivo – Curitiba (PR), Brasil;
6
Centro Oftalmológico de Curitiba – Curitiba (PR), Brasil;
7
Hospital Angelina Caron – Campina Grande do Sul (PR), Brasil;
8
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Curitiba (PR), Brasil;
2,3,4
Trabalho realizado no setor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Hospital Angelina Caron (Campina
Grande do Sul (PR)
Os autores declaram não haver conflitos de interesse
Recebido para publicação em 17/12/2013 - Aceito para publicação em 26/02/2014.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 210-5
Aumento da imunoreatividade da molécula de adesão intercelular-1 na esclera e coroide em modelo experimental de hipercolesterolemia
211
INTRODUÇÃO
MÉTODOS
eovascularização intraocular patológica é uma complicação que usualmente cursa com cegueira. Entre as patologias que apresentam esta evolução destacam-se a
retinopatia da prematuridade, retinopatia diabética, glaucoma
neovascular e degeneração macular relacionada à idade
(DMRI). A DMRI é uma doença multifatorial. Alterações genéticas, ambientais, demográficas, dietéticas, clínicas, oculares
e de estilo de vida são responsáveis pelo desencadeamento desta doença(1,2).
Há décadas, a origem da DMRI vem sendo atribuída ao
acúmulo excessivo e patológico de lipídeos na membrana de
Bruch, proveniente da disfunção das células do epitélio
pigmentário (EPR)(3). Recentemente, a descoberta do papel do
fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) na formação
de neovasos subrretinianos foi importantíssima para o melhor
entendimento da fisiopatogenia da DMRI. A partir deste fato,
importantes estudos foram realizados com o intuito de detectar
os mecanismos e as principais células responsáveis pela liberação do VEGF. O suporte de estudos experimentais e clínicos realizados anteriormente para detectar a origem e cura de outras
doenças orgânicas, demonstrando que a hipóxia é o principal
estímulo para liberação do VEGF(4), facilitou o entendimento da
formação da rede neovascular subrretiniana na DMRI
exsudativa(1). Entretanto, angiogenese é um processo complexo
e que compreende várias etapas na qual, além dos fatores de
crescimento, as moléculas de adesão e citocinas inflamatórias
estão envolvidas e têm papel essencial(5,6).
A molécula de adesão intercelular-1 (ICAM-1) ou CD-54
é uma glicoproteína da superfamília das imunoglobulinas. Como
outras moléculas de adesão, ICAM-1 está distribuído nas células endoteliais e leucócitos, participando no recrutamento
leucocitário para o tecido lesado ou inflamado(7). Estudo realizado em olhos de doadores humanos, que visou avaliar a distribuição da ICAM-1 na coriocapilar, demonstrou maior concentração desta imunoglobulina na região macular em relação à
região periférica(8). Este achado sugere maior suscetibilidade da
mácula para o trânsito de células imunes, incluindo os macrófagos,
o que ajuda a explicar a maior ocorrência de membrana
neovascular subrretiniana nesta região. Sabe-se que os
macrófagos, além de produzirem VEGF(9), são também fonte de
citocinas inflamatórias e pró-angiogênicas, tais como interleucina6 e fator de necrose tumoral (TNF)(10,11), que mediam a resposta
inflamatória e contribuem de forma significativa para a formação da membrana neovascular subrretiniana(6,12-13).
Tratamentos com drogas antiangiogênicas têm obtido melhor desempenho que as terapias anteriores, porém o prognóstico visual ainda é limitado(14). Sendo assim, um modelo experimental que induza a expressão de moléculas de adesão no complexo coroido-escleral tem potencial de simular as alterações
observadas na DMRI. Consequentemente, os conhecimentos
fisiopatogênicos adquiridos possibilitarão intervenções terapêuticas que poderão culminar com tratamentos mais eficazes para
est doença.
O objetivo deste trabalho é avaliar a expressão da ICAM1 na esclera e coroide de coelhos hipercolesterolêmicos.
Para a realização deste estudo, o protocolo foi aprovado
pela Comissão de Ética em Experimentação Animal da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, seguindo os princípios da Declaração de Helsinque (1964) e da Association for Research in
Vision and Ophthalmology (ARVO).
N
Ambiente de experimentação
Os procedimentos deste estudo foram realizados nas dependências do laboratório de Técnica Operatória da PUC-PR e
do Centro de Estudos do Hospital Angelina Caron (HAC). Os
animais foram mantidos no biotério em macroambiente com ciclos de iluminação 12/12 horas, com trocas de ar e temperatura
controlada de 19 a 23ºC e receberam durante o experimento
água e ração específica para a espécie Nuvital ® (Nuvital,
Colombo, Brasil) de forma ad libitum.
Animais utilizados e delineamento experimental
Foram utilizados 21 coelhos machos albinos (Oryctolagus
cunicullus), da linhagem New Zealand, procedentes do Biotério
Central da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com idade média aproximada de 110 dias e peso médio de 2.770 gramas.
Os animais foram divididos em 02 grupos: grupo 1 (GN), composto por 08 coelhos, e grupo 2 (GH) composto por 13 coelhos. O
GN (grupo de dieta normal) recebeu ração padrão para coelhos
de laboratório Nuvital® (Nuvital, Colombo, Brasil) e foi submetido à eutanásia em 04 semanas. O GH (grupo
hipercolesterolêmico) recebeu ração padrão para coelhos de laboratório Nuvital® (Nuvital, Colombo, Brasil), acrescida de
colesterol a 1%, em todo o período do estudo (ração suplementar). Este grupo foi submetido à eutanásia ao final de 8 semanas.
Cada coelho foi submetido à dosagem sérica de colesterol
total, triglicerídeos, colesterol HDL, glicemia de jejum no início
do experimento e no momento da eutanásia. As coletas das amostras sanguíneas foram realizadas através de punção da veia marginal auricular magna sob anestesia geral com injeção
intramuscular de ketamina 5mg/kg e xylazina 35mg/kg. As dosagens plasmáticas de glicemia, colesterol total, colesterol HDL
e triglicerídeos foram realizados pelo método enzimático
colorimétrico automatizado (Architec® - Abbott). Uma soroteca
com 500 microlitros de cada animal foi congelada para análises
futuras. O peso dos coelhos foi aferido em rotina semanal.
Os animais foram sacrificados com injeção endovenosa de
5mL de pentobarbital e os olhos imediatamente fixados em
paraformaldeído a 4% (Merck, Darmstadt, Germany), em 0,1M
fosfato/pH 7,4 por 4 horas, para análise histomorfométrica e
imunohistoquímica.
Preparo da ração suplementar
Para fazer a ração hipercolesterolêmica a 1%, utilizada nas
oito semanas do experimento, utilizou-se 200 gramas de colesterol
(Sigma-Aldrich a 95%®) dissolvido em 800 mililitros de clorofórmio (Biotec®), que foi distribuído homogeneamente em 20 quilogramas de ração Nuvital® (Nuvital, Colombo, Brasil). Antes de
administrar a ração aos coelhos, esperou-se um período mínimo
de 24 horas para adequada evaporação do clorofórmio. A quantidade diária ofertada para cada animal foi de 600g ao dia(15).
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 210-5
212
Torres RJA, Noronha L, Torres RRA, Nagashima S, Torres CLA, Luchini A, Torres RAA, Précoma LB, Précoma DB
Análise histomorfométrica (quantitativa)
Os dois olhos de cada animal foram removidos e submetidos à fixação, porém somente um foi escolhido, de forma aleatória, para o estudo. Depois da fixação, os espécimes foram avaliados macroscopicamente. Procedeu-se então uma secção axial
ao nível do nervo óptico, dividindo os globos oculares em duas
metades iguais (superior e inferior). A metade inferior foi estocada para estudos posteriores. Já a metade superior foi submetida à desidratação, diafanização e impregnação em parafina, com histotécnico da marca Leica ® (Leica, Wetzlar,
Germany), modelo TP 1020. Para a confecção dos blocos de
parafina utilizou-se o inclusor Leica®, modelo EG1160. Estes
blocos foram cortados com micrótomo, marca Leica® modelo
RM2145 (Leica, Wetzlar,Germany), a 5µ para obtenção dos
cortes histológicos. Estes cortes foram pescados em lâmina de
vidro com albumina, corados com hematoxilina-eosina e montados com lamínula de vidro de 24x90mm Entellan, Merck®
(Merck, Darmstadt, Germany).
Para a análise quantitativa, os cortes corados em
hematoxilina-eosina previamente selecionados foram analisados
microscopicamente com objetiva de 4x. Com uma caneta de
retroprojeção azul, a porção posterior da hemisecção do globo
ocular foi dividida, manualmente, em 10 segmentos iguais (de
pars plana a pars plana contralateral). Foi então feita a captura
de uma imagem por segmento através de microscópio Olympus
BX50 acoplado a câmera Sony e software ImageProplus®. Em
cada imagem capturada foram realizadas 4 medidas
morfométricas lineares utilizando-se o software Image-Pro Plus®
para avaliar a espessura da esclera e coroide nos 10 segmentos.
Finalmente foram realizadas as médias das 4 medidas de cada
um dos 10 segmentos em cada um dos espécimes analisados. A
espessura foi expressa em micrômetros.
Preparação do tecido e análise imunohistoquímica
Os cortes histológicos foram desparafinizados e rehidratados, sendo feito posteriormente o bloqueio da peroxidase
endógena. Posteriormente foram lavados em água deionizada e
incubados em câmara úmida a 95ºC por 20 minutos para recuperação antigênica. Após esta fase, foi realizado novo bloqueio da
peroxidase endógena. Os cortes foram cobertos pelo o anticorpo
primário monoclonal produzido em camundongo ICAM-1 da
marca novocastra® (Newcastle upon Tyne, England) (diluição
1:100). Posteriormente, foi recoberto com anticorpo secundário,
polímero marcado-HRP anticamundongo advance® System
(DakoCytomation, Inc., Carpinteria, CA) e incubados, à temperatura ambiente por 30 minutos. A seguir foram submetidos ao
gotejamento de substrato misto DAB (DakoCytomation, Inc.,
CA, USA). Novamente foram incubados por 3 até 5 minutos. Os
cortes foram contracorados com hematoxilina de Mayer e depois montados.
Controles positivos e negativos foram usados em todas as
marcações e as lâminas foram primeiramente analisadas por um
observador, sem conhecimento prévio do grupo de identificação
(análise mascarada). Nesta análise, foi anotada a presença ou
não de positividade para o marcador ICAM-1. As áreas positivas adquiriram coloração acastanhada e foram analisadas pelo
método da morfometria de cores. Para tanto, foram capturadas
imagens de cinco campos consecutivos, de pars plana a pars plana contralateral, em objetiva de 40x, utilizando a câmera
Olympus BX50, modelo DXC-107A e o software Image Pró Plus.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 210-5
Tal software permitiu que as áreas positivas fossem selecionadas
e coloridas por um observador. A área imunorreativa foi automaticamente calculada pelo software e expressa em
micrômetros (2). Estes dados foram registrados no programa
Microsoft Excel (Redmond, WA) em forma de planilhas para
análise estatística. A variável área imunorreativa refere-se à
somatória de todas as áreas positivas em cada um dos cinco campos analisados.
Análise estatística
Para a comparação dos grupos definidos pelo tratamento
em relação às variáveis quantitativas, foi considerado o teste t
de Student para amostras independentes ou o teste nãoparamétrico de Mann-Whitney, quando apropriado. A condição
de normalidade foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilks. Valores
de p<0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram
analisados com o programa computacional Statistica v.8.0.
RESULTADOS
Comparação dos grupos em relação às variáveis: glicose,
colesterol total, HDL e triglicerídeos
O grupo dieta normal (GN) manteve as variáveis
laboratoriais estáveis e normais do início ao fim do experimento.
Por outro lado, os animais do GH (grupo dieta
hipercolesterolêmica) manifestaram expressivo aumento do
colesterol total na eutanásia. No momento basal, a média do
colesterol total dos grupos era de aproximadamente 41,3mg/dL e
ao final observou-se significativa elevação para 2146,8mg/dL
(p<0,001) no GH. Outra variável laboratorial que demonstrou importante variação no GH foram os triglicerídeos. No momento basal,
a média dos triglicerídeos dos grupos foi de aproximadamente
46,5mg/dL, enquanto que na eutanásia chegou a 168,5mg/dL
(p=0,001) no GH. A glicemia e o HDL colesterol não manifestaram variações significativas ao final do experimento neste grupo.
Análise da esclera e coroide com hematoxilina eosina
O grupo normal apresentou raros histiócitos na esclera e
coroide (figura 1), enquanto que os animais do grupo
hipercolesterolêmicos exibiram grande quantidade de
macrófagos nestas estruturas, culminado com aumento de suas
espessuras (figura 2).
Figura 1: Esclera e coroide de animal do GN
Observam-se raros histiócitos na esclera e coroide.
Aumento da imunoreatividade da molécula de adesão intercelular-1 na esclera e coroide em modelo experimental de hipercolesterolemia
213
Observa-se espessura aumentada da esclera e coroide
provocada pelo elevado número de histiócitos.
Comparação dos grupos em relação espessura da esclera
e coroide (morfometria)
O GH apresentou significativo aumento da espessura da
esclera e coroide em relação ao GN (p<0,001) (tabela 1).
Comparação dos grupos em relação à área total
imunorreativa ao ICAM-1
Os animais do grupo hipercolesterolêmico apresentaram
aumento significativo da expressão do ICAM-1 na esclera e
coroide em relação ao GN (p<0,001) (tabela 2), caracterizado
pelo predomínio da coloração acastanhada destas estruturas (figura 3-B). Por outro lado, a esclera e coroide do GN apresentaram-se mais delgadas que o GH e com predomínio da coloração
azulada, indicando a baixa imunorreatividade ao anticorpo
ICAM-1 (figura 3-A).
Figura 2: Esclera e coroide de animal do GH
Tabela 1
Valores da espessura da esclera e coroide (em micrômetros)
Variável
Morfometria da
coroide e esclera
Grupo
GN
GH
N
Média
8
13
232,9
382,5
Mediana
221,4
387,9
Mínimo
Máximo
192,9
254,0
307,7
475,0
Desvio padrão
Valor de p*
35,8
60,5
<0,001
(*) Teste t de Student para amostras independentes, p<0,05;
GN: Grupo dieta normal; GH: Grupo dieta rica em colesterol
Tabela 2
Área total imunorreativa da esclera e coroide ao anticorpo ICAM-1
obtida com a técnica de morfometria de cores; Os resultados foram expressos em micrômetros
Variável
Área imunorreativa
Grupo
n
Média
Mediana
Mínimo
Máximo
Desvio padrão
GN
8
607,0
218,5
50,2
2200,4
858,7
GH
13
3600,2
3288,7
1867,7
6368,8
1377,3
Valor de p*
<0,001
(*) Teste não-paramétrico de Mann-Whitney, p<0,05;
GN: Grupo dieta normal; GH: Grupo dieta rica em colesterol
Figura 3:Imunorreatividade da esclera e coroide ao anticorpo ICAM-1: A. Complexo esclero-coroidal de coelho do GN; predomínio da
coloração azul que indica a baixa imunorreatividade à ICAM-1; esclera e coroide delgadas; B. Esclera e coroide de coelho do GH; predomínio da coloração acastanhada que indica a alta imunorreatividade à ICAM-1; grande quantidade de macrófagos na esclera (E); coroide e
esclera espessadas; E: esclera; C: coroide
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 210-5
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Torres RJA, Noronha L, Torres RRA, Nagashima S, Torres CLA, Luchini A, Torres RAA, Précoma LB, Précoma DB
DISCUSSÃO
CONCLUSÃO
Em recente estudo experimental, nosso grupo demonstrou que a dieta hipercolesterolêmica provoca aumento da
expressão da MCP-1 na coroide e esclera levando-nos a crer
que as alterações que ocorrem nos grandes vasos, que conduzem a formação da placa aterosclerótica, acontecem também,
de forma análoga, no complexo coroido-escleral(16). Uma vez
constatado o aumento das moléculas quimiotáticas como a
MCP-1, fazia-se necessária avaliar as moléculas de adesão
com o intuito de fortalecer a hipótese sugerida de que a
aterosclerose e a DMRI apresentam mecanismos
fisiopatogênicos similares (17-19).
Sabe-se que no olho normal, a imunoglobulina ICAM-1
apresenta baixa expressão no endotélio vascular da coroide e
retina, assim como no EPR, membrana de Bruch e membrana
limitante externa(20-22). Porém, em condições patológicas, como
na DMRI exsudativa, ocorre significativo aumento da expressão da ICAM-1 nos vasos da coroide e células do EPR. Este
aumento da imunorreatividade foi observado principalmente
na periferia da MNSR, onde existe grande número de vasos(23).
O aumento da expressão da ICAM-1 no EPR e na coroide,
durante a formação da MNSR, também foi observado em estudos experimentais, sugerindo que esta imunoglobulina está envolvida na gênese da DMRI(24-25). Fortalecendo esta hipótese,
outro experimento demonstrou que camundongos deficientes
geneticamente para ICAM-1, ou seu contrarreceptor CD18,
desenvolveram MNSR com menor volume quando comparados com os camundongos normais(5).
No presente estudo, a dieta rica em colesterol induz a
significativo aumento da expressão da ICAM-1 na esclera e
coroide. Por estar envolvido no recrutamento leucocitário no
tecido inflamado (26) , o aumento da expressão desta
imunoglobulina pode justificar o significativo aumento de
macrófagos e o consequente aumento da espessura do complexo esclero-coroidal observado neste e em outros estudos.
Sabe-se que as células inflamatórias e o sistema complemento têm significativa participação na gênese da
DMRI(27). Já foi demonstrado que os macrófagos produzem
citocinas inflamatórias, fator tecidual, VEGF e outros fatores
angiogênicos (9,28-29). Experimentalmente observou-se que a
depleção generalizada dos macrófagos provoca diminuição da
atividade da MNSR(30). Sendo assim, há uma concordância a
respeito do importante papel dos macrófagos na gênese da
DMRI. Neste contexto, é importante frisar que o LDL oxidado é o grande estímulo para o aumento de moléculas
quimiotáticas, moléculas de adesão que irão atrair os
macrófagos para o sítio inflamatório, tanto na aterosclerose
como na DMRI(31). Porém, sabe-se que não somente o LDL
oxidado induz o aumento da expressão da ICAM-1, mas também o LDL nativo tem esta condição (32). Desta forma, o LDL
que se deposita na membrana de Bruch, originado da degradação das extremidades dos fotorreceptores pelas células do
EPR(2,31), tem potencial de aumentar a expressão destas moléculas de adesão. Este fato pode ser determinante no aumento
do número de macrófagos e desencadeamento da
DMRI.Sendo assim, modelos experimentais que induzam a
formação de macrófagos na coroide, através do aumento de
moléculas quimiotáticas ou aumento de moléculas de adesão,
podem simular a doença macular degenerativa, propiciando
no futuro testes terapêuticos contra esta doença.
Este trabalho demonstrou que o aumento colesterol sérico
em modelo experimental provoca aumento da expressão da
ICAM-1, podendo explicar o acúmulo de macrófagos na esclera
e coroide. Futuras pesquisas, utilizando drogas que interfiram
nesta molécula de adesão poderão esclarecer eventual utilidade
no tratamento da DMRI.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 210-5
Agradecimentos
À professora Dra. Márcia Olandoski pelo suporte na análise estatística dos dados coletados.
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Autor correspondente:
Rogil José de Almeida Torres
Rua Emiliano Perneta, nº 390 – conj. 1407
E-mail: [email protected]
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 210-5
ARTIGO ORIGINAL
216
Relação entre acuidade visual e condições de
trabalho escolar em crianças de um colégio do
ensino fundamental público de Curitiba
Visual acuity evaluation in children of the
elementary school of Curitiba
*Carlos Augusto Moreira Neto1, Ana Tereza Ramos Moreira2, Luciane Bugmann Moreira3
RESUMO
Objetivo: Observar o nível de acuidade visual (AV) de estudantes do ensino fundamental público de Curitiba, bem como avaliar a
relação entre redução visual, aprendizado e as condições estruturais de estudo. Métodos: Medida da AV dos alunos de primeira a
terceira série de uma escola pública de Curitiba pelo método de Snellen, medição do comprimento e intensidade luminosa das salas,
além do tamanho das letras no quadro negro e dos livros didáticos. Obtenção do boletim escolar dos alunos com baixa visão.Resultados:
Das 242 crianças examinadas, 225 (92,97%) apresentaram acuidade visual boa, ou seja, AV 20/20 ou 20/25 em ambos os olhos, e 17
(7,03%) apresentaram AV igual ou pior que 20/30. Desses 17, somente um sentava na última linha de carteiras, o qual era o único
que apresentava notas abaixo da média; todos os outros 16 tiveram notas na média escolar. A iluminação das salas de aulas estavam
todas dentro do preconizado pelo NBR–5413. O tamanho da letra usada pela professora no quadro negro corresponde a 20/200 da
tabela de Snellen, e no livro ao que corresponde J3 da tabela de Jaeger. Conclusão: A escola fornece condições e estrutura adequadas para o aproveitamento pleno dos alunos. Pode-se relacionar aprendizado com boas condições de trabalho escolar. Sendo assim,
além de uma triagem da AV, as escolas devem estar atentas as condições estruturais necessárias para um bom trabalho escolar.
Descritores: Acuidade visual; Crianças; Instituições acadêmicas;Aprendizagem;Avaliação educacional
ABSTRACT
Purpose: Verify the rate of non-detectable low visual acuity (VA) in a public school of Curitiba and evaluate the relation between vision
reduced, learning and study condition. Methods: Snellen visual acuity testing was done to all students from first to third grades at a
Municipal School of Curitiba. Classroom‘s length and light intensity were obtained as well as the size of blackboard and books’ letters.
Academic scores were obtained from all students with VA equal or less than 20/30OU.Results: Of all 242 students, 225 presented VA
equal or better than 20/25, and 17 (7.03%) equal or worse than 20/30. One of those 17 students study on the last row of chairs and had
a low school performance. The light intensity was within the rules of NBR – 5413. Besides that, the letter of blackboard corresponds to
20/200 in Snellen VA test, and the book‘s letters corresponds to J3 in Jaeger near VA test.Conclusion:The school presented good
conditions and structure for schoolwork. However, learning and good condition of studying could be related. In addition to a screening
of VA, schools must be mindful of the conditions necessary for good schoolwork.
Keywords: Visual acuity;Children; Schools;Learning; Educational measurement
1
2
3
Hospital de Olhos do Paraná, Curitiba, PR, Brasil;
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil;
Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil.
Instituição onde foi realizada: Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido para publicação em 09/12/2013 - Aceito para publicação em 27/02/2014.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 216-9
Relação entre acuidade visual e condições de trabalho escolar em crianças de um colégio do ensino fundamental público de Curitiba
S
INTRODUÇÃO
egundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) realizado em 2000, cerca de 16,5 milhões de habitantes exibiam algum tipo de deficiência visual no Brasil — quase 10% da população no ano considerado.
Sendo que, desses 16,5 milhões com baixa acuidade visual, 20%
a 30% correspondiam a crianças(1).
Segundo dados do Ministério da Educação, existem em
media cinco milhões e oitocentas mil crianças matriculadas na 1ª
série de escolas públicas no Brasil. Estima-se que 10% dessas
crianças necessitam de óculos e 10% apresentam outros problemas oftalmológicos(2).
Sabe-se que 80 a 85% do processo ensino-aprendizagem
depende da visão, sendo que a baixa acuidade visual pode afetar
diversas áreas do desenvolvimento infantil relacionadas com as
habilidades mediadas pela visão(3). As consequências da deficiência visual não tratada afetam não só o rendimento escolar,
mas também o comportamento social e podem causar acidentes
de trabalho e geram um elevado encargo sócioeconômico para
o país.
A identificação das dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar não é tarefa fácil, e muitas vezes requer uma equipe multidisciplinar. A incidência de crianças que apresentam
deficiência de aprendizagem em diversos países está entre 10 e
16%. Nos Estados Unidos há 15% de crianças com dificuldades
escolares nas séries iniciais de educação, entretanto no Brasil,
não há estudos que mostre com exatidão esse dado estatístico(4).
Existem vários motivos que afetam o aprendizado, dentre
elas, as mais significativas são os defeitos sensoriais, intelectuais
e emocionais. Após identificação do problema, muitas vezes, a
alternativa dada envolve a colocação das crianças em programas especiais de ensino(5).
Quando a visão está comprometendo a aprendizagem, recursos ópticos e não ópticos devem ser usados para melhorar a
função visual. Os recursos ópticos dizem respeito ao tratamento
oftalmológico necessário para cada pessoa especifica. Todavia,
os não ópticos podem ser generalizados melhorando o ambiente
para todos os que ali se encontram. Em uma sala de aula deve
ser observado o tamanho da letra do material de ensino, a iluminação do ambiente e a situação do acento em relação ao quadro
negro e à professora(6).
Há muitos artigos sobre as técnicas para trabalhar o residual visual de pessoas com visão subnormal e assim melhorar
significativamente a qualidade de vida, mesmo sem eliminar a
deficiência(7). No entanto, fala-se muito pouco sobre as condições de trabalho escolar das crianças com AV entre os dois extremos da capacidade visual que não constituem necessariamente
deficiência visual intensa.
O que motivou a realização desse estudo é que a educação é fundamental para formação e desenvolvimento intelectual, social e cultural das crianças e para isso, é necessário que o
colégio forneça condições e estrutura adequadas para o aproveitamento pleno dos alunos.
MÉTODOS
O estudo foi realizado em apenas um dia de aula dos alunos matriculados da primeira a terceira série do ensino fundamental da Escola Anita Merhy Gaertner da rede pública municipal de Curitiba. Os alunos que não compareceram à escola na
data do exame, ou que não apresentaram o termo de consentimento assinado pelos pais, não foram incluídos na pesquisa.
Previamente à pesquisa, foi obtida a aprovação do Comitê
217
de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Positivo, número
152/2006, foi solicitada a autorização dos pais ou responsáveis
com o consentimento livre e esclarecido e a permissão da direção da escola para a realização da mesma.
A pesquisa foi feita sob a supervisão direta de um oftalmologista o qual habilitou os pesquisadores para realizar a medida da acuidade visual.
A acuidade visual foi medida cada olho separadamente
através da escala optométrica de Snellen em uma sala ampla
com boa iluminação. Uma criança de cada vez foi posicionada a
6 metros da tabela e quando usuária de óculos foi examinada
com correção. O valor anotado era o equivalente à última linha
lida sem dificuldade, ou seja, a melhor AV obtida em cada olho.
Para avaliar a relação entre aprendizado entre a redução
visual e condições entruturais que a escola oferece para o ensino, avaliou-se apenas os alunos com AV pior que 20/30 em ambos os olhos. Para os pais dessas crianças foi entregue um alerta
e encaminhamento a uma Unidade do Sistema Único de Saúde
para que recebessem avaliação de um especialista e caso necessário, tratamento adequado.
O desempenho escolar dos alunos analisados foi medido
por meio do boletim escolar, e classificados pela escola em A, B
e C, onde A são aqueles alunos com nota acima de 8,0, B são
alunos que atingiam a média escolar (6,0) e C eram aqueles que
necessitavam ir para conselho de classe.
O local onde as crianças sentavam em relação ao quadro
negro e à professora foi avaliado conforme a fileira de carteiras
em que sentavam.
A iluminação da sala foi averiguada por um luxímetro
(Instrutherm LD - 300) a qual considerou apropriadas as que
possuíam em média 500 lux de iluminação que se enquadra dentro da NBR – 5413 (Norma Brasileira que estabelece os valores
de iluminância médias mínimas em serviço para iluminação artificial de interiores) e inapropriadas aquelas que não estavam
abaixo de 250 ou acima de 750 lux(8).
O tamanho da letra usada pela professora no quadro negro foi adequado quando atingia o menor angulo de visão igual
ou maior que ao que corresponde a 20/30 da tabela de Snellen, e
no livro ao que corresponde j3 da tabela de Jaeger.
RESULTADOS
Do total de 242 crianças examinadas, a idade média
verificada foi de 8+-1,20 anos. Desse número total de examinados, 134 (55,37%) eram do sexo feminino e 108 (44,63%) do
sexo masculino. Setenta e nove alunos cursavam a primeira série, 84 estavam na segunda série e 79 eram da terceira série do
ensino fundamental.
Foram examinadas 225 (92,97%) crianças com boa
acuidade visual, ou seja, AV 20/20 ou 20/25 em ambos os olhos.
Verificou-se que o número de crianças apresentando visão igual
a 20/30 ou pior foi de 17 (7,03%), e nenhuma delas usava correção óptica. Ressalta-se que nenhuma delas fez avaliação
oftalmológica anterior aquele dia.
Se analisarmos os dois olhos separadamente, dos 484 olhos
examinados, 412 olhos (85%) apresentaram AV 20/20, 44 olhos
igual a 20/25, 15 se encontravam com AV 20/30 e 10 com 20/40.
Apenas 2 olhos apresentaram AV 20/60 e um com AV 20/100.
Não houve nenhum aluno com AV de 20/80 ou 20/200 (figura 1).
Analisando apenas as 17 crianças de AV igual ou pior que
20/30, somente uma tinha suas notas abaixo da média e teria
que ir ao conselho de classe. Com relação à posição que ficavam
na sala de aula, 7 sentavam na primeira fileira de carteiras, 4 na
segunda, 4 na terceira, uma na quarta e uma na quinta (última).
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 216-9
218
Neto CAM, Moreira ATR, Moreira LB
Figura 1: Número de olhos % / AV
Somente o aluno que senta na última carteira tinha notas ruins
(C), todos os outros tinham notas na média, classificadas na escola como B. Nenhum obteve média A.
Seis alunos cursavam a primeira série, 6 a segunda e 5 a
terceira série do ensino fundamental distribuídos em 21 salas de
aulas.
Observando as salas de aula, todas tinham apenas 5 fileiras de carteira. A primeira fileira de carteiras em média ficava a
1,5 metros do quadro negro, segunda fileira a 3 metros, terceira
a 4 metros, quarta a 5 metros e quinta fileira situava-se a 6 metros
da aula dada.
A iluminação das salas de aula apresentaram 402 lux em
média, variando de 304 a 500 lux.
Com relação ao tamanho das letras, o material escolar escrito em livros era de 0,3 cm correspondente a J3, na escala de Jaeger.
A letra das professoras no quadro negro essa era correspondente
ao tamanho 7cm, o que corresponde a 20/200 da tabela de Snellen.
DISCUSSÃO
A visão é um dos fatores mais relevantes no aprendizado
escolar. É importante que os grupos pedagógicos levem em conta esse fato e, antes de qualquer coisa, propiciem uma avaliação
oftalmológica em seus alunos. Crianças com acuidade visual reduzida, muitas vezes, não apresentam um bom desempenho escolar.
Um estudo realizado em uma escola de Pouso Alegre, Minas Gerais, em 2009, verificou que alunos com deficit visual tiveram notas mais baixas do que aqueles sem deficit visual, o que
ratifica que uma baixa acuidade visual pode interferir no desempenho escolar(9).
Além de uma triagem da AV, as escolas devem estar atentas às condições estruturais necessárias para um bom trabalho
escolar. A iluminação adequada, o tamanho de letra usada no
quadro negro, onde os alunos se situam em sala de aula, bem
como a forma com que as professoras devem se portar frente
aos alunos com dificuldade visual são fatores importantes(6).
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 216-9
Diferente do presente estudo com apenas 7,03% das crianças examinadas apresentando baixa acuidade visual, uma pesquisa realizada em Londrina (PR) no ano 2000, a prevalência
de acuidade visual alterada foi de 17,1%(10). Outro estudo, em
escolas de Porto Alegre (RS), encontrou uma prevalência de
acuidade visual reduzida de 19%(11). Uma das hipóteses para
explicar essa prevalência diferenciada é existir uma unidade de
saúde integrada a esta escola facilitando o exame oftalmológico,
pois muitos dos alunos com boa AV usavam correção óptica.
Nesse estudo, verificamos a AV usando a Escala de Snellen,
também conhecida como Escala Optométrica de Snellen que é
amplamente utilizada para fazer pré-diagnóstico da acuidade
visual de pessoas em todo o mundo. É muito simples de ser aplicada, dando um indicativo se a pessoa precisa ou não procurar
um oftalmologista. Desta forma, igualmente a Campanha Olho
no Olho, realizada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia e o
Governo Federal, as crianças que apresentaram AV pior que 20/
30 e problemas visuais foram devidamente orientadas a procurar um oftalmologista(12).
A Campanha Olho no Olho também permite a realização
de outros trabalhos, como o que foi realizado em uma escola
municipal de Santana do Ipanema, Alagoas, que comprovou que
89% das crianças que tiveram óculos prescritos em uma avaliação oftalmológica escolar prévia, continuavam a usar a correção óptica. Os 11% que não estavam usando tiveram suas causas identificadas, fornecendo importante informação para um próximo projeto semelhante(13).
Outro estudo realizado em uma escola municipal de
Botucatu, São Paulo, em 2008, concluiu que exame de acuidade
visual pelo método de Snellen e o método de photoscreener têm
alta concordância. Porém, devido ao alto custo do aparelho e
dificuldade em encontrar o material necessário para o funcionamento, o exame pelo método de Snellen é a melhor opção para
detecção de alterações oculares em crianças informantes da
acuidade visual(14).
A verificação da acuidade visual em escolares é uma abordagem que além de ajudar na identificação de problemas oculares, orienta pais na busca de atendimento oftalmológico, fazendo
com que essas crianças possam desenvolver integralmente suas
capacidades e potencialidades.
Assim como o estudo realizado em Pouso Alegre, existem
outros trabalhos referindo à interligação de dificuldade visual e
rendimento escolar. Em Cali - Colômbia, foi encontrada uma
prevalência de 60,5% de transtornos visuais entre alunos repetentes, enquanto que entre os não repetentes a taxa foi de apenas 12,1%(15). Outro estudo mostrando significativa associação
entre transtornos visuais e baixo rendimento escolar foi realizado em Juiz de Fora - Brasil, o qual mostrou que 89,5% dos alunos
com AV dentro da normalidade apresentavam bom rendimento
escolar, enquanto que apenas 75% daqueles com AV reduzida
estavam bem na escola(16).
Neste estudo realizado em Curitiba(PR), não se pode dizer que houve relação entre acuidade visual e rendimento escolar, pois somente uma criança que possuía visão ruim teve média
escolar considerada C. Entretanto, é necessário salientar que
essa criança que tinha visão diminuída e também estava com
dificuldade escolar, sentava na última fileira de carteiras.
Por este motivo, o professor deve ficar atento às possíveis
manifestações oculares tais como: a dificuldade para se
locomover, ler, copiar e desenhar, aproximando exageradamente
os materiais dos olhos(17). A detecção de estudantes com problemas visuais que possam ser melhorados ou resolvidos contribui
com a qualidade de vida e auxilia o desempenho escolar(7).
Além das alterações oculares identificadas e tratadas com
Relação entre acuidade visual e condições de trabalho escolar em crianças de um colégio do ensino fundamental público de Curitiba
correção ópticas, esses trabalhos têm grande importância no
diagnóstico de catarata congênita e o encaminhamento para
consulta especializada. Esse assunto foi abordado por um trabalho retrospectivo realizado no Hospital da Piedade, entre 2006
e 2007, e concluiu que o tempo médio entre a consulta
oftalmológica e a suspeita diagnóstica do pediatra ou por um
leigo foi de 3 meses. Sendo assim, protocolos de screening são
fundamentais, evitando esse longo tempo de espera e visando
o bem estar da criança(18).
Com os resultados obtidos em nosso trabalho, pôde-se averiguar que a escola fornece condições e estrutura adequadas para
o aproveitamento pleno dos alunos. Onde a distância do quadro
negro e a última fileira de carteiras não ultrapassa os 6 metros
utilizados no teste de Snellen e a iluminação das salas de aula
estava dentro do preconizado pelo NBR – 5413(8). Apenas aquele
que sentava na última carteira teve notas abaixo da média já
mencionado anteriormente.
A medida da iluminação foi realizada com a utilização de
um luxímetro – aparelho que serve para medir a intensidade da
luz de um ambiente – que comprovou que a intensidade luminosa da sala de aula na escola em questão varia entre 304 e 500
lux, valores ideais de iluminância para salas de aula(8).
A letra usada no quadro negro é igual a 7cm, equivalente
a 20/200 da tabela de Snellen vista mesmo da última fila de carteiras. Da primeira carteira, a letra ficaria equivalente a 5/200 o
que melhora a capacidade visual funcional. Isso mostra que a
preparação das professoras nesta escola em questão está adequada.
Da mesma forma, podemos nos referir ao material didático para perto, o qual é todo em letra de tamanho 14 e equivale a
J4 na escala de Jaeger.
Quando as condições de trabalho escolar das crianças com
AV levemente diminuída estão muito boas, algumas dificuldades
e muitas vezes até sintomas podem ser ocultadas, como por exemplo, lacrimejamento, piscar contínuo dos olhos, desconforto ou
franzir da testa(17). Por isso, a triagem da AV deve ser realizada
para todas as crianças em fase escolar, anualmente(12).
CONCLUSÃO
Apenas 7,03% das crianças examinadas apresentaram
acuidade visual igual ou pior que 20/30.
A escola avaliada fornece condições e estrutura adequadas para o aproveitamento pleno dos alunos. As salas de aula
possuíam iluminação e comprimento adequados, bem como o
material didático longe e perto possuíam tamanho suficiente para
visualização.
Uma única criança possuía visão e escolaridade ruins e
era também a única que se sentava na última fileira de carteiras
na sala de aula, podendo assim suspeitar da relação entre aprendizado e boas condições de trabalho escolar.
Além de uma triagem da AV anual, as escolas devem estar atentas as condições necessárias para um bom trabalho escolar.
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Autor correspondente:
Carlos Augusto Moreira Neto
Rua Fernando Simas, nº 1010 - Curitiba – PR
Tel.: +55 (41) 9971-3605
Email: [email protected]
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 216-9
ARTIGO ORIGINAL
220
Prognóstico visual de ‘crosslinking’ para
ceratocone com base em tomografia
de córnea pré-operatória
Visual prognosis of crosslinking for kearatoconus based on
preoperative corneal tomography
Bernardo Lopes¹, Isaac Ramos¹, Tobias Koller², Theo Seiler²,Renato Ambrósio Jr¹.
RESUMO
Objetivo: Verificar índices tomográficos do pré-operatório de pacientes com ceratocone submetidos à crosslinking corneano (CXL)
como fatores preditivos para a melhora na acuidade visual corrigidas (AVc) após um ano. Métodos: Estudo retrospectivo que incluiu
63 olhos de 53 pacientes com ceratocone progressivo submetidos à CXL segundo o protocolo de Dresden: deseptelização corneana,
riboflavina 0,1% por 30 minutos e luz ultra-violeta A (UVA) a uma irradiância de 3mW/cm² por 30 minutos. Foram avaliados
exames de tomografia corneana com sistema de Scheimpflug rotacional (Pentacam, Oculus) antes do CXL e a acuidade visual
corrigida antes e após a cirurgia. A análise estatística foi feita com o teste de Kolmorov-Smirnov, teste t de student e curvas de
característica operador-receptor (ROC). Resultados: Houve diferença estatisticamente significante (p<0,05) entre os pacientes
que obtiveram melhora de AVc em um ano e os que não experimentaram melhora na AVc nesse período nos índices tomográficos
pré-operatórios relacionados com espessura e volume corneano. Entre os pacientes que obtiveram melhora na AVc todos possuíam
volume corneano em 6,0mm maior que 14,55mm³ e 97,2% deles possuíam volume corneano em 6,5mm maior que 17,76mm³. Assim
como, 94,29% desses pacientes apresentavam paquimetria média em 4,0mm maior que 487 µm e 82,86% paquimetria no ponto mais
fino maior de 421 µm. Conclusão: Pacientes com ceratocone menos avançado (volume e espessura da córnea maiores) no período
pré-operatório obtiveram mais chances de ter melhora da AVc um ano após CXL. Estudos prospectivos envolvendo outras variáveis relacionadas com a aberrometria total e o estudo biomecânico da córnea são relevantes para se aumentar a capacidade
prognóstica do resultado após CXL.
Descritores: Ceratocone; Tomografia da córnea; Prognóstico; Acuidade visual
ABSTRACT
Purpose: To verify pre-operative tomographic indices as predictive parameters for the improvement in best corrected visual acuity
(BCVA) in one year after corneal collagen crosslinking (CXL) procedure for keratoconus.Methods: Retrospective study that included
63 eyes of 53 patients with progressive keratoconus submitted to CXL following the Dresden’s protocol: topical anesthesia, 9.0 mm of
epithelial abrasion, riboflavin 0.1% drops for 30 minutes and ultraviolet-light A (UVA) with an irradiance of 3mW/cm² for 30 minutes.
Corneal tomography taken by Scheimplug rotational system (Pentacam, Oculus) before CXL was evaluated along with pre and 1 year
post-operative BCVA. Statistical analysis was accomplished with the Kolmogorov-Smirnov test, student’s t-test and Receiver Operating
Characteristic (ROC) curve.Results: There were statistically significant differences (p<0.05) between patients who improved BCVA in
one year after CXL and those who did not experienced improvement in BCVA in the same period of time in the pre-operative tomographic
indices related to corneal volume and thickness. Among those who had its BCVA improved all of them had a corneal volume in 6.0mm
grater then 14.55mm³ and 97.2% of them had corneal volume in 6.5mm grater then 17.76mm³. So with 94.29% of them hadthickness
in 4.0mm grater then 487µm and 82.86% had thickness on the thinnest point grater then 421µm. Conclusion: Patients with less advanced
keratoconus (grater corneal volume and thickness) in the pre-operative had more chances to improve its BCVA in one year after CXL.
Prospective studies involving others variables related to total aberrometry and corneal biomechanics are relevant to increase the
prognostic capability of CXL result.
Keywords: Keratoconus; Cornealtomography; Prognsosis; Visual acuity
1
2
Corneal Tomographyand Biomechanics Study Group – Rio de Janeiro (RJ), Brasil;
Institutfür Refraktive und Ophthalmo – Chirurgie, Germany.
Local de realização do estudo: Instituto de Olhos Renato Ambrósio - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Conflitos de interesse: Renato Ambrósio Jr. é consultor da Oculus Optikgeräte GmbH (Wetzlar, Germany)
Recebido para publicação em 06/06/2013 - Aceito para publicação em 09/04/2014
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 220-4
Prognóstico visual de crosslinking para ceratocone com base em tomografia de córnea pré-operatória
INTRODUÇÃO
O
ceratocone é uma ectasia corneana, geralmente bilateral, de caráter progressivo cujo tratamento tem sofrido
modificações nos últimos anos. Até a última década,
dispúnhamos de tratamentos classicamente focados na melhora
do desempenho visual desses pacientes: como o uso de lentes de
contato rígidas, implantes de segmento de anel no estroma
corneano e o transplante de córnea(1,2). Ao final da década de 90
e início do século XXI(3), na universidade de Dresden - Alemanha, começaram os estudos em córneas humanas de uma nova
forma de tratamento conservador para o ceratocone por meio
da promoção de ligações covalentes no colágeno da córnea
(crosslinking ou CXL). O objetivo desse tratamento é primariamente impedir a progressão da ectasia aumentando a sua rigidez biomecânica(4,5).
O CXL, segundo o protocolo original(3), foi induzido através de radiação ultravioleta A e riboflavina (vitamina B2), um
fotossensibilizador hidrossolúvel que penetra o estroma corneano
na ausência de epitélio(6). Diversos estudos têm demonstrado
segurança, estabilidade e melhora nos índices corneanos de topografia e tomografia e na AVc(7,11). Seu uso tem sido inclusive
encorajado como terapia aditiva às lentes de contato rígidas e
ao implante cornenano de segmento de anel intraestromal(12).
Entretanto, apesar de pouco frequentes, tem sido descritas complicações relacionadas ao procedimento, como a presença de cicatrizes e opacidades corneanas, defeito epitelial persistente e
raro caso de ceratite bacteriana(13,14).
Não sendo, portanto, o CXL um tratamento inócuo, fatores
prognósticos capazes de prever essa estabilidade ou melhora dos
pacientes com ceratocone a ele submetidos são de fundamental
importância para aprimorar seus critérios de indicação. Neste
estudo buscamos identificar índices pré-operatórios de
tomografia corneana que pudessem ser capazes de prever uma
melhora na acuidade visual corrigida (AVC) desses pacientes
em um ano.
MÉTODOS
Foram analisados retrospectivamente os dados de pacientes com ceratocone progressivo submetidos a CXL. Os critérios
de inclusão foram ectasia progressiva, avaliada em pelo menos
6 meses e caracterizada por aumento no Kmáximo em 1,00D
(equivalente a 3 DP da repetibilidade do aparelho) (15) e
Ceratometria máxima (K máximo)<65,00 D. Os critérios de exclusão foram opacidades corneanas pré-operatórias devido a
pouca confiabilidade da imagem de Scheimpfulg nesses casos,
paquimetria corneana menor que 400 µm mesmo após instilação
de riboflavina hipotônica, demais patologias oculares além da
ectasia, especialmente doenças endoteliais, história de erosão
recorrente, gravidez e doença do tecido conjuntivo.
O CXL foi realizado através de anestesia tópica com uso
alternado de colírio de oxibuprocaína e tetracaína a cada 3 minutos por 15 minutos. Uma abrasão corneana com 9,0mm de diâmetro. Riboflavina 0,1%, preparada imediatamente antes do
tratamento por diluição de solução riboflavina aquosa a 0,5%
em solução de dextran T-500 a 20%, instilada a cada 3 por 30
221
minutos. Após esse tempo, paquimetria corneana central
ultrassônica. Em olhos em que o resultado sem o epitélio foi
menor que 400µm, adicionou-se riboflavina 0,1% hipotônica, sem
dextran, até que essa espessura atingisse 400µm, fato cuidadosamente verificado em todos os casos previamente à realização
do procedimento. À lâmpada de fenda com filtro azul de cobalto
foi vista a presença de riboflavina na câmara anterior. Então, o
olho foi irradiado por 30 minutos com luz UVA com irradiância
de 3mW/cm² (UV-X, Peschke Meditrade). Durante a irradiação
foi administrado a cada 3 minutos riboflavina 0,1% e
oxibuprocaína conforme a necessidade do paciente. Ao final,
ofloxacino 0,3% e lente de contato terapêutica eram aplicados.
O antibiótico foi mantido por 2 dias e após a cicatrização epitelial
os pacientes usaram fluormetolona tópica 2 vezes ao dia por 1
semana.
A acuidade visual corrigida testada com tabela de optotipos
em escala logarítmica foi avaliada no pré-operatório e um ano
após o tratamento. Os dados pré e pós-operatórios da tomografia
corneana foram obtidos com sistema rotacional de Scheimpflug
(Pentacam 70700, Oculus).
As análises estatísticas foram realizadas com software
bioestat 5.3, o teste de aderência à normalidade KolmogorovSmirnov foi realizado para avaliar a distribuição normal das populações estudadas. A comparação entre os pacientes com melhora na AVc e os demais foi feita através do teste t de Student.
Curvas ROC foram calculadas para determinar os melhores
valores de corte de parâmetros estatisticamente diferentes. Foi
considerado estatisticamente significante p<0,05.
RESULTADOS
Dos 53 pacientes (63 olhos), 21 eram do sexo feminino e
32 do sexo masculino. A média de idade foi 29,4 anos ± 9,4 (variando de 15 a 56 anos). Dos 63 olhos, em um ano, 35 apresentaram melhora na AVc (55,6%), 12 mantiveram sua AVc pré-operatória (19%) e 16 apresentaram AVc pior (25,4%).
A tabela 1 evidencia as diferenças na AVc, nos índices de
ceratometria central, volume e espessura corneanas antes e um
ano após o CXL. Observa-se que houve diferença estatisticamente significante resultando em melhora da AVc, aplanamento
do meridiano mais plano da córnea (K1), redução do volume
corneano entre os diâmetros de 2 e 4,5mm e afinamento na espessura corneana medida no ponto mais fino e em 2mm de diâmetro.
No exame pré-operatório, os pacientes com melhora da
AVc em um ano possuíam volume corneano nos diâmetros de
2,0 – 7,0 mm estatisticamente maior (p<0,05) demonstrado em
11 índices tomográficos (tabela 2) (figura 1). Entre os índices
que obtiveram melhor performance (maior área sob a curva
ROC), os volumes corneanos de 6,0 e 6,5 mm apresentaram
sensibilidade de 100 e 97,14% nos pontos de corte de 14,55 e
17,76mm³, respectivamente. Além da boa sensibilidade apenas
12% dos pacientes com essas características apresentaram piora da AVc. O volume corneano de 7,0mm apresentou
especificidade de 60,7% no ponto de corte de 21,43mm³ (tabela 3) (figura 1).
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 220-4
222
Lopes B, Ramos I, Koller T, Seiler T, Ambrósio Jr R
Tabela 1
Índices tomográficos pré e pós-CXL
Pré CXL
AVc (LogMAR)
K1
K2
Astig
C.Vol. D 2,0mm
C.Vol. D 2,5mm
C.Vol. D 3,0mm
C.Vol. D 3,5mm
C.Vol. D 4,0mm
C.Vol. D 4,5mm
C.Vol. D 5,0mm
C.Vol. D 5,5mm
C.Vol. D 6,0mm
C.Vol. D 6,5mm
C.Vol. D 7,0mm
Paqui Min
Paqui 2mm
Paqui 4mm
Paqui 6mm
Paqui 8mm
Pós CXL
Média ± DP
Intervalo
Média ± DP
Intervalo
Valor p
0,40 ± 0,31
46,11 ± 4,48
50,48 ± 5,22
4,37 ± 2.35
1,46 ± 0,13
2,33 ± 0,19
3,4 ± 0,27
4,79 ± 0,37
6,27 ± 0,47
8,18 ± 0,6
10,2 ± 0,74
12,74 ± 0,91
15,45 ± 1,09
18,7 ± 1,31
22,33 ± 1,54
443,67 ± 43,9
464,87 ± 40,37
516,76 ± 36,53
580,17 ± 34,45
653,24 ± 35,11
-0,08 – 1,3
37,5 – 61,2
42,3 – 66
0,1 – 10,4
1,23 – 1,67
1,94 – 2,67
2,82 – 3,92
3,94 – 5,56
5,13 – 7,3
6,64 – 9,56
8,23 – 11,95
10,22 – 14,94
12,37 – 18,11
15,05 – 21,91
18,14 – 26,14
317 – 520
365 – 539
445 – 604
503 – 661
565 – 739
0,31 ± 0,29
45,52 ± 3,94
49,9 ± 5,13
4,37 ± 2,51
1,43 ± 0,13
2,28 ± 0,2
3,33 ± 0,27
4,7 ± 0,36
6,17 ± 0,44
8,06 ± 0,54
10,08 ± 0,65
12,62 ± 0,78
15,34 ± 0,92
18,61 ± 1,1
22,25 ± 1,29
426,9 ± 50,36
452,54 ± 41,69
512,92 ± 31,1
581,94 ± 31,43
657,7 ± 38,45
-0,15 – 1,3
37,4 – 56,3
42,4 – 66,9
0,7 –13,4
1,09 – 1,69
1,79 – 2,69
2,7 – 3,93
3,92 – 5,53
5,18 – 7,23
6,83 – 9,42
8,61 – 11,74
10,86 – 14,65
13,27 – 17,75
16,16 – 21,48
19,3 – 25,66
290 – 515
349 – 539
454 – 592
518 – 656
533 – 732
0,0010
0,0421
0,1613
0,9898
0,0063
0,0079
0,0108
0,0167
0,0266
0,0491
0,0824
0,1548
0,2548
0,4061
0,5819
0,0006
0,0030
0,2264
0,5264
0,1330
AVc: Acuidade visual com melhor correção expressa em LogMAR; K1: Curvatura corneana central no meridiano mais plano;
K2: Curvatura corneana central no meridiano mais curvo; Astig: astigmatismo corneano central;
C.Vol. >Volume corneano; Paqui: Paquimetriacorneana
Tabela 2
Índices tomográficos pré-operatórios
Melhora da AVc
C.Vol.7,0mm:
C.Vol.6,5mm:
C.Vol.6,0mm:
C.Vol.5,5mm:
C.Vol.5,0mm:
C.Vol.4,5mm:
C.Vol.4,0mm:
C.Vol.3,5mm:
C.Vol.3,0mm:
C.Vol.2,5mm:
C.Vol.2,0mm:
Paqui Mín.:
Paqui 2mm:
Paqui 4mm:
Paqui 6mm:
Paqui 8mm:
Demais pacientes
Média
Variação
Média
Variação
Valor p
22,87 ± 1,20
19,16 ± 1,01
15,82 ± 0,85
13,05 ± 0,72
10,45 ± 0,6
8,37 ± 0,5
6,41 ± 0,4
4,89 ± 0,32
3,47 ± 0,24
2,38 ± 0,18
1,49 ± 0,12
453,23 ± 44,25
475,49 ± 38,45
528,23 ± 31,40
590,69 ± 29,90
663,97 ± 31,25
21,05 – 26,14
17,71 – 21,91
14,62 – 18,11
11,98 – 14,94
9,51 – 11,95
7,55 – 9,56
5,72 – 7,30
4,3 – 5,56
2,99 – 3,92
2,01 – 2,67
1,24 – 1,67
317 – 520
365 – 539
459 – 604
535 – 661
609 – 739
21,64± 1,65
18,13 ± 1,41
14,98 ± 1,18
12,36 ± 0,98
9,9 ± 0,79
7,94 ± 0,64
6,09 ± 0,49
4,66 ± 0,38
3,31 ± 0,28
2,27 ± 0,20
1,43 ± 0,13
431,43 ± 40,32
451,61 ± 38,75
–2,43 ± 37,41
567,04 ± 35,25
639,82 ± 35,04
18,14 – 24,71
15,05 – 20,77
12,37 – 17,21
10,22 – 14,21
8,23 – 11,39
6,64 – 9,12
5,13 – 6,98
3,94 – 5,32
2,82 – 3,79
1,94 – 2,61
1,23 – 1,65
359 – 502
392 – 516
445 – 574
503 – 638
565 – 716
0,0021
0,0024
0,0029
0,0034
0,0044
0,0058
0,0090
0,0131
0,0220
0,0318
0,0499
0,0491
0,0197
0,0059
0,0075
0,0070
C.Vol. = Volume corneano; Paqui = Paquimetria
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 220-4
Prognóstico visual de crosslinking para ceratocone com base em tomografia de córnea pré-operatória
223
Tabela 3
Análise de curva ROC
C.Vol.7,0mm:
C.Vol.6,5mm:
C.Vol.6,0mm:
C.Vol.5,5mm:
C.Vol.5,0mm:
C.Vol.4,5mm:
C.Vol.4,0mm:
C.Vol.3,5mm:
C.Vol.3,0mm:
C.Vol.2,5mm:
C.Vol.2,0mm:
Paqui Mín.:
Paqui 2mm:
Paqui 4mm:
Paqui 6mm:
Paqui 8mm:
AUROC
IC 95%
Ponto de corte
Sensibilidade (%)
Especificidade (%)
0,718
0,721
0,715
0,715
0,710
0,696
0,691
0,680
0,675
0,670
0,656
0,659
0,687
0,700
0,690
0,688
0,591
0,594
0,588
0,587
0,582
0,567
0,562
0,551
0,545
0,540
0,525
0,528
0,558
0,571
0,561
0,559
60,824 >21,43
60,827 >17,76
60,822 >14,55
60,821 >12,12
60,817 > 9,75
60,806 > 7,69
60,801 > 5,87
60,792 > 4,63
60,788 > 3,3
60,784 > 2,22
60,771 > 1,4
60,773 > 421
60,798 > 452
60,809 > 487
60,800 > 561
60,799 > 636
85,71
97,14
100,00
94,2
88,57
94,29
91,43
77,14
77,14
80,00
77,14
82,86
77,14
94,29
88,57
80,00
60,71
50,00
46,43
50,00
57,14
46,43
46,43
57,14
57,14
50,00
50,00
46,43
57,14
50,00
53,57
57,14
C.Vol.:Volume corneano; Paqui: Paquimetria; AUROC: área sob a curva ROC; IC 95%: Intervalo de confiança de 95%
C. Vol.:Volume corneano
Figura 1: ‘Box-plot’ exibindo a comparação do volume corneano entre os pacientes que apresentaram melhora da visão e os demais
Os valores de espessura corneana também foram maiores
no pré-operatório dos pacientes com melhora da AVc em um
ano (p<0,05) em 5 índices tomográficos, a paquimetria no ponto
mais fino e a paquimetria nos diâmetros de 2, 4, 6 e 8mm (tabela
2, figura 2). Entre eles a paquimetria em 4,0mm e no ponto mais
fino apresentaram sensibilidade de 94,29 e 82,86% nos pontos
de corte de 487 e 421µm, respectivamente (tabela 3). Para esses
valores nos índices de paquimetria em 4,0mm e no ponto mais
fino, 12,8 e 13,6% dos pacientes, respectivamente, obtiveram piora da AVc.
Paqui Min: Paquimetria no ponto mais fino; Paqui: paquimetria
Figura 2: ‘Box-Plot’ exibindo a comparação da espessura corneana
entre os pacientes que apresentaram melhora da visão e os demais
DISCUSSÃO
Apesar de o CXL ter sido inicialmente proposto como um
método para enrijecer a biomecânica da córnea e desacelerar a
progressão da ectasia, desde o início de sua utilização notou-se
não apenas estabilização, mas melhoria nas córneas de muitos
destes pacientes. Dentre os diversos aspectos de melhora, a AVc
de alto contraste é um marcador objetivo da função visual amplamente utilizado na prática oftalmológica.
Em nossa amostra observamos aplanamento em K1 e reRev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 220-4
224
Lopes B, Ramos I, Koller T, Seiler T, Ambrósio Jr R
dução no volume e espessura corneanos. Esses dados estão de
acordo com os descritos na literatura e podem indicar que há
compressão nas fibras de colágeno corneanas e um aumento na
resistência da córnea.
Em relação à AVc, observamos melhora em 55,6% dos
pacientes submetidos ao CXL, ligeiramente menor que os 65%
encontrados por Wollensakat al. (3). Os pacientes que apresentaram maior chance de ganho de AVc em um ano foram os portadores de volume e espessura da córnea maiores.
Nossos resultados sugerem com boa sensibilidade que quanto
menos avançada a ectasia maior a chance de se obter melhora da
AVc e pequena a chance que ela piore após um ano do CXL. Essa
sensibilidade elevada nos permite também inferir que, no outro
lado da moeda, os pacientes com ectasia mais avançada têm pouca chance de obter melhora na AVc em um ano. Com esses dados
podemos ter mais clareza ao indicar o procedimento avaliando os
pacientes com poucas chances reais de melhora da AVc.
Estudos prospectivos envolvendo outras variáveis relacionadas com a aberrometria total e o estudo biomecânico da
córnea é relevante para se aumentar a acurácia e capacidade
prognóstica do resultado após CXL. Novos estudos envolvendo
demais meios de aferir a função visual como a sensibilidade ao
contraste(16) e a avaliação da neuroplasticidade cerebral podem
ajudar a esclarecer a melhoria em qualidade de visão desses
pacientes e seu impacto em suas atividades diárias(17,18).
6.
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Autor correspondente:
Rua Conde de Bonfim, 211/712 – Tijuca
CEP 20520-050, Rio de Janeiro (RJ),Brasil
ARTIGO ORIGINAL225
Prevalência de doenças oculares e causas de
comprometimento visual em crianças atendidas
em um Centro de Referência em Oftalmologia
do centro-oeste do Brasil
Prevalence of eye diseases and refractive errors in
children seen at a referral center for ophthalmology
in the central-west region, Brazil
Maria Nice Araujo Moraes Rocha 1; Marcos Pereira de Ávila 1; David Leonardo Cruvinel Isaac 1; Luisa Salles de
Moura Mendonça1;Liene Nakanishi2; Luisa Jácomo Auad3
RESUMO
Objetivo: Identificar os níveis de comprometimento visual e a prevalência de oftalmopatias e ametropias em crianças atendidas
em um centro de referência em oftalmologia do centro-oeste brasileiro. Comparar os achados com dados publicados referentes a
outras regiões do Brasil. Métodos: Estudo transversal, descritivo e retrospectivo com análise de prontuários de crianças atendidas no Centro de Referência em Oftalmologia (CEROF) da Universidade Federal de Goiás, no período compreendido entre
abril de 2009 e março de 2010. Resultados: Foram avaliados 2408 prontuários, sendo 2128 (88,4%) de atendimento eletivo e 280
(11,6%) de atendimento no setor de urgências do CEROF. Houve predomínio na faixa etária de 6 a 10 anos (44,2%), seguido
pela de 11 a 14 anos (29,6%). O exame foi considerado normal em 12,9% (n=274) dos atendimentos eletivos e em 6,8 (n=19) dos
atendimentos de urgência. As doenças mais encontradas nas crianças foram as conjuntivites infecciosas (248 casos, 26,4%) e
alérgicas (204 casos, 21,7%), blefarite (69 casos, 7,3%), calázio (34 casos, 3,6%), estrabismo (133 casos, 12,06%), as doenças de
retina e vítreo (24 casos, 2,6%), catarata e alterações de cristalino (20 casos, 2,1%). As ametropias mais frequentes, contadas por
olho, foram a hipermetropia (46,9%) e o astigmatismo (42,2%) e as doenças sistêmicas mais informadas foramprematuridade (30
casos) e diabete melito (26 casos). Conclusão: Este estudo identificou as principais causas de doenças oculares em crianças
atendidas em um centro universitário de referência. O grupo de doenças mais prevalente foi o das doenças de córnea e conjuntiva
(conjuntivites alérgicas, olho seco e ceratites). As doenças de pálpebra ocuparam o segundo lugar (blefarite, calázio, e obstrução
de vias lacrimais). As ametropias mais frequentes foram a hipermetropia e o astigmatismo. Os achados na população estudada
mostram-se semelhantes aos observados na literatura nacional.
Descritores: Acuidade visual; Ambliopia; Erros de refração; Estrabismo; Saúde ocular; Transtornos da visão; Criança
Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO), Brasil;
Fundação Banco de Olhos de Goiás, Goiânia (GO), Brasil;
3
Faculdade de Medicina de Petrópolis, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
1
2
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido para publicação em 16/05/2013 - Aceito para publicação em 23/10/2013.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 225-9
226
Rocha MNAM; ÁvilaMP; Isaac DLC; MendonçaLSM;Nakanishi L; Auad LJ
ABSTRACT
Objective: To identify the levels of visual impairment and prevalence of eye diseases and refractive errors in children seen at a referral
center for ophthalmology in the Central-West region compare findings with published data for other regions of Brazil. Methods: Crosssectional, descriptive and retrospective analysis of medical records of children enrolled in the Center of Reference in Ophthalmology
Universidade Federal de Goiás, in the period between april 2009 and march 2010. Results: A total of 2408 patient charts, and 2128
(88.4%) of elective care and 280 (11.6%) of care in the emergency department CEROF. Predominated in the age group 6-10 years
(44.2%), followed by 11-14 years (29.6%). The examination was normal in 12.9% (n=274) of elective care and 6.8 (n=19) of emergency
visits. The disease most commonly found in children were infectious conjunctivitis (248 cases, 26.4%) and allergic (204 cases, 21.7%),
blepharitis (69 cases, 7.3%), chalazion (34 cases, 3.6 %), strabismus (133 cases, 12.06%), diseases of retina and vitreous (24 cases,
2.6%), cataract and lens changes (20 cases, 2.1%). Ametropia frequently told by eye, were hyperopia (46.9%) and astigmatism (42.2%)
and systemic diseases were more informed prematurity (30 cases) and diabetes mellitus (26 cases). Conclusion: This study identified the
main causes of eye diseases in children seen in a university referral center. The group of diseases more prevalent was the disease of the
cornea and conjunctiva (allergic conjunctivitis, dry eye and keratitis). Diseases were the second eyelid (blepharitis, chalazion, and
lacrimal obstructions). The refractive errors were the most common hyperopia and astigmatism. The findings in the study population are
shown similar to those observed in the national literature.
Keywords: Visual acuity; Amblyopia; Refractive errors; Strabismus;Eye health; Vision disorders; Child
INTRODUÇÃO
O
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
define infância como o período que se estende desde o
nascimento até 15 anos de idade.
No mundo, a cada ano 1 a 2 milhões de pessoas se tornam
cegas, principalmente as mulheres. Cerca de 1,4 milhões de crianças abaixo de 15 anos são cegas. No Brasil, segundo dados
mais recentes de recenseamento há 54 milhões (30%) de crianças (abaixo de 15 anos) e em torno de 32.000 crianças cegas e 3
a 4 vezes este número de casos de baixa visão (acuidade visual,
no melhor olho com correção, menor que 0,3), de acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS), a maior parte (em torno
de 75%) das causas de cegueira é evitável com prevenção e
tratamento, independente da idade. O controle da cegueira infantil é uma das prioridades da OMS no programa “VISÃO 2020:
o Direito à Visão”(1).
Cerca de 500.000 crianças ficam cegas a cada ano no mundo
e 70% morrem nos primeiros anos de vida devido a doenças que
causam comprometimento visual(2). Estudos populacionais indicam
haver menor prevalência de cegueira infantil em países desenvolvidos, comparado a países em desenvolvimento. De acordo com
dados estimados da Organização Mundial de Saúde (OMS), no
Brasil, essa taxa é de 0,6%, e em 2004 havia 32,4 mil crianças
cegas e 130 mil com baixa visão no país(3).
Cerca de 20% das crianças em idade escolar apresentam
algum tipo de distúrbio ocular de causas variadas, vinculadas a
fatores biológicos, sociais e ambientais. O atraso no diagnóstico
causa danos no rendimento escolar e na socialização da criança
podendo prejudicar no futuro oportunidades de trabalho. Esta situação pode até mesmo representar um peso econômico para a
sociedade, requerendo ações precoces de identificação e tratamento adequado(4). Em países desenvolvidos o exame ocular é
realizado de rotina em recém-nascidos pela existência de política
de promoção da saúde ocular em contraste com países em desenvolvimento que têm carência recursos para programas preventivos. No Brasil o exame oftalmológico ainda não é rotina em crianças, muitas vezes sendo detectados problemas visuais somente na
fase escolar(5,6).
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 225-9
Considerando o conceito de “anos de cegueira” adotado
pela OMS em 1992, que resulta do número de anos que a pessoa vive cega (ou com baixa visão) multiplicado pelo número
de cegos (ou com baixa visão) para comparar a prevalência de
diferentes problemas relacionados à deficiência visual. Assim,
as prevalências de cegueira e baixa visão infantil são similares
aos fatores da catarata senil, que acomete aos adultos ao redor
da terceira idade, e deve ser prioridade em Saúde Pública
oftalmológica na América Latina(7).
As principais causas de baixa visão em crianças registradas
na literatura são as ametropias que se não tratadas podem levar
à cegueira e trazem não só para o Brasil e restante da América
latina, mas para o mundo todo, grande impacto econômico e
psicossocial(7). As ametropias não tratadas constituem a segunda causa de cegueira tratável e evitável, perdendo apenas para
a catarata com prevalência de erros refrativos em crianças brasileiras em idade escolar em torno de 30%, com predomínio das
ametropias positivas (hipermetropia e astigmatismo
hipermetrópico) em relação às ametropias negativas (miopia e
astigmatismo miópico)(8).
Estudo de prevalência de doenças oculares, em Petrópolis,
RJ, com crianças entre 0 a 12 anos de idade, entre os exames
anormais, o diagnóstico mais frequente (60,9%) foi o erro
refrativo, sendo a hipermetropia (56,88%) mais registrada, seguida pelo astigmatismo (35,31%) e miopia (7,81%). As doenças mais prevalentes foram blefarite (40,43%), conjuntivite
(27,66%) e hordéolo (9,57%). Ao exame normal foi 27,61%,
sendo o olho vermelho encontrado em (17,9%), estrabismo
(8,57%), ambliopia (2,58%), pseudoestrabismo (1,52%), obstrução do canal lacrimal (1,33%), lesões conjuntivais (1,14%),
retinopatia da prematuridade (0,76%), trauma ocular (0,76%),
catarata (0,57%), ptose palpebral (0,57%), glaucoma (0,19%),
e outros (4,57%). Houve predominância da faixa etária entre 8
e 10 anos (20,76%) e sexo masculino (52,19%)(9).
Na urgência a literatura nacional registrou atendimento
de crianças em pronto-socorro em proporção de 16 a 17,6%,
com predominância da faixa etária até 10 anos, sugerindo a susceptibilidade da criança a traumas oculares domésticos(10.11). A
National Society To Prevent Blindness (Estados Unidos) refere
Prevalência de doenças oculares e causas de comprometimento visual emcrianças atendidas em um Centro de Referência em Oftalmologia...
que um terço da perda de olhos na primeira década de vida
tem com causa as lesões traumáticas(12).
Este trabalho tem como propósito conhecer a prevalência
das principais doenças oculares e os níveis de comprometimento
visual que acometem crianças (faixa etária de 0 a 14 anos) atendidas no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás uma vez que não há estudos similares na
região. A definição epidemiológica poderá ser útil no desenvolvimento de estratégias para melhorar a assistência oftalmológica
à população infantil ao contribuir para a prevenção primária,
secundária e terciária das doenças encontradas. A orientação
de políticas de saúde em Oftalmologia além de repercutir na
redução dos índices de deficiência visual poderá reduzir os custos da assistência no estado de Goiás e região Centro-Oeste. Ao
definir o perfil da saúde ocular infantil em amostra representativa regional espera-se encontrar valores semelhantes aos
registrados na literatura nacional e mundial. Caso os resultados
sejam divergentes dos encontrados em literatura, esta pesquisa
servirá como referência para novos estudos.
227
Não é realizada, rotineiramente, no serviço a medida da
acuidade visual em crianças menores que 3 anos ou que apresentem alterações cognitivas que as impeçam de informar a
acuidade visual em tabela de Snellen (decimal).
As doenças oculares foram divididas em 9 grupos, de acordo com a região anatômica do olho acometida (figura 2).
MÉTODOS
Estudo transversal, descritivo e retrospectivo de 2.128
prontuários de crianças entre zero a 14 anos atendidas no Centro de Referência em Oftalmologia (CEROF) da Universidade
Federal de Goiás, em Goiânia (GO), no período de 1 ano (abril
de 2009 a março de 2010). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal (CEPMHA)
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás sob
protocolo nº 039/2010.
Escolheu-se para o estudo a faixa etária menor que 15
anos de idade baseada na definição de infância pelo fundo das
Nações Unidas para a infância (UNICEF)(7).
A amostra incluiu prontuários do atendimento eletivo e na
urgência, sendo colhidos dados sociodemográficos (idade e sexo)
e referentes ao exame oftalmológico: exame externo e das pupilas, motilidade ocular, acuidade visual sem e com correção,
biomicroscopia, definição do tipo de ametropia, fundo de olho e
hipótese diagnóstica. Um paciente poderia apresentar mais de
um diagnóstico. Os níveis de deficiência visual (baixa visão e
cegueira) utilizados seguiram os parâmetros da OMS (acuidade
visual, comprometimento visual), representados na figura 1.
(*) AV no melhor olho, com a melhor correção óptica
(**) CV= campo visual
Figura 1: Classificação do comprometimento visual conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS)
Padronizou-se ambliopia como a acuidade visual corrigida
igual ou menor que 20/40 no pior olho ou diferença de duas linhas entre os olhos na tabela de Snellen e o termo anisometropia
como a diferença de 2 dioptrias esféricas entre os dois olhos(13).
Figura 2: Grupos de doenças oculares encontrados nos pacientes estudados
O tamanho da amostra foi definido por modelo matemático de proporção, maximizado para p=0,05, com nível de
significância 5% ou Intervalo de Confiança de 95% e com erro
padrão de estimativa de 1%.
A amostra constou de 2.128 prontuários de crianças abaixo de 15 anos de idade, atendidas no CEROF, entre abril de
2009 a março de 2010, correspondendo a 30% do atendimento
total de pacientes consultados neste período.
A análise estatística foi realizada utilizando-se os programas Microsoft®Excel 7. Então, ss dados colhidos foram distribuídos em categorias e o teste do qui-quadrado foi usado para comparar as variáveis categóricas, sendo consideradas significativas
as diferenças com valor de p<0,05. Já para estimar as diferenças
entre os sexos foi calculada a odds ratio (OR).
RESULTADOS
Das 2408 crianças atendidas, 2.128 (88,4%) foram consultas eletivas e 280 (11,6%) no setor de urgência do CEROF. Quanto ao gênero, do total de 2.128 prontuários de crianças atendidas
nas consultas eletivas, 1129 (53,05%) eram do sexo feminino e
999 (46,95%) do masculino, enquanto na urgência foram consultadas 143 (51,1%) crianças do sexo feminino e 137 (48,9%) do
sexo masculino.
Em relação à faixa etária de atendimento, a mais atendida
foi a de 6 a 10 anos (n=1065/44,2%) seguida pelas faixas entre
11 a 14 anos (n=712 /29,6%), 1 a 5 anos (n=464/19,3%) e 0 a 1
ano (n=167/6,9%). Entre as consultas eletivas predominou a faixa
etária entre 6 a 10 anos (n=979/46,30%), seguida pelas faixas
de 11 a 14 anos (n=653/30,7%), 1 a 5 anos (n=353/16,6%,) e a
menor frequência foi da faixa etária de zero a 1 ano (n=143/
6,7%) com p<0,005. Nas consultas da urgência houve predomínio da faixa etária de 1 a 5 anos (n=111/39,6%) seguido pelas
faixas de 6 a 10 anos (n=86/30,7%), 11 a 14 anos (n=59/21,1%)
e am menor frequência foi na faixa de zero a 1 ano (n=24/8,6%).
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 225-9
228
Rocha MNAM; ÁvilaMP; Isaac DLC; MendonçaLSM;Nakanishi L; Auad LJ
A comparação entre as faixas etárias nas consultas eletivas e na
urgência está demonstrada na figura 3.
Com relação às ametropias, foram registrados 1433 casos
sendo 672 casos (46,9%) de hipermetropia, 605 casos (42,2%)
de astigmatismo e 156 casos (10,9%) de miopia. O mesmo paciente pode ter apresentado mais de um tipo de ametropia.
O comprometimento visual nas crianças foi avaliado
somente nas consultas eletivas com base na acuidade visual com
a melhor correção e no melhor olho e está demonstrado no tabela 2.
Houve falta de registro da acuidade visual em 388 (18,3%)
pacientes.
Tabela 2
Figura 3: Distribuição das frequências nas consultas eletivas e na urgência por idade
Foram diagnosticados um total de 932 casos de doenças
oculares, distribuídos em 9 grupos, sendo 671casos (72,0%) diagnosticados em atendimento eletivo e 261 casos (28,0%) nas
consultas de urgência. O grupo de doença predominante foi o de
córnea e conjuntiva com 550 casos (59,0%), seguido pelo grupo
de pálpebra e sistema lacrimal com 158 casos (17,0%), doenças
da musculatura extrínseca (estrabismo e nistagmo) com 133 casos (14,3%), doenças da retina e vítreo com 24 casos (2,6%),
doenças do cristalino com 20 casos (2,1%), doenças do trato uveal
com 17 casos (1,8%), glaucoma com 16 casos (1,7%) e doenças
do nervo óptico e órbita com 10 casos (1,1%) e as doenças decorrentes de trauma ocular com 4 casos (0,4%). As doenças oculares estão detalhadas na tabela 1.
Tabela 1
Distribuição das doenças nas consultas (eletivas e urgência)
Diagnóstico
nº de
IC 5%
Mid-PExact
casos (%)
Córnea, conjuntiva
550
59,0
(69,68 - 73,53)
Conjuntivite infecciosa
248
26,6
(23,69 - 29,33)
Conjuntivite alérgica
204
21,9
(19,20 - 24,48)
Olho seco
55
5,9
(4,49 - 7,51)
Ceratite
24
2,6
(1,68 - 3,72)
Tumor de conjuntiva
9
1,0
(0,47 - 1,73)
Pterígio
6
0,6
(0,26 - 1,32)
Leucoma
4
0,4
(0,13 - 1,02)
Pálpebras e sistema lacrimal
158
17,0
(16,36- 19,64)
Blefarite
69
7,4
(5,81 - 9,16)
Calázio
34
3,6
(2,56 - 4,97)
Alterações de vias lacrimais
33
3,5
(2,47 - 4,85)
Ptose palpebral
9
1,0
(0,47 - 1,73)
Tumores palpebrais e órbita
9
1,0
(0,47 - 1,73)
Triquíase
4
0,4
(0,13 - 1,02)
Estrabismo
133
14,3
(12,06-16,52)
Retina e vítreo
24
2,6
(1,68 - 3,72)
Catarata e cristalino
20
2,1
(1,34 - 3,21)
Uveíte
17
1,8
(1,01 - 2,69)
Glaucoma
16
1,7
(1,01 - 2,69)
Globo ocular e órbita
10
1,1
(0,54 - 1,89)
Trauma ocular
4
0,4
(0,13 - 1,02)
TOTAL
932
100,0 (99,49 - 100,00)
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Distribuiçao do comprometimento visual em consultas eletivas
Comprometimento visual
Ausente
Moderado
Baixa Visão
Severo
Cegueira
Total
Acuidade visual
n(%)
1698 (98,0)
26 (1,5)
3 (0,2)
5 (0,3)
1732 (100,0)
(*) AV no melhor olho, com a melhor correção óptica
DISCUSSÃO
Saúde pública e educacional
A triagem escolar é importante para a saúde pública e
educacional, pois muitas crianças chegam à idade escolar sem
ter passado por um exame oftalmológico. Pesquisas de saúde ocular registraram que em torno de 15% das crianças na primeira
série possuem alguma alteração visual e apenas 20% são acompanhadas por médicos(8). O ideal é que toda criança seja examinada por oftalmologista antes do início da vida escolar, além do
exame preventivo no primeiro mês de vida. Observa-se nos últimos anos uma maior conscientização desta prática, vem sendo
aplicada através do teste do olhinho e as campanhas escolares
como meio de rastreamento de crianças com alterações oculares. Para incrementar a prevenção e o tratamento o ideal seria
maior divulgação para os pais através dos meios de comunicação disponíveis como TV, rádio, escolas, associações de bairros e
igrejas. A Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica
(SBOP) sugere que um exame ocular completo seja realizado
pelo oftalmologista a cada 6 meses durante os dois primeiros
anos de vida e após, anualmente até 7-9 anos de idade.
Houve predominância das faixas de idade de 6 a 10 e 11 a
14 anos, provavelmente pelo importante papel que o centro de
referência estudado desempenha no atendimento à população
carente de crianças em idade escolar, realizado na instituição ou
em campanhas nas escolas (campanha “olho no olho”) e nos
bairros da capital (mutirão nos bairros). Uma boa visão em escolares é importante na aprendizagem e a sua deficiência se não
identificada e tratada prejudica o desempenho escolar. Também
ressaltamos o atendimento em número importante nas crianças
de zero a 5 anos como medidas de rastreamento e prevenção de
doenças em recém-nascidos, lactentes e pré-escolares,
comencaminhamentopelos pediatras de criançascom suspeita de
estrabismo, que possibilita correção visual e tratamento de
ambliopia nos casos necessários. O atraso ou ausência de tratamento de crianças com estrabismo e ambliopia piora o prognos-
Prevalência de doenças oculares e causas de comprometimento visual emcrianças atendidas em um Centro de Referência em Oftalmologia...
tico visual, considerando que a ambliopia em grande parte dos
casos é reversível com o tratamento adequado, sendo menos
aceito e responsivo em crianças acima de seis anos de idade. Na
urgência houve um predomínio de consultas nas faixas etárias
entre 1 a 5 anos e 6 a 10 anos, provavelmente pela ocorrência de
maior número de infecções externas e traumas nestas faixas.
Como prevenção e medida educativa, ressaltamos a necessidade de campanhas de esclarecimento aos pais e professores no
sentido de evitar acidentes domésticos e medida educativa em
casos de traumas e infecções.
Com relação às doenças oculares a predominância de doenças da córnea e conjuntiva podem ser atribuídas à maior diversidade de doenças neste grupo, como conjuntivite infecciosa
e conjuntivite alérgica, olho seco e ceratite. Em seguida encontramos maior frequência de doenças da pálpebra e sistema lacrimal, devido à maior prevalência de blefarite, calázio e transtornos de vias lacrimais em crianças. O estrabismo foi o terceiro
grupo de doença mais encontrado e as doenças da retina e vítreo ocuparam o quarto lugar. A catarata representou o quinto
lugar em prevalência, seguida pelo glaucoma.
CONCLUSÃO
O presente estudo identificou as principais doenças oculares das crianças menores que 15 anos atendidas consecutivamente em um centro universitário de referência em oftalmologia de
Goiânia embora a prevalência do comprometimento visual possa
ter sido subestimada por limitações na medida da acuidade visual
em crianças abaixo de 3 anos ou com dificuldade para informação. Foram identificadas as ametropias e o perfil sóciodemográfico
da população estudada (sexo, idade) nas consultas eletivas e no
setor de urgência.
No Brasil, sabe-se que grande parte das crianças chega à
idade escolar sem ter sido avaliada pelo oftalmologista e a falta
de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças preveníveis e
reversíveis levam a prejuízos no desenvolvimento individual de
uma criança e ao futuro adulto no aspecto socioeconômico. Esperamos que este estudo seja útil para o planejamento de ações de
saúde local e referência para outros estudos. Os achados visuais
epidemiológicos da população estudada mostraram-se semelhantes aos achados da literatura nacional.
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Autor correspondente:
CEROF, Universidade Federal de Goiás
Avenida Universitária, nº 535 - Setor Leste Universitário CEP 74805-050 - Goiânia (GO), Brasil
Telefone: (62) 3269-8442
E-mail: [email protected]
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 225-9
230
ARTIGO ORIGINAL
Pressão intraocular (PIO) após cirurgia
de extração de catarata
Intraocular pressure (IOP) after cataract extraction surgery
Maria Picoto1, José Galveia2, Ana Almeida2, Sara Patrício2, Helena Spohr2, Paulo Vieira2, Fernanda Vaz2
RESUMO
Objetivo: Determinar se existe variação da PIO em doentes com glaucoma submetidos à cirurgia de catarata. Métodos: Estudo
retrospectivo de 101 olhos, de 75 doentes com média de idade de 78,91 ± 7,9 anos submetidos à cirurgia de catarata por
facoemulsificação por dois cirurgiões, sem complicações associadas e com follow-up superior a 6 meses. Os olhos foram subdivididos
em dois grupos: olhos com glaucoma (G) e olhos sem glaucoma (SG). A PIO foi avaliada por tonometria de Goldmann. Resultados:
Analisaram-se 51 olhos do grupo (SG) e 50 olhos do grupo (G). A PIO média nos dois grupos era no pré-operatório 16,08 ± 3,04,
sendo aos 12 meses 14,69 ± 2,7 e aos 24 meses 14,21 ± 3,56. A diminuição média de PIO do pré-operatório para os 12 meses foi de
1,49 ± 2,98. A PIO pré-operatória apresentou uma diferença com significado estatístico da PIO aos 12 e 24 meses (p<0,001 e
p=0,001, respectivamente T. t pares) na amostra global. Não se detectou uma diferença com significado estatístico na variação de
PIO entre estes 2 grupos de olhos (p>0,05, teste T Student). Determinou-se um modelo de regressão linear stepwise para a variação
de PIO do pré-operatório para os 12m. As variáveis com valor preditivo eram a PIO pré-operatória (R2=0,249, p=0,03), e a idade
(R2=0,18, p=0,01). Conclusão: O nosso estudo revela que a cirurgia de catarata por facoemulsificação leva a uma diminuição
significativa da PIO, que se mantém aos 12 e 24m.
Descritores: Pressão intraocular; Glaucoma; Extração de catarata; Facoemulsificação; Tonometria ocular
ABSTRACT
Objective: To describe the variation of intraocular pressure (IOP) in patients with glaucoma submitted to cataract surgery. Methods:
Retrospective study of 101 eyes of 75 patients with medium age of 78.91 ± 7.9 submitted to cataract surgery by facoemulsification by
two surgeons, without complications and with at least 6 months of follow-up. The eyes were divided in two groups: eyes with glaucoma
(G) and eyes without glaucoma (NG). The IOP was evaluated with Goldmann tonometry. Results: 51 eyes without glaucoma and 50
eyes with glaucoma. The medium IOP was 16.08 ± 3.04 before surgery, 14.69 ± 2.7 at 12 months and 14.21 ± 3.56 at 24 months. The
medium value of IOP reduction before surgery to 12 months was 1.49 ± 2.98. IOP measured before surgery differed statistically from
IOP at 12 and 24 months (p<0.001 e p=0.001 respectively, T. Student). Between the two groups of eyes there wasn’t a statistically
significant difference in the variation of IOP (p>0.05, T Student). A model of linear regression stepwise was calculated for the variation
of the IOP from before surgery to 12 months. The variables with more predictive value were IOP before surgery (R2=0.249, p=0.03)
and age (R2=0.18, p=0.01). Conclusion: In our study cataract surgery results in IOP reduction, that is maintained at 12 months.
Keywords: Intraocular pressure; Glaucoma; Cataract extraction; Facoemulsification; Ocular tonometry
1
2
Hospital de Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental; Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal;
Hospital de Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal.
Os autores declaram não haver conflitos de interesse
Recebido para publicação em 17/01/2013 - Aceito para publicação em 29/09/2013.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 230-6
Pressão intra-ocular (PIO) após cirurgia de extracção de catarata
231
INTRODUÇÃO
MÉTODOS
catarata e o glaucoma são a primeira e segunda causa
de cegueira no mundo, estando muitas vezes presentes
em simultâneo no mesmo doente. Alguns estudos sugerem o glaucoma como fator de risco para o desenvolvimento de
catarata. A cirurgia filtrante, a iridotomia periférica e alguns
fármacos hipotensores são também descritos na literatura como
fatores que aumentam o risco de formação de catarata.
O algoritmo de decisão terapêutica em doentes com catarata que comprometa a função visual, e glaucoma, é muitas
vezes um desafio.
Existem vários fatores que interferem nesta decisão
como a idade do doente, tipo e grau de glaucoma, resposta e
tolerância à terapêutica antiglaucomatosa e a PIO alvo(1).
Têm sido publicados na literatura vários estudos sobre
as variações da PIO após facoemulsificação com implante de
lente intraocular (LIO)(2,3). As variações reportadas situamse na ordem dos +1,3 a -2,5mmHg(4).
Alguns trabalhos concluem que esta redução de PIO é
ligeira e temporária, contudo estudos mais recentes sugerem
que esta diminuição após cirurgia de catarata por facoemulsificação ocorra de forma mais acentuada e sustida do
que previamente documentado (4,5).
O valor desta variação parece depender do tipo de
glaucoma e da PIO basal. Olhos com glaucoma de ângulo fechado (GPAF) têm uma câmara anterior estreita, PIO préoperatória alta e uma maior diminuição na PIO pós-operatória. Olhos com glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA)
apresentam uma PIO pré-operatória mais baixa e uma redução menor na PIO pós-operatória(5). Sendo que dentro deste
grupo de glaucomas, os associados à pseudoesfoliação, têm uma
redução mais marcada da PIO.
Da mesma forma, alguns autores sugerem que esta redução da PIO é proporcional à PIO pré-operatória, sendo que
PIO basais mais altas apresentam as reduções pós-operatórias mais acentuadas(2-4). Este fato foi recentemente documentado por Mansberger et al. num estudo multicêntrico(6).
A cirurgia de catarata na atualidade é minimamente
invasiva, e resulta numa reação inflamatória reduzida sendo
a recuperação visual rápida. Além disso, como não envolve
manipulação da conjuntiva, possibilita uma eventual cirurgia
filtrante à posteriori(1).
Assim, a cirurgia de catarata poderá ser uma alternativa para alguns doentes com glaucoma. No GPAA, esta pode
estar indicada quando a PIO responde à terapêutica com 1 a
2 fármacos e quando não existe lesão glaucomatosa avançada. Em casos de encerramento primário do ângulo (EPA) e
GPAF, a indicação para cirurgia de catarata pode ser mais
precoce, e pode ser a primeira opção terapêutica.
O objetivo primário deste estudo é determinar o valor
da variação na PIO em doentes com diagnóstico de glaucoma.
Os objetivos secundários são:
- comparar as alterações da PIO do grupo de doentes
com glaucoma versus grupo de doentes sem glaucoma;
- correlacionar a variação na PIO com os seguintes fatores: espessura central da córnea (ECC), erro refrativo
(equivalente esférico, EE), comprimento axial, idade e
gênero.
Estudo retrospectivo de 101 olhos submetidos à cirurgia
de facoemulsificação por dois cirurgiões, sem complicações associadas e com follow-up superior a 6 meses. Os olhos foram
subdivididos em dois grupos, olhos com glaucoma (G) e olhos
sem glaucoma (SG).
No pré-operatório do grupo (G) todos os olhos estavam
tratados com colírios hipotensores, cirurgia (trabeculectomia ou
iridectomia), ou ambos.
O valor de PIO basal utilizada para análise e determinada
por tonometria de Goldmann, consistia na média das 3 últimas
avaliações consecutivas, se registradas no processo clínico. Se
apenas 2 registros estavam disponíveis, efetuou-se também a
média. Se apenas uma medição estava disponível, foi esse o valor utilizado.
Registrou-se a PIO antes da cirurgia, 1 dia, 1 semana, 1
mês, 3 meses, 6 meses, 12 meses, 24 meses e 36 meses de pósoperatório.
A ECC foi determinada pelo Oculus Pentacam® HR, o EE
pelo querato-refratômetro TopCon TRK-1P e o comprimento
axial pelo ecógrafo Alcon Ultrascan Imaging System®. Em todas as visitas foi também determinada a melhor acuidade visual
corrigida (MAVC) com escala de Snellen.
A
RESULTADOS
Analisaram-se 51 olhos do grupo (SG) e 50 olhos do grupo
(G), de 75 doentes. A média de idade era de 78,91 ± 7,9 anos.
Vinte e nove doentes do sexo masculino (38,7%) e quarenta e
seis do sexo feminino (61,3%). Quanto aos tipos de glaucoma, a
amostra apresentava 36 olhos com GPAA, 11 olhos com
glaucoma pseudoesfoliativo (G. SPX) e 3 olhos com GPAF (gráfico 1).
Gráfico 1
Distribuição da amostra por tipos de glaucoma
A tabela 1 descreve as características da amostra
TIPOS DE GLAUCOMA
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 230-6
232
Picoto M, Galveia J, Almeida A, Patrício S, Spohr H, Vieira P, Vaz F
Tabela 1
Características da amostra global, olhos SG, olhos G, GPAA, G. SPX e GPAF. Média e desvio padrão da ECC (µm),
EE (dioptrias, D), Comp. Axial 8mm), diâmetro vertical nervo óptico (V NO, mm), AV no pré-operatório e aos 12m.
Amostra Global
(SG)
(G)
GPAA
G. SPX
G.PAF
ECC(mm)
EE(D)
Comp. Axial(mm)
V NO(mm)
AV pre-op
AV 12m
522,84±28,2
524,53±30,42
520,16±24,85
516,44±25,35
541,5±7,78
537
-0,77±2,86
-0,84±2,83
-0,68±2,93
-0,24±3,07
-1,76±2,44
-2,56±0,64
23,2±1,17
23,42±1,26
22,98±1,04
22,96±1,07
23,16±1,04
22,54±0,7
0,56±0,26
0,26±0,07
0,67±0,21
0,69±0,21
0,60±0,23
0,77±0,16
0,21±0,16
0,25±0,16
0,18±0,16
0,21±0,16
0,11±0,11
0,18±0,19
0,74±0,25
0,79±0,23
0,71±0,27
0,71±0,26
0,71±0,28
0,45±0,35
Variações na pressão intraocular pós-operatória
A PIO média pré-operatória era de 16,08 ± 3,04mmHg,
aos 6 meses era de 14,23 ± 2,69mmHg, aos 12m era de 14,69 ±
2,7mmHg e aos 24m era de 14,21 ± 3,56mmHg na amostra global (gráfico 2).
Gráfico 2
Tabela 2
Caracterização dos grupos quanto à idade (anos, média e
desvio padrão), PIO (mmHg, média e desvio padrão) no préoperatório, aos 12 e 24 meses, EE (D), comprimento axial
(mm), ECC (ìm), AV pré, AV 12m e diâmetro do NO (mm).
Variáveis
Grupos
Media
Desvio Padrão
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
77,0741
80,6538
77,2308
81,1000
17,1926
14,9308
14,0385
18,5000
14,0741
14,7192
17,0769
13,2000
15,10
14,13
11,50
14,60
524,9286
522,3125
531,5000
513,4286
-1,3498
-8,332
-0,6816
-0,8750
23,0770
23,6579
23,2215
22,7880
0,58
0,51
0,60
0,60
0,2078
0,2142
0,2108
0,1270
0,7720
0,7923
0,5962
0,6100
5,58794
8,02467
13,39872
5,82046
2,14600
2,90665
2,77235
2,50555
2,03670
2,89165
2,69139
2,34758
2,601
3,643
7,724
2,966
31,92651
27,11880
24,93324
34,70282
2,49263
3,04475
2,83965
3,65230
1,09354
1,55722
1,16335
1,06324
0,264
0,307
0,277
0,173
0,15240
0,15161
0,23525
0,11136
0,27465
0,16715
0,35027
0,28848
Variação da PIO (mmHg) ao longo do tempo
Idade
PIO pré
PIO pós 12m
PIO pós 24m
A PIO pré-operatória apresentou uma diferença com significado estatístico da PIO aos 12 e aos 24m (p<0,001 e p=0,001
respectivamente, teste t pares).
A diminuição média de PIO do pré-operatório para os 12
meses foi de 1,48 ± 2,98 (variação: -8 a +5).
Para um estudo mais pormenorizado desta variação de
PIO entre pré-operatório e os 12 meses procedeu-se a uma
análise de clusters hierarquizados. Foram identificados 4 grupos de olhos:
Grupo 1 (27 olhos) - variação média PIO pré/PIO pós- 12m:
-3,12 ± 0,91.
Grupo 2 (26 olhos) - variação média PIO pré/PIO pós- 12m:
-0,21 ± 0,75.
Grupo 3 (13 olhos) - variação média PIO pré/PIO pós- 12m:
3,04 ± 1,05.
Grupo 4 (10 olhos) - variação média PIO pré/PIO pós- 12m:
-6,30 ± 0,67.
Estes 4 subgrupos foram caracterizados quanto às seguintes variáveis: sexo, idade; PIO (mmHg) nos vários momentos,
EE (D, dioptrias), comprimento axial (mm), ECC (µm), AV pré,
AV 12m e diâmetro do NO (mm) (tabela 2).
Nos grupos 1 e 4 o valor de PIO inicial era mais alta e
apresentaram uma maior diminuição da PIO.
Foi efetuada a análise de variância das variáveis caracterizadas nos 4 grupos. Verificou-se que os grupos diferem signifiRev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 230-6
ECC
ER
Comp. Axial
xV
AV pré
AV 12m
Pressão intra-ocular (PIO) após cirurgia de extracção de catarata
233
Tabela 3
PIO médias no pré-op, 6, 12 e 24m nos 4 grupos de doentes e Variação média de PIO aos 6,12 e 24m nos 4 grupos
Grupo
de PIO
(mmHg)
32-20
19-18
17-15
14-9
PIO pré
21,16
18,23
16,01
12,78
±
±
±
±
1,47
0,40
0,77
1,14
PIO pós 6m
PIO pós 12m
PIO pós 24m
Variação
PIO préPIO pós 6m
Variação
PIO préPIO pós 12m
Variação
PIO préPIO pós 24m
16,20
15,00
14,10
12,88
16,80
15,27
14,77
13,10
16,80
16,13
10,67
13,25
-4,86 ±2,85
-3,33 ±2,5
-1,95 ±2,26
0,25 ± 2,25
4,2 ± 2,66
-2,86 ± 2,82
-1,08 ± 2,4
0,4 ± 2,08
-4,0 ± 2,66
-2,08 ± 2,18
-4,75 ± 5,38
0,17 ± 2,08
±
±
±
±
3,27
2,65
2,64
1,89
±
±
±
±
3,01
2,82
2,67
2,05
±
±
±
±
2,39
1,89
5,75
2,05
Tabela 4
Correlação entre PIO pré-operatória (mmHg)
e diminuição da PIO (mmHg).
PIO Pré
Variação PIO pré - PIO Pós 12m
Pearson Correlation
Sig. (2-Tailed)
0, 459
0, 000
Variação PIO pré - PIO Pós 24m
Pearson Correlation
Sig. (2-Tailed)
0, 247
0, 160
cativamente nas seguintes variáveis: PIO pré, PIO pós-12 e pós36 meses (p<0,05).
Variações na pressão intraocular pós-operatória por grupos de PIO
pré-operatória
Subdividimos a amostra global de olhos em 4 grupos de
acordo com o valor de PIO pré-operatória: grupo 1:32-20mmHg;
grupo 2: 19-18mmHg pré-operatório; grupo 3: 17-15mmHg e grupo
4: 14-9mmHg pré-operatório.
Avaliamos a variação de PIO do pré-operatório para os 6,
12 e 24 meses em cada um destes subgrupos e verificamos que
os valores médios de PIO no pós-operatório são significativamente mais baixos (p<0,05) nos grupos:
- 1 aos 6, 12 e 24m
- 2 aos 12 e 24m
- 3 aos 6 e 12m
13,53 ± 4,60 e 14,74 ± 2,49, aos 36m era de 15,00 ± 5,66 e 13,33 ±
2,31 nos grupos (SG) e (G) respectivamente (gráfico 3). Não se
detectou uma diferença com significado estatístico na PIO entre
estes 2 grupos de olhos aos 12, 24 e 36m (p>0,05, teste T Student).
Retirando do grupo de olhos com glaucoma, os olhos previamente operados ao glaucoma (n=6) não se verifica a mesma diferença com significado estatístico (p>0,05, teste T Student) na
PIO entre os dois grupos de olhos nos 3 momentos (12, 24 e 36m).
Gráfico 3
Variação da PIO (mmHg) ao longo do tempo (meses)
nos olhos (SG) e (G)
A redução média aos 12m foi de 4,2mmHg no grupo 3220mmHg, 2,86mmHg no grupo 19-18mmHg e 1,08mmHg no grupo 17-15mmHg. No grupo 14-9mmHg observou-se um ligeiro
aumento de 0,4mmHg (tabela 3).
Por último, verificou-se a existência de uma correlação entre a PIO pré-operatória e a magnitude do decréscimo após a
cirurgia aos 12 meses (p<0,001) (tabela 4).
Variações de PIO pós-operatória no grupo de olhos com
glaucoma e no grupo de olhos sem glaucoma
Analisando por subgrupos de olhos com glaucoma e sem
glaucoma, a PIO pré-operatória era de 16,07 ± 2,87 e 16,09 ±
3,24, aos 12m era de 14,23 ± 2,57 e 14,89 ± 2,94, aos 24m era de
Variações de PIO pós-operatória nos diferentes tipos de
glaucoma
Relativamente à variação de PIO nos diferentes grupos
de glaucomas (gráfico 4), verificou-se que a diminuição da PIO
foi superior nos olhos com GPAF (-3,83), seguindo-se G. SPX
(-1,62) e por último GPAA (-0,82). A diferença na variação de
PIO teve significado estatístico entre o GPAF e GPAA (p<0,01,
teste T Student).
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 230-6
234
Picoto M, Galveia J, Almeida A, Patrício S, Spohr H, Vieira P, Vaz F
Tabela 5
Correlação de Pearson entre as variações de PIO (mmHg) e variáveis
PIO pré-PIO pós 12m
PIO pré-PIO pós 24m
PIO pré-PIO pós 36m
PIO pré-PIO pós 6m
Idade
Glaucoma
ECC
EE
Gomp. Axial
EVertical NO
AV pré
AV 12m
DM
PIO pré PIO pós 12m
PIO pré PIO pós 24m
PIO pré PIO pós 36m
PIO pré PIO pós 6 m
1
0,378
0,52
1
0,874
0,53
0,991”
0,001
1
0,263
0,022
0,216
0,221
0,810
0,097
1
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
0,378
0,052
0,874
0,053
0,263’
0,022
-0,005
0,967
-0,076
0,515
0,090
0,574
0,040
0,760
0,111
0,348
0,015
0,933
0,079
0,500
0,020
0,863
-0,137
0,236
Gráfico 4
Variação de PIO nos 3 grupos de glaucoma
0,991”
0,001
0,216
0,221
0,507”
0,002
0,021
0,906
-0,408
0,104
-0,383
0,053
0,105
0,563
0,158
0,646
0,412
0,491
0,889’
0,044
0,000
0,810
0,097
0,368
0,543
-0,561
0,325
-1,0000”
-1,0000”
0,270
0,661
-0,414
0,488
0,132
0,187
0,022
0,831
-0,170
0,087
-0,145
0,145
-0,172
0,085
0.039
0,789
0,073
0,514
0,141
0,166
0,141
0,712
-0,160
0,109
-0,101
0,329
0,141
0,157
E verificamos se existia diferença com significado estatístico nas variações de PIO nos intervalos acima mencionados e
as seguintes variáveis:
- gênero
- idades, anos (55-64; 64-75; >75)
- grupo com (G) e grupo (SG)
- tipos de glaucoma (GPAA, G. SPX e GPAF)
- ECC, µm (< 542; ≥ 542)
- EE, D (-8 a -6; -6 a -3; -3 a -0,5; -0,5 a +2; > +2)
- comprimento Axial, mm (<22; 22-24,5; 24,5-26, >26)
- diâmetro vertical do nervo óptico, mm (<0,5; ≥0,5)
- AV pré-operatória (<0,2; ≥0,2)
- AV 12 m (<0,5; ≥0,5)
- diabetes mellitus.
Verificou-se que existia relevância estatística (p<0,05)
para as seguintes variáveis: idade, EE, AV aos 12m e comprimento axial (exceto nos comprimentos axiais extremos, <22 e
>26).
Relação entre as variações de PIO no pós-operatório e
diferentes variáveis
Avaliamos as variações de PIO nos seguintes intervalos:
- PIO basal – 12m
- PIO basal – 24m
- PIO basal – 36m
- PIO basal – 6m
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 230-6
Avaliamos a correlação da variação da PIO nos intervalos
acima mencionados e as variáveis estudadas (coeficiente de correlação de Pearson, tabela 5).
Verificamos que os fatores PIO, idade e AV aos 12m são
preditivos da variação da PIO (p<0,05).
Pressão intra-ocular (PIO) após cirurgia de extracção de catarata
DISCUSSÃO
No nosso estudo verificamos que a cirurgia de catarata
com colocação de LIO diminuiu a PIO na ordem dos 1,48 ±
2,98mmHg. Esta diminuição manteve-se ao fim de 24 e 36m,
tanto em olhos do grupo (G) como do grupo (SG).
Estes resultados estão de acordo com a literatura revista.
Já no ano de 1970 Bigger et al.(7) sugeriram que a cirurgia de
catarata diminuía a PIO. Três grandes estudos retrospectivos
reportaram o efeito em longo prazo da cirurgia de catarata.
Shingleton et al.(2) fizeram uma revisão dos processos clínicos de
aproximadamente 150 doentes submetidos à cirurgia de catarata e com follow-up de 3 anos, dividindo-os em doentes com
glaucoma, glaucoma suspects e olhos sem glaucoma. Reportaram uma diminuição média de 1,5mmHg nos 3 grupos, ao fim de
3 anos. Poley et al. (4,5) reportaram também reduções na PIO com
follow-up iguais ou superiores a 4 anos. Mais recentemente
Mansberger(6) num estudo comparativo entre um grupo de 63
olhos submetidos à cirurgia de catarata e um grupo controle que
não fez cirurgia de catarata com 743 olhos, verificaram também
uma redução na PIO durante um longo período de tempo.
Verificamos que a redução de PIO foi proporcional ao valor pré-operatório de PIO: as PIOs pré-operatório mais altas diminuíram mais e as mais baixas aumentaram ligeiramente. Esta
variação da PIO mantém-se aos 12 e 24 meses, sendo que o seu
valor absoluto tem uma ligeira tendência a diminuir ao longo do
tempo.
Este achado está de acordo com os trabalhos de Shingleton
et al., Poley et al. e Friedman et al. (2-5).
Tal como em estudos anteriores, nomeadamente o estudo
de Shingleton(2) e de Tong et al.(8) , também na nossa amostra, a
diminuição da PIO em olhos com (G) e (SG) não apresentou
diferença com significado estatístico.
No nosso estudo, a diminuição de PIO foi superior em olhos
com GSPX e GPAF, o que já tinha sido descrito em trabalhos
anteriores, nomeadamente nos de Poley et al.(5). Alguns dos mecanismos que explicam a redução de PIO após facoemulsificação
apoiam este achado.
São vários os mecanismos propostos para explicar a redução de PIO após facoemulsificação:
1- Aumento da profundidade da câmara anterior, com
consequente aumento da drenagem do humor aquoso através
damalha trabecular, levando a uma redução da PIO (efeito mais
visível em olhos com ângulos estreitos)(9,10).
2- A colocação de uma LIO poderá aumentar a tensão
mecânica na zónula, com aumento dos espaços na malha trabecular
e diminuição da resistência à drenagem do humor aquoso(2,11,12),
contudo o mecanismo exato ainda não é conhecido.
Na literatura estão descritos vários fatores de risco associados ao desenvolvimento de GPAA. A evidência que sugere a
PIO elevada, idade avançada, raça, história familiar, espessura
diminuída da córnea como fatores de risco é considerável e
fiável(13). Dados que suportem a diabetes mellitus e a miopia como
fatores de risco são menos convincentes. A relevância do gênero, assim como de outros fatores sistêmicos, como HTA e doenças vasculares isquêmicas, é ainda inconclusiva.
De acordo com o estudo de Kuzin et al.(14), um erro refrativo
miópico, córneas mais planas e comprimentos axiais mais longos
devem ser considerados fatores de risco para o desenvolvimento de GPAA.
235
Considerando alguns dos fatores acima mencionados, no
nosso estudo, procuramos saber em primeiro lugar se existia alguma associação com significado estatístico entre os fatores descritos na literatura, como possíveis fatores de risco para o desenvolvimento de GPAA e a variação da PIO após cirurgia de
catarata. Em segundo lugar, procuramos saber qual a correlação que estes fatores tinham com a variação da PIO.
Assim, verificamos que a idade, o EE, a AV aos 12 meses e
o comprimento axial apresentavam uma associação com significado estatístico com a variação de PIO.
Para estudarmos as correlações construímos um modelo
de análise multivariada. Analisamos os coeficientes de correlação de Pearson entre a variação de PIO e fatores demográficos/
clínicos descriminados nos resultados observamos que:
1- Quanto mais velho o doente, maior a variação de PIO
entre o pré-operatório e os 24 meses (r=0,507, p<0,001);
2 - Quanto melhor a AV final, maior a variação de PIO
entre o pré-operatório e os 24 meses (r=0,889, p=0,044).
O estudo apresenta algumas limitações, nomeadamente o
fato de ser retrospectivo, de terem sido incluídos no grupo com
glaucoma seis olhos submetidos previamente à cirurgia de
glaucoma (trabeculectomia ou iridectomia) e por último o método de medição da PIO.
A inclusão de olhos previamente operados no grupo com
glaucoma teve como objetivo analisar sem restrições a resposta
da PIO à cirurgia de catarata dos vários tipos de glaucoma, e
consequentemente, sob diferentes regimes terapêuticos, tal como
no estudo de Poley(5). Poderá ser considerado um viés, contudo
retirando do grupo de doentes com glaucoma, os doentes previamente operados ao glaucoma mantém-se a inexistência de diferença com significado estatístico (p>0,05, teste T Student) no
valor de PIO entre os dois grupos de doentes nos 3 momentos
(12, 24 e 36m).
Por fim, quanto ao método de avaliação da PIO, podemos
considerar que a tonometria de Goldmann, pode ter subestimado
o valor real de PIO no pós-operatório imediato (1º dia), como já
descrito por Valbon et al.(15). Os autores concluíram num trabalho
em que mediram a PIO de doentes operados de catarata por
facoemulsificação por meio do ORA (Ocular Response Analyzer)
que a PIO gold standard, isto é a Goldmann correlated intraocular
pressure, estava diminuída no pós-operatório imediato devido ao
edema da córnea, que altera a biomecânica da mesma.
CONCLUSÃO
No nosso estudo, verificou-se uma diminuição da PIO após
a cirurgia de facoemulsificação proporcional ao valor pré-operatório: os olhos com valores mais altos de PIO no pré-operatório apresentaram uma diminuição maior de PIO.
Não se verificou diferença na magnitude desse decréscimo entre os olhos com e sem glaucoma.
A redução da PIO, embora pequena, foi significativa e
manteve-se ao fim de 24 meses.
Verificou-se também que a diminuição de PIO foi superior
nos olhos com GPAF, comparativamente aos olhos com GPAA.
Estes resultados não sugerem que a cirurgia de remoção
de catarata possa ser substituída pela cirurgia combinada, mas
poderá ser uma alternativa para alguns doentes com base na
PIO alvo, terapêutica farmacológica e estadio do glaucoma.
São necessários mais estudos para avaliar o efeito da extração de catarata nos diferentes tipos de glaucoma, dado que
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 230-6
236
Picoto M, Galveia J, Almeida A, Patrício S, Spohr H, Vieira P, Vaz F
esta cirurgia poderá ter indicação para ser mais precoce em olhos
com GPAF.
Os fatores mais preditivos da variação de PIO pós-operatória no presente estudo, foram a idade, PIO pré-operatória e a
AV aos 12 meses.
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Valbon BF, Silva RS, Jardim D, Canedo AL, Palis M, Ambrósio Junior
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analyzer before and after phacoemulsification surgery]. Rev Bras
Oftalmol. 2011; 70(1):11-5. Portuguese.
Autor correspondente
Maria Picoto
Rua Silva e Albuquerque, nº 15 Rc Dto., 1700-360
Lisboa,Portugal
E-mail: [email protected]
ARTIGO DE REVISÃO237
Doação e fila de transplante de córnea
no Estado do Rio de Janeiro
Donation and waiting list for corneal transplantation
in the State of Rio de Janeiro
Gustavo Bonfadini1, Victor Roisman1, Rafael Prinz2, Rodrigo Sarlo3, Eduardo Rocha4, Mauro Campos5
RESUMO
O presente trabalho objetiva descrever o processo de doação, captação, fila de espera e transplante de órgãos e tecidos como uma
das políticas de saúde no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro, com ênfase nos procedimentos relativos aos transplantes de córnea.
A baixa notificação de possíveis doadores e a alta taxa de negativa familiar na doação associado ao insuficiente número de córneas
disponibilizadas por Banco de Olhos são os principais fatores que limitam o aumento do número dos transplantes de córnea no
Brasil. A criação do Banco de Olhos do Rio de Janeiro, associado a politicas que estimulam o aumento da notificação e captação de
córneas visa diminuir a fila de espera para transplante de córnea no Estado.
Descritores: Córnea; Transplante de córnea; Banco de olhos; Listas de espera; Doadores de tecidos, Ceratoplastia; Gestão em
saúde
ABSTRACT
This paper aims to describe the process of organ and tissue donation, tissue harvesting, queue and transplants as a health policy in
Brazil and in the State of Rio de Janeiro, with emphasis on procedures for corneal transplantation. The low reporting of possible donors
associated with a high rate of negative family in donation, associated with the insufficient number of corneas provided by Eye Banks
are the main factors limiting the increase in the number of corneal transplants in Brazil. The creation of the Rio de Janeiro Eye Bank
associated with policies that encourage increased reporting and collection of corneas aims to reduce the waiting list for corneal
transplantation in Rio de Janeiro State.
Keywords: Cornea; Corneal transplantation; Eye bank; Waiting lists; Tissue donors; Keratoplasty; Health management
Banco de Olhos do Rio de Janeiro - INTO, Rio de Janeiro (RJ), Brasil;
Divisão de Transplantes de Multitecidos - INTO, Rio de Janeiro (RJ), Brasil;
3
Programa Estadual de Transplante, Rio de Janeiro (RJ), Brasil;
4
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil;
5
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
1
2
Os autores declaram não haver conflitos de interesse
Recebido para publicação em 10/02/2014 - Aceito para publicação em 23/03/2014.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 237-42
238
Bonfadini G, Roisman V, Prinz R, Sarlo R, Rocha E, Campos M
INTRODUÇÃO
A
s doenças corneanas são a segunda causa de cegueira
reversível no mundo. O transplante de córnea é o procedimento de maior sucesso entre os transplantes e tem
sido o mais realizado na atualidade(1).
O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010(2) apurou que a deficiência visual é a deficiência física mais citada no Brasil, com 35,7 milhões
de brasileiros afetados numa população de 190 milhões de habitantes. As doenças da córnea representam importante causa de
perda da capacidade visual, podendo levar a consequências psicológicas e econômicas para o indivíduo e sociedade(3).
O Brasil possui o maior sistema público de transplantes do
mundo, e em 2012 foram realizados 15.281 transplantes de córnea
no Brasil, e estima-se que a necessidade Brasileira anual seja de
17.168 transplantes(4). Em outubro de 2013 a lista nacional de
espera por um transplante de córnea para a reabilitação visual
no Brasil era de 7.245 pacientes(5).
O Estado do Rio de Janeiro produz o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) nacional, possui população estimada
de 15.993.583 pessoas(6).
Em novembro de 2013, a lista no RJ era de 823 pacientes
a espera de um transplante, cerca de 52 por milhão de população (pmp).
Este trabalho apresenta uma revisão sobre legislação, aspectos do processo de doação, captação e distribuição de tecido
ocular, assim como a fila de transplantes de córnea no Estado do
Rio de Janeiro.
Marcos legais e estrutura da política do transplante de órgãos e
tecidos no Brasil
Inscrição na fila de transplante de córnea: para que o paciente seja inscrito deve procurar ou ser encaminhado a uma equipe
de transplantes autorizada pelo Ministério da Saúde que irá
representá-lo e inscrevê-lo junto ao sistema informatizado de
gerenciamento (SIG), o qual é coordenado pelo sistema nacional de transplantes (SNT). Essa inscrição gera automaticamente um número de registro denominado registro geral de cadastro técnico ou simplesmente RGCT. Esse número é muito importante, pois, identifica o paciente no cadastro técnico único e, por
meio dele, podem ser obtidas informações tais como a situação
na lista de espera, etc.
Distribuição de córneas: a distribuição de córneas e outros
tecidos oculares é feita pelas centrais de notificação, captação e
distribuicão de órgãos (CNCDOs) estaduais. A lista de espera
de transplante de córnea é única por estado, o critério é cronológico, obedecendo o tempo decorrido da inscrição, como determinado na portaria GM nº 3.407 de 5 de agosto de 1998. Esta mesma portaria determina os critérios de urgência, ou seja, as situações onde a distribuição do tecido é priorizada. São elas: 1- perfuração do globo ocular; 2- iminência de perfuração de córnea decemetocele; 3- receptor com idade inferior a sete anos que
apresente opacidade corneana bilateral; 4- úlcera de córnea sem
resposta a tratamento clínico; 5- falência primária, até o nonagésimo (90o) dia consecutivo à realização do transplante com
córnea viável para transplante óptico. Os casos não previstos na
portaria deverão ser avaliados e autorizados pela câmara técniRev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 237-42
ca de transplante de córnea do estado correspondente.
Ressalta-se que, em situações de priorização, o botão do
receptor deve ser encaminhado ao banco de olhos que ofereceu o tecido. É de responsabilidade do banco de olhos enviar o
tecido para comprovação do diagnóstico com estudo
anatomopatológico.
Marcos legais: a obtencão de órgãos e tecidos para transplante no Brasil é normatizada pela Lei 9.434/97, conhecida
como Lei dos transplantes, que trata das questões legais relacionadas à remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano
para fins de transplante e tratamento, e determina as sanções
penais e administrativas pelo não cumprimento da mesma. O
Decreto-lei nº 2.268/97 cria o (SNT) e as CNCDOs com implantação em todos os estados do Brasil, descentralizando o
processo de doação-transplante e definiu a doação presumida
como forma de consentimento.
As CNCDO’s ou “centrais de transplantes” são as unidades executivas das atividades do SNT, responsáveis por coordenar as atividades de transplantes; promover a inscrição
de potenciais receptores, com todas as indicações necessárias
à sua rápida localização e à verificação de compatibilidade
do respectivo organismo para o transplante ou enxerto de tecidos e órgãos; classificar os receptores e agrupá-los em ordem estabelecida pela data de inscrição, fornecendo-lhes o
necessário comprovante; comunicar ao órgão central do SNT
as inscrições que efetuar para a organização da lista nacional
de receptores; receber notificacões de morte; determinar o
encaminhamento e providenciar o transporte de tecidos e órgãos retirados ao estabelecimento de saúde autorizado em
que se encontrar o receptor ideal(7).
Na doação presumida, o cidadão contrário à doação,
necessita registrar a expressão: “Não doador de órgãos e tecidos” em algum documento de identificacão, (RG) ou carteira nacional de habilitacão (CNH). Logo, todo brasileiro que
não registrasse essa negativa em vida era considerado um
potencial doador.
A doação presumida não encontrou respaldo na sociedade brasileira e, por isso, posteriormente foi publicada a medida
provisória nº 1.718 de 06 de outubro de 1998, que tornou obrigatória a consulta familiar para autorizacão de doacão de todos os “doadores presumidos”, o que já ocorria na prática. Assim, a lei nº 10.211, publicada em março de 2001, definiu o consentimento informado como forma de manifestação à doacão,
passando “a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de
pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, depender da autorizacão do cônjuge ou parente maior
de idade, obedecida à linha sucessória, reta ou colateral, até o
segundo grau inclusive, firmado em documento subscrito por
duas testemunhas presentes à verificação da morte”. A lei brasileira é clara e exige o consentimento da família para a retirada de órgãos e tecidos para transplante, ou seja, a doação é do
tipo consentida.
O regulamento técnico que define os critérios técnicosanitários mínimos para atuacão dos bancos de tecidos oculares (BTOC) é a resolucão de diretoria colegiada (RDC) - RDC/
Anvisa nº 67, de 30 de setembro de 2008 e dos bancos de tecidos músculo-esqueléticos é a RDC/Anvisa nº 220, de 27 de dezembro de 2006.
Os bancos de olhos tem responsabilidade de captar, processar, avaliar, classificar, armazenar e distribuir tecidos oculares e devem atender às exigências legais para sua instalacão e
autorizacão de funcionamento(8).
Doação e fila de transplante de córnea no Estado do Rio de Janeiro
Processo de doação de córneas para transplante
A identificação dos potenciais doadores se dá por meio da
notificação passiva e da busca ativa. Todo paciente que vai a
óbito entre 02 a 80 anos em até 06 horas após a parada cardiorrespiratória, ou 24 horas, se todo o corpo estiver em câmara refrigerada, constitui um potencial doador de tecidos oculares para
transplante, não sendo necessário que o paciente esteja em morte encefálica. As pálpebras do doador devem ser mantidas fechadas para evitar o ressecamento da córnea por exposição à
luz. O procedimento pode ser realizado fora de ambiente hospitalar (necrotério, casa do doador). O tempo máximo de preservação extracorpórea da córnea é de 14 dias. A notificação dos
potenciais doadores é obrigatória por lei, devendo ser avisados
à CNCDO e ao banco de olhos responsável pela área de
abrangência(7,9).
De acordo com a RDC 67(10), há a exigência legal de captação de tecido ocular apenas nas primeiras 06 horas de óbito. A
Associação Americana de Banco de Olhos (Eye Bank Association
of America – EBAA) em seu protocolo(11,12), não determina tempo de óbito para captação das córneas, a orientação é de utilizar
bolsa de gelo na área orbitária, sobre as pálpebras para estender o tempo máximo para a enucleação, em uma tentativa de
diminuir os danos ao tecido ocular causados pelas toxinas formadas naturalmente no corpo após a morte.
O limite legal de tempo de captação de córneas no Brasil
é um fator para que muitas córneas sejam recusadas para doação, o que contribui para aumentar ainda mais o tempo de espera por um transplante de córnea. O limite de seis horas após o
óbito para captação das córneas muitas vezes não é suficiente.
Este tempo normalmente é excedido por vários motivos, sejam
eles por parte da família que nem sempre se encontra junto ao
doador no momento da sua morte, ou necessita de mais tempo
para avaliar e autorizar a doação, sejam eles por parte de logística
para chegada da equipe de captação até o local do óbito.
Organização de procura de órgãos (OPO), Organização
de procura de córneas (OPC): são entidades sem fins lucrativos,
que atuam em parceria com as CNCDO, de forma regionalizada
para detecção de doador potencial, constituído por um ou mais
hospitais de sua área territorial de atuação. Realizam a busca
ativa, que corresponde a visita às unidades de terapia Intensiva,
pronto-socorros e necrotérios dos hospitais, realizada por enfermeiro ou médico. Nessa visita, o profissional deve identificar-se
à equipe multiprofissional, explicar o motivo da visita, a importância do seu do trabalho e, sempre que possível, fornecer material informativo sobre o processo de doação-transplante.
Comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos
para transplante (CIHDOTT): comissão interna de cada hospital que permite uma melhor organização do processo de captação de órgãos, melhor identificação dos potenciais doadores, mais
adequada entrevista de seus familiares, melhor articulação do
hospital com a respectiva CNCDO, o que, por fim, viabilizam
uma ampliação qualitativa e quantitativa na captação de córneas.
No processo de doação-transplante, observa-se que um
conjunto de ações e procedimentos interligados que conseguem
transformar um potencial doador em doador efetivo, concluindo
o processo com o transplante(figura 1).
239
Fonte: Adaptado de: Martinez R, et al. Organ Procurement in Spain: the National
Organization of Transplant. In: Touraine JL, et al., editors. Organ shortage: the
solutions. Dordrecht: Kluwer Academic; 1995. p.167-77.
Figura 1: Etapas do processo de doação-transplante
Transplante de córnea no Estado do Rio de Janeiro
Entre os anos de 2006 e 2009 a média de transplantes de
córnea realizados no Rio de Janeiro foi de 74 por ano (figura 2),
neste período o Estado ficou mais de um ano sem nenhum banco
de olhos em funcionamento, recebendo córneas de outros Estados ou de fora do país.
Fonte: Programa estadual de transplantes (PET)
Figura 2: Transplante de córnea no estado do Rio de Janeiro
No início de 2010 foi criado o programa estadual de transplantes (PET) com a missão de coordenar o processo de doação
e transplantes de órgãos e tecidos no Estado do Rio de Janeiro,
com as atribuições de CNCDO’s e de definir a política de transplantes.
O PET atua na formação continuada de médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, além de prover cursos para
cada etapa do processo: detecção de doadores, aspectos legais,
entrevista familiar, aspectos de organização, gestão e comunicação. Com o objetivo de informar à população, está disponível o
disque-transplante (155) e site próprio (www.transplante.
rj.gov.br), onde há um canal para comunicação (fale conosco),
dentre outros serviços relacionados a transplantes no Estado.
O PET auxilia ativamente na implementação e organização das OPO/OPC e CIHDOTT no Estado, com isso espera-se
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 237-42
240
Bonfadini G, Roisman V, Prinz R, Sarlo R, Rocha E, Campos M
um aumento do número de notificações de potenciais doadores
e captação de córneas, possibilitando maior agilidade no atendimento à lista de espera.
Desde 2010 houve aumento nas doações, com número de
doadores por milhão de população (pmp) de 8,7 (2009) para 15
(2012) em 3 anos de programa, esses dados são superiores a
países como: Alemanha, Dinamarca, Suécia, Austrália e Japão.
Em agosto de 2010 foi inaugurado o banco de tecido ocular Pedro Sélmo Thiesen (banco de olhos de Volta Redonda),
localizado no Hospital São João Batista (HSJB), a 130km da cidade do Rio de Janeiro. Esta ação aumentou o número de captações e transplantes realizados, porém mostrou-se insuficiente para
a resolução do tempo de espera por um transplante de córnea
no Estado.
Com objetivo de facilitar a logística e aumentar a captação
de córneas, reduzindo a fila de transplante de córnea no Estado, o
PET e o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO)
desenvolveram o projeto de construção de um Banco de Olhos
público na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro.
Criação do banco de olhos do Rio de Janeiro – INTO
O Banco de Olhos do INTO iniciou suas atividades oficialmente em setembro de 2013, a partir da sua regulamentação
pelo Ministério da Saúde. Está instalado nas dependências da
Divisão de Transplantes de Multitecidos (DITMT-INTO) e segue tanto os padrões internacionais, como também os nacionais,
ou seja, o Regulamento Técnico Nacional de Transplante e a
Resolução da Diretoria Colegiada (RDC 67)(10) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a captação e a
preservação de córneas, e baseados nas normas da Associação
Americana de Bancos de Olhos (EBAA)(11).
O banco de olhos do INTO é responsável pelos processos
de captação, remoção e processamento dos tecidos corneanos,
enquanto, em conjunto com a CNCDO-RJ/PET, realiza a remoção e o processamento em quase todos os hospitais da região
metropolitana do Rio de Janeiro e norte do Estado.
A melhor organização dos bancos de olhos proporcionaram um aumento na captação e na preservação de córneas. A
utilização de tecido doado meticulosamente selecionado graças ao desenvolvimento do microscópio especular para Banco
de Olhos e da contagem de células endoteliais, além do melhor
conhecimento da fisiologia corneana, do uso de fios de sutura
maleáveis e de novas técnicas cirúrgicas de transplante, possibilitaram a este procedimento sua realização rotineira e bemsucedida(13).
O INTO é uma instituição com sistema de controle de qualidade acreditado pela Joint Commission on Accreditation of
Healthcare Organizations, que confere um selo de qualidade pelas boas práticas médicas e padrões rígidos de segurança e eficiência realizados no hospital.
Os tecidos humanos com possibilidade de transplante são
córnea, esclera, osso, cartilagem, tendão, menisco, fáscia, válvula
cardíaca, pele, vasos e ammion (membrana amniótica). Atualmente o banco músculo-esquelético e o banco de olhos do INTO
fazem parte do único Banco de Tecidos (tecido ocular e musculo
esquelético) em funcionamento pleno no país(14). [Comunicação
interpessoal ANVISA].
No projeto do banco de tecidos INTO, haverá também a
criação do banco de pele e válvula cardíaca, beneficiando pacientes de diversas subespecialidades médicas do país.
DISCUSSÃO
Os Estados Unidos da América (EUA) é o país com maior
número absoluto de transplantes de córneas. O Brasil, apesar de
realizar um número expressivamente menor, apresenta significativa evolução anual (tabela 1 e 2). Nos EUA os pacientes pagam pelos custos de processamento das córneas e transplantes
diretamente ou por meio de planos de saúde, excetos os muito
pobres, que são financiados pelos programas governamentais
assistenciais (Medicare e Medicaid).
Tabela 1
Dados comparativos de produção dos bancos de tecidos oculares entre Brasil e Estados Unidos da América
Produção dos bancos de tecidos oculares
Brasil 2011
Brasil 2012
EUA 2012
Doações
14.665
15.004
116.990
Número de córneas fornecidas para transplantes
15.983
16.505
Número de transplantes de córnea
14.696
15.281
46.684
262
459
26.170
Número de tecidos para pesquisa, ensino e treinamento
68.681
19.546*
(*) total de Córneas enviadas para outros países
Fonte: Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) e Associação Americana de Bancos de Olhos (EBAA)
Tabela 2
Número de transplantes de córnea no Brasil
Ano
Número absoluto
de transplantes
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
6.193
6.556
7.556
8.394
8.713
10.124
9.040
13.341
Fonte: Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO)
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 237-42
2009
2010
12.723 12.778
2011
2012
14.696
15.281
Doação e fila de transplante de córnea no Estado do Rio de Janeiro
De acordo com o SNT, o Brasil possui hoje o maior programa público de transplantes de órgãos e tecidos do mundo(14). O
sistema público de saúde financia mais de 95% dos transplantes
realizados no Brasil e também subsidia parte dos medicamentos
imunossupressores para todos os pacientes.
A política nacional de transplantes de órgãos e tecidos tem
como diretrizes a gratuidade da doação, a beneficência em relação aos receptores e não maleficência. Estabelece também garantias e direitos aos pacientes que necessitam desses procedimentos, e regula toda a rede assistencial por meio de autorizações e re-autorizações de funcionamento de equipes e instituições. Toda a política de transplante está em sintonia com as Leis
nos 8.080/1990 e 8.142/1990, que regem o funcionamento do sistema único de saúde (SUS)(15).
No Brasil todo o custo de entrevista familiar, captação,
processamento pelo banco de olhos é pago pelo SUS; o paciente
em hipótese alguma pagará por uma córnea. Quando optar por
realizar a cirurgia fora da rede credenciada do SUS, poderá utilizar o seu plano de saúde ou pagar pela cirurgia em caráter
particular.
O total de transplantes de córneas no Brasil corresponde
a cerca de 75% de todos os transplantes de órgãos realizados no
país(16). O número nacional de transplante de córneas de 73,3
por milhão de população (pmp), está próximo da obtenção do
objetivo de 90 transplantes (pmp) para a “fila zero” em transplante de córnea no país.
Porém, o tempo de espera e número de pacientes inscritos
para um transplante de córnea difere substancialmente entre os
27 estados. Destacam-se, com mais de 100 transplantes (pmp),
os estados do Distrito Federal, São Paulo, Goiás, e Pernambuco.
Entretanto, seis estados ainda realizam menos do que 30 transplantes (pmp), Bahia, Pará, Acre, Rio de Janeiro, Alagoas e
Maranhão. Outros quatro não realizam transplantes, Amapá,
Rondônia, Roraima e Tocantins(17).
Apesar do aumento do número de transplantes de córneas
no Brasil, ainda existem discrepâncias regionais que necessitam
ser resolvidas. O grande número de transplantes concentrados
em poucos estados em comparação com outros estados também
populosos da Federação deve ser observado atentamente. Esta
discrepância gera uma injustiça social inaceitável. Enquanto os
cidadãos abonados podem viajar à procura de seu transplante
mais rápido com uma fila menor, os pacientes sem condições financeiras devem esperar indefinidamente por uma córnea para
seu transplante. O cenário ideal, é que possamos captar córneas
e realizar transplantes de maneira equitária em todos os Estados da Federação, oferecendo a cirurgia pelo SUS a todos os
cidadãos(18).
As estatísticas escondem um quadro ainda mais dramático, já que é pouco provável que em alguns estados não haja um
único paciente que necessite de transplante de córnea, e provavelmente em regiões distantes dos grandes centros urbanos ocorra uma demanda reprimida decorrente das dificuldades de acesso à assistência médica até que os pacientes possam ser inscritos
nas filas estaduais de transplante.
No Brasil, de cada oito potenciais doadores, apenas um é
notificado(10). Em 2013, dados até o momento demonstram que
no Brasil a taxa de notificações de potenciais doadores foi de
46,0 por milhão de população (pmp), no estado do RJ esta taxa
foi acima da média nacional, 53,1 (pmp), porém ainda com uma
taxa elevada de recusa familiar de 50%(20).
241
A entrevista familiar é uma das etapas de maior complexidade no processo de doação de córneas, envolvendo aspectos
éticos, legais e emocionais. A entrevista requer preparo por parte do profissional da captação, para elucidar dúvidas, compartilhar sentimentos e viabilizar o processo de doação. Para que a
família possa tomar uma decisão sobre a doação de forma coerente e autônoma, faz-se necessário, além da informação, o esclarecimento de todo o processo de doação e suas implicações.
Entre os principais obstáculos estão os problemas logísticos
como número insuficiente de notificações, com elevadas taxas
de negativas familiares, motivadas por diversos fatores, como a
não-compreensão do conceito de morte encefálica, a idéia da
deformação do corpo após a cirurgia de retirada do globo ocular
(enucleação), o medo de comercialização dos órgãos e o não
conhecimento do sistema de distribuição e alocação dos órgãos
e tecidos(21).
Há evidências de que o consentimento para a doação de
córnea é menor do que para os órgãos. Um estudo retrospectivo
realizado nos Estados Unidos apontou que em cerca de 10.000
óbitos, 46,5% das famílias abordadas aceitaram doar múltiplos
órgãos e apenas 23,5% consentiram na doação de córneas(22).
As preocupações e a falta de entendimento sobre o processo de doação de córneas normalmente não são resolvidas apenas com campanhas públicas de conscientização. Uma postura
adequada do profissional de saúde em relação à doação de
córneas pode agilizar o processo doação-transplante através do
conhecimento. O aumento do conhecimento dos profissionais de
saúde sobre doação e transplante de órgãos e sua capacitação
para disseminar essas informações pode resultar num aumento
do número de doadores.
Recentemente foi promulgada no RJ a lei nº 6.584/13, que
determina a prioridade de atendimento para a família dos doadores falecidos de órgãos e tecidos em todas as instituições do
Poder Executivo Estadual, em dependências policiais e seus respectivos órgãos técnico-científicos, bem como hospitais, postos
de saúde e serviços funerários, devendo os mesmos afixar, nas
entradas e nas áreas de atendimento ao público, em local de fácil visualização, placa informativa, com os seguintes dizeres em
letras grandes: “Prioridade de atendimento aos familiares e doadores de órgãos e tecidos neste órgão.”
Sabemos que para alcançarmos o status de “fila zero” no
estado do Rio de Janeiro há necessidade de identificar de forma
constante e agir com dinamismo nos principais problemas enfrentados pelas equipes de captação, assim como a realização
dos transplantes de córnea de forma célere nos sistemas público
e privado; estimular a doação de córneas; estimular a captação
de córneas; identificar as razões de um número maior de transplantes não serem realizados; e melhorar os índices de aproveitamento do tecido captado.
A atual situação desigual é resultado de pé-condições arraigadas na história da nossa sociedade, ao longo das décadas
em que se deram a conformação desse tecido social. Nosso sistema de saúde é coletiva e diariamente construído por nós. Ele é,
simultaneamente, causa e efeito de nossas desigualdades
socioeconômicas e sanitárias, então, ele pode ser remediado.
A doação e alocação de órgãos e tecidos é um processo
trabalhoso e delicado que depende do crédito da população no
sistema e do comprometimento dos profissionais de saúde na
notificação de morte. O Brasil é o segundo país do mundo em
número de transplantes e, para consolidar essa conquista, é
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 237-42
242
Bonfadini G, Roisman V, Prinz R, Sarlo R, Rocha E, Campos M
crucial a atuação do Ministério da Saúde, dos governos estaduais e das entidades médicas em todo o processo de doação e
transplantes (5).
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Autor correspondente:
Gustavo Bonfadini
Rua Figueiredo Magalhães, 394 - Copacabana
CEP CEP CEP 22031-010 - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Tel: (31) 3657-3583 / (31) 8891-8537
Email:[email protected]
RELATO DE CASO243
Dacriocistocele congênita: relato de caso e conduta
Congenital dacryocystocele: case report and treatment
Silvia Helena Tavares Lorena1, Eliana Domingues Gonçalves 2, João Amaro Ferrari Silva3
RESUMO
A dacriocistocele representa uma rara anomalia congênita da região medial da órbita, causada pela obstrução distal (ao nível da
válvula de Hasner) e proximal (ao nível da válvula de Rosenmüller) da via lacrimal, com subsequente dilatação do saco lacrimal.
Recebe o nome de mucocele, quando seu conteúdo representa muco, ou amniocele, quando o seu conteúdo é preenchido por fluido
amniótico. Acomete somente 0.1% das crianças, com obstrução do ducto lácrimonasal, sendo comumente unilateral e mais frequente
no sexo feminino e com predisposição familiar.
O diagnóstico é realizado pelas características clínicas: lesão cística tensa, abaixo do tendão cantal medial, de coloração azulacinzentada, rósea ou vermelha acompanhada por epífora desde o nascimento. No entanto podemos utilizar exames de imagem
para diagnosticar esta anomalia congênita tais como: tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrassonografia.
Descritores: Obstrução dos ductos lacrimais/congênito; Obstrução dos ductos lacrimais/diagnóstico; Obstrução dos ductos lacrimais/terapia; Obstrução dos ductos lacrimais/ultrassonografia; Cisto epidérmico; Cisto dermóide; Relatos de casos
ABSTRACT
The dacryocystocele represents a rare congenital anomaly in the medial region of the orbit caused by distal obstruction (Hasner valve)
and proximal (valve Rosenmüller) of the lacrimal system causing dilation of the lacrimal sac. Mucocele is called when the content is
mucus and amniocele when the content is filled with amniótico fluid. The incidence is only 0.1% in children with nasolacrimal duct
obstruction. It is commonly unilateral and more frequent in women with familial predisposition.
The diagnosis is made by clinical features: tense cystic lesion below the medial canthal tendon, blue-gray, pink or red color with
epiphora since birth. However we can use image tests to diagnose this congenital anomaly such as tomography computerized, magnetic
resonance and ultrasonography.
Keywords: Lacrimal duct obstruction/diagnosis; Lacrimal duct obstruction/congenital; Lacrimal duct obstruction/therapy Lacrimal duct obstruction/ultrasonography; Epidermal cyst; Dermoid cyst; Case reports
1
2
3
Programa de pós-graduação (doutorado) do Setor de Vias Lacrimais da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil;
Programa de pós-graduação (doutorado) da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil;
Setor de vias lacrimais da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
Trabalho realizado no Setor de Vias Lacrimais da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil
Os autores declaram não haver conflitos de interesse
Recebido para publicação em 17/10/2011 - Aceito para publicação em 02/03/2012.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 243-5
244
Lorena SHT, Gonçalves ED, Silva JAF
INTRODUÇÃO
A
dacriocistocele representa uma rara anomalia congênita da região medial da órbita(1), causada pela obstrução distal (ao nível da válvula de Hasner) e proximal
(ao nível da válvula de Rosenmüller) da via lacrimal, com
subsequente dilatação do saco lacrimal. Recebe o nome de
mucocele, quando seu conteúdo representa muco, ou amniocele,
quando o seu conteúdo é preenchido por fluido amniótico. Acomete somente 0.1% das crianças com obstrução do ducto
lácrimonasal, sendo comumente unilateral e mais freqüente no
sexo feminino e com predisposição familiar(1-3).
O diagnóstico é realizado pelas características clínicas(4,5):
lesão cística tensa,abaixo do tendão cantal medial, de coloração
azul-acinzentada, rósea ou vermelha acompanhada por epífora
desde o nascimento. No entanto podemos utilizar dos exames de
imagem para diagnosticar esta anomalia congênita tais como:
tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrasom(6-9). O cisto é perfeitamente visível na ecografia pré-natal(10,11) sob forma de área líquida anecogênica localizada na borda
medial da cavidade orbitária, não havendo comunicação com o
crânio e bulbo ocular. É observada no último trimestre da gestação. A resolução espontânea ocorre em 50% dos casos antes do
nascimento. As complicações pós-natal são (12-14) : epífora,
dacriocistite, conjuntivite, celulite e desconforto respiratório.
Outras doenças que pertencem ao diagnóstico diferencial são:
meningoencefaloceles anteriores ou posteriores, hemangioma,
cisto epidermóide, cisto dermóide, glioma nasal e linfangioma.
O tratamento da dacriocistocele congênita é controverso(15,16). Inicialmente tratamos com a massagem de Crigler(17),
antibióticos tópico e sistêmico e compressas mornas. Devido a
dacriocistocele ter grande tendência à se infeccionar, realizamos a profilaxia através da antibióticoterapia. Caso não haja
resposta favorável com o tratamento conservador após algumas
semanas, realiza-se a sondagem da via lacrimal. No caso em que
não há resolução com a primeira sondagem devemos proceder a
sondagem com entubação com silicone, dacriocistoplastia por
balão ou a marsupialização cirúrgica do cisto nasolacrimal.
O oftalmologista deve estar atento para a sintomatologia
de obstrução nasal, ocasionando desconforto respiratório, uma
vez que a criança pode correr risco de vida. Nestes casos é recomendada a sondagem com marsupialização do cisto nasolacrimal.
No caso de dacriocistocele que evolui para dacriocistite aguda é
importante a recomendação da antibióticoterapia sistêmica a fim
de evitar complicações graves como meningites, abscesso cerebral e sepsis.
RELATO
DE
CASO
Criança acompanhada no setor de vias lacrimais da
UNIFESP desde 7 dias de idade, sexo feminino, branca, natural
e procedente de São Paulo, com dacriocistocele congênita do
lado direito (figura 1). Ao exame oftalmológico, apresentava na
inspeção e palpação: lesão cística tensa, abaixo do tendão cantal
medial, de coloração azul-acinzentada, acompanhada por epífora
desde o nascimento. Na biomicroscopia: ausência de secreção
mucopurulenta e de hiperemia em conjuntiva bulbar do olho direito, teste de Milder +++. O teste de observação da fluoresceína
na orofaringe teve resultado negativo.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 243-5
Figura 1: Fotografia parcial da face da criança com dacriocistocele
congênita do lado direito
O laudo da ultrassonografia ocular (figura 2) foi lesão
orbitária pré-septal, em canto medial, apresentando formato arredondado, bem delimitado, com conteúdo hipoecogênico. As dimensões foram diâmetro ântero-posterior=3.1 mm; base vertical=3.6 mm e horizontal=2.9 mm. Não havendo evidência de
extensão posterior da lesão ou de comunicação com o globo ocular. Hipótese diagnóstica; compatível com dacriocistocele.
Figura 2: Ultrassonografia ocular direita
A criança foi submetida ao tratamento conservador, através da massagem de Crigler, compressas mornas e
antibioticoterapia sistêmica (cefalexina em suspensão 250 mg/
5ml, 2ml 6/6 h por 7 dias). Houve resolução da doença após 4
semanas.
DISCUSSÃO
A dacriocistocele ocorre devido ao represamento de líquido amniótico no interior do saco lacrimal (amniotocele), promovendo a sua distenção e que é nitidamente visível na ecografia
pré-natal, no último trimestre da gestação, sob forma de área cística
líquida anecogênica, situada na borda interna da cavidade
orbitária(18). Entretanto, o líquido amniótico somente não é capaz
de distender o saco lacrimal, especialmente quando se nota este
abaulamento dias após o nascimento. A literatura usa o termo
mucocele, quando o saco lacrimal é preenchido por muco. É mais
provável que a combinação de muco, líquido amniótico, lágrima e
a proliferação bacteriana sejam responsáveis pela distensão do
Dacriocistocele congênita: relato de caso e conduta
saco lacrimal, porém o conteúdo é frequentemente estéril(19).
No recém-nascido, o diagnóstico da dacriocistocele faz-se
pela observação clínica. Pode ser necessário recorrer a exames
complementares para elucidar o diagnóstico como: transiluminação,
ecografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética,
dacriocistografia e rinoscopia. A ressonância magnética permite
caracterizar o conteúdo da lesão enquanto que a tomografia detecta alterações ósseas do ducto lácrimonasal(20).
A visualização pré-natal da dacriocistocele por ecografia e
ecodoppler, possibilita a identificação de malformações associadas(21).
A extensão cística da dacriocistocele para a cavidade nasal não é incomum, podendo ocasionar dificuldade respiratória
durante o sono e amamentação nos casos bilaterais, logo a
rinoscopia deve ser realizada pelo otorrinolaringologista, em
todas as crianças com dacriocistocele congênita, a fim de excluir
a coexistência de cisto intranasal(22).
O tratamento da dacriocistocele é controverso. A literatura aconselha inicialmente o tratamento conservador(massagem
compressiva do saco lacrimal,antibióticoterapia tópica e/ou
sistêmica) durante os primeiros meses de vida(23-25). A sondagem
da via lacrimal é recomendada quando não houver resolução
com o tratamento conservador, na presença de severa infecção
ou desenvolvimento de dificuldade respiratória(26,27). Segundo a
literatura, a sondagem precoce evitaria infecções e
seqüelas(distorção dos tecidos do canto interno, indução de
astigmatismo corneano e ambliopia anisometrópica)(28).
Nos casos de presença de cisto intranasal pode ser necessário a colaboração do otorrinolaringologista para a
marsupialização do cisto(29,30).
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Autor correspondente:
Silvia Helena Tavares Lorena
Rua Flórida, nº 1404 – Brooklin
CEP:04561-030 – São Paulo (SP), Brasil
E-mail: [email protected]
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 243-5
RELATO DE CASO
246
Ptose palpebral causada por
Paquidermoperiostose
Palpebral ptosis caused by Pachydermoperiostosis
Patricia Regina de Pinho Tavares¹, Eduardo de Castro Miranda Diniz¹, Thomaz Fracon de Oliveira¹,
Mariana Rezende de Oliveira², Ícaro Perez Soares¹.
RESUMO
A paquidermoperiostose é uma síndrome caracterizada por acometimento cutâneo e ósseo, e em alguns casos ocorre comprometimento palpebral leve. É uma síndrome rara, idiopática ou hereditária, com provável herança autossômica dominante de penetrância
variável. Descreve-se o caso de um paciente com ptose grave por paquidermoperiostose elucidando sua fisiopatologia e conduta
cirúrgica aplicada.
Descritores: Blefaroptose/fisiopatologia; Blefaroptose/cirurgia; Osteoartropatia hipertrófica primária/etiologia; Relatos de
casos
ABSTRACT
Pachydermoperiostosis is a rare disorder characterized by the involvement of skin and bone, and in some cases it can have a mild
adverse effect in the eyelid. Although the etiology is still unclear, idiopathic or hereditary cases, in an autossomal dominant inheritance,
have been reported. This study is a case report of a patient with severe blepharoptosis due to pachydermoperiostosis, which describes the
surgical procedure and the physiopathology of the condition.
Keywords: Blepharoptosis/physiopathology; Blepharoptosis/surgery; Osteoarthropathy, primary hypertrophic/etiology; Case reports
1
2
Departamento de Plástica Ocular do Centro Oftalmológico de Minas Gerais - Belo Horizonte (MG), Brasil;
Departamento de Plástica Ocular da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte – Belo Horizonte (MG), Brasil.
Departamento de Plástica do Centro Oftalmológico de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil
Os autores declaram não haver conflitos de interesse
Recebido para publicação em 20/10/2011 - Aceito para publicação em 10/08/2012.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 246-8
Ptose palpebral causada por Paquidermoperiostose: relato de caso
247
INTRODUÇÃO
A
osteoartropatia hipertrófica primária (OHP) ou
paquidermoperiostose é uma síndrome rara
caracterizada por baqueteamento digital, periostose
(neoformação óssea no periósteo e edema de tecido periarticular)
especialmente nas diáfises distais dos ossos longos e paquidermia
(espessamento da pele facial e do couro cabeludo)(1,2).
Associa-se com dor, poliartrite, características faciais grosseiras, “cutis verticis gyrata”(pregueamento cutâneo da face e
couro cabeludo), seborréia, ptose palpebral discreta, hiperidrose,
acne facial, “pé de elefante”(3,4).
O objetivo do trabalho é relatar o caso de um paciente
com OHP e ptose palpebral grave e descrever o tratamento cirúrgico realizado.
RELATO
DE
CASO
Paciente LB, 31 anos, sexo maculino, procedente de Belo
Horizonte – MG, encaminhado ao Departamento de Plástica
Ocular do Centro Oftalmológico de Minas Gerais com queixa
de dificuldade de abertura de pálpebra esquerda e secreção em
olho esquerdo.
Relatou apresentar diagnóstico de paquidermoperistose
realizado aos 18 anos por reumatologista. História prévia de cirurgia de úlcera gástrica e evidência de persistência de canal
arterial ao ecocardiograma em acompanhamento com
cardiologista que indicou tratamento cirúrgico de tal condição.
Estudo radiológico indicou formação de novo tecido
periostal em extremidades e ossos longos.
Ao exame apresentava cicatriz em pálpebra superior direita e glabela devido ao procedimento cirúrgico realizado em
outro serviço há 8 meses. Acuidade visual era de 20/25 em ambos os olhos com correção.
Havia ptose unilateral esquerda severa (figura 1A). A distância margem palpebral ao reflexo corneano era de 2mm em
olho direito e 0 mm em olho esquerdo. A medida da fenda
palpebral indicava 9mm em olho direito e 2 mm em olho esquerdo. A excursão do levantador da pálpebra superior era de 17
mm em ambos os olhos.
Figura 1B: hipertrofia e aumento da espessura tarsal
Os outros exames oftalmológicos encontravam-se dentro
da normalidade.
Além das alterações oftalmológicas apresentadas, o paciente também apresentava: baqueteamento digital, espessamento
importante de pele com sulcos profundos em couro cabeludo e
características faciais grosseiras, hipertrofia das extremidades e
“pés de elefante”. Queixava-se de dores articulares e dispnéia
ocasional.
O paciente foi submetido à correção cirúrgica da ptose do
OE por meio da ressecção em pentágono de toda a porção lateral da pálpebra superior esquerda e complementada pela
ressecção parcial do tarso-conjuntiva e músculo de Muller
(Fasanela-Servat) à esquerda. Nas pálpebras inferiores foi realizada ressecção de um segmento de toda a espessura das pálpebras inferiores (técnica de Bick) associada à confecção de um
retalho tarsal (tarsal strip) com sua fixação em reborda óssea
orbitária lateral. Foi realizada biópsia palpebral que revelou
hiperplasia das glândulas sebáceas.
Prescrito cetorolaco e lubrificantes para melhora da secreção e reação papilar.
O pós-operatório evoluiu com uma fenda palpebral de 6,5
mm e resultado estético satisfatório para o paciente (figura 2).
Figura 2: um mês de pós-operatório.
DISCUSSÃO
Figura 1A: ptose unilateral severa.
Observava-se também aumento no comprimento vertical
do tarso superior esquerdo e tarsos inferiores, evidenciando uma
hipertrofia e aumento da espessura tarsal (figura 1B) confirmada à biomicroscopia, além de reaçao papilar em conjuntiva tarsal
de olho esquerdo.
A OHP foi descrita primeiramente por Friedreich em 1868
em 2 irmãos e considerada como exemplo de acromegalia(2).
Tourine et al. (1935) definiram as características desta síndrome
como uma entidade única, distinta e enfatizaram as semelhanças entre a síndrome e a osteoartropatia pulmonar(3).
O início da doença tem distribuição bimodal com um pico
no primeiro ano de vida e outro aos 15 anos, coincidindo com o
período de crescimento rápido na puberdade e progride gradualmente nos próximos 5 a 20 anos, quando então se estabiliza(5).
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 246-8
248
Tavares PRP, Diniz ECM, Oliveira TF, Oliveira MR, Soares ÍP
A OHP é mais comum nos afro-americanos e os homens
são consideravelmente mais acometidos do que as mulheres.
Foram descritas 3 formas clínicas da OHP: (1) completa
com paquiperistose e paquidermia das exteremidades e couro
cabeludo e baqueteamento digital; (2) incompleta com alterações ósseas sem cutis verticys gyrata (paquidermia apenas das
extremidades ou face sem comprometimento do couro cabeludo); e (3) frusta com um ou mais achados cutâneos, porém mínimas ou sem anormalidades ósseas.
A OHP também pode ser dividida em 2 formas:
- Primária que é a paquidemoperistose também chamada
de Síndrome de Touraine-Solente-Gole e forma secundária,
síndrome de Pierre- Maire- Bamberger(6). A forma secundária
está associada a doenças pulmonares crônicas, cardiopatias congênitas hereditárias cianóticas, doenças hepatobiliares e
síndormes paraneoplásicas e a apresentação clínica é mais discreta. Tem início mais tardio, não apresentando ocorrência familiar ou hereditária e as alterações ósseas são mais agudas e dolorosas. Os achados radiográficos têm algumas diferenças. Na
OHP primária a reação periostal irregular e mal definida em
contradiçao ao depósito linear evidenciado na OHP secundária.
O paciente em questão pode ser classificado como forma
completa da OHP, já que existe evidências na literatura de associação entre OHP primária e persistência de canal arterial. MartinezLavin et al. (7), após análise de seus pacientes, concluíram que a
OHP pode ser associada com patência de ducto arterial.
De acordo com trabalhos existentes na literatura, a OHP
tem sido associada com uma variedade de outras desordens como:
patologia gastrointestinal (incluindo carcinoma gástrico, doença
de Chron, doença ulcerosa péptica, gastrite crônica e Doença de
Minetrier); mielofibrose, ginecomastia, neuropatia compressiva,
genitália interna hipoplásica, onicopatia psoriática, anomalias
periodontais e espondilolistese.
As alterações oftalmológicas associadas são blefaroptose
leve, leucoma corneano, distrofia corneana da membrana de
Bowman, formação de catarata e distrofia macular pré-senil(8,9).
A blefaroptose associada à OHP ocorre devido ao espessamento e hipertrofia das placas tarsais que por sua vez se dá
devido à hiperplasia das glândulas de Meibomius, aumento das
glândulas sudoríparas e espessamento da derme. Essas alterações
resultam em um aumento da espessura e do comprimento das pálpebras e a uma ptose de etiologia mecânica que pode ou não estar associada à desinserção da aponeurose do elevador(6,8).
O comprometimento oftalmológico da OHP não é comum
e o nosso paciente apresentava um grau severo de ptose
mecânica. Após revisão da literatura oftalmológica nacional, foi
constatado que existe a descrição apenas de um caso clínico dessa
patologia no Ceará publicado no Arquivos Brasileiros de Oftalmologia em maio/junho 2005. Os trabalhos sobre
Paquidermoperiostose são mais presentes nas especialidades
Reumatologia e Radiologia.
A correção da blefaroptose deve ser feita com ressecção
tarsal em pentágono para encurtamento horizontal da pálpebra superior e caso necessário, reinserção da aponeurose do
levantador. Em nosso caso associamos ao conjuntivo-tarsoMüllerectomia, que reduziu o tamanho vertical do tarso, associado à técnica de Bick, que forneceu encurtamento horizontal. Propusemos também, de forma complementar, a ressecção
da aponeurose do elevador da pálpebra, sugerido por Alves et
al.(6), porém o paciente já se encontrava satisfeito com o resultado alcançado.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 246-8
A fisiopatologia da OHP ainda é pouco conhecida mas
apenas o fator genético é confirmado. Uma hipótese seria o defeito primário intrínseco das plaquetas que poderia facilitar a
degranulação e liberação dos fatores de crescimento (1,2). Outros
fatores etiológicos propostos incluem influências genéticas, anormalidades na atividade de fibroblastos ou alterações no fluxo
sanguíneo periférico(10).
Diagnóstico diferencial pode ser feito com acromegalia,
doenças que evoluem com alterações faciais grosseiras (facies
leoniana da hanseníase, mixedema, sífilis congênita); doenças que
produzem periostites siméticas (linfoma, leishmaniose difusa,
artrite reumatóide, osteomielite crônica, doença de Paget)(2).
O tratamento normalmente é feito com analgésicos e antiinflamatórios não hormonais ou corticóides para alívio da
poliartrite associada. Em alguns casos pode-se realizar vagotomia
para melhora da dor articular. Bifosfonato pode ser uma solução
quando as demais terapêuticas falharam. O uso dos bloqueadores
do sistema nervoso simpático e a simpatectomia são descritos
para melhora apenas da hiperidrose. A cirurgia plástica é realizada com o objetivo de melhorar a estética da face e couro cabeludo. Pode-se fazer excisão da pele redundante e rugas profundas através da ritidectomia.
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Autor correspondente:
Patrícia Regina de Pinho Tavares
Rua Alvarenga Peixoto, nº 580 - apto. 401 – Lourdes
CEP 30180-120 – Belo Horizonte (MG), Brasil
Tel: (31) 3657-3583 / (31) 8891-8537
Email:[email protected]
ERRATA
249
No artigo Victor G, Nosé W, Souza SJ, Pineda R, Alves MR. Analysis of low-energy and high-frequency femtosecond laser for
the construction of deep anterior donor corneal lamellae. Rev Bras Oftalmol. 2014;73(2): 71-4, para afiliações leia-se:
Gustavo Victor1, Walton Nosé2, Sidney Julio de Faria e Sousa3, Roberto Pineda4, Milton Ruiz Alves1
Department of Ophthalmology, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brazil;
Department of Ophthalmology, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brazil;
3
Department of Ophthalmology, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Brazil;
4
Department of Ophthalmology, Harvard Medical School, Boston, MA. EUA.
1
2
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 249
250
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estruturado, Descritores; Abstract, Keywords, Introdução, Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão e Referências.
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 250-2
B) Segunda folha
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estruturado (Objetivo, Métodos, Resultados, Conclusão), ressaltando os dados mais significativos do trabalho. Para Relatos de
Caso, Revisões ou Atualizações, o resumo não deverá ser
estruturado. Abaixo do resumo, especificar no mínimo cinco e no
máximo dez descritores (Keywords) que definam o assunto do
trabalho. Os descritores deverão ser baseados no DeCS Descritores em Ciências da Saúde - disponível no endereço eletrônico http://decs.bvs.br/
Abaixo do Resumo, indicar, para os Ensaios Clínicos, o número de registro na base de Ensaios Clínicos (http://clinicaltrials.gov)*
C) Texto
Deverá obedecer rigorosamente a estrutura para cada categoria de manuscrito.
Em todas as categorias de manuscrito, a citação dos autores
no texto deverá ser numérica e sequencial, utilizando algarismos
arábicos entre parênteses e sobrescritos. As citações no texto deverão ser numeradas sequencialmente em números arábicos sobrepostos, devendo evitar a citação nominal dos autores.
Introdução: Deve ser breve, conter e explicar os objetivos e
o motivo do trabalho.
251
Métodos: Deve conter informação suficiente para saber-se o
que foi feito e como foi feito. A descrição deve ser clara e suficiente para que outro pesquisador possa reproduzir ou dar continuidade ao estudo. Descrever a metodologia estatística empregada com detalhes suficientes para permitir que qualquer leitor
com razoável conhecimento sobre o tema e o acesso aos dados
originais possa verificar os resultados apresentados. Evitar o uso
de termos imprecisos tais como: aleatório, normal, significativo,
importante, aceitável, sem defini-los. Os resultados da pesquisa
devem ser relatados neste capítulo em seqüência lógica e de maneira concisa.
Informação sobre o manejo da dor pós-operatório, tanto em
humanos como em animais, deve ser relatada no texto (Resolução nº 196/96, do Ministério da Saúde e Normas Internacionais
de Proteção aos Animais).
Resultados: Sempre que possível devem ser apresentados em
Tabelas, Gráficos ou Figuras.
Discussão: Todos os resultados do trabalho devem ser discutidos e comparados com a literatura pertinente.
Conclusão: Devem ser baseadas nos resultados obtidos.
Agradecimentos: Devem ser incluídos colaborações de pessoas, instituições ou agradecimento por apoio financeiro, auxílios técnicos, que mereçam reconhecimento, mas não justificam a
inclusão como autor.
Referências: Devem ser atualizadas contendo, preferencialmente, os trabalhos mais relevantes publicados, nos últimos cinco anos, sobre o tema. Não deve conter trabalhos não referidos
no texto. Quando pertinente, é recomendável incluir trabalhos
publicados na RBO. As referências deverão ser numeradas consecutivamente, na ordem em que são mencionadas no texto e
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seguir o formato denominado “Vancouver Style”, conforme modelos abaixo. Os títulos dos periódicos deverão ser abreviados de
acordo com o estilo apresentado pela National Library of
Medicine, disponível, na “List of Journal Indexed in Index
medicus” no endereço eletrônico: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/
entrez/query.fcgi?db=journals.
Para todas as referências, citar todos os autores até seis. Quando em número maior, citar os seis primeiros autores seguidos da
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Livros:
Yamane R. Semiologia ocular. 2a ed. Rio de Janeiro: Cultura
Médica; 2003.
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Oréfice F, Boratto LM. Biomicroscopia. In: Yamane R.
Semiologia ocular. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Cultura Médica; 2003.
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Cronemberger S. Contribuição para o estudo de alguns aspectos da aniridia [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São
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Legendas: Imprimir as legendas usando espaço duplo, acompanhando as respectivas figuras (gráficos, fotografias e ilustrações) e tabelas. Cada legenda deve ser numerada em algarismos
arábicos, correspondendo as suas citações no texto.
Abreviaturas e Siglas: Devem ser precedidas do nome completo quando citadas pela primeira vez no texto ou nas legendas
das tabelas e figuras.
Se as ilustrações já tiverem sido publicadas, deverão vir acompanhadas de autorização por escrito do autor ou editor, constando a fonte de referência onde foi publicada.
O texto deve ser impresso em computador, em espaço duplo,
papel branco, no formato 210mm x 297mm ou A4, em páginas
separadas e numeradas, com margens de 3cm e com letras de
tamanho que facilite a leitura (recomendamos as de nº 14). O
original deve ser encaminhado em uma via, acompanhado de
CD, com versão do manuscrito, com respectivas ilustrações,
digitado no programa “Word for Windows 6.0.
A Revista Brasileira de Oftalmologia reserva o direito de não
aceitar para avaliação os artigos que não preencham os critérios
acima formulados.
Versão português-inglês: Seguindo os padrões dos principais
periódicos mundiais, a Revista Brasileira de Oftalmologia contará
com uma versão eletrônica em inglês de todas as edições. Desta
forma a revista impressa continuará a ser em português e a versão
eletrônica será em inglês.
A Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Sociedade Brasileira
de Catarata e Implantes Intraoculares e Sociedade Brasileira de
Cirurgia Refrativa, se comprometem a custear a tradução dos
artigos para língua inglesa, porém seus autores uma vez que
tenham aprovado seus artigos se disponham a traduzir a versão
final para o inglês, está será publicada na versão eletrônica
antecipadamente a publicação impressa (ahead of print).
* Nota importante: A “Revista Brasileira de Oftalmologia” em
apoio às políticas para registro de ensaios clínicos da Organização
Mundial de Saúde (OMS) e do Intemational Committee of Medical
Joumal Editors (ICMJE), reconhecendo a importância dessas
iniciativas para o registro e divulgação internacional de
informação sobre estudos clínicos, em acesso somente aceitará
para publicação, a partir de 2008, os artigos de pesquisas clínicas
que tenham recebido um número de identificação em um dos
Registros de Ensaios Clínicos validados pelos critérios
estabelecidos pela OMS e ICMJE, disponível no endereço: http:/
/clinicaltrials.gov ou
no site do Pubmed, no item
<ClinicalTrials.gov>.
O número de identificação deverá ser registrado abaixo do
resumo.
Os trabalhos poderão ser submetidos pela Internet, pelo site rbo.emnuvens.com.br
Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 250-2
252
Revista
Brasileira de
Oftalmologia
Declaração dos Autores (é necessária a assinatura de todos os autores)
Em consideração ao fato de que a Sociedade Brasileira de Oftalmologia está interessada em editar o manuscrito a ela encaminhado pelo(s) o(s) autor(es) abaixo subscrito(s), transfere(m) a partir da presente data todos os direitos autorais para a Sociedade Brasileira de Oftalmologia em caso de publicação pela Revista Brasileira de Oftalmologia do manuscrito............................................................. . Os direitos autorais compreendem qualquer e todas as formas de publicação, tais como na
mídia eletrônica, por exemplo. O(s) autor (es) declara (m) que o manuscrito não contém, até onde é de conhecimento do(s) mesmo(s),
nenhum material difamatório ou ilegal, que infrinja a legislação brasileira de direitos autorais.
Certificam que, dentro da área de especialidade, participaram cientemente deste estudo para assumir a responsabilidade por
ele e aceitar suas conclusões.
Certificam que, com a presente carta, descartam qualquer possível conflito financeiro ou de interesse que possa ter com o
assunto tratado nesse manuscrito.
Título do Manuscrito___________________________________________________________________________
Nome dos Autores_______________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________________
Minha assinatura abaixo indica minha total concordância com as três declarações acima.
Data____________Assinatura do Autor____________________________________________________________
Data____________Assinatura do Autor____________________________________________________________
Data____________Assinatura do Autor_____________________________________________________________
Data____________Assinatura do Autor_____________________________________________________________
Data____________Assinatura do Autor____________________________________________________________
Data____________Assinatura do Autor_____________________________________________________________
Rev Bras Oftalmol. 2013; 73 (4): 250-2
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