BAIXAS VISUAIS CRÔNICAS GLAUCOMA PRIMÁRIO DE ÂNGULO ABERTO 1 Rafael Dias Marques Nogueira 2 Bruno Fortaleza de Aquino Ferreira 2 Hugo Siquera Robert Pinto OBJETIVOS DE APRENDIZADO Conhecer fa tores de ri s co e fi s i opa tol ogi a ; Identi fi ca r pa ci entes com perfi l de ri s co a tra vés de hi s tóri a e exa mes cl íni cos ; Reconhecer alterações fundoscópicas, realizando diagnóstico diferencial com outras ca usas de a trofia de nervo ópti co; Entender pri ncípi os do tra ta mento cl íni co e ci rúrgi co. RELEVÂNCIA O gl a ucoma é a principal causa de cegueira irreversível no mundo, ocupando o segun do l uga r dentre toda s a s ca us a s . O gl a ucoma primário de ângulo aberto é o tipo mais comum (90%). Trata-se de uma doença i nsidiosa, podendo-s e, contudo, evi ta r s ua progressão quando pacientes de ri sco são i dentificados e encaminhados para a valiação e tra tamento especia l i za dos precoce. INFORMAÇÕES GERAIS Gl a ucoma primário de ângul o a berto (GPAA) é uma neuropatia óptica progressiva, ca racterizada por aumento da es ca va çã o do di s co ópti co (perda de fi bra s nervos a s ) a s s oci a do a défi ci t vi s ua l . FISIOPATOLOGIA Nã o s e s a be a i nda a o certo o que provoca a neuropa ti a encontra da no gl a ucoma . Supõem -s e que a hi pertensão ocular prejudi ca o fl uxo s a nguíneo reti ni a no , ca us ando prejuízo gradual a células ganglionares e a xônios da reti na com progressiva perda do ca mpo visual (CV), podendo ter como res ul ta do fi na l ceguei ra . O humor a quoso está em cons ta nte produçã o pel o corpo ci liar na câ mara pos teri or. Atra vés da pupi l a , es coa pa ra a câ ma ra a nteri or a té a l ca nça r a rede tra becul a r, l oca lizada no â ngulo i ridocorneano, s eguindo para o ca nal de Schl emm e para o s i s tema venos o (vi a convenci ona l ). Há a i nda uma vi a acessória através de ca nais na íris e nos corpos ci l iares, responsável por 10-20% do processo de drenagem do humor a quos o (uveoes cl era l ). O des equi l íbri o entre a produção do humor a quos o pel os proces s os ci l i a re s e a drena gem tra becul a r el eva a pres s ã o i ntra ocul a r. FATORES DE RISCO A hi pertensão ocular, i sto é, pressão i ntraocular (PIO) ma i or que 20-22mmHg, é o pri nci pa l fa tor de ri s co pa ra gl a ucoma , s endo tã o ma i or o ri s co qua nto ma i or a PIO. Outros fa tores de risco incluem hipertensão a rterial s istêmica 1. PROFESSOR DA DISCIPLINA DE OFTALMOLOGIA – UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ 2. ACADÊMICO DE MEDICINA – UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (HAS), di abetes mellitus (DM), us o crôni co de corti coi des , ra ça negra ou asiá ti ca , a ntecedente pes s oa l ou fa mi l i a r, predi s pos i çã o genéti ca e mi opi a – QUADRO 1. QUADRO 1. FATORES DE RISCO PARA GLAUCOMA PRIMÁRIO DE ÂNGULO ABERTO. Fator de risco Comentário PIO elevada PIO média ao diagnóstico = 23-24mmHg Aumenta em até seis vezes a incidência de glaucoma HAS Presente em 2/3 dos casos DM Presente em 1/3 dos casos Uso de corticoide Tópico ou sistêmico História familiar Em parentes de 1º grau Outros Negros, asiáticos e miopia PIO = Pressão intraocular; HAS = Hipertensão arterial sistêmica; DM = Diabetes mellitus. GPAA com PIO normal Cerca de 10-30% dos glaucomas são diagnosticados com PIO normal (15 16mmHg). Metade dos casos associa-se com HAS e 20% com DM. Para firmar o diagnóstico, primeiramente deve-se excluir glaucoma primário de ângulo aberto com episódio de PIO normal (variação circadiana) e episódio prévio de elevação da PIO (pode ocorrer neuropatia mesmo com a PIO normal). O tratamento consiste na redução da PIO, que está inadequada para o olho, e na reversão da causa base: antagonistas dos canais de cálcio (vasoespasmos) e regulagem de anti-hipertensivas. Se o tratamento conservador não reduzir em 25% a PIO, está indicado cirurgia. TEXTO REVISADO EM 18/02/2013. DISCIPLINA DE OFTALMOLOGIA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ ABORDAGEM AO PACIENTE MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS CONDUTA O gl a ucoma pode permanecer s ubclíni co por tempo prol ongado mesmo na presença de neuropa ti a . Qua ndo há queixas, gera l mente já ocorreu l es ã o ópti ca i rrevers ível , torna ndo importante o screening em pacientes com fa tores de ri s co – QUADRO 1. A perda vi s ua l é bi l a tera l , a s s i métri ca e i ndol or, i ni cialmente com apareci mento de es cotoma s , evol ui ndo pa ra perda do CV periférico e vi são em túnel (tunel i za çã o). EXAME CLÍNICO Palpação. A pa l pação di gi ta l s i mul tâ nea dos ol ho pode revel a r cons i s tênci a pé trea , s ugeri ndo PIO mui to el eva da . Campimetria de confrontação. A ma ni festação clínica ma i s precocemente detectada é o a pa reci mento de défi ci t vi s ual persistente no CV em pa ci ente previ a mente hígi do . Fundoscopia. Com a progres s ã o da doença , há a umento da esca va çã o do di s co ópti co (a ci ma de 50% do di â metro papilar), por perda de fibras nervosas. Geralmente, a es cavação é assimétrica comparada ao olho contra l a tera l . Es s a a l tera çã o é ma i s precoce que a perda de CV. O tra ta mento padrão é o control e ri goros o da PIO, fa tor de risco mais relevante para a progres s ã o da doença . Mes mo alcançando a PIO a lvo (< 21mmHg), deve -s e fa zer o s egui mento com tonometri a , poi s a PIO p ode va ri a r a qua lquer momento, e ca mpimetria, para avaliar a progressão da doença . O control e da PIO é fei to gera l mente com fá rma cos – QUADRO 2. Qua ndo refra tá ri a , pode-s e tenta r tera pi a ci rúrgi ca a tra vés de tra becul opl a s ti a ou tra becul ectomi a . QUADRO 2. FÁRMACOS ANTIGLAUCOMATOSO S. Fármaco Comentário Inibidores adrenérgicos (Ex.: timolol) Agem no músculo ciliar, reduzindo a produção do humor aquoso. Indivíduos com íris mais escuras necessitam de doses mais elevadas. Efeitos adversos sistêmicos são mais frequentes que locais e podem ser evitados pela compressão da carúncula logo após pingar o colírio. Agonistas adrenérgicos (Ex.: brimonidina) São estimulantes alfa e beta que agem em duas fases. Inicialmente, ocorre vasoconstrição por ação alfa agonista, reduzindo a produção de humor aquoso. Em um segundo momento, quando os efeitos vasoconstritores e midriáticos passam, ocorre aumento da drenagem do humor aquoso pela via úveoescleral, por ação beta agonista. Efeito semelhante aos não seletivos. Pode causar boca seca, hiperemia e desconforto ocular. Agonistas colinérgicos Parasimpaticomiméticos melhoram o escoamento do aquoso por contratura do músculo ciliar e (GPAA) e pelo efeito miótico no ângulo fechado. Pode causar miopia induzida, miose, dor frontal e ceratite. Inibidores da anidrase carbônica (Ex.: acetazolamida) São drogas de uso sistêmico que redução a produção aquosa. Muitos efeitos adversos impedem seu uso a longo prazo. Localmente podem causar miose. Os efeitos adversos sistêmicos são comuns e levam à suspensão da droga. Aumento da freqüência urinária e parestesias em mãos, pés e boca são sentidas por quase todos os pacientes, entretanto geralmente são transitórios. Agentes hiperosmoticos (Ex.: manitol) Usados para reduzir a PIO a curto prazo, por isso são largamente utilizados na emergência (glaucoma agudo). O mecanismo é a redução do volume vítreo. Derivados das prostaglandinas (Ex.: latatonoprost) Reduz a PIO por aumento do escoamento uveoescleral. Apresenta efeito semelhante ou melhor que os betabloqueadores. Pode causar hiperemia, crescimento dos cílios e alteração da cor da íris. Gonioscopia É o exame padrão-ouro para analisar o ângulo iridocorneano e confirmar ângulo aberto. É realizado observando-se a câmara anterior através da lente de goldman com auxílio da lâmpada de fenda. Tonometria Permite aferir a PIO, o mais importante fator de risco relacionado ao glaucoma. A PIO tem uma variação diurna fisiológica, deve-se atentar para medições isoladas, pois podem não corresponder ao pico da PIO. Além disso, até 30% dos pacientes podem apresentar PIO normal na presença de GPAA. O método mais utilizado é a tonometria de aplanação através do tonômetro de Goldmann. Campimetria computadorizada É o método de escolha para avaliar o campo visual. Apesar a perda de CV não ser a alteração mais precoce, ocorrendo em geral com lesão de 40% das fibras), é imprescindível para diagnóstico e seguimento. DIAGNÓSTICO O di agnóstico de glaucoma é s ugerido pel a hi s tóri a cl íni ca, correlacionando-a à morfologia da papila e à perda de CV. A pa rti r dos 40 a nos , todos os i ndi víduos deveri a m rea lizar screening para glaucoma com medi çã o da PIO pel a tonometria e análise do disco óptico pelo exame de fundo de ol ho (ba s ta nte i mporta nte, uma vez que pode ha ver gl a ucoma com pressão normal). Desse modo, é i mportante o enca mi nha mento precoce des s es i ndi víduos a o ofta l mologista, especialmente a queles com fa tores de ri s co. PIO = Pressão intraocular. COMPLICAÇÕES Sem tra ta mento ou com tra ta mento i nefi ca z, a doença progri de, com perda de ma i s fi bra s nervos a s , res ultando em maior déficit de campo vi sual, atrofia do nervo ópti co e ceguei ra . GLAUCOMA PRIMÁRIO DE ÂNGULO ABERTO | 37 DISCIPLINA DE OFTALMOLOGIA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ REFERÊNCIAS 1. KANSKI, J. J. Oftalmologia clínica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 2. REY, L. Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde . Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. 3. VILELA M. 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Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, São Paulo, v. 65, n. 3, Jun. 2002. Disponível em <http://www.scielo .br/sci elo.php?script =sci_artt ext&pid =S0004 -27492002000300010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 08 Nov. 2012. GLAUCOMA PRIMÁRIO DE ÂNGULO ABERTO | 38