capítulo 27 A MONARQUIA NA tRANCA A organização da monarquia A dinastia Capetíngia 1. A centralização política na França. Desde 987 a França era governada por reis de uma nova dinastia, a dos Capetos, que substituiu a velha linhagem carolíngia, e que durante muito tempo continuaram sendo senhores feudais como quaisquer outros, vivendo essencialmente da renda proporcionada por seus domínios - o ducado da França. O rei era então o suserano supremo - portanto nominalmente superior a todos os grandes e pequenos nobres da França -, mas existiam entre os seus vassalos senhores mais poderosos do que ele. No século XII, a França tinha teoricamente a mesma dimensão com que ficara após o Tratado de Verdun (843), que havia dividido o Império Carolíngio entre os três netos de Carlos Magno. Na prática, .a.França .me-. .dievalestava territorialmente fragmentada e polui, camente descentralizada. A uJJjfkaçãQ1eIritorLale_a_centralizaç.ào-Política francesa foram.conduzidas.por.meio não só de _casamentos neoociados_f. bt-Ianças, mas também e priDCi]2al11.lentepor meio de_guerras. Os primeiros passos em direção à unidade territorial foram dados pelos reis Filipe Augusto 0180-1223) e Filipe, o Belo 0285-1314), e os principais obstáculos . .3.-e55aunidade foram colocados pela Inglaten:a.e .pelo ducado da Borgonha, .ontra osqnaisIutaram os.reis francesesdurante a Guerra dos Cem Anos 0337-1453J. Quarenta anos depois do fim da Guerra dos Cem Anos, ,Carlo? VIII 0483-1498) reivindicou o Essa dinastia francesa foi iniciada por Hugo Capeto (987-996), que depois de coroado teve de enfrentar seus rivais carolíngios para manter-se no trono. Apoiado pelos grandes senhores, teve sucesso na indicação de seu filho como sucessor. Este, Roberto, o Piedoso (9961031), enfrentou a hostilidade da Igreja por haver se casado três vezes, a fim de ter um herdeiro varão, e lutou contra o usurpador do ducado da Borgonha, conquistando-o. A esses dois reis seguiram-se Henrique I O 031-1060), que concedeu a Borgonha ao seu irmão; Filipe I (10601108); Luís VI, o Gordo 0108-113 7); Luís VII (1137-1180); Filipe Augusto, ou Filipe II 01801223); Luís VIII (1223-1226); Luís IX (12261270); Filipe III (1270-1285); Filipe IV, o Belo 0285-1314); Luís X (1314-1316); Filipe V (1316-1322); Carlos IV (1322-1328), o último rei da dinastia. trono de lápoles. Passando das palavras à ação, desencadeou em 1494 as Guerras da Itália, Essa pretensão francesa, sustentada pelos sucessores de Carlos VIII, gerou um conflito de grandes proporções quando Carlos de Habsburgo (Carlos V) foi CAPíTULO 27. eleito imperador, em 1.512"Na França, reinava por esse tempo Francisco I (1515-1547), principal inimigo do novo imperador. Não era para menos. CarIosde Habsburgo era detentor de um vastíssimo domínio, que cercava a França por todos os lados. Ele havia herdado de seu pai os Países Baixos e o Franco-Condado; de Fernando de Aragão recebera a Espanha, as colônias americanas e Nápoles e Sicília na Itália; e de seu avô paterno, Maximiliano de 26 Habsburgo, da Áustria, recebera os territórios alemães (veja o mapa da página 256). De início, o confronto foi desastroso para a França.Mas a situação se inverteu a partir de 1-30. quando Carlos V passou a enfrentar dificuldades crescentes com o luteranismo, cujos partidários haviam criado em 1531 a Liga de Smalkalde para resistir às pressões imperiais. Gados V abdicou do nn, no espanho] e imperial em 1556. Abdicoçõo de Corlos V em Bruxelos, pinturo olegórico do século XVI. A Borgonha A Burgúndia, antigo rein~ germânico dos burgúndios, tornou-se, no final do século IX, conhecida por Barganha. Em 1363, o rei francês João II ou João, o Bom, concedeu ao seu quarto filho, Filipe, o Audacioso, a Borgonha, agora convertida em ducado. Filipe casou-se com Margarida de Flandres, incorporando aos seus domínios o condado de Flandres, e, aproveitando-se da confusão da Guerra dos Cem Anos, anexou o condado imperial da Borgonha, que mais tarde ficou conhecido como Franco-Condado. 262 • UNIDADE 4 Uma vez afastada a ameaça representada por de morrer, Henrique III reconheceu Henrique de NaY.ai:.rã-CQIJ1Q.seu súéessor. Mas_estê-só-conseguiu Carlos V, a centralização política continuou avanassumir o trono depois de ter ab- çando no reinado de Francisco I (15 -15-1547), mas correu o risco jurado o protestantismo. AssuEdito de Nantes de.regressão.durante a dilaçeran:_ mindo o nome de Henrique IV (1589-1610), o novo monarca je guerrade rdigiãQ~l1tre cató-_ concedeu aos licos e calvinistas, iniciada em promulgou o Edito de Nantes huguenotes liberdade de (1593), pondo fim ao conflitó~ Por1562 eprolongada até 1593 -.O culto e de consciência, calvinismo começou a se difunmeio desse edito, o Estado conacesso aos cargos cedeu aos huguenotes a liberdadir na França no tempo de Frande de culto e consciência, o acescisco I, e entre seus adeptos, copúblicos e direito de nhecidos na França por hugue- . so aos cargos públicos e o direito manter praças-fortes notes, constava uma parte da node manter praças-fortes para a aupara defesa. breza. O seu líder mais destatodefesa. cado foi Henrique de Navarra, ilirocessQ.~~~!l!rali~ação cunhado do rei Henriqué III (1574-1589), que não qyanç.Q!LYlgo.rnsamente nJuÚDad.Q_cle Luís tinha descendentes. O fato de Henrique de Na(161 0-164 3 L~;Laç.as.-ªº- gQverDOe_nérgico.J:k 5.~1l varra se incluir entre os possíveis sucessores ao _.JIlinistr.o.,..o. cardeal.Richelieu (J624-1642) .. Mas so- . freu outra interrupção durante o período dajneno- ~ trono francês inquietou os católicos e motivou a rídade.de.Luís.XlyU 643-1715), quando QC_Qrreu guerra de religião. Pressionados pelos católicos, chefiados por Henrique de Guise, que ambicionaJlrpa...!lº-yª-_gl,!erI'!fjyJl, com as revoltas conheçigas va o trono, Henrique III viu-se obrigado a unir-se a corno Frondas" (1648-1652), dessa vez contra o .principal.mínístto.;o cardeal Mazzarino (1643Henrique de Navarra. Henrique de Guise e Henrique III foram mortos durante o conflito. Ant~s_ .1661), sucessor indicado por Richelieu. o Xm' Gravura francesa retratando a sangrenta Noite de São Bartolomeu, em que cristãos e protestantes se enfrentaram nas ruas de Paris, em 24 de agosto de 1572. 6O nome Fronda deriva de fronde, um tipo de atiradeira de pedras usada pelos garotos nas brigas de rua. CAPíTULO27. 263 Richelieu e Mazzaríno Quando falamos em absolutismo, não devemos pensar que apenas aos reis cabia esse tipo de governo. Não foram poucos os casos em que figuras próximas dos monarcas possuíram tanto poder quanto eles. Dois cardeais exemplificam bem essa situação: Richelieu e Mazzarino. O primeiro desempenhou papel dos mais importantes durante o governo de Luís XIII, do qual foi o principal conselheiro. O segundo, italiano de nascimento, ingressou na política francesa pela mão de Richelieu. Nomeado cardeal em 1642, com a morte de seu mentor nesse mesmo ano, substituiu-o na função de primeiro-ministro em 1643. 2. O nascimento da administração real. No reinado dos primeiros capetíngios e mesmo no de Filipe Augusto não havia administração no sentido que damos hoje a essa palavra. Os primeiros reis capetos dispunham de um preboste, que cuidava dos senhorios reais e se encarregava da justiça. Havia também a Corte, uma assembléia de todos os vassalos, que era convocada quando o monarca precisava de conselhos ou de ajuda, mas à qual compareciam apenas os pequenos vassalos. Apesar de contar com meios bastante precários.os r~j~tinhal}1-ª.lguns trunfos importantes. Eram coroados tradicionalmente na catedral de Reírns e JJbtados com o óleo sagrado, o que os elevava à con-dição de representantes de Deus na Terra. Sua au- torídade era reforçada pelo apoio da.Jgrej.i!,. e eles sempre fizeram valer os direitos feudais a seu favor. PQr~m, tudo dependia, em última instância, do poder pessoal do monarca. Foi graças ao prestígio pessoal que Filipe Augusto, por exemplo, usou de modo efetivo a sua condição de suserano supremo. Ele obrigava os seus vassalos a lhe prestar homenagem e serviço militar, cobrava os direitos de transmissão de herança, administrava pessoalmente o feudo de seus vassalos em situação de menoridade e até mesmo interditava casamentos de viúvas ou de filhas de seus vassalos, reservando-se o direito de escolher maridos para as mulheres. Coube a Mazzarino assinar o Tratado de Vestfália, em 1648, que pôs fim à Guerra do Trinta Anos (1618-1648), e, com a anexação de terras na Alsácia e Lorena, regiões sob domínio austríaco e alemão, significou a concretização do projeto de expansão territorial que seu antecessor havia concebido. -º_]2.Q.cl~de}vJaz%flrinoj.nc_omodavaQ Parlamente, que ficou ainda mais insatisfeito com a ~riação de um impQsto sobre a propriedade. Esse fato contribuiu para a eclosão .das revoltas denominadas Frondas. No entanto, o cardeal saiu-se fortalecido desses acontecimentos e até 1661, quando morreu, manteve-se como o centro do poder na França. Ser obedecido pelos vassalos, controlando inclusive os casamentos e, portanto, as alianças entre famílias, era o mecanismo feudal com que os reis contavam para o exercício do poder. Porém, à medida que, a partir do reinado de Filipe August~,-ª .!lnifLc_açiI~_ territorial ~_a çe_ntrali~-ªção RQ.líti c.ª.ayap.ç a...E1.ID..,-ª.lgJJlJlílsjns tituiç ões .feu, dais foram ganhand.o fl,;!.nçêle.sadministrativas, ~ outras foram criadas. A Corte, a assembléia dos vassalos, passou a reunir os conselheiros íntimos de Filipe Augusto. Para expedir as ordens dos reis para diversas regiões foi criada a chancelaria, e as rendas reais passaram a ser objeto de atenção específica com o fim de se controlarem os gastos. Nas regiões distantes instalaram-se os bailios, que cuidavam dos interesses reais. Nos territórios recém-conquistados instalaram-se os senescais, com as mesmas funções. No reinado de Luís IX (1226-1270) os bailios e os '~e~~~cais passaram a ser inspecionados por enviados especiais do rei, e a Corte tornou-se um verdadeiro órgão governamental. Em dias especiais, quando se reunia para fazer a justiça, tomava o nome de Parlamento e, em outros, quando se ocupava das finanças reais, ganhava o nome de Corte das Contas. Por esse tempo, :un®arquia co. ,!!~ç...oua ter uma configuração nacionaLe nasceu llJB problema que acabou se. tornando permanente: a falta de recursos. 264 • UNIDADE 4 <>~DolS' 3. As finanças reais. O problema das finanças só se agravou com o tempo. No reinado de Filipe IV, o Belo (1285-1314), havia ficado claro que a administração e os negócios do governo não podiam ser financiados apenas com os recursos retirados dos domínios reais. O rei instituiu então uma série de novos impostos. Um deles originou um sério incidente com a Igreja, que serviu para marcar o progresso do poder real e a sua emancipação dos poderes universais. Algum tempo depois, com a eleição de um bispo francês para ocupar o trono papaI, em 1305, a independência do rei em relação à Igreja ficou ainda mais patente. O novo papa, Clemente V, foi um mero instrumento nas mãos do rei francês, que chegou a transferir a sede do papado de Roma para a cidade francesa de Avignon. Os quase setenta anos em que Avignon permaneceu como capital da cristandade ocidental ficaram conhecidos como Novo Cativeiro da Babilônia (1309-1377)7. Esse confronto da realeza contra o papado testemunhava, por outro lado, a separação que estava ocorrendo entre política e religião. Nesse sentido, era significativo que Filipe, o Belo, começasse a cercar-se de legistas, isto é, estudiosos do Direito romano. O Direito romano ensinava que o Estado era todo-poderoso e que o rei devia ser obedecido em tudo pelos súditos. O mais destacado desses legistas era justamente Guilherme de Nogaret, conselheiro e chanceler (espécie de primeiroministro) de Filipe, o Belo. ~f!i~ T Os impostos de Filipe IV, o Belo O primeiro imposto criado por Filipe, o Belo, recaiu sobre a venda de mercadorias.' De~ pois, em 1296 o rei exigiu do clero francês uma contribuição em dinheiro. Essa exigência abalou as relações entre ele e a Igreja e, após uma série de incidentes, o papa Bonifácio VIII excomungou o monarca. Filipe, o Belo, porém, não se rendeu. Enviou à Itália Guilherme de Nogaret, que se aliou a Sciarra Colonna, chefe de uma família inimiga do papa, e prendeu Bonifácio VIII em Anagni, em 1303. O atentado provocou uma revolta e o papa foi libertado, retomando a Roma. Mas a humilhação sofrida o abalou profundamente, e ele veio a falecer logo depois. No mesmo ano do atentado, Filipe, o Belo, instituiu outra taxa, a fouage, a que ficaram sujeitas todas as casas. O rei impôs ainda outras contribuições, até que decidiu, em 1307, apropriar-se dos bens dos Templários, ordem religiosa fundada na época das Cruzadas e que era, na época de Filipe, à Belo, muito ativa e rica. Foto do palácio de Avignon, no sul da França, que, construido no século XlV,foi sede do papado de 1309 a 1378. 7 O termo refere-se ao Cativeiro da Babilônia (587-537 a.C}, isto é, à destruição judeus para a Babilônia, onde permaneceram até a conquista persa. de Jerusalém pelos babilônios e à deportação dos CAPíTULO 27. Depois de experimentar uma perigosa regresão durante a Guerra dos Cem Anos, o poder real obteve um significativo avanço com Carlos VII (1422-1461). Esse rei, vitorioso na luta contra a Inglaterra, conseguiu estabelecer o pagamento regular de impostos: a talha (sobre a propriedade), as ajudas (sobre mercadorias) e a gabela (sobre o sal). Em 1439 CªrLos Vllreservou exclusivamente a si o direito de recrutar soldados, proibindo a formação de exércitos particulares. Em 1445 criou as companhias de ordenanças (fortalezas com seiscentos cavaleiros cada uma), que foram o embrião de um exército profissional que podia ser mobilizado a qualquer momento. Com o? impostos regular_es ~ o exército prnfissiQIlal,o rei emancipou-se da tradição feudal, que só autorizava o recolhimento de impostos nos do-mínios reais e fazia a formação de um exército depender da prestação de serviço militar por parte dos vassalos. Luís XI (1461-1483), sucessor de Ca~los VII, estava ciente de seu poder e não via obstáculos em impor sempre a sua vontade. Mas ibihO reinado de Francisco] (J2J5-15471.Ç[u~;;-s ~rtiQ!lm'ismüs .feudaís.fcram.efetízamente.supeTaâ.oSe o governo central ganh_ouJJma formiLClaramel}te absolutista. Mas com isso surgiu também - um novo conjunto de problemas. o absolutismo 1. Os problemas gerados pela centralização monárquica. As despesas dos reis, como a de qualquer outro senhor, eram cobertas pelos rendimentos de seus próprios domínios. À medida que o rei unificava o seu território, criava o seu exército e a sua administração, tais fontes de rendimentos mostraram-se insuficientes. Disso decorreu a instituição de impostos diretos e indiretos. Esses impostos, considerados passageiros, tornaram-se permanentes no reinado de Carlos VII. Mesmo instituídos como permanentes.yessesimpostos jamais foram suficientes. Para cõ, rr;çar, o clero, a nobreza e ouirõ"s grupos privile}. giados que detinham a maior parcela da riqueza ;::-.não pagavam impostos. Todo o peso dos impostos recaía sobre os ombros dos mais pobres. Para co-ntornar esse problema, os reis lançavam mão de dois expedientes. Um deles era a criação e a venda de cargos públicos à burguesia enriquecida, e o outro a realização de empréstimos com banquei- 265 ros. Isso tudo desembocava num único e grande problema do absolutismo: o permanente déficit financeiro. O segundo problema decorrente da centralização monárquica era ainsatisfação dos privile.gLaºp.sjpcais. Nas províncias reais, desde Filipe Augusto (1180-1223), a administração estava entregue aos bailios e aos senescais. A venda de cargos e a pressão para torná-Ios hereditários forçou Francisco I a reconhecer essa prática. Todavia, a fim de evitar que os administradores se tornassem excessivamente independentes, ele enviava às províncias reais os comissários, com poderes para controlar os oficiais, donos de seus cargos. No reinado de Luís XIII (1610-1643), o cardeal Richelieu, seu primeiro-ministro, transformou esses comissários em intendentes, ampliando a sua autoridade política, jurídica e financeira. Durante a menoridade de Luís XIV (1643-1715), a insatisfação com o poder central concretizou-se numa generalizada revolta da nobreza, que deu origem às Frondas. O terceiro problema, relacionado diretamente ao caráter do Estado absolutista, consistia na ausência de distinção entre esfera privada e_J?JJ- . blica. . O imposto era pago pela sociedade, mas usado pelo rei como um recurso privado, para atingir objetivos pessoais. Assim, o que o rei recolhia de todos não retomava à sociedade na forma de benefícios públicos ou coletivos. Esses impostos, sem os quais o Estado moderno não existiria, não podiam, entretanto, ser cobrados sem que houvesse reações por parte 'da sociedade. Para poder efetivamente governar, o rei precisava contar com um mínimo de apoio. Por essa razão, desde muito cedo instituíram-se por toda parte órgãos representativos. Foi o caso dos Estados Gerais, reunidos pela primeira vez em 1302, pelo rei Filipe, o Belo, por ocasião de seu conflito com o papa Bonífácío VIII. O cargo de representantes das cidades foi criado em 1317. Os Estados Gerais eram então um órgão consultivo, mas sem funções definidas. Eram convocados pelo soberano toda vez que ele defrontava com uma grande questão ou necessitava desesperadamente de recursos financeiros. No século XVI esse órgão foi ficando cada vez mais importante, conforme os reis passaram a necessitar de mais e mais recursos. Porém, os representantes das cidades começaram: a entrar em conflito com o clero e a nobreza, que eram 266 • UNIDADE 4 privilegiados com a dispensa do pagamento de impostos. Foi um desentendimento desse tipo que fez fracassar a reunião dos Estados Gerais de 1614, a última antes da Revolução Francesa (1789). Entre essas duas datas, 1614 e 1789, situa-se o período áureo do absolutismo na França, cujo ponto alto foi atingido no reinado de Luís XIV (1643 -1715). Tapeçaria francesa em que se vêem LuísXIVe membros de sua corte examinando a planta do edifício dos Inválidos, representado, já construído, ao fundo. 2. Absolutismo: do apogeu ao declínio. Luís XIV contava com um ministro das finanças de grande competência, [ean-Baptiste Colbert, que manteve a economia francesa em grande atividade e deu ao mercantilismo francês um formato peculiar, denominado colbertismo. Porém, os recursos élm.e-ªlbadospelo Estado, graças à boa saúde da economiª"Jºram __consumidos nas.dispendiosas aventura..s...miJitaresde Luís XlV. Tendo por objetivo definir claramente as fronteiras e tomar para si todo o território que pudesse, Luís XIV travou as seguintes guerras: • Guerra de Devolução (1667-1668), feita contra os Países Baixos, reivindicando territórios em nome de sua esposa; • Guerra da Holanda (1672-1679), que lhe valeu a conquista do Franco-Condado; • Guerra da Liga de Augsburgo (1689-1697), realizada, sem resultado positivo, contra inúmeros Estados coligados; • Guerra de Sucessão de Espanha (1700-1714), em que reivindicava o trono espanhol. Assim, Luís XlV entregou.ao.seu sucessor um Estado endividado e cuja situação só se agravou .c.oma retomada dos conflitos: Guerra de Sucessão' da Áustria (1740-1748) e Guerra dos Sete Anos ( 1756-1763), esta desenvolvida em duas frentes ......:.. na América, contra os colonos ingleses, pelo domínio do vale do Ohio, e na Europa, contra a Ingla- 8 terra e o reino da Prússia", A essas despesas acrescentavam-se os gastos supérfluos da corte, os desperdícios na administração e um sistema fiscal ineficiente e injusto. A necessidade de conter os gastQSe refo.rmar o sistema fiscal tornou-se óbvia no reinado de Luís XV (1715-1774), embora nada tenha sido feito nesse sentido. A situação tornou-se explosiva no reinado de Luís XVI (177401792). Para empreender as reformas necessárias, em 1774 o rei nomeou Turgot como controlador-geral das finanças. Mantendose nesse cargo até 1776, Turgot tentou colocar em prática o liberalismo, permitindo a total liberdade dé comércio do trigo, mas não teve êxito e foi demitido. Em seu lugar foi indicado um banqueiro genovês, Necker, que adotou a política de empréstimos para cobrir os déficits crônicos e senotabilizou pela publicação, em 1781, de Prestação de contas, obra em que pela primeira vez foi revelado publicamente o estado das finanças, assim como os pesados encargos decorrentes das pensões pagas aos nobres da corte. Essa ousadia valeu a Necker a demissão do cargo, para o qual foi nomeado Calonne. Durante a gestão deste, de 1781 a 1787, 1..hiJsXVI interferiu na Guerra de Independência dos EUA a favor dos colonos e contra a inimiga Inglaterra, ampliando de modo insuportável os gas-to.s..O déficit atingiu então um ponto extremo e já não podia ser remediado simplesmente com em- Antigo ducado convertido em reino em 170 I por Frederico Guilherme I e que se tornou, no século XIX, peça-chave na unificação da Alemanha. ~ préstimos. A fim de solucionar o problema, Calonne convocou a Assembléia dos Notáveis (1787), integrada exclusivamente pelos privilegiados (clero e nobreza). Mas_o_s_sel,1s 144 membros não só se !.ecusaram a prestar ajuda financeira, como conse- guiram derrubar o ministro. Necker foi chama o de volta em 1788 e os Estados Gerais foram mentg ~onvQÇados para fazer frente à caó tuação financeira do Estado. A Revolução Fran esa estava então a um passo de acontecer. CJ.)\-T/J~ "h.lf ~fEOt' A vida na corte de Luís XIV Entre as realizações do governo de Luís XIV destaca-se a construção do monumental palácio de Versalhes. Foi costume dos reis franceses erguer suntuosos palácios para lhes servir de corte, ou seja, residência da família real e do seu séquito de servidores. A maioria desses palácios localizava-se na região chamada de Vale do Loire, às margens do rio com esse nome. Versalhes, contudo, destaca-se pelo tamanho, pelo luxo e pelas histórias que ensejou. Atualmente é uma das principais atrações turísticas da França. Localizado nas proximidades de Paris, começou a ser construído em 1661, tendo sido concluído somente cinqüenta anos depois. Em certa época, estavam envolvidos na construção 36 mil operários e 6 mil cavalos de carga. Uma fabulosa fortuna foi consumida tanto na edíficação como na decoração e manutenção do palácio. Viver ali era como estar em uma ilha da fantasia. A corte de Luís XIV era numerosa e precisava obedecer a um rigoroso cerimonial. Todos os atos do monarca constituíam um ritual, desde seu despertar, pela manhã, até a hora em que ia dormir. Ele praticamente não tinha vida pessoal ou privada, como a concebemos hoje. Até mesmo sua vida íntima era compartilhada por pessoas que o acompanhavam no dia-a-dia. Uma das atividades de lazer prediletas da corte era assistir a espetáculos teatrais. Dois dos autores mais importantes do teatro francês, Moliêre e Racine, trabalharam para o rei. O primeiro destacou-se como escritor de comédias, muitas delas ainda hoje "encenadas, pela atualidade de seus temas, como O burguês fidalgo (que ironiza a vaidade e o esnobismo típicos da época) e Tartufo (que trata da hipocrisia). Racine dedicou-se ao gênero trágico, sendo o grande nome do teatro clássico francês. Pintura de Pierre Patel, de 1682, mostrando o imponente palácio de Versalhes, sede da corte absolutista de luís XIV. • 268 • UNIDADE 4 ~tividades 1. Na Baixa Idade Média, a história da França está intimamente ligada à da Inglaterra. Você poderia explicar por quê? 2. Como era organizada a administração pública nos governos de Filipe Augusto, de Francisco I e de Luís XIV? 3. Identifique e caracterize os problemas resultantes da centralização administrativa. 4. Por que o reinado de Luís XIV constituiu o apogeu do absolutismo francês mas marca também o início do seu declínio? 5. Leia com atenção o texto a seguir: <iAdesordem reinava por toda parte", escreve Luís XIV ao pintar, em suas Mémoires pour l'instruction du dauphin ("Memórias para a instrução do delfim"), o estado em que havia encontrado a França no início de seu reinado. É verdade que a Fronda fizera eclodir os desejos de independência e os particularismos de todos os gêneros que tornavam muito difícil o exercício do poder. Era preciso restabelecer a ordem e, na medida do possível, unificar o país. Colbert foi o artesão dessa reforma. As leis foram simplificadas, aperfeiçoadas. Pouco a pouco, novas ordenações passaram a reorganizar a justiça, a polícia, o comércio, o artesanato e as manufaturas, suprimiram uma parte dos direitos e privilégios da Igreja, da universidade, dos ofícios. A liberdade de expressão foi estreitamente vigiada, tanto na imprensa como no teatro. Em seu conjunto, essas medidas eram necessárias e se revelaram eficazes. Os particularismos provinciais se atenuaram, sem no entanto desaparecer. Mas a partir de então os poderes emanavam apenas de Versalhes e de Paris, para onde afluíam todos os talentos, todas as riquezas. (Jacques Wilhelm. Paris no tempo do Rei Sol. São Paulo: Companhia das Letras/Círculo 1988. p. 9.) do Livro, Agora responda: Quais foram as medidas tomadas por Colbert para reunificar a França e fortalecer o poder real? 6. Um dos episódios marcantes na História francesa do século XVI é, sem dúvida, a Noite de São Bartolomeu, quando católicos e protestantes (huguenotes) enfrentaram-se em um conflito sangrento. Pesquise esse assunto e, se possível, assista ao filme Rainha Margot, que situa esse episódio no contexto das lutas políticas que envolveram os três Henriques (o III, o de Navarra e o de Cuise).