PANORAMA HISTÓRICO DO PENTATEUCO 1. Retrospecto

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PANORAMA HISTÓRICO DO PENTATEUCO
Anderson V.Gazzi
1. Retrospecto da História de Israel no Período Patriarcal (2000 à 1750 a.C.):
De acordo com a Bíblia, a história de Israel começa com a migração dos patriarcas hebreus da
Mesopotâmia para a Palestina. Essas narrativas são encontradas no livro de Gênesis caps. 12 a 50. De acordo com
Bright, as narrativas do Gênesis são em preto e branco numa tela simples, sem nenhuma perspectiva de
profundidade. Esse livro nos pinta certos indivíduos e suas famílias movimentando-se dentro de um mundo, como
se vivessem sozinhos nele. Os grandes impérios, mesmo o pequeno povo de Canaã, se são mencionados, não
passam de vozes que se ouvem de fora do palco. Se os faraós do Egito têm uma modesta parte nas narrativas,
eles não são identificados pelos nomes; não sabemos quem eram eles; tampouco, nenhum antepassado hebreu
mencionado no Gênesis foi revelado ainda em nenhuma inscrição contemporânea. Em consequência de tudo isso
se torna impossível dizer em termos exatos quando Abraão, Isaque e Jacó realmente viveram; tampouco
podemos subestimar a evidência arqueológica. O testemunho da Arqueologia é indireto. Ele tem dado ao quadro
das origens de Israel um sabor de probabilidade e tem fornecido o “background” ou pano-de-fundo para o
entendimento desse quadro, mas não tem provado que as histórias são verdadeiras em seus pormenores. Ao
mesmo tempo não apareceu ainda nenhuma evidência que contradiga a tradição bíblica.
Segundo Bright, as origens de Israel não eram tão simples fisicamente. Teologicamente eram todos
descendentes de Abraão; fisicamente eles provinham de outros troncos diferentes, clãs que imigraram na
Palestina no começo do segundo milênio antes de Cristo e aí se misturaram e proliferaram com o passar do
tempo. Muitos desses clãs se estabeleceram onde puderam encontrar terra e se organizaram em cidades-estado
segundo o padrão feudal. A maior parte desses clãs veio da Mesopotâmia, onde reinava um ambiente de
confusão política gerando a desintegração da cidade de Ur com dinastias rivais lutando entre si. No Egito, sob os
faraós do Médio Império (de Tebas a Menfis), instalava-se uma época de prosperidade. Os faraós da 12ª dinastia
empreenderam projetos ambiciosos, sistema de canais e de fortificações, desenvolvendo-se ainda a Medicina e a
Matemática. Os patriarcas propriamente ditos seriam os chefes de clãs consideráveis.
A. Costumes e Características Patriarcais:
Muitos fatos mencionados no Gênesis são provados pelo conhecimento da cultura de reinos na
Mesopotâmia dessa época. Segue abaixo algumas das diversas características desses clãs. Outras características
serão consideradas na unidade seguinte quando estudaremos as instituições israelitas do tempo do Antigo
Testamento.
O patriarca tinha influência decisiva na escolha de cônjuges para seus filhos;
Os casais sem filhos adotavam um filho que os servia durante toda a vida e seria o herdeiro. Mas se
nascesse um filho natural, o filho adotivo tinha que ceder seu direito de herdeiro;
Os contratos nupciais obrigavam a mulher estéril a providenciar uma substituta para o seu marido
Se nascesse um filho dessa união ficava proibido o desprezo à esposa escrava e ao seu filho;
A aparência desses patriarcas era semelhante à dos seminômades do segundo milênio na Palestina;
vestidos com roupas multicoloridas, deslocando-se a pé com todos os seus pertences e filhos em lombo
de burro;
Habitavam em tendas.
B. A Religião dos Patriarcas:
A Bíblia considera Moisés como fundador da religião de Israel (Êxodo 3). Apesar disso, a narrativa bíblica
liga a religião javista com a religião dos patriarcas (Êx.3.6-13; 6.3). O quadro que se tem dos patriarcas é que eles
adoravam a Deus sob vários nomes; esses nomes estavam ligados a um feito de Deus no passado e em local
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especial. Os descendentes dos patriarcas adorariam na memória do nome do patriarca, o Deus que esse patriarca
legou, sob diversos nomes. A Bíblia menciona alguns deles, a saber:
‘El Shaddai (Gn.17.1; 43.14) – “Deus Todo-Poderoso”.
‘El Elyon (Gn.14.18-24) – “Deus Altíssimo”.
‘El Olam (Gn.21.33) – “Deus Eterno”.
‘El Roy (Gn.16.13) – “Deus que me vê”.
Na narrativa do Gênesis, cada patriarca é representado adorando ao seu Deus por livre e pessoal escolha
e entregando-se, depois a este seu Deus “O Deus de Abraão”, em Gn.28.13; 31.42-53; “O Temido de Isaque” em
Gn.31.42-53; “O Poderoso de Jacó” em Gn.49.24. O quadro do Gênesis de uma relação pessoal entre o indivíduo e
seu Deus fundamentada por uma promessa e selada por uma aliança é da maior autenticidade. A fé na promessa
divina representa o elemento original da fé dos antepassados seminômades de Israel.
2. Os Hebreus no Egito (1750-1300 a.C.):
A. Contexto Histórico:
Antes do conhecimento das circunstâncias que levaram os descendentes dos patriarcas a se instalarem no
Egito, é necessária uma compreensão do contexto histórico dos impérios que cercavam a Palestina. Por exemplo,
no Egito, durante o Séc. XVIII a.C., o poder do Médio Império estava sendo enfraquecido. Com as migrações dos
povos asiáticos para as bandas do sul da Palestina, as portas do delta egípcio estavam sendo abertas para a
dominação estrangeira. Nessa época, o Egito sofreu a invasão dos soberanos estrangeiros chamados de hicsos
(chefes estrangeiros – 1720 a 1540 a.C.), os quais efetuaram sua conquista em duas fases:
a. Entrincheiraram-se no Delta, consolidando posições (1720 a.C.);
b. Iniciaram o domínio político propriamente dito. Os hicsos foram expulsos do Egito em 1540 a.C. pelo
faraó nacionalista Amósis. A presença dos hicsos no Egito representa um período de franca abertura para
a entrada de estrangeiros, inclusive hebreus.
Outro importante império foi o da Babilônia. Durante essa época encontrava-se ameaçado pela Assíria ao
norte e Larsa ao sul. Porém, com a ascensão do rei Hamurabi ao trono essa situação de inferioridade se reverteu
e a Babilônia resistiu a todas as ameaças, vencendo os seus inimigos. Através de Hamurabi a Babilônia gozou um
grande florescimento cultural. Desse período temos uma riqueza de textos: cópias de épicos antigos (por
exemplo, narrativas babilônicas da criação e do dilúvio), listas de palavras, dicionários, tratados de matemática e
de astronomia, etc. Contudo a mais importante de todas as realizações de Hamurabi foi o seu famoso código de
leis, publicado no final de seu reinado.
B. Como os Hebreus foram para o Egito:
O período de 1750 a 1300 a.C. representa uma época na história de Israel onde a Bíblia é a nossa única
fonte. Os registros egípcios nunca fizeram menção de uma presença de Israel. Uma explicação para isso é que,
ocorrendo essa passagem dos hebreus pelo Egito durante o período dos soberanos hicsos, os egípcios teriam
considerado essa época vergonhosa demais para ser descrita. O fato é que a narrativa bíblica tem o seu valor e,
de acordo com o pensamento de Bright, exige uma fé a priori: “uma tradição dessa espécie nenhum povo poderia
inventar. Não se trata de nenhum episódio épico e heróico da migração, mas da recordação de uma servidão
vergonhosa da qual somente o poder de Deus poderia livrar”. Um argumento muito forte que reforça a
historicidade da passagem de Israel pelo Egito são os nomes egípcios comumente encontrados entre os israelitas
nessa época, por exemplo: Moisés, Ofiní, Finéias, Merarí, etc.
Duas perguntas devem ser colocadas aqui:
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1) O que levou os israelitas a se instalarem no Egito?
2) Sob que circunstâncias viveram?
Primeiramente, todos os teólogos e estudiosos do Antigo Testamento concordam em afirmar que os
israelitas chegaram ao Egito através das migrações dos seminômades que habitavam o sul da Palestina. Nos
tempos de fome e carestia esses iam buscar uma vida melhor no Vale do Nilo, que era fértil e não dependia das
chuvas. Esta situação é pressuposta em algumas passagens do Gênesis (Gn.12.10; 20.1; 26.1; 42.1, 43.1, 46.1).
Essa era uma situação repetida todos os anos e muitos desses grupos seminômades fixaram residência no Egito.
Ora, na medida em que se compreende que o período de dominação hicsa foi favorável à entrada de grupos
estrangeiros no Egito, compreende-se também que, a partir do momento em que os mesmos foram banidos e
expulsos, deu-se início uma política nacionalista xenofobista (aversão ou medo aos estrangeiros) que inclui a
perseguição às etnias estrangeiras (Êx.1.9-10). A partir daí muitos desses grupos seminômades foram convocados
pelos egípcios para determinados serviços, sendo inclusive recrutados contra a vontade como trabalhadores
braçais, mão-de-obra barata pra atividades na área da construção e olarias. De acordo com a Bíblia (Êx.12.40), o
período de permanência dos hebreus no Egito foi de 430 anos.
C. O Problema do Conflito de Datas do Êxodo:
No caso específico dos faraós da opressão e do êxodo temos um problema histórico visto que dois grupos
de historiadores e teólogos têm discordado quanto à datação da escravidão israelita, em virtude de
interpretações diferentes para as evidências históricas e arqueológicas. As discussões concentram-se entre os
faraós da 18ª e 19ª dinastias. Vejamos, primeiramente, um quadro histórico aproximado desses faraós:
Dinastias / Faraó
Hicsos dominam o Egito
Amósis
Amenófis I
18º Dinastia
Tutmósis I
Tutmósis II
Hatshepsut
Tutmósis III
Amenófis II
Tutmósis IV
Amenófis III
Amenófis IIIV (Akenaton)
18º Dinastia
Semenca
Tutankamon
Aí
Horembeb
Tutmósis III
Ramsés I
Set I
19º Dinastia
Ramsés II
Merneftá
Período de
Reinado
1720-1570 a.C.
1570-1546 a.C.
1546-1526 a.C.
1526-1512 a.C.
1512-1504 a.C.
1503-1483 a.C.
1504-1450 a.C.
1450-1425 a.C.
1425-1417 a.C.
1417-1379 a.C.
1379-1362 a.C.
1364-1361 a.C.
1361-1352 a.C.
1352-1348 a.C.
1348-1320 a.C.
1504-1450 a.C.
1320-1318 a.C.
1318-1304 a.C.
1304-1236 a.C.
1236-1223 a.C.
O primeiro grupo de teólogos e historiadores considera que os faraós da opressão e do êxodo estão na
18ª dinastia. Partem do princípio da literalidade de 1Reis 6.1 que informa que o êxodo aconteceu cerca de 480
anos antes da fundação do templo de Salomão, fato que ocorreu em aproximadamente 966 a.C, o que colocaria a
datação da saída de Israel do Egito por volta de 1446 a.C., época de Amenófis II (1450-1425). Essa articulação,
estando correta, colocaria o nascimento de Moisés para o período de transição entre Amenófis I (1546-1526) e
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Tutmósis I (1526 a 1512), visto que, de acordo com Êx.7.7, Moisés estava com 80 anos pouco antes do êxodo.
Moisés teria sido adotado pela filha de Tutmósis I, Hatshepsut (1503-1483), a qual, por sua vez, teria se casado
com seu meio-irmão, Tutmósis II (1512-1504), bem mais jovem que sua meia-irmã. Tendo morrido cedo em
virtude de doença misteriosa, deixou Tutmósis III (1504-1450) ainda menino como rei, estando o Egito nesse
momento regido ainda que não oficialmente por Hatshepsut. Tutmósis III teria sido o mais ilustre e poderoso dos
faraós da 18ª dinastia, tendo realizado cerca de 16 campanhas militares na Palestina, consolidando o domínio
egípcio nessa região. Hatshepsut, por sua vez, enquanto esteve no poder, caracterizou-se por grande autoridade
e tato político. Merrill (2002, p.54) argumenta que o jovem Moisés teria sido uma ameaça para Tutmósis III, visto
que ele era “filho da filha de faraó” (Hb.11.24), o que teria justificado a fuga de Moisés depois deste ter matado
um egípcio. O raciocínio aqui é que depois que os hicsos foram expulsos do Egito, Amósis (1570-1546), o faraó
mencionado em Êx.1.8 como o rei “que não conhecera a José”, teria iniciado uma política de trabalhos forçados
(Êx.1.11-14) em olarias e na construção civil aos estrangeiros que ficaram no país, aproveitados como mão de
obra escrava, dentre eles, descendentes da Jacó. Como se não bastasse essa política escravizante, um dos faraós
seguintes, Amenófis I (1546-1526) ou Tutmósis I (1526-1512), teria praticado um genocídio (Êx.1.15-16). Assim,
pesquisadores como Merrill (ibid, p.55.56) colocam Amenófis II (1450-1425) como o faraó do êxodo, visto que
duas de suas campanhas militares na Palestina (Em 1450 e 1446) combinariam com uma possível perseguição a
um povo em fuga, tendo seu exército sido desmoralizado numa tentativa frustrada de passagem pelo Mar dos
Juncos.
O outro grupo de teólogos e historiadores defende que os faraós da opressão e do êxodo estão situados
na 19ª dinastia. Partem dos princípios da interpretação simbólica de 1Rs.6.1 e da contribuição da ciência histórica
e arqueológica para elucidar essa discordância.
Primeiro, porque segundo alguns (BRIGHT, 1978, p.158), a idéia de 480 anos seria simbólica, resultante da
multiplicação de 40 vezes 12, harmonizando com 1Cr.6, texto que contaria cerca de 12 gerações no período em
discussão. Uma geração ideal abrangeria 40 anos. Mas torna-se simbólica, porque uma geração durava de 20 a 25
anos, o que colocaria a datação do êxodo para os meados do XIII Século antes de Cristo, época dos faraós da 19ª
dinastia.
Segundo, porque segundo alguns estudos (ALLEN, 1987, p.376), no período da 19ª dinastia, a capital do
Egito foi mudada de Tebas, no “Alto-Egito”, para Mênfis, no “Baixo-Egito”, na época de Set I (1318-1304),
ocorrendo nesse período intensa atividade na área da construção civil. Tendo residido no Alto Egito, os faraós da
18ª dinastia teriam se preocupado pouco com a construção civil nessa região. Isso coaduna com a localização
geográfica da escravidão na região de Gosén, bem próxima a Sucot, local de onde partiria o povo de Israel em
fuga, e Ramsés, uma das cidades reconstruídas pelos escravos hebreus. Aliás, argumentam ainda que sendo o
nome da cidade “Ramsés”, um nome de um faraó da 19ª dinastia, por si só isso já seria um argumento decisivo. A
outra cidade, chamada “Pitom”, significa “Casa de Tom”, o deus-sol, uma lembrança de Akenaton (Amenófis IV,
1379-1362).
Outros argumentos a favor dessa teoria (GLUECK, 1987, p.387) defendem que os reinos famosos
invadidos pelos israelitas na época da conquista só teriam sido fundados depois do 13º século visto que antes os
moradores da Palestina viviam como nômades. Da mesma forma, os reinos de Edom e Moabe, citados em
Números 20 e 21. Afirmam também, à luz da arqueologia, que cidades cananéias como Láquis e Debir,
mencionadas na conquista, teriam experimentado grande destruição no Século XIII a.C. Nesse sentido, Set I
(1318-1304) teria sido o “faraó que não conhecera a José” (Êx.1.8), o faraó da opressão e Ramsés II (1304-1236), o
faraó do êxodo.
Ultimamente alguns pesquisadores têm discordado dessa opinião (MERRILL, 2002). Argumentam que os
nomes “Pitom” e “Ramsés” aplicado às cidades construídas pelos hebreus podem ser, na verdade, anacronismos.
Ou seja, mais tarde, quando os relatos da escravidão foram escritos, as cidades foram identificadas com os nomes
posteriormente conhecidos, e não com os seus nomes originais. Assim, “Ramsés” seria o nome posterior para a
cidade de Tanes. Um exemplo simples para a compreensão dessa linha de raciocínio é que ao contar a história do
Brasil, nenhum historiador afirma que os descobridores chegaram à “Ilha de Vera Cruz”, termo usado por Cabral
na época da descoberta. Ou ainda “Terra de Santa Cruz”, termo usado mais tarde quando descobriram que a
“ilha” era, na verdade, um continente. Mas os historiadores usam o termo “Brasil”, termo do Século XVI,
posterior, portanto, aos termos anteriormente citados.
Um outro grande problema para a datação do êxodo no Século XIII a.C., é que na tentativa de
harmonização de Êx.2.15,23 e Êx.4.19 com a cronologia histórica, verifica-se que Moisés não teria retornado ao
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Egito antes que aquele faraó que tentou tirar-lhe a vida estivesse morto, o que colocaria uma dificuldade para
situar os eventos no período de Set I (1318-1304) e Ramsés II (1304-1236), dado o curto período de governo de
Set I e o longo período de Ramsés II, para que se justificasse uma fuga de Moisés do Egito aos 40 anos de idade e
o seu retorno aos 80.
Merril (2002, p.65) cita mudanças de perspectiva no exame dos vestígios encontrados nos sítios
arqueológicos palestinenses, após as escavações feitas por Glueck. Outros arqueólogos têm chegado à conclusão
de que muitos dos achados remontam à Era do Bronze Recente (1600-1200), ou era até mais antigos, o que
comportaria as conquistas dos que saíram do Egito numa época em torno de 1400 anos antes de Cristo. O fato é
que os dois lados têm argumentos plausíveis e isso explica a divisão no meio histórico-teológico. Contudo,
julgamos mais razoáveis os argumentos a favor de uma datação para a opressão e o êxodo para meados do
Século XV a.C..
D. O Problema do Nome Hebreu.
De acordo com Martin Metzger, é por essa circunstância que os israelitas foram chamados de “hebreus”.
Isso quer dizer que o nome hebreu não traz boas recordações, pois lembra o sofrimento, vergonha da escravidão
(Êx.1.11-14; 2.11-13). Essa reflexão nos remete necessariamente para a origem do nome hebreu ‘ivri, que tem
relação direta com a raiz do verbo ‘avar (“atravessar”, “passar para o outro lado”), uma referência aos ancestrais
que vieram do outro lado do Eufrates. O termo aparece 34 vezes no Antigo Testamento assim distribuídas:
a. Narrações do êxodo no cenário egípcio:
• Êx.1.15,16,19,22 – história das parteiras desobedientes.
• Êx.2.6,7,11,13 – nascimento e atuação de Moisés.
• Êx.3.18; 5.3; 7.16; 9.1,13; 10.3 – Deus dos hebreus.
b. Leis – Êx.21.2; Dt.15.12; Jr.34.9,14.
c. Histórias de José – Gn.39.14,17; 40.15; 41.12; 43.32;
d. Narrações das lutas contra os filisteus – 1Sm.4.6,9; 13.3,19; 14.11,21; 29.3;
e. Outros (textos tardios) – Gn.14.13; Jn.1.9;
A análise dos textos acima mostrará que o termo “hebreu” tem relação com uma situação social
desfavorável e de submissão sem que isso indique necessariamente uma pertinência ao povo israelita,
aparecendo geralmente na boca dos outros povos como forma de depreciação. Mas também aparece como
sinônimo de “israelitas”. Essa ambigüidade deve-se à possibilidade de mistura das tradições no andamento da
história da formação do povo de Israel. Por exemplo, nas narrações das lutas entre filisteus e israelitas (1Sm.13 e
14) os hebreus fazem parte das tropas militares como uma terceira força e estão presentes em ambos os lados.
Hans Trein (Pg.21-22) assim comenta o texto:
“Em 1Sm.13.3-7 Jônatas destruiu a guarnição dos filisteus. Saul fez questão de que os hebreus soubessem
disso. Os filisteus se reuniram para combater contra Israel ; o povo de Israel se escondeu em covas e cavernas, nos
penhascos e poços, enquanto que alguns dos hebreus atravessaram o Jordão. Aqui os hebreus que atravessaram o
Jordão estão distintos dos israelitas que se esconderam nas cavernas e nos penhascos. Em 1Sm.13.19-20, importa
para os filisteus impedir que os hebreus fabriquem espadas ou lanças; por isso todo o Israel tinha que ir aos
filisteus, amolar seus instrumentos de trabalho agrícola. Aqui hebreus e israelitas são a mesma coisa. Em
1Sm.14.11-12 os filisteus alertam para os hebreus que estão saindo das tocas e provocam Jônatas e seu
escudeiro, para dar-lhes uma lição. Aqui mais uma vez hebreus é idêntico a israelitas, o que também confere com
os israelitas que tinham se escondido nas cavernas em 1Sm.13.3-7. Em 1Sm.14.21-23 os hebreus que tinham
estado junto com os filisteus se ajuntaram aos israelitas que estavam com Saul e Jônatas. Aqui hebreus está
distinto de israelitas, e temporariamente até pelejaram contra Israel. Não seriam esses hebreus os mesmos que
em 1Sm.13.3-7 tinham atravessado o Jordão (para ajudar os filisteus?) e que agora voltam, pois a batalha tinha
se definido vitoriosa para os israelitas? Não seriam esses também os mesmos hebreus que Saul quis informar
subversivamente, de que Jônatas tinha derrotado a guarnição dos filisteus em Gibeá, com a segunda intenção de
provocar neles, auxiliares dos filisteus, uma deserção?”
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Outra vertente no estudo da interpretação sobre a origem do nome está relacionada com a história dos
movimentos migratórios já descritos no capítulo anterior. Segundo essa tese, o nome “hebreu” (‘ivri), tem uma
íntima relação com o termo aramaico (ap’ru), um termo nada elogiável, atribuído por nativos da Palestina aos
pastores seminômades que estavam migrando para essa região cerca de 2000 a.C., tratados como “bandoleiros,
ciganos ou ladrões ou algo parecido”. Um estudo feito por Hans Alfred Trein mostra que esses grupos cresceram
favorecidos pelos conflitos entre os reinos cananeus que se dividiam a favor e contra o domínio egípcio na
Palestina antiga, explorada por uma forte exigência tributária dos faraós. Cartas encontradas em Tell El Amarna
(1887 d.C) revelam o pedido de ajuda de príncipes cananeus ao faraó Amenófis IV (1360 a.C) para que este
enviasse tropas para expulsar os (ap’ru), acusados de pilhagem na Palestina. Para Manfred Weippert (1967) os
dois termos são aparentados lingüisticamente, pois as línguas semitas só distinguem entre “b” e “p”. Assim a
pesquisa iguala os dois grupos com um único grupo denominado em 1Sm.13 e 14.21 de hebreus pelos filisteus.
Parece que esse grupo que, antes servia aos filisteus, tinha desertado para o lado dos israelitas. Mais tarde, em
1Sm.29, os filisteus desconfiarão de Davi e do seu exército de mercenários (que se oferecem para lutar pelos
filisteus) temendo que eles também venham a desertar.
3. O Êxodo, a Peregrinação e a Conquista de Canaã (1300 a 1200 a.C.):
A. Contexto e Êxodo:
Baseados em descobertas arqueológicas e em relatos bíblicos do livro do Êxodo, podemos situar com
aproximação o contexto histórico da opressão dos hebreus no Egito, cujas circunstâncias foram estudadas no
texto anterior. Nessa época, os egípcios dominavam boa parte do mundo de então, incluindo a Palestina (Canaã),
a qual era formada pela aglomeração de cidades-estados, cada uma delas com o seu rei, pagando ao Egito
pesados tributos estipulados pelo faraó do momento. Embora a Palestina fosse dividida politicamente, formava
uma unidade cultural, pois os povos que lá viviam possuíam língua, costumes e religião semelhantes. No Egito
livre, sem a presença do hicsos os hebreus amarguravam uma situação de opressão, forçados ao trabalho nas
olarias e na construção das cidades de Pitom e Ramsés (Ávaris, antiga capital dos hicsos), conforme relato de
Êx.1.1-14. Os dados concretos de Êx.1.11 aliados às escavações arqueológicas permitem-nos concluir que Ramsés
II (1301-1234 a.C.) foi o faraó dessa época. O texto bíblico ressalta nesse período duas importantes passagens:
Primeira, a de Moisés como libertador e posteriormente, como legislador. Só a Bíblia tem informado
sobre sua história até agora, e tem-se conhecido sobre a sua fina educação na corte egípcia, tendo sido um
hebreu salvo da mortandade infantil, nunca negando suas tradições raciais (Êx.2.11-15). Com certeza, além da
condução do povo na saída do Egito pelo Mar (Mar dos Juncos – Yam Suf), o ponto alto dessa história é a
revelação de Deus a Moisés sob o nome de “Yahweh”, como fundamento para a religião de Israel. A adoração de
Yahweh pelos antepassados israelitas pode ter sido assimilada por mediação dos midianitas (Jetro - Êx.18.12) ou
dos canitas (descendentes de Caim - Gn.4.15). Mas, Gn.4.25 faz uma afirmação importante sobre Enosh,
descendente de Set, como o primeiro a invocar o nome do Senhor. Contudo, existem duas tradições que ligam
Moisés tanto aos midianitas (Êx.2.16ss; 18) quanto aos canitas (Jz.1.16 e 4.11), ambas fazendo referencias ao
sogro de Moisés, apesar de conservarem nomes diferentes para a mesma pessoa (Jetro/Hobabe). Mais certo é
pensar na importância do evento da teofania do Sinai (Êx.3) para a revelação do nome especial de Deus a Moisés,
cuja raiz no hebraico é a do verbo “ser”, “estar”, “haver” (hayah). A resposta do Senhor à pergunta de Moisés
“qual é seu nome?”, pode significar tanto “Eu sou o que estarei com vocês”, quanto “eu sou o que sou e por isso,
o que eu sou não é da sua conta. Creia em mim e deixe o resto comigo!”. Esse sentido do nome do Senhor
evidencia-se através das narrativas que acompanham o processo de saída, peregrinação e conquista de Canaã, as
quais estão adornadas com molduras sob a forma de epopéia, visto que nessas condições, as tradições seriam
mais fortemente assimiladas pelos que as ouviam na compreensão de um Deus que agiu no passado do seu povo
e que continuará intervindo para salvar.
Segunda, a referente ao evento das pragas e o endurecimento do coração “Lev” do faraó (Êx.8.32; 7.14).
Alguns têm dado interpretações baseadas em fenômenos da natureza para explicar as pragas. O certo aqui é
tentar compreender mais a atitude de faraó com relação a essas pragas, uma vez que alguns textos dizem que
“Yahweh endureceu o coração de Faraó” (Êx.4.21; 7.3; 9.12; 10.1; 10.20; 10.27; 11.10; 14.4,8,17) e outros que
“Faraó endureceu seu coração” (Êx.7.13,14,22; 8.15,19,28; 9.7,34,35). Em Êx.14.4 aparece o sentido teológico da
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obstinação do “Lev” (coração) de acordo com a tradição sacerdotal. Faraó não pode entender o sentido das
pragas e não pode atuar a ponto de correspondê-las. Yahweh é quem faz a história. A sua intervenção chega até a
capacidade de pensar e entender dos inimigos.
B. Peregrinação no Deserto:
O período no qual o povo hebreu viajou pelo deserto entre a região do Sinai e a região média da Palestina
tem duas importâncias básicas:
1. É a época intermediária entre a história de Israel no Egito e a conquista de Canaã.
2. Representa o período quando Israel recebeu a sua religião característica, o Javismo, assumindo com
ela a consciência de um povo. Isso não quer dizer que o Javismo não tenha evoluído com o passar dos
séculos até ganhar a caracterização da religião pós-exílica conhecida posteriormente pelo nome de
Judaísmo. Fato importante é que os profetas fizeram alusões a esse período como o momento e o
local onde Israel aprendeu a amar ao Senhor nos moldes de uma relação esposo-esposa (Jr.2.2;
Os.2.14).
De acordo com os pesquisadores do Antigo Testamento, a peregrinação dos hebreus pelo deserto ocorreu
em três fases: A primeira fase corresponde à viagem para a cadeia de montes do Sinai (Horebe). Embora a
localização do monte seja incerta é pensamento comum que foi lá que Israel recebeu parte da lei de Moisés; a
segunda fase corresponde do período da saída do Sinai até a região sul da Palestina conhecida pelo nome de
Cades-Barnéia ou Qadesh, onde os israelitas experimentaram uma derrota parcial para o rei de Arad, não
podendo assim entrar em Canaã pelo sul; a terceira fase vai da saída de Qadesh à incursão feita pelo flanco
oriental, incluindo a instalação na região da Transjordânia, região na qual morreu Moisés de acordo com a
narrativa bíblica (Dt.34).
C. A Conquista de Canaã:
O pensamento básico que a Bíblia nos apresenta sobre a entrada dos israelitas na Palestina não é a
conquista ou invasão feita por um povo estrangeiro, mas o retorno de tribos que num passado distante, lá
viveram através dos seus antepassados patriarcas. Dt.26.1 apresenta o pensamento que foi Yahweh quem deu a
terra de Canaã a Israel. Martin Metzger descreve essa “reconquista” seguindo duas etapas:
1. Instalação das tribos israelitas nas regiões montanhosas, menos férteis, parcialmente habitadas e
pouco guarnecidas (Jz.1.19).
2. Com o crescimento do povo israelita no decorrer dos anos nos territórios cananeus, houve também a
conquista de cidades fortificadas tais como Jericó, Hasor e Ai (Js.17.13).
BIBLIOGRAFIA:
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Paulus, 1985.
- HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1975.
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- RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento: uma introdução. Santo André: Academia Cristã, 2009.
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