16 • Público • Segunda-feira 1 Novembro 2010 Economia Entrevista Tulsi Tanti, presidente do terceiro maior fabricante de turbinas eólicas Quem consome mais é que deve pagar o custo das renováveis Tulsi Tanti, gestor do grupo indiano Suzlon, defende que a eólica off-shore só se desenvolverá em Portugal se tiver uma tarifa adequada Lurdes Ferreira a O homem que há década e meia procurou soluções energéticas para a sua empresa têxtil e acabou por criar o terceiro maior grupo mundial em turbinas eólicas tem uma ideia provocadora para a tradição europeia, mas não indiana. Defende que o custo das energias renováveis pode ser ultrapassado se os reguladores criarem tarifas dinâmicas: as energias renováveis imputadas à tarifa devem ser pagas por quem consome acima de um determinado tecto, devem pagar tanto mais quanto mais se afastem desse tecto e também deve pagar quem consumir nas horas mais caras. Os pequenos consumidores seriam mais poupados e a indústria chamada a pagar. Os parques eólicos foram apresentados como parte das soluções sustentáveis de energia, mas com a sua expansão assistimos a queixas pelo seu impacto visual. Isso faz parte da factura? Temos de escolher o caminho que queremos. Há um sentido de urgência em relação ao risco de aquecimento global para a humanidade. O tempo passou a ser de extremos, as estações estão a mudar. Temos de decidir que planeta queremos para os nossos filhos. Quando falamos de turbinas eólicas e desse tipo de incómodo, parece-me um pouco falar de luxos. Venho de uma parte diferente do mundo, onde as crianças fazem visitas de estudo aos parques eólicos com as escolas, e passam lá os dias porque gostam. É uma diferente abordagem, num momento em que o risco climático é da máxima prioridade e em que as renováveis contribuem para uma economia mais sustentável. Hoje, com as dificuldades económicas e a crise financeira, diversos países não têm empregos suficientes e as renováveis podem mitigar muitas destas coisas. Podem estimular a economia, aumentar a segurança do abastecimento e assegurar o desenvolvimento sustentável da economia no longo prazo. Portanto, as renováveis podem contribuir para um desenvolvimento social, ambiental e económico sustentável. Tem dito que a indústria eólica está a assistir a um regresso ao crescimento. No caso da Suzlon quais são as perspectivas para os próximos anos? Nos 25 países onde operamos temos quase 14 mil trabalhadores, muitos dos quais nas economias desenvolvidas: Europa, Alemanha, Holanda, Bélgica, Dinamarca, e Portugal, onde temos uma base de produção, bem como nos EUA, onde temos também indústria. Isto são empregos directos. Depois há os indirectos, que são três a quatro vezes superiores, porque há muitos serviços que fazemos em outsourcing na manutenção dos projectos, como, por exemplo, na logística. Há uma oportunidade económica cujo estímulo vem das renováveis. Neste momento, temos planos para o Brasil, que é um mercado em rápido crescimento. Estamos a levar uma base industrial para lá, para expandir o negócio. Na China, já temos uma grande fábrica que a seu tempo expandiremos. No mercado europeu, estamos a focarnos muito na nossa subsidiária, a Repower, que é muito forte em tecnologia eólica off-shore e está a crescer particularmente na Alemanha e na Inglaterra. Portugal tem também bons recursos na eólica off-shore que podem ser explorados. Esses projectos precisam de quantos empregos? Normalmente, por cada megawatt instalado é criado um emprego directo. Em termos indirectos, pode multiplicar até cinco. Este é um mercado que cria empregos e que dá actualmente um grande contributo para estimular a economia. Diz que neste puzzle da energia não há uma solução única e que todos devem contribuir. Qual o Portugal tem bons recursos de vento e sol e os dois combinados podem melhorar a resposta da rede eléctrica à pressão da carga de consumo papel que cabe a pequenos países como Portugal? Portugal tem bons recursos de vento e sol e os dois combinados podem melhorar a resposta da rede eléctrica à pressão da carga de consumo. O país tem também um grande potencial para a eólica off-shore. É mais energia verde que pode entrar na rede, por essa via, mas para isso, o Governo tem de oferecer tarifas que a incentivem. As pessoas podem pensar que estão a pagar mais, mas na perspectiva de futuro, é uma energia que terá custos muito competitivos. Pois, mas pagamos mais. [Mas] Por que toda a gente deve pagar? Se eu consumir 2000 unidades de energia em casa, pago o normal a um custo razoável, mas se quero consumir mais de 2000 unidades devia pagar o dobro e os do dobro é que deviam pagar o custo da energia renovável, isto na perspectiva de ser um custo. Tem de ser feito. Todos os países têm uma população rica e uma classe média. Os governos tendem a penalizar os segundos... Os reguladores têm de construir um mecanismo dinâmico de tarifas. Em segundo lugar, durante 24 horas produzimos energia, mas não consumimos todas as 24 horas. Há aí desequilíbrios. Defendemos uma tarifa dinâmica aqui também na base do tempo. Se se consumir num determinado período paga-se menos, mas se quer consumir em outro, tem de pagar por isso. Isso não é um problema, é apenas uma questão de iniciativa regulatória para um mecanismo dinâmico de tarifas, baseado no tempo e no volume. Isso permitirá uma enorme eficiência energética, as pessoas ficam a saber que têm de pagar mais se passam determinados consumos. Veja-se o caso da Índia: nas aldeias, as pessoas consomem cerca de 200 kWh por mês. O Governo aplica uma tarifa razoável a estes consumos, mas se os exceder, por cada 100 kWh a mais a tarifa sobe. Portanto, se eu consumo mais, tenho de pagar mais e isso acelera a eficiência energética. Estes são os mecanismos regulatórios que deviam ser aplicados e não como acontece em alguns países em que os que gastam mais pagam menos. Isso promove o consumo de energia não a eficiência, ao dar-se um desconto sobre o consumo. Que ideia tem do mercado português? A economia do país tem passado por uma turbulência, mas acredito que vá estabilizar-se. Na área energética, o país tem bons recursos de vento e sol, e tem um bom potencial eólico of-fshore. O Governo devia atribuir uma tarifa adequada ao offshore. Também temos uma relação comercial muito forte com a EDP, que é uma grande eléctrica com investimentos em muitos países. Temos fornecido as turbinas para os parques eólicos da EDP nos EUA. Público • Segunda-feira 1 Novembro 2010 • 17 PEDRO CUNHA A Suzlon está a pensar aumentar a sua base industrial em Portugal? Em Portugal, estamos presentes através da Repower, a nossa subsidiária para a Europa. Temos uma parceria com a Martifer e produzimos turbinas, rotores e pás, mas infelizmente é para exportar, não para o mercado doméstico. Temos 400 MW de projectos nos próximos três anos para instalar no mercado português. Este é o nosso compromisso com o mercado nacional. Por outro lado, a Martifer é nossa cliente na Polónia e no Brasil. A Suzlon tem feito as grandes aquisições na Europa, mas o facto é que o seu crescimento se está a fazer em mercados como a China e o Brasil. O mercado europeu já amadureceu tudo? Não é uma questão de maturidade. Com as metas da UE para 2020 com o plano 20-20-20 vem aí uma grande oportunidade, depois de passados os constrangimentos financeiros que os mercados vivem actualmente. Assim que o sector financeiro começar a libertar crédito, a Europa voltará a investir nos activos renováveis e as grandes utilities estão também muito dirigidas para os grandes projectos de off-shore. O crescimento continuará. A Repower é uma companhia alemã muito forte focada no mercado europeu e offshore. A Suzlon, por sua vez, está muito focada em todas economias emergentes: Índia, China, Brasil, África do Sul, Argentina, Chile e México. Temos um modelo de negócio de sucesso na Índia e estamos a levá-lo para outras economias emergentes. Entre a Índia e a China, sente que a maior presença desta na economia mundial é uma vantagem competitiva de crescimento? Não. Veja-se na questão da energia. Cada país tem o seu modelo político e uma agenda clara. A China consome hoje quase cinco vezes mais energia do que a Índia, sobretudo por consumo da indústria. A melhor parte é que no desenvolvimento da indústria eólica e de instalação de parques eólicos, a China é o maior mercado do mundo. O Governo tem um profundo compromisso com o desenvolvimento das renováveis. Acreditamos que, nos próximos 10 anos, a China manter-se-á maior mercado mundial para o desenvolvimento das renováveis. Acredita que a Índia também conseguirá ter as mesmas taxas de crescimento da China? A Índia está a crescer muito bem e nos próximos 10 anos vai continuar a uma taxa de sete, oito por cento de crescimento do PIB. Do ponto de vista das renováveis, o Governo tem tomado medidas muito fortes, temos um ministro dedicado apenas a esta área [ministro das Energias Novas e Renováveis] e somos o quarto maior produtor mundial de energia eólica. Recentemente, o primeiro-ministro anunciou um novo compromisso, de chegarmos a 2020 com 15 por cento de energias renováveis. Actualmente mal chega a três por cento. Acreditamos que a taxa de crescimento dos projectos eólicos na próxima década andará entre 20 a 25 por cento. Qual é actualmente o maior mercado da Suzlon e o que espera ser dentro de uma década? Estamos a operar em 25 países, o número um hoje é a Índia, é o nosso mercado doméstico e com previsões de manutenção de um forte crescimento. Há 10 anos que somos líderes e assim pensamos que será nos próximos 10. O segundo é a China, o terceiro a Alemanha através da Repower, o quarto os EUA, mas a sua evolução está muito dependente de decisões regulatórias do Governo. É claro para a Suzlon que a necessidade de energia, de segurança e de baixo custo fazem de todas as economias emergentes os melhores mercados dos próximos anos e é por isso que nos dedicamos a eles. O grupo, no seu todo, acaba por conciliar, na sua estratégia, dois modelos de negócio diferentes, de um lado, um com mais segurança em termos de perspectivas, mais certezas e mais concertado ao nível local, e que é desenvolvido sobretudo pela Repower, e outro com maior incerteza e mais global que é a Suzlon que trata. Estes dois modelos tentam trazer crescimento de ambas as partes. Investimentos prioritários da empresa Apostar na tecnologia e recursos humanos a Tulsi Tanti tinha uma pequena, jovem e familiar empresa têxtil e custos energéticos a pique. Decidiu instalar duas turbinas eólicas para alimentar o negócio. Ia o ano de 1995. Descobriu entretanto o potencial de negócio da eólica e mudou totalmente de ramo, até se tornar o terceiro maior fabricante mundial de turbinas eólicas. É o ano de 2010. Há uns anos, liderava uma pequena unidade têxtil, depois fundou um dos maiores grupos mundiais de energias renováveis. Tem em vista uma nova mudança, uma diversificação para outra indústria? Não, manter-nos-emos no campo da energia renovável, não apenas no vento, embora sejamos os terceiros maiores do mundo neste mercado e haja muito boas oportunidades de crescimento pela frente. Assim que atingirmos o tecto na eólica, o que poderá acontecer dentro de três cinco anos, poder-nosemos focar em outros recursos de energia potencialmente muito complementares para os consumidores. Mas continuaremos como grupo apenas no campo das energias verdes e altamente concentrados no investimento em tecnologia. Nestes 15 anos em que veio da industria têxtil para a energia eólica, quais foram os maiores desafios e lições que tirou deste tempo? A aprendizagem mais importante foi perceber a cultura global que vem de países muito diferentes. Vamos da Índia aos EUA, à Europa, China, Brasil. Cada cultura é importante porque estamos a falar de recursos humanos. Colocá-los sob um mesmo chapéu e concentrarem-se numa mesma razão foi a minha melhor aprendizagem e com algum sucesso. A segunda foi aprender que esta indústria tem enormes oportunidades de crescimento e espero fazermos um investimento contínuo em tecnologia. Depois do que aprendi, a minha prioridade número um é investimento em tecnologia e recursos humanos, a número dois é investir em mais e mais talento para crescer em todas as geografias com uma razão e direcção comuns. A última grande inovação foi os parques eólicos off-shore. Qual acredita que será a próxima? Acredito que no futuro, não nos anos mais próximos, será o fornecimento de soluções completas ao cliente em vez de um projecto. Isso pode incluir vento, solar, electricidade com origem na biomassa e também o armazenamento de energia. Deverá ser o fornecedor de uma central eléctrica, entrar na gestão de redes inteligentes e da contagem inteligente de modo a poder acrescentar valor do ponto de vista da eficiência energética, monitorizar e controlar, optimizar e criar novas soluções técnicas, por exemplo, no âmbito das previsões. Antevejo que nos vamos tornar gestores de energia cada vez mais eficientes em vez de apenas fornecedores de turbinas. PUBLICIDADE P GRÁTIS!