Jesus Cristo e o seu Tempo

Propaganda
-1-
Aspectos Introdutórios Para a Compreensão da
Teologia do Novo Testamento: Jesus Cristo e o
seu Tempo
Brian Kibuuka
www.briankibuuka.com.br
A Palestina é uma pequena região, marcada pela pobreza.1 Porém era uma região
geopoliticamente estratégica, devido à confluência de interesses políticos sírio-feníciopalestinos.2 Os elementos físicos característicos da região eram o deserto, o rio Jordão e os
oásis. E geopoliticamente, era caracterizada pelos interesses comerciais e políticos,
contrastados com a consciência religiosa dos judeus e sua compreensão de ser um povo liberto
por Deus.
A prática religiosa judaica fundamentava as relações sócio-políticas na Palestina do
tempo de Jesus. A concepção de ser Jerusalém a cidade escolhida por Deus, e que a terra da
Palestina era a terra prometida por Yahweh constituíram os dois legados que marcaram os
episódios religiosos do Antigo e do Novo Testamento.3
As práticas rituais dos judeus eram fundamentais na compreensão de sua cultura, já que
a concepção preponderante era que o pacto entre os judeus e a Divindade incluía a necessidade
de obediência às prescrições da Lei – a Torá.4 Os judeus entendiam ser fundamental o
1
A Palestina foi duramente penalizada no período dos romanos. O empobrecimento progressivo da Palestina foi
intensificado devido ao sistema de tributação e dominação romana, que não possibilitava a sobrevivência dos
pequenos proprietários. É preciso entender, neste sentido, que “as mudanças econômicas na Palestina desde a
supremacia romana podem, pois, ser caracterizadas, conforme Applebaum, como "falta aguda de solo", isto é,
“como redução da área de cultivo agrícola per capita da população." Cada vez mais pessoas eram forçadas a
sobreviver com cada vez menos terra. Em conseqüência disso, desfízerain-se as formas tradicionais de
assentamento. Embora a área do solo cultivado se ampliasse continuamente, um número crescente de pequenos
agricultores cultivavam cada vez menos terra. Endividamento e desapropriação dos pequenos agricultores são,
pois, a característica desta época romana.” In: STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História
Social do Protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad.
Nélio Schneider). São Paulo: Paulus, 2004. p. 136. Não havia defesa nem previdência para o povo da palestina.
Em caso de doença, má colheita, pragas ou outros desastres, o povo ficava sem ajuda. No sistema anterior havia o
clã, a comunidade, que era a proteção das pessoas e das famílias. No sistema implantado pelo governo de Herodes
Antipas, isto já não existia mais, ou cada vez menos. Agora, a primeira preocupação do agricultor era esta: juntar
o necessário para pagar os impostos ao governo e os dízimos ao Templo, e separar da colheita à parte que devia
servir como semente para a próxima colheita. Ao todo, mais da metade da produção. O pouco que sobrava tinha
que ser o suficiente para manter a família. A conseqüência disto foi o empobrecimento progressivo da região.
2
A posição geopolítica das cidades e regiões faz delas lugares potencialmente propensos à invasões. Objetivos
estratégicos, econômicos e políticos: servem para guardar passagens de grandes vias de comunicação, tornam-se
lugares de comércio e atraem os nômades para as suas vizinhanças, fazendo deles camponeses que sustentarão as
cidades. Todos estes elementos estavam presentes na Palestina. Um exemplo claro é o período de dominação grega.
Sobre este, afirma Sicre: “A Palestina, dada sua excelente posição estratégica e comercial, será vítima das invejas
e lutas entre estas famílias que disputam sua posse. Durante o século III dominam os Lágidas- durante o 11, os
Selêucidas.” In: SICRE, José Luis, Introdução ao Antigo Testamento. (trad. Wagner de Oliveira Brandão).
Petrópolis: Vozes, 1999. p. 316.
3
A partir desta consciência, são estabelecidos os dois tipos de líderes judaítas desde a época de Davi. Há os
"anciãos de Judá" (ziqnê y'hûdâh), líderes tribais das várias cidades e aldeias judaítas e os "anciãos da casa" (ziqnê
bayit), representantes do poder da corte davídica de Jerusalém. Diferente do norte, onde o poder real se constitui
a partir das lideranças tribais, o poder de Jerusalém constrói sua própria base, independente dos líderes tradicionais.
BETTENZOLI, G., Gli Anziani in Giuda, em Biblica 64 (1983), pp. 211-224; Gli Anziani di Israele, em Biblica
64 (1983), pp. 47-73. Esta liderança servia para divulgar a ideologia da centralidade do culto e Jesrusalém.
4
A Lei fundamenta a religião judaica, sendo marca da identidade cultural e ideológica na Palestina. Na sua
formação, a Lei foi dotada de dinâmica, em conformidade com as necessidades sociais, conforme afirma Claus
Westermann: “Do retrospecto sobre a evolução legislativa no Antigo Testamento têm-se compreensão mais
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
-2cumprimento de todos os preceitos da lei, e isto de forma inflexível. Mudar a relação com a
Divindade significaria perder-se da dimensão pactual, perder a identidade religiosa e, por
consequência, a identidade cultural.5
De 160 a.C. até 63 a.C., ou seja, durante 67 anos, governaram a Palestina dois reinados
judeus diferentes: os Macabeus e os Asmoneus. Assim, a conquista da Palestina pelos romanos
ocorre em 63 a.C., marcando o fim da dinastia asmoneia, que já padecia devido às crises internas
que a assolavam. A dominação romana perpassou todo o período neotestamentário. Hircano, chamado
adequada da relação entre preceito e lei. Ligadas à história, as leis estão sujeitas à alteração constante conforme
é provado em face dos adendos e complementos a muitas leis. Em momento nenhum existiu em Israel lei
transcendental. Nem mesmo a subordinação das leis sob a teofania sinaítica anulou a vinculação com a história
concreta na sua evolução até arrematar na comunidade cultual.” WESTERMANN, Claus, Fundamentos da
Teologia do Antigo Testamento. (trad. Frederico Dattler). São Paulo: Academia Cristã, 2005. p. 204. A
sedimentação da Lei deu-se diante do desafio da cristalização da identidade cultural da Palestina, diante dos
desafios do exílio e do pós-exílio. A partir daí, a tradição vetero-testamentária afirma que não obedecer a lei é
descrito, em Dt 13.14 ("Por esses dias apareceu em Israel uma geração de perversos (paránomoi) que seduziram
a muitos com estas palavras: 'Vamos, façamos aliança com as nações circunvizinhas, pois muitos males caíram
sobre nós desde que delas nos separamos'. Agradou-lhes tal modo de falar. E alguns de entre o povo apressaramse em ir ter com o rei, o qual lhes deu autorização para observarem os preceitos (dikaiômata) dos gentios") perder
a identidade..O termo paránomoi indica, segundo Dt 13,14, pessoas que fazem propostas de apostasia da Lei. Daí
que "fazer aliança com as nações" indica renegar a Lei e seguir costumes gentios. Também o dikaiômata tôn éthnôn
(preceitos dos gentios) é significativo. Dikaíôma é usado pelos LXX para traduzir o hebraico derek ou mishpat
(caminho, direito) significando obrigações legais. Observar os preceitos dos gentios significa, portanto, abandonar
as normas da Lei e seguir leis gentias Cf. SAULNIER, C., Histoire d'Israel III, pp. 110-111. Não obstante isto, a
observação estrita da Lei concede aberturas para o entendimento da misericórdia de Deus em caso de iobservância,
e também da possibilidade de adoção da Lei por parte dos gentios. Segundo Otto, “mesmo se Israel fracassar no
cumprimento da vontade divina (Lv 17-26), a expiação, como dom gratuito de Deus, lhe é acessível (Lv 16), Em
Dt 4, como conjugação de Dt com o Tetrateuco (de redação sacerdotal), prepara-se (Dt 4,6) urna identificação
entre a Lei e a Sabedoria, que será desenvolvida em Sr 24. A sabedoria de Deus, já ao lado de Deus na Criação,
encontra em Sião a sua morada e na Lei de Israel sua mais válida expressão. Com isso colocou-se o fundamento
pane ultrapassando o Sirácida, afirmar a validade universal da Lei para todos os povos.” OTTO, E. , Lei (In:
BAUER, Johannes B., Dicionário Bíblico-Teológico. (trad. Fredericus Antonius Stein). São Paulo: Loyola, 2000.
p. 230.
5
Provavelmente o exemplo mais marcante de confronto advindo do risco da perda da identidade cultural tenha
sido a repressão à cultura judaica feito por parte de Antíoco Epifanes IV. Este, “não satisfeito com estas medidas
repressivas, Antíoco IV construiu ao sul do templo uma cidadela chamada Acra, colônia de pagãos helenizantes e
de judeus renegados, com constituição própria; até Jerusalém era considerada provavelmente como território desta
'polis'. Além disso, erigiram-se santuários pagãos por todo o país e se ofereceram neles sacrifícios de animais
impuros; os judeus foram obrigados a comer carne de porco sob pena de morte, bem como a participar de ritos
idolátricos. Como coroamento de tudo, em dezembro de 167 foi introduzido no templo o culto a Zeus Olímpico.
Os judeus piedosos não puderam suportar estas ofensas contínuas à sua religião e se negaram a obedecer estas
normas. Antíoco respondeu com uma cruel perseguição. É quando estoura a revolta dos Macabeus. Líder inicial é
o ancião Matatias, apoiado pelos 'hassidim' (os 'piedosos', de que descendem os fariseus e os essênios). Quando
morre, depois de poucos meses, sucede-lhe o filho Judas (166-160), e mais tarde os irmãos deste, Jônatas (160143) e Simão (143-134). A dinastia se completa com João Hircano 1 (134- 104), Alexandre janeu (103-76, Salomé
Alexandra (76-67) e Aristóbulo 11 (67-63).” In: SICRE, José Luis, Introdução ao Antigo Testamento. (trad.
Wagner de Oliveira Brandão). Petrópolis: Vozes, 1999. p. 317. A revolta foi motivada porque estas afrontas feitas
por Antíoco, é, “aos olhos dos judeus fiéis à lei, um sacrilégio horrendo (1 Mac 1.16-28; 2 Mac 5.15s.).” In:
DONNER, Herbert, História de Israel e dos Povos Vizinhos: da época da divisão do reino até Alexandre Magno.
(trad. Cláudio Molz e Hans Trein). São Leopoldo: Sinodal, 1997. p. 506. A razão da inserção de Zeus por parte de
Antíoco foi motivada pela necessidade de desagregar culturalmente os judeus e manifestar sua autoridade, já que
“Zeus representava os valores do poder e da autoridade; o epíteto Olímpico recordava suas prerrogativas sobre
as outras divindades e seu aspecto uraniano (isto é, de deus do céu); na Síria ele fora assimilado a Baal Shâmin,
deus soberano, senhor das tempestades e da fecundidade. Tais aspectos podiam aparentemente aproximá-lo de
Iahweh que, desde a época persa, era designado nos textos judaicos como "o Deus dos céus". Nestas condições,
podemos admitir que Antíoco IV quisesse introduzir em Jerusalém uma divindade sincrética, que permitisse a
judeus, sírios e gregos reconhecer nela a emanação de um deus soberano" SAULNIER, C., A revolta dos
Macabeus, p. 26. A introdução deste culto no Templo foi nominada "abominação da desolação", segundo Dn
11,31. 1Mc1,54-57.64 assim descreve a "abominação da desolação" e fez nascer a revolta contra o sistema político
de Antíoco.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
-3Antípatro, natural da Idumeia, descendente de Simão Macabeu, foi nomeado procurador pelo
imperador romano Júlio César.6
E foi um dos filhos de Antípatro, Herodes, que acabou por fundar a nova dinastia judia,
a dinastia dos Herodianos, mantendo assim a região relativamente independente.
O governo de Herodes, o Grande, durou entre 37 e 4 a.C.. Governou sobre os territórios
da Judéia, Samaria, Idumeia, Galileia e Pereia. Herodes, o Grande, teve o poder de governar a
Palestina delegado por Roma, embora não fosse judeu. Após a morte de Herodes, seu reino foi
dividido entre seus filhos. Herodes Arquelau herdou de Herodes, o Grande, a Judéia, Samaria
e a Idumeia, que governou até o ano 4 d.C.;7 e Herodes Antipas governou as regiões da Galileia
e Pereia, de 4 a.C. até 39 d.C.8 Este último é, dentre os soberanos herodianos, o mais
mencionado no Novo Testamento.9 Do ano 6 até 41 d.C, a Judeia, Samaria e a Idumeia passaram
a ser administradas diretamente por procuradores romanos. Agripa, descendente de Herodes,
governou esta região entre 41 e 44 d.C.
6
Há grande controvérsia quanto à identidade de Antípater. Flávio Josefo, citando Nicolau de Damasco, diz que
Antípater seria um dos judeus descendentes dos exilados babilônicos. Mas Josefo mesmo considera falsa esta
informação. É a seguinte a informação de Flávio Josefo: "Nicolau de Damasco fá-lo descender de uma das
principais famílias de judeus que vieram da Babilônia para a Judéia, mas ele o diz em favor de Herodes, seu filho,
que a fortuna elevou depois ao trono de nossos reis, como veremos a seu tempo" JOSEFO, F., Antiquitates
Iudaicae XIV, 9.. Nicolau de Damasco é um historiador nascido, por volta de 64 a.C., em Damasco, de uma família
importante, pois sabe-se que seu pai exerce altas funções políticas na cidade. Nicolau torna-se, em 14 a.C., amigo
e conselheiro de Herodes Magno. Além de escritor prolífico, Nicolau é também retor e diplomata, representando
Herodes em negociações decisivas. A partir desta sua ligação com Herodes Magno, um idumeu que se torna rei
dos judeus, compreende-se sua colocação a respeito de Antípater. Cf. STERN, M., Greek and Latin Authors on
Jews and Judaism I, pp. 227-260; SCHÜRER, E., Storia del popolo giudaico al tempo di Gesù Cristo I, pp. 5662. . Flávio Josefo acredita que Antípater seja mesmo um idumeu, de origem nobre: "Ele era idumeu e o mais
poderoso de sua nação, quer pela sua descendência, quer pelas suas riquezas e por seu próprio mérito" JOSEFO,
F., Bellum Iudaicum I, 123. . Há outras notícias sobre este personagem. Segundo Eusébio de Cesaréia, citando
Júlio Africano, Antípater é da cidade de Ascalon, mas acaba sendo criado entre os idumeus, o que confirma a
opinião de Josefo a respeito de sua nacionalidade, embora divirja quanto a outros dados. Diz Eusébio: "Salteadores
idumeus chegaram de surpresa a Ascalon, cidade da Palestina, e levaram da capela de Apolo, construída perto
da muralha, o pequeno Antípater, filho de um hieródulo, Herodes, com o resto dos despojos, e o mantiveram
preso. Como o sacerdote não podia pagar o resgate pelo filho, Antípater foi educado segundo os costumes idumeus
e, mais tarde, Hircano, sumo sacerdote da Judéia, interessou-se por ele"[43]. Ainda segundo Flávio Josefo,
Antípater é, na época do conflito entre Hircano e Aristóbulo, o estratego (= governador militar) da Iduméia, como
o fora seu pai, também de nome Antípater, este nomeado para o posto por Alexandre Janeu. EUSÉBIO, Historia
Ecclesiastica I, VII, 11. Eusébio vive entre 263 e 339 d.C. e é bispo de Cesaréia, na Palestina. Escreve uma
importante "História Eclesiástica", em 10 livros. Sobre a origem de Antípater, cf. também SCHÜRER, E., Storia
del popolo giudaico al tempo di Gesù Cristo I, pp. 300-301, nota 3.
7
Arquelau é deposto por Augusto no ano 6 d.C., por causa das numerosas arbitrariedades que comete, entre elas
a troca indevida de sumos sacerdotes. Uma delegação de judeus influentes vai a Roma falar com o Imperador e é
atendida. A Judéia, a Samaria e a Iduméia passam, então, a ser governadas diretamente por procuradores romanos.
A capital da província passa a ser Cesaréia.
8
Herodes Antipas constrói, no ano 17 d.C., a capital de sua tetrarquia às margens do lago de Genezaré e chama-a
de Tiberíades, em homenagem ao Imperador Tibério. É muito amigo dos romanos e parecido com o pai. Casado
com uma filha do rei nabateu Aretas IV, Herodes Antipas acaba por repudiá-la e casa-se com Herodíades, mulher
de seu irmão Felipe. Isto lhe custa uma represália do rei nabateu Aretas IV, que, para vingar a filha, ataca Antipas,
derrotando-o em 36 d.C.
9
Cf. Lc. 3:1; 9:7-9; 13: 31-32; 23: 7-12; Mt. 14: 1-12.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
-4-
Após a dinastia herodiana, a administração voltou às mãos dos procuradores romanos.10
Os procuradores eram funcionários que respondiam diretamente ao imperador de Roma. Este
título era dado a diversos funcionários que possuíam atribuições diferentes. Os procuradores
palestinos estavam subordinados ao governador da Síria. Entretanto, como representantes
diretos do Imperador, detinham poderes civis, de exército e jurídicos. Os procuradores da Judéia
residiam em Cesareia, mas em tempos de festas religiosas se transferiam para Jerusalém, já que
nestas ocasiões ocorriam o maior número de conflitos. Na estrutura do império, o procurador
respondia diretamente ao imperador romano.
O esquema de vinculação entre o procurador romano e o imperador é o seguinte:
10
Herodes Agripa I, amigo de juventude de Calígula (37-41 d.C.), recebe deste a tetrarquia de Felipe, com o título
de rei (37-44 d.C.). Dois anos depois, ao ser desterrado Antipas, recebe sua tetrarquia e as terras de Abilene,
tetrarquia de Lisânias. Em 41, quando Calígula é feito Imperador, Herodes Agripa I torna-se também rei da Judéia,
Samaria e Iduméia. Torna-se, assim, rei de um território tão grande quanto o de seu avô, Herodes Magno. É judeu
observante e piedoso, amigo dos fariseus. Começa a construção da terceira muralha de Jerusalém, que tornaria a
cidade simplesmente inexpugnável. Contudo, não pôde concluí-la, pois o Imperador, alertado pelo governador da
Síria, proíbe-o de continuar a obra. Morre repentinamente no ano 44 d.C., em Cesaréia.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
-5A Palestina tem por característica ser uma região semiárida, e por ser uma região que
não é densamente povoada. No tempo de Jesus, parte reduzida das pessoas, e sobremaneira
estrangeiros, detinham a posse da maior parte das terras, e havia uma grande quantidade de
camponeses pobres.11 Esta polarização econômico-social produzia uma variação no campo
ideológico. Não obstante a concepção teocrática de sociedade unificar grande parte das
convenções sociais. No tempo de Jesus, a Palestina está imersa numa crise de identidade. De
Alexandre, o Grande, e no decorrer dos trezentos anos que se seguiram, a perseguição cultural
contra os judeus foi constante. Houve uma forte imigração de judeus que se conformaram com
os costumes e hábitos mediterrâneos orientais e egípcios – emigração esta chamada Diáspora.
Quase todos os emigrantes judeus eram artesãos e eles voltavam ocasionalmente para
Jerusalém, já que o culto sacrificial era restrito ao Templo. Os judeus da Diáspora já não
conheciam majoritariamente a língua hebraica, e utilizavam a Septuaginta. Alguns só falavam
arameu, que era o idioma corrente, o idioma comum daquela época.12
As duas facções de judeus tiveram disposições distintas no tocante às influências e
paradigmas ideológicos. Entre os helenistas, a tradição judaica foi mediada pelo esboço da
“A expressão mais clara desse desenvolvimento é a concentração da posse da terra na mão de poucos
latifundiários. Ela determinava - talvez com uma exceção parcial na época hasmoneia - a situação econômica da
Palestina inclusive no período romano.” STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História
Social do Protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad.
Nélio Schneider). São Paulo: Paulus, 2004. p. 131.
12
Tassin afirma que as causas da Diáspora são muitas e variadas: “As causas da Dispersão, deportações,
superpopulação, perseguições, decorrem das leis habituais da emigração. Entre os motivos, estarísmos errando se
insistíssemos no ‘gênio comercial’ do judaísmo; este traço quase não é enfatizado antes da Idade Média. Em
contrapartida, evitemos negligenciar o fator militar: numerosas colônias judaicas, semi-soldados, semiagricultores, foram colocadas nas fronteiras dos impérios sucessivos, como a colônia de Elefantina, ao sul do Egito,
cuja existência atestam papiros que falam de sua presença ali desde o século VI: Elefantina fala o aramaico, possui
seu templo e seu clero, para um culto mais sincretista, e mantém com a Palestina relações de dependência religiosa.
É que a Diáspora olha para Jerusalém (Dn 6,11).” In: TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus.
(trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1988. pp. 14-15.A comunidade judaica da Diáspora manteve, em
termos gerais, uma identidade com o judaísmo, o que permitiu a existência deles como povo não obstante estarem
fora da Palestina. Segundo Volkmann, a unidade entre os judeus da Diáspora e os demais foi preservada por vários
elementos de identificação cultural. Diz Volkmann: “O que mantém a unidade desta comunidade tão diversificada
e tão dispersa são cinco fatores, que se desenvolveram justamente a partir do exílio e da constituição da
comunidade templária, especialmente sob a influência de textos elaborados entre os exilados, com destaque para
o grupo sacerdotal: a) tributo e ofertas para o Templo; b) peregrinações para Jerusalém; c) o culto nas sinagogas
aos sábados; d) calendário de festas; e) ligação organizada entre Jerusalém e a Diáspora, principalmente através
da entrega do tributo e das peregrinações.” VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal, 1992.
p. 8. Soma-se a estas vinculações entre os judeus da Diáspora e os da Palestina, elementos de diferenciação do
rupo em relação ao ambiente social em que estavam inseridos: “O domínio e a pureza do corpo supõem estreitos
limites sociais não só para os judeus que mantinham fidelidades sectárias especiais e que por isso se isolavam dos
outros, judeus latitudinários, mas também até certo ponto para todos os judeus que desejam preservar sua
identidade em cidades de Diáspora. Filon expõe sucintamente a situação deles em sua interpretação (citada
anteriormente no capítulo 1) da profecia de Balaão: Israel não poderá ser prejudicado pelos seus adversários
enquanto for "um povo que habita sozinho" (Nm 23,9), "porque, em virtude da distinção decorrente de seus
costumes peculiares, eles não se misturam com outros, evitando afastar-se dos caminhos de seus pais”. Os mais
importantes Acostumes peculiares" eram a circuncisão, kashrut, a observância do sábado e a proibição de rituais
cívicos que implicassem o reconhecimento de deuses gentios.” MEEKS, Wayne A., Os Primeiros Cristãos
Urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo. (trad. I.F.L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1992. p. 153. O foco da
diferenciação social era a Escritura, que sempre foi “o núcleo principal para a interpretação da própria
sobrevivência de Israel na diáspora, a fonte necessária para reler a história à luz dos acontecimentos presentes no
mundo.” In: SCARDELAI, Donizete, Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus: Jesus e Outros Messias. São
Paulo: Paulus, 1998. p. 43. Esta era lida e compreendida no ambiente sinagogal, que “consolidava particularmente
a unidade dos membros da Diáspora, assegurando-lhes lugar público de expressão da sua fé, de educação para a
Lei e para as práticas judaicas.” In: TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L.
Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1988. p. 49.
11
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
-6filosofia neoplatônica.13 A helenização, associada ao desenvolvimento da vida urbana, fez
colidir os judeus helenistas com a tradição do mundo hebreu. O efeito mais visível desta
influência era a proliferação destes nas cidades, fato que é refletido nos “Atos dos Apóstolos.”
A elite instruída dos judeus palestinenses foi substituída por uma minoria intelectual, que tinha
representantes como Teodoro, Oenomeu (estóico), Nicolau de Damasco e Flávio Josefo entre
outros. O resultado da helenização foi visto na composição do grupo de discípulos após a morte
de Jesus, marcada pela tensão cultural entre os helenistas e os judeus, e entre as cidades helenas
e os camponeses.
A linguagem oficial dos tribunais era o idioma grego, e não o hebreu, por ser
considerado o idioma da alta sociedade. No tribunal de Herodes, a aculturação helenística era
patente. Josefo afirma nos seus textos que Herodes ostentou ser mais próximo da cultura grega
que da cultura judaica. Na Palestina, o grego passou a ser o 2º idioma, sendo gerado por isto
um conflito econômico e ideológico entre os mais pobres, que não conheciam o idioma, e a
minoria rica. A cultura imposta era oposta àquilo que fazia parte da vida diária dos mais pobres,
e estes eram majoritariamente camponeses. Isto trouxe conflito entre a cidade e o campo.14
Esta grande diferença econômica acaba por culminar na tensão social que provocou a
guerra judaica entre os anos 66 e 67 d.C. Os camponeses fortemente empobrecidos pararam de
cultivar suas terras e emigraram para as cidades à procura de uma oportunidade. O aumento da
população, com a falta ascendente de infraestruturas, culminou em grandes problemas
socioeconômicos. Tudo isto foi consequência do processo de dominação romano, segundo
afirma Pixley:
Um dos propósitos do império em seu controle sobre o território e a população da
Palestina era obter riquezas através de um complexo sistema de tributos e impostos. Havia
impostos sobre a terra, sobre a população, e direitos de alfândega e pedágio para o uso de pontes
e vias. Cobrar os impostos era um negócio que se outorgava por contratos a grandes
empresários, que por sua vez empreitavam aos coletores locais de impostos. Para a população
judaica existiam ainda os impostos do templo, principal- mente o dizimo sobre a produção do
campo e o imposto anual da didracma sobre cada varão. A carga para o camponês comum devia
ser verdadeiramente espantosa. 15
Este período também foi marcado pela violência, com vários tumultos e confusões no
ambiente urbano. Estas tensões entre as pessoas ricas e as pobres tiveram imbricações
políticas.16
“Sob tais pressões, muitos judeus abandonaram o apego a uma identidade distinta como povo da aliança,
assimilando-se à cultura greco-romana. Esse fato se mostra de maneira superficial já na adoção de nomes gregos
- prática que encontramos entre muitos cristãos das origens, inclusive alguns discípulos de Jesus.” In: KEE, H. C.,
As Origens Cristãs: em perspectiva sociológica. (trad. J. Rezende Costa). São Paulo: Paulinas, 1983, p. 35.
14
“Como as cidades crescessem em número e poder, suas relações com o campo se foram tornando cada vez mais
ambivalentes. Uns dependiam dos outros, mas sob todos os aspectos de vantagens físicas e sociais a simbiose era
unilateral e sempre favorecia a cidade.” MEEKS, Wayne A., Os Primeiros Cristãos Urbanos: o mundo social do
apóstolo Paulo. (trad. I.F.L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1992, p. 29.
15
PIXLEY, Jorge, A História de Israel a Partir dos Pobres. 6a Ed. (Trad. Ramiro Mincato). Petrópolis: Vozes,
1999, p. 123.
16
Pixley afirma que estes conflitos alcançaram tanto a cidade quanto o campo. Ele afirma: “Nos anos seguintes
houve diversos incidentes em que a população, tanto urbana como rural, protestou contra os abusos de poder por
parte das autoridades. Tibério Alexandre, procurador de 46 a 48 d.C., sentenciou e crucificou Tiago e Simão, filhos
de Judas o Galileu, ainda que Josefo não nos informe sobre suas atividades revolucionárias (Ant XX, 102).” Ver:
PIXLEY, Jorge, A História de Israel a Partir dos Pobres. 6 a Ed. (Trad. Ramiro Mincato). Petrópolis: Vozes. 1999,
p. 130. Scardelay ainda afirma que a Galiléia era o principal centro de resistência, sendo: “(...) considerado o
centro centrífugo de movimentos da resistência judaica, cujas manifestações mais radicais e organizadas
ocorriam em Jerusalém durante as festividades do calendário religioso judaico. Entre os focos de movimentos
rebeldes mais conhecidos estão situados os zelotas, cujo aparecimento ocorreu durante o início da conquista da
Judéia pelos romanos, em 66-67 d.C.” Ver: SCARDELAI, Donizete, Movimentos Messiânicos no Tempo de
13
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
-7O processo final dirigiu-se para a tensão religiosa entre o judaísmo e o paganismo,
principalmente entre os paganizantes do judaísmo e os adeptos do judaísmo tradicional. O
cristianismo foi influenciado por tradições pagãs, como a afirmação da não necessidade da
circuncisão para entrar no grupo de cristãos, e a adoção de um espírito mais universalista.
Outros elementos que foram somados ao cristianismo foi a visão cosmológica, ou a
identificação da Palavra de Deus, dotada de ação criativa, com o “logos” do platonismo.17
Em um nível mais prático, o contato com o paganismo já significava que os cristãos
estavam transgredindo as normas de pureza: Comer com um pagão é um ato sacrílego. Isto pode
ser observado nos Atos dos Apóstolos. Esta situação inteira faz parte do contexto em que o
cristianismo surge e deve ser analisado. Especialmente importantes são, neste sentido, a
percepção teocrática do “self”, de Deus, da religião e da vida cotidiana. O Cristianismo é mais
uma resposta aos problemas e dilemas do judaísmo do primeiro século, e consiste na
flexibilização das questões mais radicais.18
A sociedade teocrática judaica é tão abrangente que os movimentos de reação e de
alternativa têm caráter religioso. Por isto, a primeira reação ante um problema é o desapego (a
emigração), elemento muito importante na Palestina e algo frequente em sua história. Outra
reação foi a bandidagem cometida pelos movimentos sociais pré-políticos que não
apresentavam outra alternativa social por não se alinharem com o poder político-religioso
estabelecido, mas ao mesmo tempo terem exigências claras e mobilização, por vezes dotadas
Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo: Paulus. 1998, pp. 240-241. Ou seja: a dominação romana causou desde
o princípio descontentamento tanto na cidade quanto no campo, tanto na Galileia quanto em Jerusalém. Porém os
mais pobres se mobilizaram mais frequentemente. Esta mobilização é comentada por Theissen: “Quando, porém,
uma sociedade se sente ameaçada e insegura, ela geralmente recorre a comportamentos tradicionais. Valores
sagrados da nação são enaltecidos de forma provocadora. Intensifica-se a separação de tudo o que é
estrangeiro.” Ver: THEISSEN, Gerd, Sociologia do Movimento de Jesus. 2 a ed. (Werner Fuchs e Annemarie
Höhn). São Leopoldo: Sinodal. 1997, p. 91.
17
A influência helenista no judaísmo e no cristianismo foi consequência inevitável do contato com a cultura dos
dominadores. Tanto os gregos, quanto os romanos, estabeleceram sua influência cultural, numa iniciativa que
buscava diminuir as resistências dos povos dominados. O início desta influência cultural não foi pacífica, mas foi
realizada através da mudança de paradigmas culturais importantes. Pixley afirma: “A organização secular dos
camponeses em aldeias, com seus próprios conselhos de anciãos, foi violada no século III com a fundação de
cidades de estilo helenístico no território da Palestina e a introdução da propriedade privada da terra.” Ver:
PIXLEY, Jorge, A História de Israel a Partir dos Pobres. 6 a Ed. (Trad. Ramiro Mincato). Petrópolis: Vozes. 1999,
p. 119. Além disto, até mesmo a expressão “judaísmo” foi estabelecida a partir do contraste da cultura dos judeus
e dos gregos. Segundo Tassin, “o termo judaísmo parece ter sido forjado pelos judeus de língua grega para se
definirem em face do helenismo. Encontramos o termo pela primeira vez em 2 Mc 9 por volta de 150 a.C.). Em 2
Mc 2,21 o autor evoca ‘os que generosamente realizaram façanhas pelo judaísmo a ponto de porem em fuga as
hordas bárbaras’. Ironia da linguagem! Pois são os judeus que os helenistas qualificam de ‘bárbaros’. Aqui, como
em 2 Mc 8,1, o termo ‘judaísmo’ abrange a fé, os costumes e o enraizamento étnico que caracterizam a identidade
judaica. 2 Mc 14,37-38 apresenta certo Razis que ‘havia incorrido em condenação por professar o judaísmo e pelo
judaísmo se expusera com toda constância já no período precedente à revolta’. Encontram-se aí as mesmas
harmonizações. Acrescentemos ainda 4 Mc 4,26 (escrito no século I d.C. ou anterior) onde comer alguma coisa
impura equivale a ‘abjurar ao judaísmo’. Em todos estes textos, o contexto é polêmico: ele não evoca apenas a
fidelidade à autenticidade judaica, mas também a luta contra aquilo que a ameaçaria.” Ver: TASSIN, Claude. O
Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1988, p. 25. Para mais
exemplos do intercâmbio cultural e conflitos entre o judaísmo e o helenismo, ver as seguintes obras: a) Le Goff,
J., El Nascimiento del Purgatorio, Madrid, Taurus, 1981, pp.18, 69-80. b) Lévêque, P., O Mundo Helenístico,
Lisboa, Ed, 70, 1988, pp.123-148. c) Eliade, op. cit., pp. 42-71. d) Simon e Benoit, Judaísmo e Cristianismo
Antigo. São Paulo. Pioneira/Edusp. 1987, pp.237-43.
18
Uma destas questões é a relação ente homens e mulheres. No judaísmo, esta era uma questão por demais drástica.
A comunidade cristã, por ser menos restrita, valorizava a figura feminina de forma paralela àquela que era feita
nos cultos gregos. Cf. Robin Scroggs, "Entrar na comunidade cristã significa, portanto, filiar-se a uma sociedade
na qual funções do tipo homem-mulher, e avaliações baseadas nestas funções, têm sido descartadas" ("Women in
the NT" em The Interpreter’s Dictionary of the Bible, volume suplementar [Nashville: Abingdon Press, 1976]
966).
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
-8de conteúdo religioso. Um exemplo é a menção da Palestina, pelas autoridades romanas, a partir
de grupos ou movimentos específicos, reconhecidos por causa da sua postura diante do poder
central. E estes grupos eram referidos como agentes de bandidagem e como ladrões. Sobre isto,
afirma Grelot:
“Os bandidos: era esse, sem dúvida, o nome dado pelas autoridades a todos os opositores que
lutavam na guerrilha contra os partidários de Roma. Barrabás não era um ladrão, mas um
guerrilheiro (cf Mc 15,7). Os sicários: a arma favorita dos resistentes era a sica, punhal curvo, fácil
de esconder nas dobras das vestes,- daí o nome sicarii, "homens do punhal". Os galileus: a Galiléia
sempre foi um foco de agitação. A designação "galileus" se aplica especialmente aos partidários
de Judas. Os zelotas: simples transcrição do grego, esta palavra evoca o zelo ardente que anima o
grupo. Flávio Josefo só fala dos zelotas a propósito da guerra judaica (66- 70 de nossa era). Por
isso os historiadores díscutem sobre a homogeneidade dos movimentos de resistência que se
manifestaram na Palestina.”19
Esta configuração social da Palestina proporcionou a emergência de partidos e
movimentos de natureza religiosa e política. Na sociedade judia existiam duas correntes
religiosas que expressam maior influência na religião judaica: os saduceus e os fariseus. Junto
a elas existem dois movimentos de natureza messiânica com posicionamento oposto ao status
quo religioso ou civil: os sicários, os zelotas, e os essênios.
Os Saduceus
Os saduceus são o grupo mais poderoso do período neotestamentário. Este grupo teve
origem na nobreza sacerdotal judaíta, que foi fortalecida na fundação da comunidade pósexílica em 539 a.C.20 Era um grupo conhecido particularmente por reafirmar a centralidade do
culto no Templo e por serem os legítimos representantes da ortodoxia judaica conservadora.21
19
GRELOT, P., Jesus. In: VVAA, Libertação dos Homens e Salvação em Jesus Cristo: 1a parte. [trad. Benôni
Lemos]. São Paulo: Paulinas. 1981, p. 64.
20
Segundo Stegemann, os saduceus são um grupo influente e ligado ao Sumo-Sacerdote, o que não permite que
se afirme com exatidão aqueles que pertencem ao grupo. Sabe-se que fazia parte do grupo dominante da religião
judaica, e que membros da elite econômica também eram saduceus, e na elite política também. Steggemann afirma:
“O enquadramento dos três grupos principais nos estratos da sociedade judaica é relativamente claro no caso dos
saduceus, pois tanto os testemunhos de Josefo como do Novo Testamento sugerem que os saduceus pertenciam ao
estrato superior dominante de Jerusalém. Eles são mencionados pela primeira vez por Josefo sob João Hircano,
que rompeu com os fariseus e se aliou aos saduceus (Cf. Ant 13,293ss.). Isso, em todo caso, indica que os saduceus
estavam próximos do estrato dominante, algo que, ademais, é corroborado pelo fato de que, se- gundo Josefo, eles
não encontravam seus adeptos entre o povo, mas entre as pessoas ricas e afamadas (Ant 13,298). Igualmente está
claro que alguns membros da alta aristocracia sacerdotal se consideravam integrantes do grupo; Josefo menciona
nominalmente, contudo, apenas o sumo sacerdote Ananias (Ant 20,199ss.). Isso, entretanto, não nos permite
deduzir que todo sumo sacerdote ou até todos os membros do estrato superior tenham sido saduceus. Mas nada
impede a conclusão inversa. Também de acordo com o Novo Testamento, os saduceus, como grupo influente do
Sinédrio, fazem parte do estrato superior e são mencionados de um só fôlego com o sumo sacerdote (Cf. apenas
Ai 5.17).” Ver: STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do Protocristianismo:
os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo:
Paulus. 2004, p. 185. Particularmente, é aceitável a tese de que “os saduceus se apresentam como descendentes de
Sadoc, sumo-sacerdote do período de Davi e Salomão (Ez 40.46, 44.15).” Cf. SCHUBERT, Kurt, Partidos
Religiosos Hebraicos da Época Neotestamentária. (trad. Isabel Fontes Leal Ferreira). São Paulo: Paulinas. 1979,
p. 15.
21
“Em termos teológicos se evidenciam como conservadores pelo fato de defenderem apenas a validade da Torá,
sem aceitar a tradição oral dela derivada, como o fazem os fariseus'. Em conseqüência também não aceitam idéias
novas desenvolvidas principalmente em conexão com esta tradição oral: continuidade da vida além da morte,
ressurreição dos mortos, participação de Deus na definição do destino.” Ver: VOLKMANN, Martin, Jesus e o
Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 119. Ver também: MOULE, C.F.D., As Origens do Novo Testamento.
(trad. Josué Xavier). São Paulo: Paulinas. 1979, p. 25.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
-9Os saduceus eram conservadores em suas propostas, porém conformados com o status
quo político.22 Eram membros geralmente da aristocracia laica (grandes proprietários,
comerciantes e artesãos) e eclesiástica; e descendentes dos que ostentaram o poder no passado
próspero de Judá. Quando perderam a preeminência política sacerdotal, seguiram controlando
a estrutura de poder vinculado ao Templo de Jerusalém. Esta foi a causa do seu descenso: entre
os anos 60 e 66 o Templo foi destruído por causa da guerra.23
Os saduceus aceitavam o alistamento no exército romano, e por isto obtinham algumas
benesses na estrutura econômica do império. Nisto eles não eram conservadores. Porém, no
tocante às questões religiosas, os saduceus eram o grupo mais conservador. Por estabelecerem
uma dicotomia ideológica entre a religiosidade e a dominação do estado, os saduceus
vincularam ao seu corpo de doutrinas a ideia de que o Estado hebreu estava vinculado ao
Templo, e seu poder de legislar passava pelo cuidado e supervisão do povo no tocante à
observância da Lei. As tentativas de reformas nas crenças religiosas obtinham geralmente a
oposição por parte deste grupo. Eles eram os principais mantenedores do patrimônio religioso
tradicional.24
Os saduceus não aceitavam a transmissão oral e, ao mesmo tempo, eles eram os únicos,
na esfera do Templo, que podiam interpretar os textos. Não reconheciam os livros mais recentes
da Torá, pois restringiam a ideia de perfeição e legislação ao Pentateuco.25
Eram contrários também à ideia de promover a conversão de estrangeiros, pois
adotavam o conceito de que só os judeus eram o povo eleito. O judaísmo, nesta concepção, era
uma religião dos judeus, e não da humanidade.
Os judeus não entendiam ser o “logos” uma realidade física. Não acreditavam na alma
individual e, por conseguinte, não criam na ressurreição. Para eles, só o presente existia, e a
ideia da retribuição imanente: que os benefícios da vida presente são consequência da fidelidade
à Lei. Neste sistema teológico, Yahweh era o castigador, ou doador de bens aos justos.
Os saduceus negavam a possibilidade de inovação na teologia, e por isto não produziram
textos literários, nem teológicos. Não acreditavam em interpretações, contextualizações ou
profecias. Por isto, o que se conhece dos saduceus é relatado pelos “historiadores” da
Antiguidade e pelos seus detratores. A razão dos saduceus terem acumulado adversários foi
esse posicionamento hostil diante dos adversários e sua visão estrita da Lei, conforme afirma
Tassin:
“Diferentemente desses dois grupos [fariseus e essênios], que haviam se originado do protesto contra a
restauração nacional-territorial sob os asmoneus e especialmente contra a realeza sacerdotal destes, os saduceus
surgiram dos círculos sacerdotais que "eram favoráveis e apoiavam explicitamente a dinastia asmonéia", pois
viam nesta uma garantia de seus ideais nacionalistas-particularistas, no centro dos quais deve ter estado o templo
com o seu culto.” Ver: ROLOFF, Jürgen, A Igreja do Novo Testamento. (trad. Nélio Schneider). São Leopoldo:
Sinodal, 2005, p. 22.
23
O grupo dos saduceus, que era conformado com o status quo político e vinculado principalmente ao Templo,
desapareceu após a ruína das relações dos judeus com os romanos após as Guerras Judaicas, e após a destruição
do templo, que era seu contexto vital. Neste caso, as suas tradições desapareceram e a supremacia farisaica se
estabeleceu, já que o contexto da existência farisaica não era restrita ao templo, mas alcançava também a sinagoga.
Sobre isto, ver: VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, pp. 119,120.
24
Não obstante serem os defensores do patrimônio religioso tradicional, os saduceus paradoxalmente assumiram
uma mentalidade secularizada, associado ao ritual sacrificial promovido e defendido pelo grupo, provocando a
dissociação entre a vida religiosa e a práxis. Ver: MOULE, C. F. D., As Origens do Novo Testamento. (Trad. Josué
Xavier). São Paulo: Paulinas. 1979, p. 141.
25
Este conservadorismo foi a causa do posicionamento dos fariseus diante de Jesus. Afirma Goppelt: “Também
os sumo-sacerdotes e os saduceus têm que insistir na eliminação de Jesus; pois todo o movimento messiânico põe
em perigo a sua posição. A revolta messiânica do ano 66 trouxe o fim tanto para o templo quanto para eles.” Ver:
GOPPELT, Leonhard, Teologia do Novo Testamento. 3a ed. (Trad. Martin Dreher e Ilson Kayser). São Paulo:
Teológica. 2002, p. 233.
22
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 10 Eram muito conservadores em matéria de religião. Na doutrina (Mt 16,12), admitiam
apenas a Torá ou Lei de Moisés, que está exclusivamente nos cinco primeiros livros da Bíblia
(Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. O conjunto desses livros se chama
Pentateuco). Eles se atêm estritamente à letra do que esses livros dizem. São, portanto,
fundamentalistas. Por isso rejeitam qualquer desenvolvimento posterior dessa doutrina; opõemse principalmente àquilo que os fariseus ensinam como 'doutrina oral", que interpretava essa
Lei. Conforme os saduceus, os sacerdotes são os únicos intérpretes da Lei. Não querem que os
fariseus 'leigos" a interpretem. Também suspeitam dos profetas. Todos eles são fanáticos da
observância do sábado. 26
Os Fariseus
Os fariseus são um grupo fundamental para se compreender o que se tornou o judaísmo
após a derrota de Jerusalém no ano 70 d.C.27 Este grupo é geralmente tratado no testemunho
dos evangelhos como sendo a encarnação de todos os males, devido ao fato dos fariseus serem
os mais constantes perseguidores dos cristãos. São tachados de falsos (sepulcros caiados). Pelos
essênios, eles eram chamados de “segregados”, já que a comunidade também se posicionava
diametralmente oposta aos costumes farisaicos.
Os fariseus constituem o grupo majoritário, dentre os grupos conhecidos pela sua
religiosidade. Não eram dirigidos pelos sacerdotes, ainda que existissem sacerdotes fariseus
servindo no Templo de Jerusalém. O grupo dirigente dos fariseus eram os chamados “Doutores
da Lei”.
Os fariseus não provocaram a ruptura com o Templo e com o sacerdócio (distintamente
dos essênios). Não exerciam papel determinante na regência do culto do Templo e nem se
colocavam em oposição à dominação romana. Suas propostas religiosas estavam baseadas em
esperanças dadas aos piedosos da época, o que fazia deste grupo um partido bastante atraente.
Havia entre os fariseus um consenso maior que os saduceus sobre questões teológicas, o que
tornava suas ideias mais claras.28
26
MORACHO, Félix, Como Ler os Evangelhos: para entender o que Jesus fazia e dizia. (trad. Iv Storniolo e José
Bortolini). São Paulo: Paulus. 1994, p. 61.
27
Afirma Michaud: “A origem dos fariseus também é obscura. Após duas décadas de novas pesquisas, os
especialistas são cada vez menos categóricos sobre tudo o que diz respeito aos fariseus. Geralmente eles são
relacionados com os hassidim, aqueles piedosos" ou "devotados à Lei", que se reuniram a Matatias, seus filhos e
seus companheiros, por ocasião da insurreição dos Macabeus em -167 (I Mc 2,42). Seu nome significa "separados",
sem que se possa dizer com certeza de que eles se separaram. De certos judeus muito pouco escrupulosos na
observância da Lei, especialmente do povo simples ou "povo do país: 'am-ha-arets" cuja fidelidade às leis sobre
os dízimos e as purificações continuava duvidosa? Ou simplesmente dos pagãos? Sob João Hircano (-1341-104),
eles aparecem como um grupo solidamente organizado e politicamente influente. Mas foram rapidamente
suplantados pelos saduceus e, se excetuarmos o breve intervalo favorável do reino de Salomé-Alexandra (-76/67), seu papel político sofrerá um declínio constante a partir da intervenção romana em -63. Entretanto, após 70,
essênios e saduceus, corno grupos, tendo sido levados até a tormenta, eles continuarão sozinhos na arena e
reconstruirão o judaísmo em torno da Lei e de sua interpretação. Portanto, antes de 70, esses leigos piedosos não
faziam parte da classe governante que se reunia em torno dos sumos sacerdotes e do grupo dos saduceus, e não
tinham muita influência política. Pelo contrário, o zelo piedoso de que davam prova, a integridade de sua vida e o
ideal religioso...”. Ver: MICHAUD, Jean-Paul, A Palestina do Primeiro Século. (In: MAINVILLE, Odette (Org.),
Escritos e Ambiente do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis: Vozes. 2002, p. 46.
28
Segundo Michaud, os fariseus tinham “um crédito considerável junto à população. Josefo sublinha diversas
vezes essa popularidade W 13, 288; 18, 1 5; 18, 17).”(Ver: MICHAUD, Jean-Paul, A Palestina do Primeiro Século.
(In: MAINVILLE, Odette (Org.), Escritos e Ambiente do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis:
Vozes. 2002, p. 47.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 11 O Templo era um centro econômico.29 Os sacrifícios, em grande parte, eram entregues
ao Templo, e a produção de velas e demais utensílios cúlticos dava trabalho a 6 mil empregados
e suas famílias. Era muito grande a afluência de peregrinos, já que as sinagogas não são um
lugar de culto, mas de leitura e discussão dos livros sagrados. Os fariseus tinham seu foco de
atuação neste momento secundário da religiosidade judaica: sua influência principal estava
localizada na sinagoga.30 Os saduceus, por sua vez, dominavam no Templo - nos períodos em
que o povo atendia às convocações (festas, datas especiais) para ir ao Templo.
O segredo para tamanha influência foi a adoção pelos fariseus da tradição oral. Esta era
dotada de grande importância, pois a crença farisaica afirmava ter sido a tradição recolhida
desde os dias de Moisés e passada de geração em geração, até eles. Os fariseus entendiam ser
os fiéis depositários da tradição, e foram incrementando-a com o tempo.31 Por não existir um
organismo que ditasse as leis ao povo, eles estabeleceram os doutores da lei.
Dentre os chamados doutores da Lei, existiam alguns que adicionavam textos à Torá,
sendo estes os mais eruditos, pois criavam doutrinas e as transmitiam por meio de parábolas
para fazer entender os conceitos teológicos contidos nestas formulações, que eram complexas
e abstratas à população. Para os fariseus, Moisés tinha entregado as tábuas da lei, mas junto
com elas deixou as normas para a sua aplicação, e estas convertiam aqueles que eram
conhecedores destes conceitos em intérpretes da lei. Esta função assumiu maior relevância, em
determinadas ocasiões, até que o próprio culto.32
29
Na Judéia, o centro da vida litúrgica é o templo: a pregação de Jeremias e de Ezequiel, a última formulação do
Deuteronômio desenvolveram uma teologia da unicidade do lugar do culto, exigida por Deus. Na época macabaica,
trata-se do que chamam de o segundo templo, que fora reconstruído, depois de muitas vicissitudes, durante o
período pós-exílico. Os trabalhos tinham começado desde a volta, conforme o edito de Ciro: primeiro reconstruiuse o altar, em seguida, limpou-se e nivelou-se o terreno (Esd 3,3.10); a despeito do projeto de restauração.
SAULNIER, C., A Revolta dos Macabeus. (trad. I. F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas. 1987, p. 44.
30
As sinagogas podem ser comprovadas na época de Jesus na Galileia e na Judéia com base em “(...) inscrições
gregas na diáspora da segunda metade do século 3 a. C." Na terra de Israel, os testemunhos mais antigos são a
inscrição de Teódoto de Jerusalém, assim como os achados arqueológicos de Garffla, do Herodeion e da fortaleza
de Massada, da metade do século 1 d. C." Supôs-se, por isso, que, na terra de Israel, as sinagogas surgiram mais
tarde, talvez apenas no período pós-macabeu. 11 Em Josefo, no Novo Testamento, bem como por fim também na
Mishnah, encontram-se numerosas menções a sinagogas em Jerusalém e na terra de Israel, ou seja, em Tibérias,
Dor, Cesaréia (maritima), Nazaré e Cafarnaum. Diferentemente da diáspora, entretanto, o número de sinagogas
na Palestina antes de 70 d. C. deve ter sido pequeno. Mas as raízes das sinagogas não devem se encontrar, como
se presume amplamente, no exílio babilônico, mas numa instituição pós-exilica "que estava encarregada de
realizar tarefas públicas, entre as quais se incluíam também funções religiosas. Só por volta do final do segundo
templo e sobretudo após a sua destruição, cresce sempre mais a importância das funções cultuais.” (Cf.
STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang. História Social do Protocristianismo: os primórdios
no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo: Paulus. 2004,
p. 168. As sinagogas são chamadas por vários termos. Na Diáspora, “a palavra grega mais comum para a sinagoga
é, em contrapartida, proseuché (lugar de oração).” (Cf. STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang.
História Social do Protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo
mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo: Paulus. 2004, p. 168. “Porém, os vocábulos que serviam para
designar a sinagoga evocam lugar de oração (proseuché), de reunião (sunagogé) e também o sábado (uma vez
sabbateion na pena de Flávio josefo), porque a sinagoga devia influir muito na regularidade da observância deste
dia santo. A leitura da Torá era o elemento central da reunião; a pregação explicava, exortava, sendo o primeiro
elemento de interpretação da Torá a leitura de uma passagem dos Profetas, uma leitura comparada: desta
imantação mútua dos textos nascia uma espécie de tradição bíblico litúrgica em que a Bíblia comentava a Bíblia.”
In: TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas.
1988, p. 49. A sinagoga consolidava particularmente a unidade dos membros da Diáspora, assegurando-lhes lugar
público de expressão da sua fé, de educação para a Lei e para as práticas judaicas.” In: TASSIN, Claude. O
Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas. 1988, p. 49.
31
VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 121.
32
Por isto, o povo simples, que não podia compreender ou até mesmo não era instruída no sem-número de
prescrições, era desprezado pelos fariseus, e Jesus também o era, já que ele “...negligencia as purificações rituais
e os jejuns de devoção, e frequenta cobradores de impostos e pecadores (Mc 2,15-17; Lc 15,2), devia provocar
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 12 Quando o Templo foi destruído - o arco do triunfo de Tito comemora esta queda, e nele
estão representados a chegada do grande candelabro e o arca da aliança depois da revolução
judia - o culto se desenvolveu na sinagoga. Os fariseus mantiveram a tradição através das
fórmulas rituais com 248 mandatos e 366 proibições derivados dos Dez Mandamentos. Os
saduceus desapareceram com a destruição do Templo e foi estabelecida a hegemonia farisaica
na determinação das marcas do judaísmo a partir de então. Encontramos assim, a seguinte
afirmação:
Pode-se dizer que depois da catástrofe do ano 70, três dos partidos religiosos mencionados por
Josefo desapareceram. Os zelotes revolucionários, com certeza, no último combate de Massada,
e os essênios de Qumran, estabelecidos na vizinhança. Mas também os saduceus, cuja
organização estava toda ligada ao Templo. Restavam os fariseus. Apesar da impossibilidade de
estabelecer uma clara continuidade entre os fariseus de antes de 70 e os primeiros rabinosso, a
tendência farisaica acabará, entretanto, por prevalecer no nascente judaísmo rabínico. O
movimento se formou em Jâmnia, na costa mediterrânea a cerca de vinte quilômetros da atual
Tel-Aviv, sob a direção de Joanan ben Zakkai (entre 70 e 80) e, depois dele, de Gamaliel 11 (8090). Empreendeu-se, então, o que pouco depois será percebido como uma redefinição completa
do judaísmo, em torno dos três pilares fundamentais que subsistiam: o monoteísmo, a eleição
expressa pela aliança e a Lei. De fato, o Templo e seu culto não foram esquecidos e os rabinos
continuaram a legislar a este respeito, como atestam grandes partes da Mishna, na esperança de
que o Templo seria restabelecido como fora outrora depois do exílio da Babilônia. Entretanto,
foi a Lei e suas aplicações práticas que se tornaram a preocupação central dos rabinos da escola
de Jâmnia. Eles desenvolveram assim uma forma de judaísmo capaz de manter sua identidade,
até mesmo fora do Templo e de um culto central. É claro que a unidade deste judaísmo não se
conseguiu de um dia para o outro. Foi preciso esperar o fim do período talmúdico no Século V,
para que as comunidades de judeus do mundo... 33
A pregação de Jesus era diametralmente oposta às exigências farisaicas em relação ao
comportamento cotidiano não relacional, como as tradições referentes aos alimentos etc. Muitas
de suas propostas são tomadas deles. Só os doutores podiam discernir entre o bem e o mal de
qualquer fato ou coisa, por que as regras geralmente eram desconhecidas. Cumprir a lei se
traduzia no farisaísmo a um esforço positivo. As boas ou más ações eram premiadas ou
castigadas pela divindade.
No farisaísmo cada indivíduo era mensurado no tocante à sua honradez, segundo as suas
obras. Os pecados podiam ser expiados mediante o amor (a caridade), a contrição (jejum) ou a
punição individual ou coletiva. Yahweh era, segundo os fariseus, um Deus vingativo. Para eles
era melhor ser uma sociedade baseada em rituais de pureza e denúncia dos pecados alheios - e
expiação dos próprios – do que estar sujeito à fúria de Deus.34
Os fariseus criam também na misericórdia de Deus e no advento do Messias,
responsável por estabelecer na terra o Reino de Deus, tendo fim toda a opressão, porém, num
futuro longínquo – conceito muito similar ao de outros movimentos messiânicos da época. No
entanto, não há um sentimento unânime sobre este tema. Outra questão aberta para os fariseus
era a questão da vida após a morte. A condição para esta vida, se os justos a gozariam
restritamente ou se esta era universal, se a alma dos injustos cessaria ou seria condenada
eternamente: são todas estas questões abertas no período de Jesus para os fariseus.35 Além disto,
uma oposição feroz de sua parte.” MICHAUD, Jean-Paul, A Palestina do Primeiro Século. In: MAINVILLE,
Odette (Org.), Escritos e Ambiente do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis: Vozes. 2002, p. 49.
33
MICHAUD, Jean-Paul, A Palestina do Primeiro Século. In: MAINVILLE, Odette (Org.), Escritos e Ambiente
do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis: Vozes. 2002, p. 61.
34
VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 122.
35
A escatologia farisaica tinha elementos particulares. “Os fariseus mudaram da política para a piedade, como
sucintamente o expressou Jacob Neusner, ao passo que os essênios emigraram para o deserto. Apesar deste
distanciamento, ambos os grupos persistiram no senso de inelutável obrigação de alcançar e manter a integridade
do povo da aliança. Embora variassem nos detalhes de suas expectativas, estavam unidos na confiança de que
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 13 os fariseus recusavam o messianismo (não obstante crerem no advento de um Messias),
consideravam-se a si mesmos o verdadeiro Israel ou intérpretes da lei de Deus, e não aceitavam
outras interpretações teológicas opostas as deles, pois as consideravam distorções da verdade.
Os fariseus não entendiam, como os saduceus, ser a salvação exclusiva aos judeus de
Israel e não aberta também para os judeus estrangeiros. Alguns fariseus chegaram a propor que
alguns gentios justos também podiam desfrutá-lo, porém estes constituíam um grupo
minoritário. Podiam-se incorporar os gentios à religião judaica e alguns conversos, depois de
aceitar o batismo – a travessia do mar Vermelho – deveriam praticar a circuncisão, e este era
um grande obstáculo para os estrangeiros. As mulheres gentias não podiam se agregar à
comunidade.36
Os movimentos religiosos messiânicos apresentam maior complexidade, já que suas
expectativas são complexas e difusas, e as interpretações apresentadas às suas doutrinas são
diversas, e suas características são mutáveis com o tempo. Distinguem-se dois grupos
principais: os zelotes e os essênios.
Os Zelotes
Os zelotes são grupos messiânicos caracterizados por ter uma intencionalidade política
devido à interpretação que apresentam de que a chegada do Messias é iminente. Os zelotes
associam esta chegada a uma mudança política (a expulsão dos romanos). Estes movimentos
são acompanhados de uma atividade militar e desejo de controle de territórios.37
Os zelotes – que têm representantes no grupo de Jesus – compartilhavam das idéias dos
fariseus e essênios, cujo ponto central é a interpretação do primeiro mandamento do decálogo:
“o Reino de Deus é Israel” ou “nada que seja temporal e mundano é compatível com o Reino
de Deus.” Estes discípulos são os seguintes:
“Os evangelhos mencionam, inadvertidamente talvez, o nome de quatro discípulos que têm
ligações coma ideologia revolucionária dos nacionalistas: Simão, um zelota confesso, e Judas
Iscariotes (Mt 10,4; Lc 6.15); Pedro, cujo caráter nos é apresentado como sendo impetuoso e
dominado por explosões emotivas (Lc 22.33. 49-50); e Tiago e João, que são denominados
eufemisticamente ‘Boanerges’, ou seja, ‘filhos do trovão’ (Mc 3.17).” 38
Deus haveria de se manifestar por íntermédio do seu Agente eleito para estabelecer a sua soberania no mundo e
vingar o seu povo fiel. Diferiam sobretudo quanto às fases e ao clímax do drama escatológico. Os essênios e outros
grupos de tendência semelhante mantiveram-se confiantes de que Deus lhes revelara os passos pormenorizados,
pelos quais iria cumprir o seu desígnio para com o seu povo.” Cf. KEE, H. C., As Origens Cristãs: em perspectiva
sociológica. (trad. J. Rezende Costa). São Paulo: Paulinas. 1983, p. 33.
36
Alguns têm sugerido que Jesus não escolheu mulheres para o colégio apostólico por que estava restrito pela
cultura da sua época: mulheres apóstolas não seriam aceitáveis para os judeus da época, e colocariam em perigo a
missão de Jesus (Cf. G. Bilezikian, Beyond Sex Roles [Grand Rapids: Baker, 1985] 236). Mas este argumento é
somente especulativo, e ao final, coloca Jesus numa situação difícil. Veja sua refutação em Piper e Grudem,
Recovering, 221-222. Outros exemplos: Paul K. Jewett, Man as Male and Female (Grand Rapids: Eerdmans, 1975)
142. Cf. Robin Scroggs, "Entrar na comunidade cristã significa, portanto, filiar-se a uma sociedade na qual
funções do tipo homem-mulher, e avaliações baseadas nestas funções, têm sido descartadas" ("Women in the NT"
em The Interpreter’s Dictionary of the Bible, volume suplementar [Nashville: Abingdon Press, 1976] 966).
37
“Os sicários, portanto, diferentemente do banditismo social, não eram um movimento restrito ao estrato
inferior, mas se recrutavam justamente também do grupo do séquito do estrato superior. A isto corresponderia
tanto o seu programa político-religioso como o fato de que o seu terror se voltava contra a elite sumo-sacerdotal
em Jerusalém.” STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang. História Social do Protocristianismo:
os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo:
Paulus. 2004, p. 210.
38
SCARDELAI, Donizete. Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo:
Paulus. 1998, p. 243.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 14 Quando falam de liberdade, os zelotes estavam fazendo referência à liberdade religiosa
– e esta, na visão zelote, dependia da intervenção divina. Mas os zelotes também defendiam a
necessidade de liberdade política em relação aos romanos. Mas esta última só podia ser obtida
a partir do sacrifício e do martírio voluntário.39
Este martírio, ideia existente no judaísmo primitivo, que foi legada ao cristianismo, traz
como recompensa a salvação da alma. Não era uma ideia restrita aos zelotes, já que os fariseus
adotavam a mesma ideia no tocante à guarda dos rituais. Este fanatismo religioso, ligado à
sincera crença nos valores defendidos pelos grupos, explica em parte a sublevação judaica
contra os romanos e a posterior capitulação dos mesmos.40 Da parte dos fariseus, a entrada na
cidade santa com imagens ou estátuas era proibida, sob risco de morte.
A ideia contida na necessidade vista pelos zelotes de liberdade política é a crença na
imposição, por parte do Senhor, da redistribuição da propriedade, pois os pobres eram os eleitos
por Deus. A situação de miséria na Palestina era interpretada como um sinal de que o fim era
iminente.41
A crucificação era o destino dos inimigos políticos dos romanos. Os zelotes, quando
eram presos e ordenada a sua execução, eram equiparados aos ladrões. Jesus foi considerado
um zelote ao ser crucificado ao lado dos ladrões.42
Em suma, são zelotes aqueles que respondem à situação de crise que se vivia no século
I a.C. Vão-se a distinguir por serem constituídos por setores marginalizados que consideram a
salvação como algo iminente, e que é equiparado com a liberdade, por intervenção divina. Isto
é, uma transformação imediata da situação de Palestina e a libertação do domínio romano. Serão
os instigadores da revolta dos anos 60 d.C.43 Estes se agregam em torno de um líder carismático
que canaliza as opiniões do grupo e influi fortemente neles. Remontam-se ao Êxodo e o elegem
como a etapa mais perfeita do contato entre Deus e o povo eleito.44
39
In: MAINVILLE, Odette (Org.). Escritos e Ambiente do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis:
Vozes. 2002, p. 50.
40
O movimento zelota, ao procurar a promoção da renovação do Templo e conserto do mesmo. Volkmann afirma
que nesta intenção, os zelotas “ (...) habitam de preferência os povoados e evitam as cidades por causa da
licenciosidade inerente às cidades. Uns cultivam a terra, os outros se ocupam em diferentes ofícios pacíficos. Os
zelotas, no início do levante contra os romanos, promovem uma reforma no Templo, elegendo, por sorteio, um
novo sumo sacerdote, originário do campo, em substituição à aristocracia sacerdotal. Também os zelotas têm sua
origem no interior, especialmente na Galiléia; Josefo os chama de `salteadores vindos do campo`.”
VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 98. Esta atuação periférica possibilitou
o crescimento do movimento, exceto alguns levantes ocorridos de tempos em tempos, conforme afirma Ladd: “O
Novo Testamento fala da revolta de ludas e Teudas (Atos 5:36,37), e uma outra revolta sob o comando de uni
egípcio incógnito (Atos 21:38). Josefo fala de um outro movimento revolucionário não mencionado no Novo
Testamento. Ele não dá nomes a esses revolucionários, mas na última rebelião acontecia no ano 132 A.D., o líder,
Bar Kokhba, foi denominado de Messias por Akiba, o rabino mais famoso da época." Os zelotes foram líderes
judaicos radicais, que não se contentavam em esperar calmamente pela vinda do Reino de Deus, mas desejavam
a sua vinda através da espada." É possível, e até mesmo provável, que toda a série de revolta contra Roma fosse
messiânica, isto é, que eles não tenham sido motivados pela consecução de objetivos puramente políticos ou
nacionalistas, mas, sim, religiosamente, para apressar a vinda do Reino de Deus." LADD, George Eldon,
Teologia do Novo Testamento. (trad. Darci Dusilek e Jussara Marindir Pinto Simões). São Paulo: Exodus. 1997,
p. 60.
41
MAINVILLE, Odette (Org.), Escritos e Ambiente do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis:
Vozes. 2002, p. 49.
42
A crucificação de Jesus não deixa dúvidas de que ele é tratado pelos romanos como zelota. GOURGUES, M.,
Jesus Diante de Sua Paixão e Morte. (Trad. Monjas Dominicanas). São Paulo: Paulinas. 1984, p. 28.
43
VOLKMANN, Martin. Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 123. Ver também: STEGEMANN,
Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do Protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as
comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo: Paulus. 2004, p. 204.
44
GRELOT, P., Jesus. In: VVAA, Libertação dos Homens e Salvação em Jesus Cristo: 1 a parte. [trad. Benôni
Lemos]. São Paulo: Paulinas. 1981, p. 64.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 15 É importante analisar, portanto, a proximidade e identificação do grupo de Jesus com os
zelotes. Por serem movimentos contemporâneos, existem analogias entre estes e o grupo de
Jesus, como podemos ver nos textos de Flavio Josefo, que ainda não distingue entre os diversos
movimentos e suas diferenças. Os cristãos se consideram os portadores da segunda aliança com
Deus e enfocam a salvação individual. O grupo de Jesus, por sua vez, é similar ao movimento
de João Batista, que se assemelha aos profetas escatológicos do tempo do exílio. Estes estão
convictos de que o juízo está próximo, a novidade é que Batista oferece o batismo como
sacramento de salvação. Era de se supor que Jesus era seu seguidor, e seu batismo seria a prova
de sua ligação com este grupo. Na tradição cristã, João é o precursor que anuncia a chegada do
“Filho do Homem” profetizado no livro de Daniel e que Jesus é o cumprimento da profecia. 45
O mesmo livro será interpretado como testemunha da pessoa e obra de Jesus, mas não mais
com uma explicação política como muitos criam, mas espiritual. Não se refere à luta entre
hebreus e romanos, mas entre o bem e o mau. Com esta ideia, vai se delineando, pouco a pouco,
uma teologia que terminará por conformar uma religião diferente.
Os Essênios
Os essênios surgiram dois séculos antes de Jesus, e estão incluídos entre os movimentos
messiânicos de natureza sacerdotal, já que grande parte do grupo é formado por membros do
baixo clero.46 O grupo foi formado em torno de um líder carismático (o Mestre da Justiça), e
seus membros gozam de certo bem-estar (mantém boas relações comerciais e econômicas), e
têm obsessão pela pureza ritual. Acreditam radicalmente na predestinação, tendo tendências
fatalistas, o que os faz permanecerem afastados do convívio de outros grupos. Sobre isto afirma
Michaud:
“Os qumranianos teriam seguido um sacerdote de alta categoria chamado Mestre de Justiça que
teria recebido por revelação divina a correta interpretação dos textos bíblicos. Com a força desta
inspiração, ele apresentava essas idéias novas sobre a prática da Lei, a irninência dos últimos dias,
o antigo calendário bíblico solar (oposto ao calendário lunar adotado à época helenística), a
imperfeição do Templo atual e do culto que nele se celebrava. Esta teoria, que é sem dúvida a
última palavra sobre o assunto, resolve a maioria das dificuldades levantadas contra a hipótese
essênia. Deste ponto de vista, se os sectários de Qumran constituíam urna das formas do essenismo,
não se pode dizer que todos os essênios viviam em Qumran ou em comunidades semelhantes.
Josefo (GJ 2, 124) e Filon de Alexandria (Hypothetica ou Apologia pro Judaeis 1 1, 1) já haviam
notado a presença de essênios fora de Qumran. Presença até mesmo em Jerusalém, onde Josefo
(Gf 5, 145) menciona a existência de uma Porta dos Essênios, indicando que essênios ocupavam
talvez todo um bairro da cidade. Mas também num bom número de aglomerações do país. O
número de quatro mil membros aventado por Filon (Quod omnis probus, 75) e Josefo W 18,20), e
que se aproxima dos seis n-úl fariseus mencionados por Josefo no tempo de Herodes, ultrapassa
evidentemente as capacidades do próprio local de Qumran e de seus arredores. O fato de terem
sido encontrados esqueletos de mulheres e de crianças em cemitérios de Qumran (na verdade,
foram encontrados três cemitérios em Qumran: um grande, de mais de mil túmulos, contendo
somente restos masculinos, e dois pequenos, onde também foram encontrados restos de mulheres
45
Na perspectiva histórica, porém, a realidade é uma vinculação entre o movimento de Jesus e do Batista.
Stegemann afirma: “João Batista deu origem a um movimento profético-escatológico de penitência suigeneris.
Diferentemente dos movimentos carismático-proféticos que acabamos de tratar, destruidos pouco tempo após o
seu surgimento e cujo impulso carismático "entrou em colapso", João Batista, pelo visto, não só atuou por um
tempo maior, como tampouco o fogo carismático se extinguiu com seu martírio. Pois, aparentemente, o
carismatismojoanino continuou a existir, por um lado, em grupos batistas e, por outro, sobretudo através de seu
adepto Jesus de Nazaré.” STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do
Protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio
Schneider). São Paulo: Paulus. 2004, p. 196.
46
LAPERROUSAS, E. M., Os Manuscritos do Mar Morto, São Paulo. Ed. Cultrix. 1983, pp. 166-168.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 16 e de crianças), quando os essênios, segundo Fílon, Plínio e Josefo, viviam num completo celibato,
também pode ser explicado por este desvio do movimento (...).47
Os essênios denominam a si mesmos de “pobres de espírito”, acreditam na imortalidade
(junto a Deus), mas não acreditam na ressurreição do corpo.48 Para eles, a alma é uma parte de
Yahweh. Acreditam no valor precioso para a salvação da morte por meio do martírio em nome
de Deus.49
O messianismo essênio cultivou relações com o movimento de Jesus de forma mais
íntima num período posterior à morte do mesmo, e a ressurreição passou a ser um elemento
essencial da crença essênia. Os essênios criam que o novo mundo emergeria, trazido pelo
próprio Deus, e surgido através da luta e vitória dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas.50
Ainda que as diferenças entre os essênios e o grupo de Jesus sejam numerosas, existem
analogias entre os grupos, devido ao contexto em que se inserem e porque procedem de um
tronco comum. Alguns essênios, ao ser destruída Qumram e o Templo nos anos 60 d.C., uniramse ao movimento de Jesus; é por isso que alguns autores explicam as similitudes em expressões
e rituais, mas é difícil delimitar quais são as influências essênias e quais as judaicas no
cristianismo.
Depois da queda do Templo, o judaísmo tornou-se mais dogmático e, a partir do ano 70,
os judeus foram mal vistos pelos romanos devido à revolução. A concepção romana de que os
judeus eram traidores fez os cristãos começarem a querer se diferenciar dos grupos judaicos,
inclusive dos essênios.
Além das influências dos grupos religiosos, o Cristianismo também tem, em seus
elementos ortopráticos e ideológicos, pontos de contato com o judaísmo normativo, e isto
porque o próprio Jesus não rompeu definitivamente com o judaísmo.51 No princípio, o
cristianismo foi um fenômeno intrajudeu, mas depois se tornou independente, devido às
diversas tendências que se criaram entre os cristãos. É um fenômeno sócio-religioso que deve
ser analisar não apenas pelo desenvolvimento da teologia cristã, mas também pelos caminhos
sociológicos e antropológicos do cristianismo.
Jesus é um judeu observante da Lei, que se comporta como um doutor da lei ou um
profeta itinerante, cujo fim era fazer chegar os textos sagrados aos pobres (bem-aventurados)
com propostas radicais dentro de seu círculo. Não recusa aos impuros, pois entende que não
estava dentro das suas possibilidades econômicas ascender socialmente. Não tratava questões
meramente rituais com rigor, como a questão dos alimentos, e a forma como a lei exigia que
47
MICHAUD, Jean-Paul. A Palestina do Primeiro Século. In: MAINVILLE, Odette (Org.), Escritos e Ambiente
do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis: Vozes. 2002, p. 54.
48
VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 98.
49
KEE, H. C., As Origens Cristãs: em perspectiva sociológica. (trad. J. Rezende Costa). São Paulo: Paulinas. 1983,
p. 33.
50
“No fundo trata-se de uma rivalidade entre grupos sacerdotais. Em última análise, a comunidade se mantém
cffltualmente pura e preparada para a batalha final entre os filhos da luz e os filhos das trevas e para, após a
vitória, reassumir o culto no Templo'. A isso está associado o outro aspecto: a expectativa messiânica. Os "homens
da aliança" se encontram no meio do combate entre a luz e as trevas "até que venham o profeta e os messias de
Arão e de Israel"'. Essa tripla esperança messiânica - também o profeta é uma figura messiânica, porque os
profetas, como os reis, são considerados "ungidos" - é um aspecto peculiar dos essênio (s...).” VOLKMANN,
Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 125.
51
O próprio Jesus foi, portanto, “(...) judeu e, como tal, manteve relações diretas de obediência à Lei de Moisés,
ao Templo, além de estar essencialmente ligado ao povo e à Terra de Israel, os quais Jesus amou tanto e no meio
do qual ele exerceu toda sua atividade.” In: SCARDELAI, Donizete, Movimentos Messiânicos no Tempo de
Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo: Paulus. 1998, p. 238.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 17 fossem tratados. Não foi herético, nem rebelde, mas zeloso com algumas normas de pureza
judaica.
Jesus também pode ser visto como um polemista judeu por sua alta compressão da Torá,
que está no nível da compreensão dos fariseus sob o ponto de vista dos seus contemporâneos,
com a diferença que ele podia ter optado por mover-se num espaço privilegiado, mas preferiu
dedicar-se aos marginalizados.52
Os evangelhos apresentam Jesus introduzindo nenhuma teologia distinta da que já
existia no judaísmo, nem em sua vida pública, até sua morte. Por isto, o cristianismo não
consistia num novo culto, nem um atentado contra a lei estabelecida, e nem uma nova visão
cosmo-histórica como a da comunidade de Qumram, nem propunha outro calendário (até aquele
momento). No início, o cristianismo era uma parte do judaísmo e era herdeiro do mesmo. As
etapas mais importantes da vida de Jesus eram vistas de forma semelhante a de outros
personagens bíblicos.53
Quando o Cristianismo se cindiu do judaísmo e descobriu suas próprias respostas à crise
desta religião depois da destruição do Templo, assumiu outras influências de tradição clássica
como a grega (por exemplo, o “logos”, sendo posta em segundo plano a figura de Yahweh e
também de outras comunidades como as de Qumram).
Por fim, o movimento de Jesus é uma renovação explicável. Jesus se separou do grupo
de João Batista antes de sua morte e também levou seguidores com ele. A destruição do Templo
será sempre um ponto de referência pois supôs a separação da arca da aliança. O cristianismo
foi para Roma, já que na urbe passava mais despercebida a fé cristã.
Utilizamos a palavra movimento para definir a um grupo que tem um líder carismático
e situa-se à margem das estruturas políticas – e às vezes é contrário a elas – e do funcionamento
econômico, com princípios excêntricos, com os quais se preocupa de forma imediata. É um
grupo socialmente qualificado e com uma breve duração no tempo, a não ser que se
institucionalize, como foi o caso do cristianismo.54
O Movimento de Jesus Como Movimento Milerarista
Quando os sociólogos falam de movimentos, costumam definir os mesmos através de
naturezas diferentes. Para definir o cristianismo, é comum a utilização da classificação deste
como movimento milenarista. Os movimentos milenaristas surgem em situações de crises e de
brusca mudança social, pois as velhas estruturas não são capazes de assimilar as mudanças (o
caso da Palestina, com a irrupção do domínio romano).55 Expressam os anseios e interesses dos
judeus, dos grupos marginalizados economicamente que têm outras necessidades ao perder
paulatinamente seus elementos de identidade, e ao sofrer graves carestias, que conduz a uma
tomada de consciência e à busca de um passado ideal.
Os movimentos milenaristas também protestam contra o ordem estabelecida e anunciam
uma nova ordem de forma iminente. Quando Jesus anuncia o Reino de Deus, anuncia um futuro
52
MANSON, T. W., Ética e Evangelho. (Trad. Daniel Costa). São Paulo: Novo Século. 2000, p. 56.
VELASCO, Rufino, A Igreja de Jesus. (Trad. Nancy B. Faria e Wagner de Oliveira Brandão). Petrópolis: Vozes.
1996, p. 38.
54
TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas.
1988, p. 25.
55
SCARDELAI, Donizete. Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo:
Paulus, 1998. pp. 240-241. Ver também: TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel
F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas. 1988, p. 50. Ver também: KEE, H. C., As Origens Cristãs: em perspectiva
sociológica. (trad. J. Rezende Costa). São Paulo: Paulinas. 1983, p. 33.
53
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 18 novo e próximo. O Reino de Deus é o futuro próximo, mediado pelo drama escatológico, pela
iminência do fim. Conforme afirma Steggemann:
“A palavra-chave "reino de Deus" acentua a nova situação com que Jesus e seu séquito se viam
confrontados no drama escatológico, porque "ela corresponde ao ideal tradicional e contemporâneo
do rei, que é auxiliador e benfeitor, e não administrador de coisas". Portanto, na concepção do
estabelecimento do reinado de Deus aparece, em primeiro plano, o ele- mento positivo da
dominação, o auxilio.” 56
Os movimentos milenaristas também são marcados pela crítica à ordem econômica, já
que socialmente está presente junto às classes mais pobres, onde estes são chamados de bemaventurados. Jesus se apresenta crítico com a lei da proibição da comida no sabbat, com a
imposição dos sacerdotes.
O profeta que interpreta todos os elementos não é uma autoridade tradicional (nem
hereditária, nem legal, que não é um sacerdote ou juiz), mas tem como principal qualidade
pessoal estar em contato com a divindade. A eleição do mesmo é decisiva e também simbólica,
já que este tem uma grande influência diante do resto do grupo. É por isso que quando este
desaparece, a sua figura é mitificada. O cristianismo, ao endossar os livros proféticos, mostra
Jesus como o cumprimento dos mesmos. Jesus é transformado numa figura mítica.57
O movimento milenarista também dá aos pobres maior relevância. Concede a eles uma
nova identidade. Ser cristão é sentir-se renovado, é o começo de uma identidade em nível
pessoal e comunitário.58
Não existe inicialmente no cristianismo uma elaboração teológica que primasse as suas
atividades vitais. Em geral, as comunidades com caráter milenarista são de curta duração, salvo
o caso de se institucionalizem – o que foi o caso.59 O cristianismo, no princípio, também não
possuía um corpus teológico, e foi sensivelmente subversivo, e só se desenvolveu
teologicamente quando se institucionalizou, aceitou a ordem estabelecida, convertendo-se
numa igreja com um dogma e um corpus teórico.
O Reino de Deus: Perspectivas Escriturísticas sob um Enfoque Crístico
O Reino de Deus é um conceito fundamental para a compreensão da liberdade cristã. O
cristianismo e a liberdade sob a ótica cristã, para serem compreendidos, o são na perspectiva
dos textos normativos da sua confissão religiosa: os textos da Escritura Sagrada.60 A perspectiva
cristocêntrica do Reino de Deus, que consiste na condição plena e ideal da liberdade sob a ótica
cristã, para ser analisada de forma eficaz, necessita da análise de cada elemento que contribuiu
56
STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do Protocristianismo: os primórdios
no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo: Paulus. 2004,
p. 236.
57
Esta reconstrução é baseada no artigo de Douglas Moo, "What Does It Mean Not to Teach or Have Authority
Over Men?" em Recovering Biblical Manhood & Womanhood: A Response to Evangelical Feminism, eds. John
Piper e Wayne Grudem (Wheaton, IL: Crossway Books, 1991) 180-2.
58
ELIADE, M., O sagrado e o Profano, A Essência das Religiões, Lisboa, Livros do Brasil. 1981, pp.187-188.
59
TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas.
1988, p. 21.
60
Dodd, sobre isto, afirma: “Por isso, se as origens do cristianismo devem ser interpretadas, como justamente
fizeram os primeiros cristãos, à luz das profecias, a conseqüência lógica é a seguinte: a comunidade hebraica não
podia mais representar o verdadeiro Israel de Deus, como encamação dos desígnios salvíficos de Deus em favor
da humanidade; seu lugar devia ser ocupado pela ecclesia cristã.” DODD, Charles Harold, Segundo as Escrituras:
estrutura fundamental do Novo Testamento. (trad. JoséRaimundo Vidigal). São Paulo: Paulinas. 1979, p. 111.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 19 na construção da teologia sobre o assunto. O Antigo Testamento, lido cristologicamente, e as
tradições do Novo Testamento sobre o Reino de Deus constituem o caminho para compreender
o conceito de Reino de Deus, e a posteriori, o conceito de liberdade cristã.61
O Reino de Deus no Antigo Testamento
O Antigo Testamento apresenta desde o seu início a necessidade de se ter esperança e
confiança na aliança feita por Deus com o ser humano.62 Isto se faz através das diversas
tradições sobre as alianças feitas com Deus em momentos decisivos da história da salvação. 63
Inicialmente a música é descrita como sendo feita, diretamente com o povo de Israel, na
demonstração de Yahweh como o provedor de uma farta terra e uma numerosa nação que
nasceria em Abrão.64 A compreensão teológica a partir daí aponta para o fato de ser apenas
Deus aquele quem satisfaz plenamente as profundas aspirações e necessidades do povo de
Israel. O status quo passa a ser entendido na perspectiva de um Deus que acolhe e abençoa seu
povo.65
Esta promessa, seguida da esperança do cuidado de Deus, é o fio através do qual se
delineará a ideia da soberania divina.66 A história da salvação consiste na manifestação de
Yahweh na história, guardando o povo com quem ele fez a aliança. O Antigo Testamento
consiste num relato desta relação entre a divindade e o povo de Israel, de tal forma que tais
concepções progridem até a afirmação tácita da instauração do Reino de Deus.67
O anúncio veterotestamentário aponta para o Deus de Israel como aquele que concretiza
na história o futuro de seu povo, trazendo à existência aquilo que era apenas expectativa e
esperança. O projeto redentor de Deus torna-se realidade na plenitude dos tempos. A esperança
alimentada por Israel contempla o futuro e estabelece-se através da fé nas promessas do Deus
criador. Toda a expectativa quanto à chegada do Reino de Deus está unida à esperança de que
homens e mulheres, bem como toda a criação, hão de encontrar a plenitude da salvação, o
sentido último de toda a criação de Deus, para a qual o próprio Deus está conduzindo todas as
coisas. Esta condução se entende naturalmente, e baseia-se na Lei.68
61
DUTHEIL, Michel. Foi Para a Liberdade que Cristo nos Libertou (In: VVAA, Libertação dos Homens e
Salvação em Jesus Cristo: 2a parte. [trad. Benôni Lemos]. São Paulo: Paulinas, 1981.) p. 45.
62
Frankfort, H., La Royauté et les dieux, Paris, Payot, 1953, p. 244. Ver também Vandier, J., op.cit., pp.72-80.
63
A aliança com a humanidade após o dilúvio (Gn 9.8-17), com os patriarcas (Gn 12, Gn 15, Gn 17), com o povo
no Sinai (Ex 24), a aliança com o povo em Siquém após a conquista da terra (Js 24), com os reis (1 Sm 18.3, 2 Cr
29.10) são alguns exemplos da centralidade do tema da aliança no Antigo Testamento. Esta é uma aliança entre
desiguais, já que a iniciativa é de Javé, que dita também os termos da aliança (Jr 50.5). conf. KIELER, H. W.,
Aliança (AT) . In: BAUER, Johannes, Dicionário Bíblico-Teológico. 2. Ed. (trad. Fredericus Antonius Stein). São
Paulo: Loyola, 2000. pp. 4-6.
64
PRATT JR., Richard L., Ele Nos Deu Histórias: um guia completo para a interpretação de histórias do Antigo
Testamento. (Trad. Suzana Klassen). São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 157.
65
É necessário entender que a relação entre a Divindade e o povo de Israel se baseia na aliança. O estabelecimento
desta relação acaba por criar um paradigma interpretativo para narrar a história de Israel: prosperidade e períodos
de paz são decorrentes da manifestação do cuidado de Deus com o povo. Derrotas, guerras, pestilências e tragédias
são interpretadas como manifestações da ira e do juízo de Deus. Ver: CAZELLES, P., A realeza ou a Instituição a
Serviço da Liberdade (In: VVAA, Libertação dos Homens e Salvação em Jesus Cristo: 1a parte. [trad. Benôni
Lemos]. São Paulo: Paulinas, 1981.) p. 34.
66
Chouraqui, A., op.cit., pp.218-220 Histoire du Judaisme, Paris, PUF, 1981. Rosemberg, R.A., The Concise
Guide to Judaism: History, Practice and Faith., NY, Penguin Books, 1990. p. 127.
67
OTTO, E. , Lei (In: BAUER, Johannes B., Dicionário Bíblico-Teológico. (trad. Fredericus Antonius Stein). São
Paulo: Loyola, 2000. p. 229.
68
“Do retrospecto sobre a evolução legislativa no Antigo Testamento têm-se compreensão mais adequada da
relação entre preceito e lei. Ligadas à história, as leis estão sujeitas à alteração constante conforme é provado em
face dos adendos e complementos a muitas leis. Em momento nenhum existiu em Israel lei transcendental. Nem
mesmo a subordinação das leis sob a teofania sinaítica anulou a vinculação com a história concreta na sua evolução
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 20 Esta concepção é registrada a partir dos relatos das origens do povo de Israel. Excluindo
o testemunho da origem do mundo (Gn 1-11), a narrativa dos primórdios do povo de Israel é
marcada pela ideia de aliança – ideia esta dinâmica. E o paradigma da confiança é a
demonstração do cumprimento das promessas de Deus ao patriarca Abraão. O patriarca recebe
uma dupla promessa: de que seria uma grande nação e que herdaria uma terra. A partir desta
promessa é estabelecida a aliança e a história progride para o cumprimento desta promessa feita
a Abraão.
Mas a confissão de fé de Israel nos termos do pacto está presente de forma mais
marcante na narrativa do Êxodo. Esta narrativa consiste na afirmação da fidelidade de Deus,
que não esquece o povo que escolheu, o povo com o qual Ele opta por fazer uma aliança de
cuidado, proteção e bênção. A esperança em Deus, fundamentada em sua ação libertadora,
marcou a história do povo de Israel, de forma a interpretar constantemente as expectativas de
libertação sob o paradigma do Êxodo. Lemos a seguinte afirmação:
“A história do povo de Israel se inicia por uma experiência de libertação política: a do Êxodo
(chamaremos aqui de "Êxodo" o conjunto de acontecimentos que vão da escravidão no Egito até
a instalação na terra prometida). E essa recordação marcou tão fortemente o povo que, no
decurso dos séculos, ele sempre se volta para o acontecimento do Êxodo. Se lermos as mais
antigas profissões de fé feitas por Israel, verificaremos que apresentam o Senhor como aquele
que fez o seu povo sair do Egito e que o conduziu até a terra na qual o estabeleceu (ef. Dt 26,51 0; Js 24,2-23). Se tomarmos em seguida o livro mais recente do Antigo Testamento, veremos
que a meditação sobre o Êxodo ocupa mais da metade dele (Sb 1 0, 1 5-1 9,22).” 69
Mas o desenvolvimento mais claro de uma concepção mais exata do conceito de Reino
de Deus se dá no estabelecimento da monarquia.
Geralmente se aceita que o conceito de Reino de Deus e a consequente invocação de
Yahweh como melek (rei) não são anteriores à instauração da monarquia israelita, a partir do
ano 1050. a.C..70 Logicamente, quando os israelitas chegaram a Canaã, encontraram cidades
cananeias bem fortificadas nas zonas mais férteis do país.71 Sem dúvida, os israelitas, que
combatiam a pé, ficaram atemorizados ao ver as carroças de guerra dos habitantes do lugar e
optaram por ficar nas zonas montanhosas e pobres que os cananeus tinham deixado desabitadas.
É isto o que está por trás do relato escriturístico: “Não podemos subir contra esse povo, porque
até rematar na comunidade cultual.” WESTERMANN, Claus, Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento.
(trad. Frederico Dattler). São Paulo: Academia Cristã. 2005, p. 204.
69
WIENER, C.. Exode de Moise: chemin d’aujourd’jui. Essai de lecture biblique pou notre temps. Paris:
Casterman. 1979, p. 80.
70
A concepção de monarquia se estabeleceu em Israel sob a égide da “teocracia”: Deus instaura a monarquia e
separa (unge) o monarca. Isto faz com que Deus seja o verdadeiro rei. Afirma Ladd: “Se bem que a expressão "o
Reino de Deus" não ocorra no Velho Testamento, a ideia verifica-se em toda a extensão da atividade profética. Há
uma dupla ênfase sobre a soberania real de Deus. Ele é frequentemente referido como o Rei, tanto de Israel (Êxodo
IS: 19; Números 23:21; Deuteronômio 33:5; Isaías 43: 15) como de toda a terra (11 Reis 19: 15; Isaías 6:5; Jeremias
46:18; Salmos 29: 10; 99:1-4). Muito embora Deus seja mencionado como já sendo Rei, outras referências falam
de um dia quando ele se tomará Rei e governará sobre o seu povo (Isaías 24:23; 33:22; 52:7; Sofonias 3:15;
Zacarias 14:9 e ss.)." Isto leva à conclusão de que, embora Deus seja Rei, ele deve também tornar-se Rei, ou seja,
deve manifestar a sua soberania real no mundo dos homens e das nações. In: LADD, George Eldon. Teologia do
Novo Testamento. (trad. Darci Dusilek e Jussara Marindir Pinto Simões). São Paulo: Ed. Exodus. 1997, p. 58.
Nesta direção, o rei que constitui o arquétipo de “Rei Ideal” é Davi. Este é apontado como um “(...) rei sábio,
justo, ideal (...) que governaria segundo o Espírito de Javé e acabaria com as guerras, em vez de um pastor que
reúne o povo e o alimenta com bons ensinarnentos, os profetas se encontravam com a triste necessidade de
denunciar o contrário: os chefes eram rebeldes, amigos de ladrões; não faziam justiça ao órfão nem atendiam à
causa da viúva (Is 1,23; Is 10,2). Os juízes chamavam de bem ao mal e de mal ao bem e perdoavam o culpado por
dinheiro (Is 5,20-23). Leis injustas eram ditadas e se organizava a opressão (Is 10, 1-2).” SEUBERT, Augusto.
Como Entender a Mensagem dos Profetas. (trad. Célia Maria Genovez). São Paulo: Paulinas. 1992, p. 74.
71
BROWN, P.. "A Antiguidade Tardia" In: História da Vida Privada. São Paulo. Ed. Cia das Letras. 1991, Vol I,
pp. 272-273.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 21 é mais forte que nós (...). Nós nos tínhamos ante eles como gafanhoto e isso mesmo lhes
parecíamos a eles” (Num 13, 31-33). Os israelitas ocuparam as terras marginais de Canaã e as
primeiras figuras de autoridade, os juízes – também chamados de melek – se estabeleceram
como lideranças eventuais e libertadores do povo, nos períodos de opressão.
Esta opressão foi consequência do conflito com os filisteus, que tinham sido expulsos
pelos egípcios das suas terras, e passaram a disputar os territórios ocupados pelos israelitas. Os
israelitas sofreram duas grandes derrotas ( 1 Sm 4,1-7,1), nas quais perderam, inclusive a Arca
da Aliança, recuperada através da ação de Davi, que geraria ao mesmo tempo, uma expectativa
positiva para a monarquia davídica, mas posteriormente a frustração com os reis humanos,
como diz Cazzeles:
“Desde o fim do reino de Davi, a experiência começa a decepcionar, e a crise, incubada durante
o reino de Salomão, estourou com a sua morte. A ideologia real se mostrou artificial e, se
proporcionou um certo bem-estar ao povo, foi incapaz de promover sua verdadeira libertação.”
72
Israel, naqueles tempos, comparado com as nações vizinhas, era um povo primitivo.
Seus costumes sociais, suas instituições políticas e sua própria cultura eram ainda as
correspondentes a uma vida singela e semi-nômade. As doze tribos consideravam-se um só
povo e compartilhavam uma mesma fé, mas careciam de um chefe único e da mínima
organização político-social e também militar.73
Ao perceberem que os vizinhos eram fortes, precisamente porque dispunham de uma
organização política – tinham reis (os cananeus) ou príncipes (os filisteus) – os israelitas
desejaram ter um rei “como todas as nações” (1 Sm 8, 5). De maneira que, no santuário de
Gilgal, todo o povo proclamou “rei a Saul diante de Yahweh” (1 Sm 11, 15).
O fato é que Saul conseguiu importantes vitórias sobre os filisteus, mas ao final as tropas
israelitas foram derrotadas (1 Sm 31). Os filhos de Saul morreram na batalha, e ele mesmo, para
não cair em mãos de seus inimigos, tirou a própria vida.
Então as seis tribos do sul elegeram a Davi “rei da casa de Judá” (2 Sam 2, 4). Davi se
casou com Mical, a filha de Saul, e dessa forma também as tribos do norte reconheceram sua
autoridade (2 Sm 5, 1-3). Conseguiu acabar definitivamente com a ameaça dos filisteus (2 Sm
5, 17-21), submeteu depois às cidades cananeias, mais tarde derrotou aos moabitas e acabou
criando um grande império que fazia sentir sua influência até a Síria central (2 Sm 10, 1-11, 1;
12, 26-31). Tudo isto foi obra de um homem com uma inteligência invulgar, que se viu
favorecido pela situação geral do Oriente Médio. Por aqueles anos nem o Egito nem a
Mesopotâmia tinham o interesse de outros tempos por dominar a Palestina – essa estreita faixa
que comunicava ambos os impérios – e por isto Israel só teve que enfrentar as potências de
segunda ordem.74 Não é estranho que a figura de Davi – o homem que salvou às doze tribos da
extinção e as converteu num grande império – fora idealizada. O rei Davi foi considerado um
dom divino para Israel, comparável às maravilhas que experimentou durante o Êxodo. A
profecia de Natã prometia a Davi uma “dinastia eterna”, e o “reino davídico” começou a fazer
parte dos “credos” de Israel (2 Sm 7, 8-17).
A decadência do império teve início com o filho de Davi, Salomão. Salomão era filho
de Davi e sua esposa favorita, Betseba, que tinha sido mulher de Urias (2 Sm 12, 24).
Provavelmente esta é a razão pela qual as tribos do Norte não aceitaram bem o sucessor de
72
CAZELLES, P.. A realeza ou a Instituição a Serviço da Liberdade. In: VVAA, Libertação dos Homens e
Salvação em Jesus Cristo: 1a parte. [trad. Benôni Lemos]. São Paulo: Paulinas. 1981, p. 34.
73
DE VAUX, R. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo. São Paulo. Ed. Paulus. 2003, pp. 22-26.
74
PIXLEY, Jorge. A História de Israel a Partir dos Pobres. 6a Ed. (Trad. Ramiro Mincato). Petrópolis: Vozes.
1999, p. 21.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 22 Davi. Soma-se a isto o fato de Salomão ter aumentado o luxo da corte e ter construído
numerosos edifícios, entre eles o Templo de Jerusalém, com recursos advindos dos impostos
cobrados. A tradição descreve o caráter extraordinário das obras majestosas de Salomão (1 Re
10, 14-22) e a posteridade fala de suas enormes riquezas e da sua magnificência (Mt 6, 29). É
possível que o esplendor da monarquia de Salomão trouxesse admiração e também orgulho,
mas é evidente que o povo gemia sob o peso dos impostos cobrados para manter tanta
ostentação. Salomão dividiu o território israelita em doze distritos. Cada mês, um distrito era
responsável de atender às demandas da corte (1 Re 4, 7). Salomão também implantou o sistema
de trabalhos forçados ou obrigatórios (1 Re 9, 15.20-22).
O fato é que após a morte de Salomão (ano 925 a.C.) dividiu-se o Império: as tribos do
sul mantiveram a dinastia davídica, mas as tribos do norte reimplantaram o costume eletivo que
subsistiu na escolha de Saul. O que tinha sido um império poderoso se converteu em dois reinos
menores – o de Israel (ao norte) e o de Judá (ao sul) – e ambos, depois de um período de
decadência, acabaram perdendo inclusive sua independência, no ano 733 a.C.. A Assíria fez de
Israel uma província de seu Império e no ano 587 a.C. a Babilônia fez o mesmo com Judá,
chegando ao extremo de arrasar Jerusalém, destruir o Templo e deportar quase toda a sua
população. A partir de então ambos foram passando de mão em mão, segundo as potências
sucediam umas às outras (Ptolomeus, Selêucidas, Roma etc). O balanço dos quinhentos anos
de independência não foi brilhante.75
O autor deuteronomista produziu uma opinião desfavorável em relação à monarquia (1
Sm 12). Desqualifica 19 reis do Reino do Norte e a todos os do Reino do Sul, exceto Davi,
Ezequias e Josias. No entanto, a esperança de um novo florescimento está presente no texto.
Renascia e morria a cada novo rei, ou seja, algum dia o verdadeiro rei teria de chegar e poria
tudo em seu lugar, tal como – de acordo com a saga e a poesia - tinha feito em outro tempo
Davi. Dos vários textos que até pouco críamos que faziam referência ao messias,
majoritariamente estes fazem menção às expectativas criadas ante ao nascimento de um novo
rei (Is 7, 10-14; 9, 1-6; os salmos reais etc).
As passagens realmente messiânicas são todas elas posteriores à queda da monarquia.
Efetivamente, a partir do exílio, quando todas as esperanças razoáveis tinham se dispersado. A
dinastia tinha desaparecido, Jerusalém estava arrasada e o Templo mesmo não era nada mais
que um montão de ruínas. Alguns homens começaram a alimentar a esperança, despojada já
de todo cálculo humano, numa intervenção direta de Deus, que restauraria o trono de Davi.
Mowinckel afirma que “O Messias é singelamente o rei desse reino futuro, nacional e religioso,
que um dia se estabelecerá graças à intervenção milagrosa de Yahweh.”76
Posteriormente o entendimento da fidelidade de Yahweh era projetado ao Templo e à
cidade de Jerusalém. A idéia de que a cidade santa e o Templo nunca seriam destruídos, por
serem habitação de Deus, estabeleceu-se de forma tão marcante que a destruição do Templo e
da cidade constituíram um duro golpe contra a fé javista.77
Neste sentido é que surge a esperança ou expectativa do advento do Messias.
Inicialmente projetada para a figura do rei, e eventualmente para a figura do sacerdote, a idéia
75
Apesar do cumprimento da profecia e do início do reinado de Deus, os govemantes estrangeiros ainda não foram
derrotados. TÜNNERMANN, Rudi, AS Reformas de Neemias: a reconstrução de Jerusalém e a reorganização de
Judá no Período Persa. São Leopoldo: Sinodal. 2001, p. 60.
76
MOWINCKEL, Sigmund, El que ha de venir, Fax Madrid 1973, p. 170. A palabra mashiah – um adjetivo que
significa “ungido”- aparece 38 vezes na Bíblia Hebraica: umas vezes o ungido é um personagem histórico, outras
um personagem escatológico; umas vezes se trata de um rei, outras de um sacerdote; etc. Não é estranho que
CAZELLES, Henri (El Mesías de la Biblia, Herder, Barcelona 1981, pp. 163-169) Aqui vemos ser utilizado
somente no sentido que lhe dá Mowinckel; para os demaiás casos utiliza a tradução casteliana (“ungido”).
77
TÜNNERMANN, Rudi, AS Reformas de Neemias: a reconstrução de Jerusalém e a reorganização de Judá no
Período Persa. São Leopoldo: Sinodal, 2001. p. 61.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 23 de messianidade foi se apresentando mutável no Antigo Testamento. O rei seria o libertador, a
garantia do cuidado divino. Para isto ele era ungido e esta era sua principal função. A idéia da
teocracia judaíta, por exemplo, passa necessariamente pela concepção de que o Reino é
governado pelo Senhor através do rei, ungido por ordem do próprio Deus para ser representante
da divindade.78
O Antigo Testamento é um texto de esperanças. De forma geral, a autocompreensão de
Israel preponderante após o exílio era que este continuava sendo o povo de Deus. Esta
convicção foi manifestada na própria manutenção da vida religiosa e da manutenção dos
elementos que constituíam a identidade nacional – e estes majoritariamente apontavam para a
fé em Yahweh.79
A esperança consistia na firme confiança na bênção e na proteção de Yahweh, como
consequência de suas promessas no pacto da aliança. Esta aliança não é estática, mas dinâmica,
sendo atualizada e reafirmada através da obediência. A obediência era apresentada como
garantia das promessas do pacto, podendo aquele que procedia bem ter confiança e a esperança
no cuidado de Deus com seu povo, não obstante circunstâncias exteriores negarem a
possibilidade de reafirmação da soberania de Yahweh. Esta reafirmação se dá por volta de 200
a.C., pela literatura apocalíptica, e sua temática sobre o Reino.80
O exílio constituiu um desafio à fé. Era inicialmente o risco da negação da promessa
feita por Deus ao povo. Resumidamente, a esperança de Israel foi sempre em torno da ação de
Deus na realização da história da salvação, sendo o Reinado de Deus o fundamento desta
esperança. Conforme afirma Crossan:
“O Reino de Deus é povo sob governo divino - e isto, como ideal, transcende e julga todo o
governo humano. O foco da discussão não está em reis, mas em governantes, não no reino, mas
no poder, não no lugar, mas no processo. O Reino de Deus é o que o mundo poderia ser se Deus
estivesse direta e imediatamente à sua frente. Mas mesmo dentro dessa compreensão da
expressão, é possível e necessário imaginar uma tipologia quádrupla básica do Reino de Deus
no uso judaico da época de Jesus. Imaginem-se quatro quadrantes ou tipos criados pela
intersecção de dois eixos. Um eixo é uma distinção de tempo, com o futuro ou presente em cada
extremidade. O outro eixo é uma distinção de classe, baseada mais uma vez no modelo de
Lenski, com os Arrendatários ou elites de escribas em uma extremidade e os Camponeses ou
pessoas comuns na outra.”81
O desaparecimento do reinado em Israel e em Judá frustrou a idéia de um reinado e até
de um sacerdócio divino. O caos nacional e a ausência da figura real, atrelada a uma dinastia
(no caso de Judá) criou uma crise que foi abordada pelos profetas e demais escritos exílicos. O
não cumprimento das expectativas temporais devido às tragédias nacionais e aos exílios
culminaram na projeção da esperança às realidades transcendentais e supramundanas.82 A idéia
de um restaurador legítimo da casa de Davi sucumbiu diante da idéia de uma figura ideal
“É necessário ressaltar que a doutrina messiânica surgiu como uma crença relativamente tardia dentro do
judaísmo do fim do Segundo Templo, e que os apocalipsistas contribuíram significativamente para a erupção dos
muitos movimentos de libertação no século primeiro.” In: SCARDELAI, Donizete, Movimentos Messiânicos no
Tempo de Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo: Paulus, 1998. pp. 30-31.
79
ROLOFF, Jürgen. A Igreja no Novo Testamento. São Leopoldo – RS. Ed. Sinodal. 2005, p. 17.
80
“Essa diferença entre reino de Deus futuro, escatológico, e o seu senhorio resenste sobre tudo o que ocorre,
assume, desde cerca de 200 a.C., um caráter relativamente dualista na apocalíptica.” GOPPELT, Leonhard.
Teologia do Novo Testamento. 3a ed. (Trad. Martin Dreher e Ilson Kayser). São Paulo: Teológica. 2002, p. 83.
81
In: CROSSAN, John Dominic, Jesus: Uma Biografia Revolucionária. (Trad. Júlio Castañon Guimarães). São
Paulo: Imago. 1995, p. 70.
82
Estas realidades, retratadas na apocalíptica, consistem em subsídio “ (...) para a maioria, para o povo cuja fé
simples no governo justo de Deus estava constantemente exposta aos embates da dura experiência diária.” In:
MANSON, T. W.. O Ensino de Jesus. (Trad. Jorge César Mota). São Paulo. ASTE. 1965, p. 158.
78
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 24 trazendo traços idênticos a heróis do passado. Neste contexto surge a escatologia e depois deste,
da apocalíptica judaica, onde surge de forma incipiente o conceito de Reino de Deus.83
As interpretações e consequentes projeções da esperança nacional foram diferentes em
cada época e em cada escola que procurou resolver o impasse teológico que se estabeleceu:
como o Deus que prometera cuidar do povo permitiu o opróbrio e a vergonha estabelecidas a
partir da ruína da monarquia. As respostas foram diferenciadas.
O Deutero-Isaías, por exemplo, anuncia o advento do Servo de Yahweh, que
concretizaria toda expectativa de Israel. Na verdade, o servo sofredor de Yahweh cumpriria a
missão de profeta da nova libertação, do novo êxodo, seria o sacerdote da reconciliação e
assumiria em si mesmo o sacrifício da redenção.84
Em suma, o Reino de Deus no Antigo Testamento está vinculado à noção da soberania
ou governo de Deus. É Moltmann quem fala de dois momentos relacionados entre si dentro
desta concepção de Reino de Deus, isto é, a esperança concreta do Reino de Deus na história e
o estabelecimento do seu senhorio único e universal sobre todas as coisas. A relação entre
ambos constitui as bases do conceito de reino.85 Porém há outros elementos que constituem o
conceito, como apresenta Gardner:
“Apesar de não se encontrar no Antigo Testamento a expressão ‘Reino de Deus’, a ideia em si,
aparece em quase todas as suas partes. De igual modo, apesar de à parte dos Evangelhos Sinóticos
o título ser usado raramente no Novo Testamento, toda a mensagem de Jesus se focaliza sobre o
Reino de Deus (cf. Mc 1.14,15), e a ideia mesma se apresenta sob muitas formas diferentes – por
exemplo, como vida eterna no Quarto Evangelho e como misticismo em Cristo no caso de Paulo
– através de todo o Novo Testamento. Na verdade, tão penetrante é o conceito de Reino de Deus
no pensamento do Antigo e do Novo Testamentos, que se constitui num dos temas principais a
manter os dois unidos”.86
As duas dimensões basilares do Reino na concepção de Moltmann não são excludentes,
posto que a primeira carrega a contingencialidade do tempo e do espaço, enquanto a segunda
diz respeito a uma fé universal.87 Ou seja, a dimensão do senhorio universal de Deus tem seu
ancoradouro na ação histórica de Deus, uma vez que o seu Reino vive a dinâmica do “já” e do
“ainda não”, sendo promessa concretizada, mas ainda esperança futura para toda a criação. 88
Na linguagem de Boff o presente já contém o seu fim. Por isso ele diz que devemos falar não
de fim do mundo, mas de um novo começo do universo.89 Ainda para Moltmann, a criação, pela
chegada do Reino, tornar-se-ia residência da glória de Deus. Segundo a tradição escriturística
“O judaísmo apocaliptico também possuía diversos tipos de esperança. Alguns escritores enfatizaram o aspecto
terreno, histórico do Reino (Enoque 1-36; Salmos de Salomão 17-18), ao passo que outros enfatizam os aspectos
mais transcendentais (Enoque 37-71). Entretanto, a ênfase é sempre escatológica. De fato, o judaísmo
apocalíptico perdeu o sentido da atuação de Deus no presente histórico. Neste ponto, o apocaliptismo havia se
tornado pessimista não com referência ao ato final de Deus em estabelecer o seu Reino, mas com referência à
atuação de Deus na história presente para salvar e abençoar o seu povo. O judaísmo apocalíptico demonstrava
um certo desespero com relação à história, pois entendia que esta estava entregue aos poderes malignos. O povo
de Deus somente poderia esperar o sofrimento e aflição nesta presente era, até o dia em que Deus agisse para
estabelecer seu Reino na Era Vindoura." LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. (trad. Darci
Dusilek e Jussara Marindir Pinto Simões). São Paulo. Ed. Exodus. 1997, p. 59.
84
ROLOFF, Jürgen. A Igreja no Novo Testamento, op. cit., pp. 25-30. Cf. BRAKEMEIER, Gottfried. Reino de
Deus e Esperança Apocalíptica. São Leopoldo – RS. Ed. Sinodal. 1984, pp. 29-33.
85
MOLTMANN, Jürgen. Deus na criação. Petrópolis: Vozes. 1993, p. .Ou O caminho de Jesus Cristo. Petrópolis:
Vozes, 1993. Teologia da Esperança. São Paulo: Herder, 1971.???
86
GARDNER, E. C.. Fé Bíblica e Ética Social. São Paulo. ASTE. 1964, p. 67.
87
MOLTMANN, Jürgen. Deus na criação. Petrópolis: Vozes, 1993. Ou O caminho de Jesus Cristo. Petrópolis:
Vozes, 1993. Teologia da Esperança. São Paulo: Herder, 1971.???
88
MOLTMANN, Jürgen. Idem???
89
LEONARDO, Boff. Vida para além da morte. Petrópolis. Ed. Vozes. 1973, p. .
83
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 25 veterotestamentária, desde o início da criação, o mundo caminha na direção de sua salvação. A
história é a heilgeschichte.90
O conceito pós-exílico de Reino de Deus progrediu sobre os ditames da esperança. E
atingiu uma amplitude maior nos escritos escatológicos e apocalípticos em particular. O ponto
de partida para o início das especulações sobre a figura do Messias, sob cuja ideia se estabelece
a ideia do Reino de Deus, é o livro de Daniel. Este livro, situado no contexto das guerras
macabeias, é o expoente ideológico principal e ponto de partida para o desenvolvimento do
conceito na literatura apocalíptica.91
A literatura apocalíptica, surgida a partir do século II a.C., foi fundamental para que os
ideais judaicos de libertação ganhassem expressão e consequentemente ocupasse lugar entre os
grupos religiosos. Esta literatura teve influência na formação de uma militância, que passou a
compreender de forma imanentista a instauração da era messiânica, o que na prática constitui o
conceito análogo a Reino de Deus. A tendência da apocalíptica em apontar para uma mudança
dramática da sociedade e das estruturas sociais tem por pano de fundo sociológico o vexatório
estado em que a sociedade concretamente estava. A partir deste fenômeno é possível entender
a concepção de Reino de Deus dos grupos religiosos que surgiram na Palestina entre o segundo
século a.C. e o período neotestamentário.92
O grupo dos assideus, que posteriormente originou o grupo dos essênios e dos fariseus,
entendia a instauração do Reino de Deus como consequência das atitudes contra a helenização
e opressão estrangeira.93 Dentro desta compreensão imanente de Reino, eles não se constituem
um grupo definido, mas representam uma corrente ideológica posta em confronto com as forças
que exerciam pressão e geravam o risco da perda da identidade nacional dos judeus. Eles não
podem ser especificamente considerados principais fundadores do apocalipsismo, mas sim
como possível influencia para o surgimento do farisaísmo.94
O Reino de Deus no Novo Testamento
Quando o período neotestamentário surge, as expectativas messiânicas fazem parte do
quotidiano dos principais grupos religiosos da época. Esta ideia é assumida sob o enfoque
imanente pela ideologia dos essênios, fariseus, saduceus e zelotas.
Para os essênios, a expectativa messiânica provocou a desviância – a retirada da
sociedade majoritária e a consolidação de uma comunidade com estrutura social, literatura
religiosa e regras próprias, para assegurar a constante presença de Deus. Esta ascese tinha por
propósito a busca de uma ordem perfeita, até à vinda do Messias. As figuras messiânicas
aguardadas na comunidade de Qumram eram um descendente de Arão e um descendente de
90
heil: salvação / geschichte: história. É a compreensão da história como fenômeno decorrente do ato contínuo de
Deus a salvar o seu povo. Ver: WESTERMANN, Claus, Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. (trad.
Frederico Dattler). São Paulo: Academia Cristã, 2005. p. 203.
91
“A militância apocalíptica é um fenômeno claramente presente em Israel desde a revolta anti-romana 6 d.C.” In:
SCARDELAI, Donizete, Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo: Paulus,
1998. p. 28.
92
“O apocalipsismo judaico não está simplesmente restrito à Palestina, mas o seu foco geográfico, sem dúvida,
encontra-se nesta região.” STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do
Protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio
Schneider). São Paulo: Paulus, 2004. p. 173.
93
In: SICRE, José Luis, Introdução ao Antigo Testamento. (trad. Wagner de Oliveira Brandão). Petrópolis: Vozes.
1999, p. 317.
94
KEE, H. C.. As Origens Cristãs: em perspectiva sociológica. (trad. J. Rezende Costa). São Paulo: Paulinas. 1983,
p. 36.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 26 Davi.95 O primeiro seria sumo-sacerdote e o segundo, um guerreiro. O estabelecimento da
vontade de Deus se daria pela guerra ou conflito entre os filhos da luz e o filhos das trevas.96
Os fariseus acreditavam na rigorosa aplicação da lei de Moisés. Criam na manifestação
do Reino de Deus, porém exclusivamente através da ação divina.97 O ser humano deveria
cumprir a Lei, ter piedade individual e submissão à vontade de Deus. Os fariseus entendiam
que os judeus precisavam aguardar pacientemente o Messias, sendo este o instaurador de uma
monarquia teocrática, onde o mal é erradicado, a paz é trazida e a justiça é estabelecida. A
pureza é a marca deste futuro. Para partilhar dele, na concepção farisaica, é preciso viver seus
valores antes da vinda deste Reino.98
Os saduceus, na sua prática, manifestavam a ideia de que não era incompatível a
dominação romana e o reino de Deus. Seu foco estava no Templo, que controlava a vida do
cidadão judeu, sendo a administração romana vista como facilmente coexistente por parte deste
grupo.99 Os saduceus, não obstante isto, tinham o sonho da autonomia política. O resultado disto
era a sensação por parte do povo de que o Reino de Deus estava se manifestando pelas estruturas
hierocráticas, mas não era pleno.100
Com a chegada de Jesus Cristo e sua nova proposta de vida, o que tornou o Reino de
Deus uma realidade parcialmente concreta na história dos homens, as barreiras que dividiam a
humanidade foram derrubadas e foi desencadeado um novo processo pelo qual na igreja e por
meio da igreja uma nova humanidade foi e está sendo formada.101 Jesus Cristo inaugura um
novo tempo, o “kairós” de Deus, uma nova época. Sabemos que as expectativas do Reino de
Deus eram familiares no tempo do Novo Testamento, embora fossem conceitos muito
diferenciados os dos grupos religiosos e do próprio Jesus.102
O Reino de Deus torna-se uma realidade histórica na pessoa de Jesus Cristo. Por isso
que o propósito central do Novo Testamento é mostrar que, com a vinda do Messias, um novo
tempo é instaurado e, através da pessoa de Jesus Cristo e de sua obra, o Reino de Deus tornouse uma realidade.103 Portanto, Reino de Deus e cristologia estão inseparavelmente ligados, pois
segundo Leonardo Boff “Jesus prega, presencializa e inaugura este reino”.104 Na verdade, em
95
VOLKMANN, Martin. Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 98.
“A comunidade de Qumran partilhava de urna esperança semelhante concernente ao Reino. Na consumação
escatológica, aguardavam que os anjos descessem, ajuntando-se a eles – "os filhos da luz" – para a luta contra
os seus inimigos – "os filhos das trevas" – e para conceder vitória aos membros da comunidade de Qumran contra
os outros povos, quer judeus que aceitavam os padrões do mundo pagão quer gentios.” In: LADD, George Eldon.
Teologia do Novo Testamento. (trad. Darci Dusilek e Jussara Marindir Pinto Simões). São Paulo: Exodus. 1997,
p. 59.
97
STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do Protocristianismo: os primórdios
no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo: Paulus. 2004,
p. 185.
98
VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 120.
99
ROLOFF, Jürgen. A Igreja do Novo Testamento. (trad. Nélio Schneider). São Leopoldo: Sinodal. 2005, p. 22.
100
MICHAUD, Jean-Paul, A Palestina do Primeiro Século. In: MAINVILLE, Odette (Org.), Escritos e Ambiente
do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis: Vozes. 2002, p.67.
101
PADILLA, C. René. Missão Integral. Ensaios sobre o Reino e a Igreja. São Paulo. Ed. Temática Publicações.
1992, p. 142. Cf. BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis – Rio de Janeiro. Ed. Vozes. 1985. Ver
John Howard Yoder. A Política de Jesus. São Leopoldo – RS. Ed. Sinodal. 1988, pp. 9-18.
102
ANDRADE, José Eugênio Soares. Liberdade Cristã. Uma fundamentação da ética em João Calvino.
Monografia apresentada em cumprimento às exigências do curso de teologia no Seminário Teológico Presbiteriano
do Rio de Janeiro, cujo orientador é o autor da referida tese. Rio de Janeiro. 2005, p. 55.
103
PADILLA, C. René. Missão Integral. Ensaios sobre o Reino e a Igreja, op. cit., p. 197.
104
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis – Rio de Janeiro. Ed. Vozes. 1985, p. 62. BRAKEMEIER,
Gottfried Brakemeier afirma que “L. Boff indiscutivelmente merece consentimento ao embasar o falar sobre o
reino de Deus na cristologia. Reside aí uma das mais valiosas contribuições de seu livro”. Cf. BRAKEMEIER,
Gottfried. Reino de Deus e Esperança Apocalíptica. São Leopoldo – RS. Ed. Sinodal. 1984, p. 18.
96
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 27 Jesus se cumpre toda a esperança messiânica. Em A Santíssima Trindade Boff declara que “Ele
é a total expressão do Pai”.105 Boff ainda declara sobre a realidade do Reino de Deus que:
“Reino de Deus é a revolução e transfiguração total, global e estrutural desta realidade, do
homem e do cosmos, purificados de todos os males e repletos da realidade de Deus (...). No
Reino de Deus a dor, a cegueira, a fome, as tempestades, o pecado e a morte não terão mais vez
(...). Cristo veio para sanar toda a realidade em todas as suas dimensões, cósmica, humana e
social (...). A intervenção de Deus já (foi) iniciada, mas ainda não totalmente acabada (...). A
pregação do Reino se realiza em dois tempos, no presente e no futuro”. 106
Jesus inicia um tempo novo na história de Israel e da humanidade como um todo. Ele
assume a esperança messiânica de Israel. É verdade que a expectativa de Israel girava,
fundamentalmente, em torno de um messias libertador político, que livraria o povo da força
imperialista de Roma. Jesus enfatiza concreta e definitivamente a chegada ou a vinda do Reino.
O Reino de Deus chega pela sua livre e soberana iniciativa. Aos homens cabe receber a vocação
de Deus em e por Jesus Cristo, entrando no Reino na dinâmica da graça mediante o dom da
fé.107
Não sem razão a pregação apostólica traz a mensagem do Reino. Assim, os encontramos
espalhando as boas notícias de que Jesus é o Messias, ou que através dele as antigas promessas
tinham se cumprido, e proclamando as boas novas da paz em Jesus, do senhorio de Jesus, da
cruz de Jesus, da ressurreição de Jesus, ou simplesmente, do próprio Jesus.108
Esta pregação ou testemunho apostólico se faz pelos evangelhos, pelas cartas paulinas,
pelas cartas gerais e pelos textos joaninos, que tratam do Reino de Deus sob enfoques distintos,
porém sob o fundamento da pregação ou anúncio feito por Jesus.
Os Evangelhos
A Questão das Fontes
Salvo algumas referências, existem poucas fontes clássicas anteriores ao 112 d.C. Com
exceção de Tácito e as “Perseguições de Nero”, Flávio Josefo, Suetônio e a correspondência
entre Trajano e Plínio, os autores pagãos ignoraram os cristãos. Os demais que mencionam os
cristãos só dão diversas interpretações aos fatos relatados por estas fontes primárias, e
adicionam pouca informação.109
Os primeiros cristãos tiveram como referência o Antigo Testamento, já que o Novo
Testamento não se formou até meados do séc. II d.C. (150d. c). O que se dá o princípio é uma
tradição oral em que se dava valor aos fatos e ditos de Jesus que foram utilizados posteriormente
nos evangelhos, aos que também foram adicionadas referências à sua vida e às palavras dele
após a ressurreição. A estes relatos foram inclusos também elementos tradicionais. Junto com
a tradição oral apareceram os textos de oração e de didascalía (ensino).110
BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis – Rio de Janeiro. Ed. Vozes. 2000,
p. 129.
106
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador, op. cit., pp. 62,66,67,69,74.
107
BRAKEMEIER, Gottfried. Reino de Deus e Esperança Apocalíptica. São Leopoldo – RS. Ed. Sinodal. 1984,
p. 35.
108
Cf. Atos 13. 32ss.; 10.36; 11.20; I Coríntios 15.2,3; Atos 17.18; I Coríntios 15.4; Atos 8.35.
109
Rohmer, J., "Jesus e o Novo Testamento" In: Testamento: Os Textos Sagrados Através da História", SP,
Melhoramentos, 1981, p.149.
110
STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do Protocristianismo: os primórdios
no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo: Paulus, 2004.
p. 131.
105
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 28 Os antigos cristãos tinham práticas litúrgicas que não eram originalmente suas.
Reuniam-se para comer, para as celebrações litúrgicas nas quais a oração pelo pão era a mais
marcante. As celebrações e reuniões serviam para transmitir a mensagem sobre Jesus, o Cristo.
Já os cristãos da diáspora em sua maioria sabiam ler e escrever.111
Os primeiros cristãos puseram sob a forma escrita aquilo que era transmitindo nos
primeiros tempos oralmente. Isto ocorreu devido ao desaparecimento do grupo próximo a
Cristo, surgindo a necessidade de anotar as experiências dos que o tinham visto e ouvido, e
tinham falecido.112
Destes escritos, os evangelhos são tardios. São as recopilações destas anotações por
escrito. Os lingüistas e os exegetas, através das contradições dentro dos evangelhos, percebem
que estes parecem proceder de línguas diferentes como o grego, o arameu ou o hebreu.
As didaquês são recopilações de textos fantasiosos ou ordinais que são emoldurados
dentro dos textos apócrifos, que não chegaram a fazer parte dos evangelhos. Os textos cristãos
mais antigos são os evangelhos, as cartas de João e as cartas de Paulo (escritas nos anos 50
d.C.). Estas últimas constituem o texto cristão mais antigo, conservados praticamente todos em
documentos antigos do Novo Testamento. São cartas públicas que entram no gênero de
literatura aberta. Têm uma intenção organizativa, de criar estruturas de política eclesiástica e
de propaganda. A fórmula literária enlaçava com os antigos modelos gregos ou hebreus, mas
sobretudo por seu caráter evangélico itinerante. Sobre isto, afirma Kee:
“Primeiramente, Paulo emprega a carta como instrumento de sua autoridade apostólica. Ele não
se pode fazer presente em todas as suas Igrejas ao mesmo tempo, mas o seu espírito o pode e, a
seu ver, lá está (l Cor 5,4). O seu espírito está em ação "com o poder de Nosso Senhor Jesus' no
solene julgamento de excomunhão (5,5).”113
Entre os cristãos primitivos, existiam diversas correntes ortopráticas e teológicas. Por
exemplo, Paulo negava as práticas judias (como a circuncisão) como elemento indispensável
para assumir o cristianismo. Esta postura não era aceita por todos, o que culminou na reunião
das lideranças da igreja e a distribuição destes em áreas de influência mutuamente excludentes.
A Paulo se lhe atribui a zona de Grécia e este utilizava as cartas para criar uma política
organizativa. Esta forma era a que mais se aproximava à tradição oral de Jesus que está escrita
como se fosse um discurso. As epístolas são um conjunto de cartas construídas segundo a
tradição paulina e dirigidas às comunidades sob sua influência e responsabilidade.114
As epístolas chamadas de paulinas não são todas provenientes de sua pena. Algumas
são de seus seguidores ou também atribuídas a ele de forma fraudulenta, porque o modelo
epistolar de tradição paulina teve um grande sucesso. Todas as epístolas autenticamente
paulinas foram escritas entre as décadas dos 50 e 60. Algumas epístolas se emolduram no grupo
dos apócrifos, e outras são falsificações. Outros textos epistolares são a “carta de Clemente”
“A instituição sinagogal consolidava particularmente a unidade dos membros da Diáspora, assegurando-lhes
lugar público de expressão da sua fé, de educação para a Lei e para as práticas judaicas.” In: TASSIN, Claude. O
Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1988. p. 49.
112
MEEKS, Wayne A., Os Primeiros Cristãos Urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo. (trad. I.F.L. Ferreira).
São Paulo: Paulinas, 1992. p. 153.
113
In: KEE, H. C., As Origens Cristãs: em perspectiva sociológica. (trad. J. Rezende Costa). São Paulo: Paulinas.
1983, p. 113.
114
DUTHEIL, Michel, Foi Para a Liberdade que Cristo nos Libertou (In: VVAA, Libertação dos Homens e
Salvação em Jesus Cristo: 2a parte. [trad. Benôni Lemos]. São Paulo: Paulinas. 1981, p. 45.
111
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
- 29 sucessor de Pedro, o “Apocalipse de João”, cujo epílogo é uma carta e as “cartas de Pedro”,
também destinadas à organização dos grupos cristãos.115
Junto às cartas há compilações e coleções que falam de Jesus que a partir do segundo
século da era cristã. Tratava-se ao princípio de formulações escritas de diversos autores e
línguas cujo modelo também não é original já que estava recolhida da tradição grega. Deste
gênero se conservam os quatro evangelhos, o “evangelho segundo São Tomé” que se situa num
contexto oriental (Síria) não chegou a Roma, e os apócrifos. Costuma-se unir a estes
testemunhos cristãos os textos apocalípticos que partem da tradição judia como o “Apocalipse
de João”. Estes textos dão lugar a uma infinidade de interpretações esotéricas e gnósticas que
pretendem em origem confundir a profanos e os não iniciados.116
Os escritos teológicos foram os mais tardios, já que as primeiras comunidades cristãs
eram mais vitalistas, mais do dia a dia, convictos de que a segunda vinda de Jesus estava
próxima. Por isso não precisavam possuir uma teologia dogmática, mas sim convivencial, dado
seu sentido prático. Desenvolviam mais a tradição oral e escritos dispersos. 117 Na segunda
geração esses escritos se ordenaram e foram desenvolvidas as epístolas.118 É na terceira geração
que foram formados documentos mais dogmáticos, quando desapareceram as testemunhas
diretas e aumentou a distância em relação ao tronco comum do judaísmo. Nascem da
necessidade de perpetuar a informação, tal é o caso da “Epístola aos Hebreus” ou a “Epístola
de Bernabé” que não está incluída no Novo testamento.
Foram conservados poucos documentos que procediam dos cristãos de base; os que mais
se aproximam são as atas dos mártires. Há diferentes tipos. O primeiro deles são as atas, que
constituem notas advindas dos juízos dos romanos sobre os cristãos. Não se conservam muitas,
já que muitas foram queimadas nos processos de perseguição. O segundo tipo de evidência é a
vida dos cristãos, obtidas a partir dos depoimentos dos primeiros mártires recolhidos pelas
testemunhas. Estes textos são posteriores à formação do cânon.119
115
ROST, L. Introdução aos Livros Apócrifos e Pseudepígrafos do Antigo Testamento e aos Manuscritos de
Qumran. (trad. Mateus Carvalho Rocha). São Paulo: Paulinas, 1980. p. ???.
116
OVERMAN, Andrew, O Evangelho de Mateus e o Judaísmo Formativo,
117
POWELL, Mark Allan, Jesus as a Figure History: how modern historiant view the man from Galilean,
Louisville: KY Westminster, John Knox Press, 1998.
118
MORALDI, Louigi, Evangelhos Apócrifos, (Trad. Benôni Lemos e Patrizia Collina Batianetto). São Paulo:
Paulus, 1999. p. 393.
119
BITTENCOURT, B.P., O Novo Testamento: Cânon, Língua e Texto. Rio de Janeiro, JUEP, 1978. p. ???.
www.briankibuuka.com.br
(21) 97959-1514 (Tim e WhatsApp)
Download