A decadência do direito de constituir o crédito tributário Algo que

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A decadência do direito de constituir o crédito tributário
Algo que aflige o fisco municipal é a decadência do ato administrativo de
constituir o crédito tributário, através do lançamento e da respectiva notificação
ao contribuinte de sua existência. Embora haja um prazo de cinco anos para
lançar, é comum, por descuido, omissão, ou por falta de uma rotineira ação
fiscal de campo, a perda de prazo, a provocar o correspondente prejuízo do
ente político. Pergunto: alguém já fez o cálculo estimado de tais perdas? Acho
que não, provavelmente pela vergonha de confessá-las, mas tenho
conhecimento que certo Município fez um recadastramento e descobriu,
assombrado, que dos 300 mil imóveis levantados, 60 mil não estavam inscritos
no cadastro imobiliário, e, portanto, não eram lançados e não pagavam IPTU.
Ou seja, 20% dos imóveis urbanos eram “clandestinos”, talvez, quem sabe,
uma média provável das perdas municipais neste imposto.
E isso sem falar nos lançamentos por homologação do ISS, nos lançamentos
de ofício dos profissionais autônomos e das taxas municipais!
O assunto, porém, deste artigo é o prazo de decadência, matéria polêmica a
gerar divergências até entre os nossos mais doutos tributaristas. Sem nenhuma
pretensão de colocar mais lenha na fogueira, vamos aqui transmitir a nossa
opinião.
De início, uma regrinha básica: a decadência cessa o direito de constituir o
crédito através do ato administrativo do lançamento. Como se sabe, o crédito
tributário perde o seu conceito abstrato somente quando a autoridade
administrativa formaliza o direito a esse crédito através da emissão do
lançamento. Procedida a formalização do lançamento e dado ciência ao sujeito
passivo deste ato, não se fala mais de decadência, pois o direito de constituir o
crédito já foi feito e notificado. A partir daí pode ocorrer a prescrição, mas isso é
outra história.
Observa-se que a autoridade administrativa precisa executar dois atos
administrativos essenciais: o ato de lançar o tributo e o ato de notificar o sujeito
passivo. O lançamento perde os seus efeitos se o sujeito passivo não tomar
conhecimento de sua existência. A notificação tem que ser formal, mas se
admite o uso de carta registrada, o uso de carnê de cobrança e, talvez, seja
aceito, no futuro, a notificação digital pela Internet.
Não confundir, também, “atos preparatórios ao lançamento”, com este. Como
diz Sacha Calmon, “o lançamento é ato singular que se faz preceder de
procedimentos preparatórios e que se faz suceder de procedimentos
revisionais”. O início de uma fiscalização, por exemplo, é um ato preparatório e
pode até redundar na emissão de um lançamento, mas não necessariamente.
Muito comum isto ocorrer no ISS: inicia-se a fiscalização, nada apura de
divergência com os recolhimentos anteriormente efetuados pelo contribuinte, e
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termina por aí o procedimento fiscal. Na verdade, o fisco não “homologa”
formalmente os pagamentos efetuados pelo contribuinte. Silencia-se apenas, o
que se compara como uma espécie de “homologação tácita”, se é possível
usar essa expressão.
Um outro ponto a comentar é que a obrigação tributária se constitui pela
ocorrência do fato gerador. O fato imponível, portanto, sempre antecede ao
lançamento e não há como este ser anterior àquele. Por isso, muitos
Municípios denominam os seus fiscais de auditores fiscais, porque auditor, na
acepção da palavra, examina acontecimentos pretéritos, já ocorridos. Mas, ao
mesmo tempo, os Municípios costumam “lançar” o IPTU no final do exercício
anterior ao nascimento do fato gerador. Explica-se: como o fato gerador do
IPTU nasce no dia 1º de janeiro, muitos Municípios se antecedem, enviando os
carnês em dezembro do exercício anterior, a fim de permitir aos contribuintes
se prepararem ao pagamento logo ao início do ano seguinte e aproveitar a
chamada ‘cota única’, cujo prazo, em diversos casos, é no início de janeiro.
Isso pode ser feito? Pode, levando em conta a característica do IPTU, cujo
lançamento é de ofício, mas impossível autorizar os seus pagamentos em
dezembro, porque, neste mês, não ocorreu ainda o fato gerador da exação.
Além disso, qualquer recurso ou reclamação do contribuinte do IPTU tem que
estabelecer prazo a partir de janeiro e nunca anterior à ocorrência do fato
gerador, ou da data precedente em que foi enviado o carnê.
Aproveitando o assunto, uma pergunta que se faz costumeiramente: o
lançamento é ato privativo do quadro fiscal? Resposta: não! O lançamento é
ato privativo da autoridade administrativa e não, necessariamente, do quadro
fiscal. O IPTU, por exemplo, não é lançado, normalmente, por fiscais, sendo
lançado internamente por servidores administrativos, ou mesmo,
automaticamente, pelo computador e sistemas informatizados. No entanto, um
auto de infração só pode ser lavrado por uma autoridade fiscal, não podendo
qualquer servidor administrativo sair lavrando autos ao seu gosto e por força
daquela vontade interior (Freud explica) de aparentar poder. A lei municipal
deve dispor os cargos e respectivas funções, de forma clara e objetiva.
Retornemos ao assunto da decadência.
Vamos analisar o que está previsto no Código Tributário Nacional:
a) No § 4º do art. 150, ao tratar do lançamento por homologação:
“Art. 150 (...)
§ 4º - Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a
contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda
Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e
definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo,
fraude ou simulação”.
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Como se sabe, o lançamento por homologação ocorre nos casos em que a lei
determina o pagamento antecipado pelo sujeito passivo, na época em que
nasce o fato gerador. Esse pagamento é feito antes de constituído o crédito
pelo sujeito ativo, isto é, ainda não há lançamento, mas o sujeito passivo se
antecipa e recolhe o valor do tributo com base nos critérios (base de cálculo,
alíquota etc.) estabelecidos na lei respectiva. A Fazenda Pública tem o direito
de, posteriormente, verificar se aquele pagamento correspondeu à verdade.
Esse direito de verificação, a posteriori, expira em cinco anos, se neste prazo a
Fazenda Pública não ter se pronunciado, a contar da época em que nasceu o
fato gerador. Exemplo: o contribuinte pagou o ISS referente ao mês de
setembro de 2004. Se o fisco nada fez, expirou o prazo de agir da Fazenda
Pública ao final do mês de setembro de 2009.
Todavia, qual seria o sentido correto da lei, quando diz: “sem que a Fazenda
Pública se tenha pronunciado”? O termo “pronunciado” significaria,
concretamente, a emissão do lançamento e correspondente notificação? Ou
significaria, tão-somente, o pronunciamento do início de uma fiscalização?
A maioria dos nossos doutrinadores entende que a lei trata da notificação do
efetivo lançamento, isto é, o pronunciamento da Fazenda Pública traduz-se em
“notificado do lançamento”. Com a máxima vênia, ouso discordar pelos motivos
abaixo expostos.
Aos termos do § 4º do art. 150, reúno a redação do art. 173 e parágrafo:
“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extinguese após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia
ter sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício
formal, o lançamento anteriormente efetuado”.
“Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se
definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que
tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao
sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento”.
Diz, então, o parágrafo único do art. 173 que o direito de constituir o crédito
extingue-se a contar da data em que tenha sido iniciada a respectiva
constituição pela notificação de qualquer medida preparatória indispensável ao
lançamento.
Ora, como apurar se o pagamento antecipado foi perfeito ou parcial sem que
haja ação fiscal preliminar, devidamente notificada ao contribuinte? Pois o
pronunciamento da Fazenda Pública nada mais é do que a comunicação formal
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de que estão sendo tomadas medidas preparatórias indispensáveis ao
lançamento, através de uma ação fiscal.
Uma das objeções da doutrina é a de que o art. 173 trata somente da
decadência relativa aos lançamentos de ofício, tendo em vista de que o art. 150
já trata da decadência dos lançamentos por homologação. Não podemos
concordar. Em nenhum momento o CTN esclarece que o art. 173, inserido no
capítulo das extinções do crédito tributário, trata somente de lançamentos de
ofício Ademais, o art. 150, inserido no capítulo sobre a constituição do crédito
tributário, trata, isto sim, do lançamento por homologação, e não de decadência
como modalidade de extinção do crédito tributário.
Ao examinar o caput do art. 150, percebe-se que este faz a conceituação dos
lançamentos por homologação, ditando que essa modalidade de lançamento é
operada pelo ato que expressamente homologa a antecipação do pagamento
efetuado pelo contribuinte.
Pois bem. A lei está, portanto, a dizer que o lançamento por homologação
ocorre:
a) de forma expressa, quando a autoridade administrativa toma conhecimento
formal do pagamento antecipado feito pelo sujeito passivo; ou, então,
b) de forma tácita, quando a autoridade se omite e nada diz ou faz, transcorrido
o prazo de cinco anos do fato gerador.
Nota-se, por oportuno, que o § 4º está a se referir ao lapso de tempo para ser
promovida a homologação do lançamento (“Se a lei não fixar prazo à
homologação, será ele de cinco anos...”). Não está, portanto, a dar prazo à
decadência, a essa modalidade de extinção do direito de constituir o crédito,
pois se assim fosse não poderia haver outra lei a fixar prazo diferenciado, pois
esbarraria aos próprios termos do CTN, conforme prevê o art. 170. Um ente
político pode estabelecer outro prazo, em sua lei, para a homologação do
lançamento, mas não pode alterar o prazo decadencial fixado no art. 170, que
não abre qualquer liberalidade a esse respeito.
Engana-se, pois, quem pensa que o § 4º do art. 150 está a tratar de
decadência. Não está. Ele trata somente de um prazo limite pelo qual a
homologação, se não foi expressa, passa a ser entendida como aceita
tacitamente.
Vamos avançar mais um pouco. Se a Fazenda Pública não homologar
expressamente (coisa que nunca faz), e apurar uma diferença a pagar pelo
sujeito passivo, o lançamento dessa diferença não é mais “lançamento por
homologação”, mas, sim, lançamento de ofício. Em outras palavras, não se fala
mais em lançamento por homologação, quando o ato administrativo de lançar
foi, exclusivamente, por conta da autoridade administrativa.
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Este fato está claríssimo no CTN:
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade
administrativa nos seguintes casos:
(...)
V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa
legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo
seguinte; (...)”.
O artigo seguinte, citado no inciso V acima, é exatamente o art. 150 que trata
do lançamento por homologação.
Para não cansar, mais um pontinho: o propalado § 4º do art. 150 encerra sua
redação, observando: “(...) salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude
ou simulação”. Esclareça-se: a homologação tácita não se opera no prazo de
cinco anos, quando a autoridade administrativa constatar e comprovar que
houve dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo. E como se consegue
comprovar o ilícito? Ora, através de uma ação fiscal, iniciada dentro do prazo
de cinco anos a contar do fato gerador, mas, podendo ser encerrada além
deste prazo.
Destarte, o que se conclui disso tudo?
Conclui-se que a decadência está amparada somente nas disposições contidas
no art. 173, que estabelece as seguintes regras de contagem:
A) do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia
ter sido efetuado.
Essa regra serve para todos os tributos quando a modalidade de lançamento
utilizada é de ofício ou declaratória, inclusive aquela que, originalmente, seria
de homologação, mas passou a ser de ofício. A decadência começa a contar
do dia 1º de janeiro do exercício seguinte ao fato gerador, não importando o
mês em que ocorreu.
B) da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício
formal, o lançamento anteriormente efetuado.
A anulação do lançamento anterior, por evidência, é administrativa, e efetivada
pela verificação de algum erro, reclamado pelo sujeito passivo ou constatado
pela administração. A decadência passa a contar da decisão em processo
administrativo da anulação do lançamento anterior. É preciso, pois, formalizar
outro lançamento e notificar do ato o sujeito passivo dentro do prazo de cinco
anos.
C) previsto no parágrafo único do referido artigo, da data em que tenha sido
iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação ao sujeito passivo,
de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
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Eis aí, claramente, o retorno ao artigo 150, porque essa regra trata da
constituição do crédito tributário, matéria onde se insere o artigo mencionado.
Cessa o prazo decadencial a partir da notificação ao sujeito passivo do início
da ação fiscal, medida indispensável ao posterior lançamento. Exemplo: o fato
gerador ocorreu em janeiro de 2004, com o consequente pagamento
antecipado do sujeito passivo, não importa se parcial ou integral. Em janeiro de
2007, o sujeito passivo é notificado que está sob fiscalização, que abrange os
últimos cincos anos, inclusive, portanto, o mês de janeiro de 2004. A
decadência passa a contar a partir de janeiro de 2007.
Bem, a maioria dos nossos mestres vai dizer que essa é uma interpretação
singela e fiscalista. Entendo, porém, que é uma interpretação literal da lei que
rege a matéria. Se a lei está errada, que a altere.
Roberto Tauil
Outubro de 2009.
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