PNEUMONIA ASPIRATIVA NO IDOSO Sumário 1- Introdução: .................................................................................................................. 1 2 - Definições: ................................................................................................................. 2 3 - Fatores Predisponentes: ............................................................................................ 3 4 - Epidemiologia: ........................................................................................................... 4 5 - Microbiologia: ............................................................................................................. 5 6 - Quadro Clínico: .......................................................................................................... 6 7 - Diagnóstico: ............................................................................................................... 7 8 - Exames Complementares: ......................................................................................... 8 9- Fatores prognóstico e gravidade: ............................................................................... 9 10- Tratamento: ............................................................................................................. 12 12- Falha Terapêutica: .................................................................................................. 14 13- Prevenção: .............................................................................................................. 15 14 - Referencias: ........................................................................................................... 17 1- Introdução: A pneumonia é uma patologia respiratória comum em todo o mundo, sendo responsável por elevada morbidade e mortalidade, principalmente, nos indivíduos idosos. Segundo dados do DATASUS, em 2011 ocorreram 126.693 mortes por doença respiratória, sendo que 42,5 % dos óbitos tiveram como causa principal a pneumonia. Destes, 78,9 % ocorreram em indivíduos acima de 60 anos.1 A despeito da melhoria das condições sociais, econômicas e de saúde da população brasileira, há uma necessidade crescente de aprimoramento nos aspectos 1 que envolvem o diagnóstico, tratamento e prevenção da pneumonia aspirativa, principalmente nos idosos. 2 - Definições: A pneumonia é definida como uma inflamação aguda das estruturas do parênquima pulmonar, podendo ser de origem infecciosa ou não. A aspiração pulmonar do conteúdo orofaríngeo ou gástrico é um evento comum que ocorre em até 50% dos indivíduos saudáveis durante o sono e que se resolve, na maioria das vezes, espontaneamente e sem deixar sequelas.2,3,4 Marik5 considera a lesão pulmonar aguda provocada pela aspiração de conteúdo gástrico como pneumonite aspirativa (síndrome de Mendelson), reservando o termo pneumonia aspirativa (PA) para aquela que apresenta alteração radiológica, de etiologia bacteriana e em indivíduos com fatores predisponentes para aspiração. Usualmente existem dois requisitos para que ocorra uma pneumonia aspirativa: 1- Comprometimento dos mecanismos de defesa do trato respiratório inferior: fechamento inadequado da glote, reflexo de tosse diminuído, atividade ciliar comprometida, muco brônquico alterado, deficiências imunológicas locais ou sistêmicas. 2- Densidade da população bacteriana na secreção orofaríngea e o volume de material aspirado. Na idade avançada, a pneumonia aspirativa é causada por bactérias menos patogênicas que colonizam a orofaringe e nasofaringe de indivíduos susceptíveis à aspiração. A pneumonia pode ser considerada recorrente, quando ocorre duas ou mais vezes em intervalo de 12 meses ou três ou mais episódios em qualquer intervalo de tempo, em ambos os casos com imagens radiográficas normais entre os episódios.6 2 3 - Fatores Predisponentes: A maioria dos pacientes que desenvolvem pneumonia aspirativa apresenta um ou mais fatores de risco. São considerados fatores predisponentes: - Alteração do nível de consciência: alcoolismo, convulsão, acidente vascular cerebral, traumatismo craniano, drogas sedativas e anestesia geral. - Doenças neurológicas: neurodegenerativas (Alzheimer; Parkinson), esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, miastenia gravis e lesão expansiva intracraniana. - Disfagia: disfagia orofaríngea secundária ao rebaixamento do nível de consciência ou a doenças neurológicas, disfagia esofagiana provocada por divertículos, neoplasias, constrições e disfunções do esfíncter esofágico superior e/ou inferior. - Alteração mecânica nos mecanismos de defesa do sistema digestivo: sonda nasoentérica, gastrostomia, jejunostomia, traqueostomia, intubação endotraqueal e endoscopia digestiva alta. - Outros: gastroparesia, íleo paralítico, anestesia faríngea, infusão de grande volume de dieta enteral, vômitos persistentes, obstrução pós-piloro, doença do refluxo gastroesofágico, decúbito persistente, doença periodontal e má higiene oral. Um estudo prospectivo de base populacional avaliou fatores de risco para a aspiração em 1946 pacientes hospitalizados com diagnóstico de pneumonia, oriundos da comunidade e de instituições de longa permanência (ILPI).7 Neste estudo, o percentual de pneumonia aspirativa foi de 10% nos pacientes com PAC e de 30% naqueles institucionalizados. Deve ser ressaltado que entre os fatores predisponentes no primeiro caso predominaram o rebaixamento do nível de consciência, tais como álcool e medicamentos. Já no segundo grupo, 72% dos pacientes apresentavam 3 alguma doença neurológica que ocasionava disfagia orofaríngea como fator predisponente para a aspiração. Kikuchi et al estudaram idosos com diagnóstico de PAC e concluíram que 71% dos pacientes aspiravam silenciosamente, quando comparados com 10% do grupo controle de mesma faixa etária.8 A má higiene oral e a presença de doença periodontal manifestas, assim como, a presença de bactérias na língua de indivíduos edêntulos são reservatórios potenciais de patógenos respiratórios, aumentando 1,5 vezes o risco para o surgimento de uma pneumonia aspirativa em pessoas predispostas.9,10 O papel das alterações fisiológicas próprias do envelhecimento e a sua repercussão sobre o sistema respiratório ainda é controverso. A diminuição da capacidade vital, da atividade mucociliar e da resposta imune que ocorrem durante o envelhecimento pulmonar parecem não constituir fatores de risco para a aspiração. 4 - Epidemiologia: Em 1892, Sir William Osler no livro Principles and Practice of Medicine, já considerava a pneumonia como um dos principais inimigos do indivíduo idoso.11 É uma condição comum, sendo responsável por cerca de 40 a 50% das internações por doenças respiratórias no Brasil e a quarta causa de internação em idosos. Nos Estados Unidos da América, a pneumonia é principal causa de óbito entre as doenças infecciosas. Idosos que vivem ILPI possuem um risco de 6 a 10 vezes maior de adquirir pneumonia, quando comparado com seus pares residentes na comunidade. A incidência e a mortalidade associada à pneumonia tendem a aumentar com a idade. Isto pode ser explicado em parte pelo aumento da longevidade da população, além da presença de comorbidades e intervenções médicas, como a infecção pelo vírus da gripe, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), tabagismo, desnutrição, 4 insuficiência cardíaca congestiva (ICC), insuficiência renal (IR), doenças hepáticas crônicas, diabetes, neoplasias, doenças neurológicas e psiquiátricas, medicamentos sedativos, álcool, analgésicos narcóticos, tubos endotraqueais e nasogástricos, cirurgias recentes, imobilidade, internação em hospitais e asilos. A incidência aumenta de 9,9% dos 65 aos 74 anos de idade, para 29,4% naqueles com idade igual ou superior a 85 anos.12 A mortalidade é de 19,4 nas PAC e de 28 % nos idosos institucionalizados Aproximadamente 50% dos pacientes idosos, que evoluem para o óbito em enfermarias de longa permanência, apresentam evidências de pneumonia à autopsia. 5 - Microbiologia: As bactérias anaeróbias são os organismos, predominantemente, encontrados nas vias aéreas superiores. Estudos mostram que 62 a 93% das bactérias responsáveis pelas pneumonias aspirativas são anaeróbias, sendo o Peptostreptococcus, Fusobacterium nucleatum, Prevotella e Bacteroides sp. as principais cepas isoladas.14,15,16 Um estudo prospectivo, com 95 pacientes idosos provenientes de ILPI e admitidos em unidades de terapia intensiva com diagnóstico de pneumonia e com fatores predisponentes para aspiração, identificou os seguintes organismos: bactérias Gram negativas (49%), anaeróbios (16%,; Stafilococo aureus (12%).17 No Japão, um estudo revelou que as bactérias aeróides e o Streptococo microaerófilo (60%) seguido das bactérias anaeróbias (29%) são os principais organismos isolados, por aspiração com agulha fina, em 212 pacientes com abscesso pulmonar.18 Nos pacientes com pneumonia aspirativa nosocomial, os germes, comumente, responsáveis pela infecção pulmonar são um misto de bactérias gram negativas, bactérias anaeróbias e Stafilococo aureus.19,20 5 6 - Quadro Clínico: A apresentação da pneumonia comumente observada em jovens com início abrupto, tosse produtiva, febre alta, sinais pleuríticos e de consolidação pulmonar é menos frequente em idosos, particularmente nos muito idosos. Na idade avançada qualquer destes achados pode estar presente, porém, instalam-se de forma insidiosa, com anorexia, perda de peso, adinamia, dor abdominal e anemia.21 No idoso a pneumonia aspirativa apresenta-se, usualmente, na forma de um ou mais dos seguintes sinais ou sintomas, importantes em geriatria: confusão mental, declínio funcional, incontinência, quedas ou descompensações de doenças préexistentes como insuficiência cardíaca e/ou diabetes mellitus. A tosse, a expectoração e a dispnéia, sintomas muito frequentes em adultos e jovens, ocorrem em menor frequência em idosos (60 a 70%). A febre pode estar ausente em cerca de 40 a 60% dos pacientes. Ao exame físico, a taquipneia, apesar de inespecífica, constitui o sinal clínico mais sugestivo de infecção do trato respiratório inferior em idosos. Uma frequência respiratória acima de 26 irpm sempre deve levantar a suspeita de doença cardiorrespiratória. É também usual o encontro de frequência cardíaca acima de 90bpm. Os sinais auscultatórios pulmonares usualmente não são confiáveis, particularmente na presença de desidratação e taquipneia. Os sinais clássicos de consolidação pulmonar ocasionalmente podem estar presentes. A forma de apresentação da pneumonia em idosos com sinais e sintomas atípicos e inespecíficos explica, em parte, porque somente 1/3 dos idosos portadores de pneumonia só são diagnosticados à autópsia. A chamada pneumonia oculta é um diagnóstico frequente em muitos idosos que deterioram sob o ponto de vista clínico, sem causa aparente. As formas crônicas mais comuns de doença pulmonar aspirativa são os abscessos pulmonares, as bronquiectasias e a fibrose pulmonar intersticial. 6 7 - Diagnóstico: O grande desafio se dá na identificação dos fatores predisponentes para a aspiração associados à presença de sintomas, muitas vezes atípicos, e sinais identificados ao exame físico, sugestivos de uma infecção do trato respiratório inferior. A Sociedade Americana de doenças infecciosas recomenda a oximetria de pulso, para a identificação de hipoxemia em pacientes com frequência respiratória acima de 25 ipm e residentes em instituições de longa permanência. A suspeita clínica e/ou a hipoxemia (saturação < 90%) pode ser considerada um preditor de mortalidade e insuficiência respiratória nestes pacientes e sugere a necessidade da realização de uma radiografia de tórax. A radiografia do tórax, nas incidências posteroanterior e perfil, é um método complementar importante para a confirmação diagnóstica, para a avaliação da extensão do comprometimento pulmonar e da gravidade da pneumonia. Está também indicada para identificação de complicações, na monitorização da evolução e da resposta ao tratamento. O lobo pulmonar médio e inferior direito, devido ao maior calibre e verticalização do brônquio principal direito, são usualmente os mais acometidos na pneumonia aspirativa. Porém, o achado de infiltrados pulmonares pode variar de acordo o posicionamento do indivíduo no momento da aspiração. Quando a pessoa assentada, a infecção pode ocorrer nos lobos inferiores bilateralmente e em decúbito lateral esquerdo, nos lobos do pulmão esquerdo. No paciente alcoolista, o lobo mais acometido é o superior direito, já que aspiração ocorre geralmente na posição de pronação. No entanto, em pacientes leucopênicos ou desidratados, a radiografia de tórax pode ser normal mesmo na presença de infecção grave. Os achados radiográficos não são específicos para qualquer agente etiológico em particular. Nos pacientes idosos, a resolução da imagem radiológica na pneumonia é mais lenta e ocorre entre 8 e 12 semanas.22 Isto contribui para a dificuldade diagnóstica de quadros 7 recorrentes de pneumonia aspirativa e pode resultar em tratamentos desnecessários com antibióticos ou internações frequentes, principalmente naqueles idosos frágeis de alta complexidade. 8- Exames Complementares: - Exame de escarro: O exame bacteroscópico, empregando a coloração pelo Gram, permite a observação direta da presença de bactérias e seus tipos morfológicos, bem como de fungos, leucócitos e outros elementos celulares. Para ter uma boa representatividade, a amostra obtida deve conter menos de 10 células epiteliais e mais de 25 polimorfonucleares por campo, em um aumento de 100 vezes. No entanto, a coleta de escarro de boa qualidade somente é obtida em 1/3 dos pacientes idosos. Na pneumonia aspirativa raramente é solicitado. - Exames hematológicos e bioquímicos: Os exames laboratoriais auxiliam no diagnóstico, na determinação da gravidade, no prognóstico, no acompanhamento da resposta ao tratamento e na indicação de internação. Geralmente são solicitados: hemograma, proteína C reativa (PCR), eletrólitos, glicemia, função renal e hepática. Entretanto, o resultado destes exames não deve retardar o início do tratamento. A PCR, apesar de inespecífico, possui boa sensibilidade e o resultado normal praticamente exclui a possibilidade de pneumonia, mesmo nos indivíduos muito idosos. Valores persistentemente elevados, na vigência de antibioticoterapia, indicam falha terapêutica ou mal prognóstico. 8 A gasometria arterial pode ser útil na suspeita de retenção de CO2 (DPOC e algumas enfermidades neuromusculares), quando a saturação de O2 estiver abaixo de 90% e naqueles pacientes que estão em ventilação mecânica. - Hemocultura: A indicação de hemocultura para pacientes idosos com pneumonia é controversa. Ela pode ser solicitada naqueles gravemente enfermos e/ou nos que não respondem às medidas iniciais de tratamento. Somente em 10% dos casos se consegue isolar o agente etiológico. - Avaliação Invasiva: A toracocentese, a aspiração transtraqueal, a aspiração por agulha transtorácica e a broncoscopia ficam reservadas para casos selecionados, principalmente, quando há suspeita de pneumonia aspirativa complicada (necrose, abscesso, derrame pleural). 9- Fatores prognóstico e gravidade: Embora existam vários critérios para avaliação da gravidade de pacientes com pneumonia, dois escores são sugeridos para a utilização em pacientes idosos: CURB65 e PSI.23,24 Estes escores ajudam na definição do local de tratamento (domicílio, instituição ou hospitalização), na escolha da terapêutica e na estimativa de mortalidade em 30 dias. Inicialmente proposto em 2001, o CURB-65 é um escore bastante simples e que avalia objetivamente a presença de cinco fatores (algoritmo 1). Ele procura identificar pacientes com suspeita clínica de pneumonia bacteriana com baixo potencial de gravidade. Aqueles com escore 2 ou mais (algoritmo 1) são candidatos a tratamento hospitalar. 9 O escore de PSI (Pneumonia Severity Index) considera análises multivariadas, divididas em duas etapas, para definir as classes de gravidade. Na primeira etapa (TABELA 1) são avaliados dados demográficos, da história e do exame físico. Os pacientes idosos com idade igual ou superior 60 anos sempre passarão para a segunda fase de avaliação, onde há a necessidade dos resultados de imagens radiológicas e exames complementares (TABELA 2). Fine et al fizeram uma correlação do risco de mortalidade com a classe definida pelo escore e, posteriormente, foi sugerido que as classes definidas, em função do risco de mortalidade, poderiam sugerir o ambiente de tratamento, conforme pode ser visto na tabela 3. Critérios: Confusão Mental Uréia > 20 mg/dl Frequência respiratória ≥ 30 ipm Pressão arterial: PS < 90 mmHg ou PD ≤ 60 mmHg Idade ≥ 65 anos Pontuação CURB-65 0 ou 1 ponto Grupo 1 Mortalidade baixa (1,5%) Tratamento Domiciliar Pontuação CURB-65 2 pontos Grupo 2 Mortalidade média (9,2%) Considerar tratamento hospitalar supervisionado Pontuação CURB-65 3 ou mais pontos Grupo 3 Mortalidade alta (22%) Tratamento Hospitalar CTI se 4 ou 5 pontos Fonte: Definição da gravidade da pneumonia adquirida na comunidade na admissão hospitalar: Estudo internacional de validação. Thorax 2003. 10 TABELA 1: PSI – 1A ETAPA . Idade > 50 anos . Presença de comorbidades - Neoplasia - Doença hepática - Doença cérebro-vascular - Insuficiência cardíaca - Insuficiência renal . Exame físico - FC ≥ 125 bpm - FR ≥ 30 ipm - PAS ≤ 90 mmHg - Temperatura < 35° ou ≥ 40° - Confusão mental TABELA 2: PSI – AVALIAÇÃO COMPLETA Etapa 1 Variável analisada Pontos Dados Demográficos Idade Homem = Idade Mulher = Idade - 10 Residência em instituição 10 Co-morbidades Neoplasia 30 Doença hepática 20 Doença cérebro-vascular 10 Insuficiência cardíaca 10 Insuficiência renal 10 Exame físico Confusão mental 20 FR ≥ 30 ipm 20 PAS ≤ 90 mmHg 20 Temperatura < 35° ou ≥ 40° 15 FC ≥ 125 bpm 10 11 Etapa 2 Variável analisada Pontos Exames complementares pH < 7,35 30 Uréia ≥ 78 mg/dl 20 Sódio < 130 mEq/dl 20 Glicose ≥ 250 mg/dl 10 Hematócrito < 30% 10 PaO2 < 60 mmHg 10 Derrame pleural 10 Total Soma dos pontos TABELA 3: Avaliação da gravidade, classes de risco de acordo com a pontuação, mortalidade associada e ambiente de tratamento Pontos Classe Mortalidade Tratamento Sem pontuação I 0,1 - 0,4 Ambulatorial < 70 II 0,6 – 0,7 Ambulatorial 71 – 90 III 0,9 – 2,8 Observação 91 – 130 IV 8,5 – 9,3 Hospitalar > 130 V 27,0 – 31,1 Hospitalar 10- Tratamento: As medidas de suporte são fundamentais para o tratamento adequado da pneumonia aspirativa. É importante garantir a hidratação, a nutrição e também preservar a função cardiovascular e renal dos pacientes. O uso do oxigênio está indicado quando a Sat O2 for menor que 90%, a PaO2 menor 60 mmHg, e naqueles pacientes com de dispnéia ou instabilidade hemodinâmica. As medidas para prevenção de úlceras de pressão, de trombose venosa profunda, de delirium e de declínio funcional também devem ser adotadas. A antibióticoterapia precoce, na maioria das vezes escolhida de forma empírica devido à impossibilidade de se isolar o agente etiológico é fundamental no tratamento 12 da pneumonia aspirativa. A escolha dos agentes antimicrobianos é baseada em alguns dados epidemiológicos como prevalência e resistência dos patógenos respiratórios no meio onde ocorreu a aspiração, comorbidades, achados clínicos, internação e uso recente de antibiótico e condições socioeconômicas. Podem ser tratados ambulatorialmente os pacientes que não apresentam instabilidade hemodinâmica ou aqueles que estão em cuidados paliativos. É importante ressaltar que nos idosos, o ajuste da dose e o aumento do intervalo de administração dos antibióticos podem ser necessários, devido ao declínio da função renal que ocorre com o envelhecimento. Deve-se evitar a administração dos mesmos pela via intramuscular, pela sua absorção errática e maior risco de complicações. Em algumas situações pode ser utilizada a via oral. Historicamente, a penicilina, usada em altas doses, sempre foi o antibiótico de escolha para o tratamento da pneumonia aspirativa e do abscesso pulmonar.25,26,27 Porém, com o surgimento de bactérias produtoras de penicilinase surgiram outras opções terapêuticas. Tendo por base as evidências atualmente disponíveis e a probabilidade do agente etiológico, os seguintes esquemas de antimicrobiano são propostos para o tratamento das pneumonias aspirativas.28,29,30,31,32 1- Pneumonia aspirativa por bactéria anaeróbia: -clindamicina: 600 mg IV 8/8h com transição para via oral (VO) 300 mg 6/6 h ou 450 mg 8/8h.* -amoxacilina-clavulanato: 875 mg 12/12h VO.* -amoxacilina: 500 mg 8/8h + metronidazol: 500 mg IV ou VO 8/8h.* 13 -penicilina G: 1 a 2 milhões de unidades 4/4h ou 6/6h + metronidazol: 500 mg IV ou VO 8/8h.* 2 - Pneumonia aspirativa por bactérias Gram negativas ou nosocomial: -imipenen: 500 mg a 1,0 g IV a cada 6 ou 8 horas. Não exceder a dose de 50 mg/Kg ou 4g/dia. * -meropenen: 500 mg a 1,0 g IV 8/8h.* -piperacilina-tazobactan: 4,5 g IV 6/6h* * Podem ser necessários ajustes das doses: levar em conta a depuração de creatinina, comorbidades e demais medicamentos em uso pelo paciente. Devido à falta de estudos controlados, o tempo de tratamento é arbitrário e depende da presença ou não de complicações e da resposta terapêutica. Usualmente, nos casos onde não há cavitação ou empiema, o tempo de tratamento varia entre 7 a 10 dias. Nos idosos frágeis, acredita-se que 10 a 14 dias sejam necessários, podendose estender até 21 dias nos casos mais graves. Quando há abscesso pulmonar, o tempo de antibiótico é indeterminado e dependerá da evolução de cada paciente. 12- Falha Terapêutica: A resposta esperada é uma melhora clínica progressiva em 48 a 72 h. Entretanto, alguns fatores podem comprometer a evolução clínica favorável, como a gravidade da doença, a exacerbação de doença subjacente, a resistência antimicrobiana, outras complicações infecciosas e erro diagnóstico. O surgimento ou o aumento do infiltrado radiológico nas primeiras 48-72 horas pode ocorrer, sem significar falha terapêutica, já que muitos idosos encontram-se 14 desidratados na avaliação inicial. Como regra, não se deve mudar o esquema antibiótico nas primeiras 72 horas, exceto em pacientes graves que continuam a piorar e/ou que não apresentam exacerbação de doença subjacente. Antes de mudar o esquema antibiótico recomenda-se: reavaliação do diagnóstico, reavaliação radiológica, coleta de amostras biológicas para cultura na tentativa de se identificar o agente etiológico (sangue, escarro, urina) e avaliação da necessidade de realização de outros exames complementares (invasivos ou não). 13- Prevenção: Várias medidas são preconizadas para diminuir o risco de pneumonia de aspiração, mas, a maioria delas carece de comprovação científica.33 Pacientes com pneumonia aspirativa recorrente necessitam do apoio de uma equipe multiprofissional, composta por médico, enfermeiro, fonoaudiólogo, nutricionista, fisioterapeuta, dentista, entre outros, para uma adequada abordagem e tratamento dos fatores predisponentes para a aspiração. Como a aspiração de bactérias que colonizam a orofaringe é o provável mecanismo responsável pelo processo infeccioso, medidas para melhorar a higienização da cavidade oral são sugeridas. A limpeza da cavidade oral com uma escova de dente macia, após cada refeição, constitui uma estratégia preventiva eficaz.34 Tal procedimento não deve ser substituído pelo de uso enxaguantes bucais ou “swabs” orais. Há ainda muita controversa sobre as mudanças posturais (queixo/tronco) na redução do risco de aspiração. Ralsey et al 35 mostraram redução de 77% no risco de aspiração de pacientes, com disfagia orofaríngea, submetidos à videofluoroscopia. Pacientes restritos ao leito devem permanecer com a cabeceira elevada a 30º e devem ficar assentados (90º) quando forem receber a dieta oral. 15 Alguns estudos revelam que a mudança da consistência da dieta (líquidos com consistência de mel e/ou pudim) e a medida mais eficaz na redução do risco de aspiração nos pacientes disfágicos.36,37 Observar o paciente, antes e após a ingestão de três ml de água e quatro gramas de pudim, apresenta uma sensibilidade de 90% e especificidade de 71% em predizer o risco de aspiração.38 Os pacientes que aspiram a alimentação oferecida por via oral, também o faz, quando a recebe por uma via alternativa, (sonda nasoentérica, gastrostomia, jejunostomia).39 Desta forma, ao contrário do que se imagina, não existem evidências para a utilização de vias alternativas de alimentação para prevenir a pneumonia aspirativa. O álcool, além de aumentar a colonização da cavidade oral por bactérias Gram negativas, reduz o reflexo de tosse e altera o adequado fechamento da glote. Já o tabaco/nicotina diminui o clearance mucociliar e a resposta imunológica do indivíduo. Alguns medicamentos sedativos podem aumentar o risco e a mortalidade associada à pneumonia aspirativa.40,41 A prescrição de antipsicóticos e benzodiazepínicos deve ser criteriosa e levar em conta o risco/ benefício na sua indicação. O reflexo da deglutição e o reflexo da tosse são mediados por dois neurotransmissores: dopamina e substância P. Em tese, qualquer reparo no metabolismo da dopamina e a redução no catabolismo da substância P podem melhorar a deglutição e o reflexo de tosse. Sekizawa et al mostraram a redução em 33% do risco de pneumonia aspirativa, em pacientes hipertensos acometidos por acidente vascular encefálico (AVE), com o uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) quando comparado com outras classes de anti-hipertensivos. Os IECA atuam reduzindo o catabolismo da substância P endógena.42 16 A amantadina é um agente antiviral e que pelo seu possível efeito no metabolismo da dopamina, poderia ser utilizada em alguns pacientes com fatores de risco para aspiração. Embora Nakagawa et al43 tenham demonstrado uma redução de 20% de aspiração, quando comparado ao placebo, em 163 pacientes com acidente vascular encefálico utilizando 100 mg de amantadina, as evidências ainda são fracas para se indicar esta droga na prevenção de aspiração em indivíduos susceptíveis. 14 - Referências: 1- Brasil. Departamento de Informática do SUS - DATASUS. Informações de saúde. [Acesso em 25 jan. 2013]. Disponivel em: www.datasus.gov.br 2- Sa-Borges M, Rello J. Aspiration pneumonia. In: Marrie TJ, Ed. Communityacquired pneumonia. New York: Springer; 2001:239–57. 3- Bartlett JG. Aspiration pneumonia in adults. [Last literature review: dez 2013]. [Acesso em 25 jan. 2013]. Disponivel em: www.uptodate.com. 4- Berson W, Adriani J. Silent regurgitation and aspiration during anesthesia. Anesthesiology 1954; 15:664. 5- Marik PE. Aspiration pneumonitis and aspiration pneumonia. N Engl J Med 2001; 344:665-71. 6- Panitch HB. Evaluation of recurrent pneumonia. Pediatr Infect Dis 2005; 24:265266. 7- Reza Shariatzadeh M, Huang JQ, Marrie TJ. Differences in the features of aspiration pneumonia according to site of acquisition: community or continuing care facility. J Am Geriatr Soc 2006; 54:296. 8- Kikuchi R, Watabe N, Konno T, Mishima N, Sekizawa K, Sasaki H. High incidence of silent aspiration in elderly patients with community-acquired pneumonia. Am J Resp Crit Care Med 1994; 150:252-254. 17 9- Sumi Y, Miura H, Michiwaki Y, et al. Colonization of dental plaque by respiratory pathogens in dependent elderly. Arch Gerontol Geriatr 2007; 44:119-24. 10- Abe S, Ishihara K, Adachi M, et al. Tongue-coating as risk indicator for aspiration pneumonia in edentate elderly. Arch Gerontol Geriatr. 2008; 47(2):267-75 11- Osler W. The principles and Pratice of Medicine. East Norwalk, Conn: Appleton and Lange; 1892. 12- Marston BJ, Plouffe JF, File TM Jr, et al. Incidence of community-acquired pneumonia requiring hospitalization. Results of a population-based active surveillance study in Ohio. The Community-Based Pneumonia Incidence Study Group. Arch Intern Med 1997; 157: 1709-1718. 13- Feldman C. Pneumonia in the elderly. Clin Chest Med; 1999: 20: 563-573. 14- Bartlett JG. Anaerobic bacterial pneumonitis. Am Rev Respir Dis 1979; 119:19. 15- Brook I, Finegold SM. Bacteriology of aspiration pneumonia in children. Pediatrics 1980; 65:1115. 16- Bartlett JG. Anaerobic bacterial infection of the lung. Anaerobe 2012; 18:235. 17- El Solh AA, Pietrantoni C, Bhat A, et al. Microbiology of severe aspiration pneumonia in institutionalized elderly. Am J Respir Crit Care Med 2003; 167:1650. 18- Takayanagi N, Kagiyama N, Ishiguro T, et al. Etiology and outcome of community-acquired lung abscess. Respiration 2010; 80:98. 19- Bartlett JG, O'Keefe P, Tally FP, et al. Bacteriology of hospital-acquired pneumonia. Arch Intern Med 1986; 146:868. 20- Lorber B, Swenson RM. Bacteriology of aspiration pneumonia. A prospective study of community- and hospital-acquired cases. Ann Intern Med 1974; 81:329. 21- Metlay J, Schults R, Li YH, et al. Influence of age on symptoms at presentation in patients with community acquired pneumonia. Arch Intern Med. 1997; 157:14531459. 18 22- El Solh AA, Aquilina AT, Gunen H, Radamam F. Radiographic resolution of community-acquired bacterial pneumonia in the Elderly. J Am Geriatr Soc. 2004; 52(2):224-9. 23- Lim WS, van der Eerden MM, Laing R, Boersma WG, Karalus N, Town GI. Defining community acquires pneumonia severity on presentation to hospital: an international derivation and validation study. Thorax. 2003; 58(5): 377-382. 24- Fine MJ, Auble TE, Yealy DM, et al. A prediction rule to identify low-risk patients with community- acquired pneumonia. N Engl J Med 1997; 336:243–50. 25- Bartlett JG. Treatment of anaerobic pleuropulmonary infections. Ann Intern Med 1975; 83:376. 26- Weiss W. Oral antibiotic therapy of acute primary lung abscess: comparison of penicillin G and tetracycline. Curr Ther Res Clin Exp 1970; 12:154. 27- Weiss W. Cavity behavior in acute, primary, nonspecific lung abscess. Am Rev Respir Dis 1973; 108:1273. 28- Levison ME, Mangura CT, Lorber B, et al. Clindamycin compared with penicillin for the treatment of anaerobic lung abscess. Ann Intern Med 1983; 98:466. 29- Gudiol F, Manresa F, Pallares R, et al. Clindamycin vs penicillin for anaerobic lung infections. High rate of penicillin failures associated with penicillin-resistant Bacteroides melaninogenicus. Arch Intern Med 1990; 150:2525. 30- Kadowaki M, Demura Y, Mizuno S, et al. Reappraisal of clindamycin IV monotherapy for treatment of mild-to-moderate aspiration pneumonia in elderly patients. Chest 2005; 127:1276. 31- Germaud P, Poirier J, Jacqueme P, et al. Monotherapy using amoxicillin/clavulanic acid as treatment of first choice in community-acquired lung abscess. Apropos of 57 cases. Rev Pneumol Clin 1993; 49:137. 32- Eykyn SJ. The therapeutic use of metronidazole in anaerobic infection: six years experience in a London hospital. Surgery 1983; 93:209. 19 33- Loeb M, Becker M, Eady A, et al. Interventions to prevent aspiration pneumonia in older adults: a systematic review. J Am Geriatr Soc 2003; 51:1018-22. 34- Yoon,MN, Steele CM. The oral care imperative: The link between oral hygiene and aspiration pneumonia. Topics in Geriatric Rehabilitation, 2007; 23: 280-288. 35- Ralsey A, Logemann JA, Kahrilas, PJ, Rademaker AW, Paulowski, BR, Dodds, WJ. Prevention of barium aspiration during videofluoroscopic swallowing studies: Value of change in posture. American Journal of Roentgenology, 1993; 160:1005-09. 36- Logemann JA, Gensler G, Robbins J, Lindblad AS, et al. A randomized study of three interventions for aspiration of thin liquids in patients with dementia or Parkinson’s disease. Journal of Speech, Language, and Hearing Research, 2008 51:173-183. 37- Robbins J, Gensler G, Hind J, Logemann JA, Lindblad AS, Brandt D, et al. Comparison of 2 interventions for liquid aspiration on pneumonia incidence. Annals of Internal Medicine, 2008; 148(7): 509–519. 38- Tohara H, Saitoh E, Mays KA, Kuhlemeier K, Palmer JB. Three tests for predicting aspiration without videoflurography. Dysphagia, 2003; 18:126-134. 39- Siddique R, Neslusan CA, Crown WH, Crystal-Peters J, Sloan S, Farup C. A national inpatient cost estimate of percutaneous endoscopic gastrostomy associated aspiration pneumonia. American Journal of Managed Care 2000; 6(4):490-496. 40- Knol W, Van Marum RJ, Jansen PAF, Souverein PC, Schobben AFAM, Egberts ACG. Antipsychotic drug use and risk of pneumonia in elderly people. J Am Geriatr Soc 2008; 56(4):661-666. 41- Obiora E, Hubbard R, Sanders RD, Myles PR. The impact of benzodiazepines on occurrence of pneumonia and mortality from pneumonia - a nested case-control and survival analysis in a population-based cohort. Thorax 2013; 68(2):163-170. 20 42- Sezikawa K, Matsui T, Nakagawa T. ACE inhibitor and Pneumonia. Lancet 1998; 352:1069. 43- Nakagawa T, Wada H, Sezikawa K. Amantadine and pneumonia. Lancet 1999; 353:1157. 21