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ARTIGO ORIGINAL
Vendramin
et al.
Franco T FS
et al.
Estudo da recidiva após a correção do hiperteleorbitismo
Orbital relapse after hypertelorbitism correction
Cássio Eduardo Raposo do
Amaral1
César Augusto Raposo do
Amaral2
James P. Bradley3
Marcelo de Campos Guidi4
Celso L. Buzzo5
RESUMO
Introdução: Paul Tessier propôs, na década de 60, a correção das deformidades craniofaciais
por abordagem intracraniana. Objetivo: Os objetivos do presente trabalho foram: 1. Comparar
a distância interorbital interna (DIO) do período pré e pós-operatório de pacientes submetidos
à correção de hiperteleorbitismo; 2. Aferir o índice de recidiva da posição orbital após 6 meses
da cirurgia para a correção do hiperteleorbitismo. Método: Onze pacientes foram submetidos
à correção do hiperteleorbitismo. A aferição da DIO foi realizada no período pré-operatório por
meio da telerradiografia cefalométrica de frente. A aferição da DIO pós-operatória foi realizada
no intra-operatório com paquímetro e no seguimento pós-operatório por meio da telerradiografia
cefalométrica, 6 meses após a correção do hiperteleorbitismo. O teste de Wilcoxon foi utilizado
para a comparação entre DIO pré e pós-operatória. O nível de significância adotado no presente
estudo foi de p<0,05. Resultados: Houve diferença estatisticamente significante entre as DIO
pré-operatória (média de 32,14 mm) e pós-operatória (média de 18,73 mm) (p<0,001). O índice
de recidiva médio da posição orbital foi de 1,64 mm. Conclusão: A correção do hiperteleorbitismo é uma cirurgia intracraniana que possibilita a mobilização das órbitas medialmente,
proporcionando resultados estéticos e funcionais satisfatórios. O índice médio de recidiva da
órbita (1,64 mm) representou 12% da extensão da redução óssea média (13,41 mm).
Descritores: Anormalidades craniofaciais/cirurgia. Acrocefalossindactilia. Órbita/anormalidades.
Trabalho realizado na
SOBRAPAR – Sociedade
Brasileira de Pesquisa e
Reabilitação Craniofacial,
Campinas, SP.
Trabalho Vencedor do Prêmio
Silvio Zanini 2009.
Artigo recebido: 14/8/2009
Artigo aceito: 28/10/2009
SUMMARY
Introduction: When Tessier introduced his concepts of both an intra and extracranial approach
to treat severe craniofacial malformations, like hypertelorbitism, the modern field of craniofacial surgery was ushered in. Objective: The aims of this study were the following: 1. To
compare preoperative and postoperative interorbital distance in patients with hypertelorbitism
who underwent hyperteleorbitism correction. 2. To evaluate the orbital relapse rate, 6 months
after hyperteleorbitism correction. Methods: Eleven patients underwent hypertelorbitism
correction. The interorbital distance was measured at frontal cephalograms preoperatively, and
with a caliper intraoperatively and at 6 months after surgery using the frontal cephalograms.
Orbital relapse was measured by subtracting the follow-up measurement from the intraoperative
measurement. Wilcoxon test was used to compare preoperative interorbital distance and postoperative interorbital distance. A value of p <0.05 was considered to be statistically significant.
Results: Statistically significant differences between preoperative interobital distance (31.14
mm) and postoperative interorbital distance was shown in this study (18.73 mm) (p < 0.001).
The average orbital relapse rate was 1.64 mm. Conclusion: Hypertelorbitism correction allows
the orbital mobilization trough an intracranial approach, and leads to a satisfactory aesthetic
and functional outcomes. The average orbital relapse rate was 1.64 mm, corresponding to 12%
of bone interorbital reduction.
Descriptors: Craniofacial abnormalities/surgery. Acrocephalosyndactylia. Orbit/abnormalities.
1. Cirurgião plástico da SOBRAPAR – Sociedade Brasileira de Pesquisa e Reabilitação Craniofacial.
2. Médico residente em cirurgia plástica da SOBRAPAR.
3. Chefe da cirurgia plástica pediátrica da UCLA – University California Los Angeles, Estados Unidos.
4. Diretor clínico e cirurgião plástico da SOBRAPAR.
5. Regente do Serviço de Cirurgia Plástica “Prof. Dr. Cássio M. Raposo do Amaral” – SOBRAPAR.
Rev. Bras. Cir. Plást. 2009; 24(4): 425-31
425
Raposo do Amaral CE et al.
INTRODUÇÃO
O tratamento das deformidades craniofaciais por abordagem intracraniana foi proposto pelo cirurgião plástico
francês Paul Tessier, na década de 60. Tessier preconizou
osteotomias em todo o cone orbitário com o objetivo de
mobilizar as órbitas para uma posição mais anatômica, introduzindo uma nova fase na cirurgia craniofacial1. Os princípios da cirurgia craniofacial rapidamente se expandiram pelo
mundo, e inúmeros cirurgiões passaram a realizar cirurgias
intracranianas para correção das deformidades do crânio e
da face. Tessier classificou o hiperteleorbitismo em 3 graus,
de acordo com a distância interorbital (DIO)2: Primeiro grau:
DIO entre 30 e 34 mm; segundo grau: DIO maior que 34 mm
e menor que 40 mm; terceiro grau: DIO maior que 40 mm.
Van der Muelen, em 1979, utilizou a terminologia “faciotomia medial” e os princípios de Tessier para descrever a
rotação medial das duas hemi-faces através de acesso intracraniano associado a osteotomias sucessivas na junção pterigomaxilar e placas palatinas, corrigindo simultaneamente as
órbitas e a oclusão em “V” invertido característica desses
pacientes3,4. Converse et al.5,6 utilizaram a orbitotomia em
um estágio para a correção do hiperteleorbitismo no paciente
adulto, evitando osteotomias no palato.
A correção precoce do hiperteorbitismo pode levar ao
hipomaxilismo, e recidiva da deformidade durante o crescimento da face. Portanto, a idade ideal para a correção das
anomalias congênitas das órbitas permanece como assunto de
controvérsia na literatura atual. Mulliken et al.7 enfatizaram
que a gravidade do hiperteleorbitismo pode levar à recidiva
da deformidade com a migração das órbitas para a posição
original durante o período pós-operatório. Por outro lado,
McCarthy et al.8 descreveram que a correção do hiperteleorbitismo realizada antes dos 5 anos de idade leva a resultados
satisfatórios, com ausência de recidiva da posição orbital
durante o período pós-operatório. A recidiva da posição das
órbitas pode ocorrer nos pacientes com hiperteleorbitismo
operados durante a infância.
Os objetivos do presente trabalho foram:
• Comparar a distância interorbital interna dos períodos
pré e pós-operatórios;
• Aferir o índice de recidiva da posição orbital após 6
meses da cirurgia para a correção do hiperteleorbitismo.
MÉTODO
Onze pacientes foram submetidos à correção do hiperteleorbitismo entre fevereiro de 2007 e fevereiro de 2009.
Cinco pacientes eram do sexo masculino e 6 pacientes do sexo
feminino. Os diagnósticos pré-operatórios das deformidades
congênitas foram síndrome de Apert (n=1), síndrome de
Crouzon (n=2), displasia craniofrontonasal (n=4), displasia
426
frontonasal (n=2), craniossinostose coronal unilateral (n=1),
hemi-arrinia (n=1). Os pacientes com diagnóstico de síndrome
de Crouzon e Apert foram submetidos ao avanço da face em
monobloco associado à bipartição craniofacial.
A idade média dos pacientes operados foi de 12 anos de
idade, variando de 5 a 29 anos.
Todos os pacientes ou seus responsáveis assinaram termo de
consentimento livre esclarecido autorizando a cirurgia e a veiculação das imagens fotográficas em fórum científico. O presente
trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição.
Técnica operatória
O procedimento anestésico utilizado foi a anestesia
geral, com a fixação do tubo feito pelo cirurgião com fios de
aço, exatamente no meio do mento, com objetivo de evitar
distorções anatômicas.
A cirurgia foi iniciada com a incisão da pele do couro
cabeludo até a região supraperiostal. O descolamento subgaleal foi iniciado até a região orbitária. O retalho de periósteo
foi demarcado e elevado com descolador afiado. O nervo
supra-orbitário foi liberado com osteótomos finos de 2
mm. O teto superior das órbitas foi descolado, bem como
todo o cone orbitário (parede medial, lateral e assoalho das
órbitas). O parâmetro anatômico para limite do descolamento
intra-orbitário foi a fissura orbitária. O arco zigomático foi
descolado. Foi realizada hemostasia cuidadosa e inclusão
de cotonóides dentro dos cones orbitários, com objetivo de
diminuir o sangramento. Foi realizada incisão gengivobucal
para descolamento dos pilares da maxila, junção pterigomaxilar e aberturas periformes.
A marcação da craniotomia e barra frontal foram realizadas
com azul de metileno. A craniotomia foi iniciada com craniotomo da marca 3M®. A craniotomia permitiu acesso ao espaço
supradural. Foi realizado o descolamento da dura-máter com
instrumento cirúrgico denominado penfil. Subsequentemente
à obtenção do acesso intracraniano, foi realizada a passagem
da serra de gigle, que permitiu a realização da craniotomia
completa e elevação da tábua óssea. O eventual sangramento
das veias colaterais ao seio venoso sagital foi controlado com
eletrocautério bipolar e, nos casos mais graves, com enxerto
de periósteo sobre o vaso, que foi suturado com prolene 5-0
com agulha cilíndrica. Após a contenção do sangramento,
o descolamento da fossa craniana anterior foi iniciado, até
a placa cribiforme e crista galli na região medial e a borda
inferior da asa esfenoidal na porção lateral.
Foi realizada desinserção do músculo temporal na região
das paredes laterais das órbitas, possibilitando acesso da serra
ao assoalho das órbitas, na região da fissura orbitária. Um
afastador maleável foi introduzido dentro do cone orbitário
para proteção do globo ocular. As osteotomias das órbitas
foram iniciadas na região da fissura orbitária, parede lateral
da órbita e teto da órbita através do acesso intracraniano. As
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Estudo da recidiva após a correção do hiperteleorbitismo
osteotomias foram realizadas em direção medial. As osteotomias da parede medial e assoalho das órbitas foram realizadas
utilizando-se osteótomos de 3 mm. As osteotomias do assoalho da órbita foram realizadas a 10 mm do forame óptico.
As osteotomias nos arcos zigomáticos foram realizadas com
a serra vai-vem. Subsequentemente foi realizada osteotomia
da junção pterigomaxilar utilizando-se osteótomo de Kawamoto. Após a realização de todas as osteotomias, foi realizada
a disjunção craniofacial com os fórceps desimpactadores de
Rowe. Esta manobra permitiu separar a face do crânio. Neste
momento, foi solicitada ao médico anestesista a redução da
pressão arterial, com objetivo de diminuir o sangramento.
A distância intercantal interna foi aferida com emprego de
paquímetro, com as extremidades das pás do paquímetro
apoiadas na parede medial da órbita.
A osteotomia em “V” invertido foi realizada na região
medial em direção à crista galli. O osso frontal, etmóide e o
septo nasal foram removidos via acesso intracraniano. Nesta
etapa cirúrgica, todo cuidado foi tomado para não lesar os
nervos olfatórios, junto à placa cribiforme. A osteotomia em
“V” invertido foi assimétrica nos pacientes com displasia
craniofrontonasal e simétricas nos pacientes com displasia
frontonasal, síndrome de Apert e síndrome de Crouzon.
A osteotomia permitiu a rotação medial e das hemi-faces
e fixação e osteossíntese em nova posição anatômica. A
osteossíntese foi realizada com placas e parafusos na região
medial. Na região lateral foi realizada a enxertia óssea para
estabilização dos resultados e prevenção das recidivas.
Os aparelhos distratores foram introduzidos nos pacientes
com síndrome de Crouzon e Apert e permitiram o avanço da
face na razão de 1 mm por dia.
O excesso de pele medial nos pacientes com displasia craniofrontonasal e frontonasal foram tratados com os pontos subdérmicos
de Kawamoto com vicryl 4-0 e agulha cilíndrica ou ressecção do
excesso de pele frontal9. Foi realizada cantopexia medial com fio
de aço 2-0 e cantopexia lateral com vicryl 2-0 e agulha cilíndrica.
O couro cabeludo foi suturado por planos. Foram introduzidos
2 drenos, que permaneceram por 2 dias (Figura 1).
Reconstrução nasal
A reconstrução nasal em 3 estágios foi realizada em
1 paciente com diagnóstico de displasia frontonasal. O
primeiro estágio consistiu em nova craniotomia para retirada de enxertos ósseos, e retirada de cartilagens auriculares. Subsequentemente, foram realizadas rotação do
retalho frontal, enxertia óssea do dorso nasal e enxertia do
domus nasal com a cartilagem auricular, fornecendo suporte
ao retalho frontal. Durante o segundo tempo cirúrgico, foi
realizada a diminuição da espessura do retalho frontal.
Durante o terceiro tempo cirúrgico, foi realizada a separação
completa do retalho frontal.
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Mensuração da distância interorbital interna
A aferição da distância interorbital interna foi realizada no
período pré-operatório por meio de telerradiografia cefalométrica de frente. A aferição da distância interorbital interna foi
realizada no intra-operatório com paquímetro e no seguimento
pós-operatório por meio da telerradiografia cefalométrica, 6
meses após a correção do hiperteleorbitismo (Figura 2).
Figura 1 - Ilustração demonstrando as osteotomias realizadas
para mobilização das órbitas na cirurgia de bipartição craniofacial
para correção do hiperteleorbitismo por acesso intracraniano
(esquerda). Ilustração demonstrando a fixação do esqueleto
craniofacial após a mobilização das órbitas (direita).
Figura 2 - Telerradiografia cefalométrica frontal com a aferição
da distância interobital pré-operatória demarcada em vermelho
(esquerda). Telerradiografia cefalómetrica com aferição da
distância interorbital pós-operatória demarcada em vermelho
(direita).
427
Raposo do Amaral CE et al.
Cálculo da recidiva das órbitas
Foi utilizada a seguinte equação matemática para
obtenção do índice de recidiva das órbitas durante o seguimento pós-operatório.
Recidiva do resultado = DIO pós-operatória aferida na
telerradiografia cefalómetrica – DIO intra-operatória aferida
com o paquímetro logo após as osteotomias em “V” invertido
Análise estatística
Foi utilizado o teste de Wilcoxon para comparação estatística entre os valores da distância intercantal interna dos períodos pré e pós-operatório. O teste de Wilcoxon é um teste não
paramétrico utilizado para comparar as variáveis duas a duas.
O nível de significância adotado no presente estudo foi de 0,05.
RESULTADOS
O tempo cirúrgico médio foi de 7,43 horas, variou de 5 a
10 horas de cirurgia. Todos os pacientes receberam transfusão
sanguínea. O número médio de unidades de concentrado de hemácias transfundido foi de 2,54, variando de uma a quatro unidades.
O tempo médio de internação foi de 8,45 dias, variando de 4 a
17 dias. O tempo médio de internação em unidade de terapia
intensiva foi de 1,81 dias, variando de 1 a 3 dias.
A distância interorbital média pré-operatória foi de
A
B
Figura 3 - Paciente com diagnóstico de Síndrome de Crouzon
submetido a avanço da face em monobloco com alongamento
ósseo gradual associado à bipartição craniofacial. “Roman
Arch Technique”. Fotografia frontal pré-operatória (A). Nota-se
exorbitismo e retrusão do terço médio com oclusão classe III. Na
fotografia pós-operatória, observa-se a correção da retrusão do
terço médio da face característico da síndrome de Crouzon e do
hiperteleorbitismo associado (B)
Tabela 1. Medidas das distâncias interorbitais antes, durante e após a cirurgia.
Nome
Idade
DIO Pré-op.
DIO Intra-op.
DIO Pós-op.> 6 m
AV
10
29
16
16,5
CR
6
31
16
16
RC
9
33,5
15
18
TL
12
32
18
18
LA
9
37
18
18
KA
33
38
20
21
WC
7
34
16
21,5
GA
8
33,5
15
15
DB
13
24
19
19
JF
12
28
15
20
FL
13
33,5
20
23
DIO: distância interorbital interna. As medidas foram fornecidas em milímetros (mm).
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Rev. Bras. Cir. Plást. 2009; 24(4): 425-31
Estudo da recidiva após a correção do hiperteleorbitismo
32,14 mm, variando de 24 a 38 mm. A distância interorbital média
intra-operatória após a ressecção óssea foi de 17,09 mm, variando
de 15 a 20 mm. A distância interorbital média pós-operatória foi
de 18,73 mm, variando de 16 a 23 mm (Figura 3 e Tabela 1).
A redução óssea média da DIO foi de 13,41 mm, o que
correspondeu ao porcentual médio de 40,9% ± 6,2%. A
recidiva média da posição orbital foi de 1,64 mm. O maior
índice de recidiva da posição da órbita ocorreu em 3 pacientes
com diagnóstico de displasia craniofrontonasal e frontonasal
(Figura 4 e Tabela 2).
A
B
Figura 5 - Fotografia pré-operatória de paciente adulto com
diagnóstico de displasia craniofrontonasal com hiperteleorbitismo
submetido a bipartição craniofacial (A). Fotografia pósoperatória do mesmo paciente 1 ano após a intervenção cirúrgica
intracraniana. O estrabismo foi corrigido pela mobilização das
órbitas (B).
A
B
Figura 4 - Mesmo paciente com síndrome de Crouzon. Fotografia
lateral pré-operatória (A) e 1 ano após o tratamento cirúrgico com
a técnica de “Roman Arch” (B).
Tabela 2. Medidas da redução óssea interobital e recidiva
óssea.
Nome
Redução óssea da DIO
Recidiva
AV
12,5
0,5
CR
15
0
RC
15,5
3
TL
14
0
LA
19
0
KA
17
1
WC
12,5
5,5
GA
18,5
0
DB
5
0
JF
8
5
FL
10,5
3
DIO: distância interorbital interna. As medidas foram fornecidas em milímetros (mm).
Rev. Bras. Cir. Plást. 2009; 24(4): 425-31
Todos os pacientes que foram submetidos ao avanço
da face em monobloco associado à bipartição craniofacial
(Figura 5) utilizaram aparelhos distratores para o alongamento ósseo gradual da marca KLS Martin®, doados aos
autores pela empresa. O avanço médio da face nos pacientes
com disostose craniofacial (n=3) foi de 14,66 mm, variando
de 10 a 18 mm.
Complicações
Um paciente com síndrome de Apert apresentou fístula
liquórica de baixo débito, que foi resolvida com medicação
por via oral.
Um paciente apresentou sequestro ósseo de parte da tábua
frontal, que foi resolvido após a retirada do osso e antibioticoterapia intravenosa. A reconstrução foi realizada em
segundo tempo cirúrgico, um ano após a primeira intervenção
utilizando osso bipartido da região temporal.
DISCUSSÃO
A aferição das distâncias entre as órbitas com a utilização
da telerradiografia cefalométrica é um método fidedigno.
McCarthy et al.8 demonstraram a acurácia das medidas feitas
por meio desse método radiológico, comparando-as com as
medidas obtidas no intra-operatório com paquímetro. Os
autores não observaram diferença estatisticamente significante entre as medidas obtidas com esses dois métodos8.
Com base nos estudos de Whitaker et al.10, uma equação
matemática para o cálculo da recidiva das órbitas foi proposto
429
Raposo do Amaral CE et al.
no presente trabalho. O índice de recidiva da órbita (1,64
mm) representou 12% da extensão da redução óssea média
(13,41 mm).
Os métodos atuais de osteossíntese com placas e parafusos
permitiram a estabilização dos resultados obtidos no intraoperatório e, consequentemente, levaram ao baixo índice
de recidiva. Os pacientes com o diagnóstico de displasia
craniofrontonasal e displasia frontonasal apresentaram maior
índice de recidiva, provavelmente devido à necessidade de
mobilização da órbita em 3 dimensões.
A idade ideal para o tratamento das deformidades das
órbitas permanece um assunto controverso entre os cirurgiões
plásticos. Embora os estudos de McCarthy et al.8 demonstrem ausência de recidiva em pacientes operados com idade
média de 5 anos, estudos longitudinais são importantes para
avaliar os resultados tardios após o término do crescimento
facial. Por esse motivo, os pacientes desse estudo deverão
ser acompanhados até a fase adulta, para obtenção do índice
de recidiva a longo prazo.
O reposicionamento das órbitas possibilita aos pacientes
a aquisição da visão binocular, normalmente prejudicada
devido ao hiperteleorbitismo. Além do aspecto funcional, a
procura da harmonia facial é sempre o sentimento que motiva
os pacientes e seus familiares a procurarem tratamento em
centros especializados. A criança aos 5 anos de idade começa
a se perceber diferente dos seus pares, perde a motivação
para ir à escola e conviver com os colegas. Muitas vezes, as
crianças são estigmatizadas no ambiente escolar, o que pode
dificultar o processo de aprendizagem. Profissionais da pedagogia, em algumas situações, chegam a classificá-las como
“diferentes” e confundi-las com pacientes com síndrome
de Down. No entanto, a inteligência normal destas crianças
passa a não ser estimulada adequadamente devido aos estereótipos. A cirurgia em idade precoce alivia o estigma e os estereótipos enfrentados por crianças com deformidades faciais
no ambiente escolar, possibilitando o desenvolvimento
normal desses indivíduos11. Interessantemente, a criança aos
5 anos de idade já mostra de maneira eloquente o desejo de ser
submetida à cirurgia. Nessas situações, a cirurgia é realizada
precocemente12. A existência da possibilidade de recidiva em
pacientes com hiperteleorbitismo operados antes dos 5 anos
de idade, certamente, não é maior que o desejo do paciente
e dos seus familiares de obtenção de auto-imagem positiva e
recuperação da auto-estima, que possibilite o enfrentamento
do preconceito no ambiente escolar.
Coincidentemente, os pacientes que sofrem com os estereótipos são aqueles que apresentam sérias deformidades
em partes moles e nariz associadas ao hiperteleorbitismo13.
Segundo Tessier14, o grande desafio da cirurgia do hiperteleorbitismo é a reconstrução nasal em pacientes com
arrinia ou hemi-arrinia. Optou-se pela reconstrução nasal
em 3 estágios utilizando o retalho frontal em um paciente. A
430
reconstrução das partes moles nos pacientes com ausência de
deformidade nasal foi realizada com os pontos subdérmicos
de Kawamoto9. Esses pontos possibilitaram a retração do
excesso de tecidos moles na região mediana, bem como
diminuição da distância entre as sobrancelhas. A distância
exagerada entre as sobrancelhas gera uma ilusão de hiperteleorbitismo, por esse motivo deve ser reduzida simultaneamente à cirurgia óssea15.
A fístula liquórica foi observada em 1 paciente com
síndrome de Apert, após avanço da face em monobloco
associado à correção do hiperteleorbitismo. As fístulas de
baixo débito normalmente têm resolução espontânea após
3 semanas. Não raramente observa-se nesses pacientes a
dilatação dos ventrículos cerebrais consequente ao déficit
de drenagem do liquor. A derivação ventrículo-peritonial
não é recomendada nesses pacientes devido à necessidade
de expansão cerebral durante o período de alongamento
ósseo gradual16. Os enxertos ósseos frontais necessitam estar
em contato com a dura-máter para que haja vascularização
adequada e diminuição da morbidade desta cirurgia. O
sequestro ósseo observado em paciente com diagnóstico de
displasia craniofrontonasal foi decorrente da mobilização e
avanço em 3 dimensões de uma das hemi-faces. A perda do
contato entre os enxertos ósseos frontais e a dura-máter pode
ter levado ao déficit de suprimento sanguíneo e, consequentemente, ao sequestro ósseo. Esta complicação foi solucionada
com a intervenção imediata e retirada do osso acometido. A
reconstrução da falha óssea frontal foi realizada 6 meses após
a primeira cirurgia com enxertos ósseos autógenos do próprio
crânio, possibilitando a resolução completa do caso. A tração
da dura-máter com fios de prolene, como preconizado por
Kawamoto, provavelmente teria evitado esta complicação
e deverá ser realizada nos próximos pacientes que forem
submetidos ao avanço da face.
CONCLUSÕES
Os pacientes portadores de graves deformidades craniofaciais, como o hiperteleorbitismo, sofrem com o estigma
e os estereótipos de seus pares. Adicionalmente, sequelas
funcionais, como ausência de visão binocular é normalmente
observada. A correção do hiperteleorbitismo é uma cirurgia
intracraniana, que possibilita a mobilização das órbitas
medialmente e alivia os sinais e sintomas da doença, proporcionando resultados estéticos e funcionais satisfatórios.
O índice de recidiva observado nos pacientes operados
com média de idade de 12 anos foi de 1,64 mm. A cirurgia
para correção do hiperteleorbitismo deve ser indicada a
pacientes que apresentem sequelas estéticas e funcionais.
O seguimento pós-operatório longitudinal dos nossos
pacientes determinará os resultados finais após todo o
crescimento da face.
Rev. Bras. Cir. Plást. 2009; 24(4): 425-31
Estudo da recidiva após a correção do hiperteleorbitismo
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Cássio Eduardo Raposo do Amaral
Rua Alameda das Palmeiras, 25 – Gramado – Campinas, SP, Brasil – CEP 13094-776
E-mail: [email protected]
Rev. Bras. Cir. Plást. 2009; 24(4): 425-31
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