UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO JANEIRO – UNIRIO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL RENATA DE SÁ COSTA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, PRINCÍPIOS E DIRETRIZES: A INTEGRALIDADE EM SAÚDE E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA ALTA COMPLEXIDADE. Rio de Janeiro 2016 RENATA DE SÁ COSTA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, PRINCÍPIOS E DIRETRIZES: A INTEGRALIDADE EM SAÚDE E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA ALTA COMPLEXIDADE. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito para a conclusão do curso de Serviço Social. Orientação: Profa. Dra. Janaina Bilate Martins Rio de Janeiro 2016 RENATA DE SÁ COSTA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, PRINCÍPIOS E DIRETRIZES: A INTEGRALIDADE EM SAÚDE E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA ALTA COMPLEXIDADE. Aprovado em: _____/______/_____ ____________________________________________________________ Profa. Dra. Janaina Bilate Martins- Orientadora Professora da Escola de Serviço Social- UNIRIO ____________________________________________________________ Profa. Dra. Lobelia da Silva Faceira Professora da Escola de Serviço Social- UNIRIO ____________________________________________________________ Profa. Ms. Renata Maria Coelho Assistente Social do Instituto Nacional de Cardiologia- INC Rio de Janeiro 2016 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todos os profissionais, que mesmo frente à todos os ataques, lutam por um SUS universal, integral, equânime e de qualidade. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por ter me feito chegar até aqui. Por toda a proteção e força para que mais esse objetivo fosse alcançado em minha vida. À minha mãe Irene, por todo apoio, orações, incentivo e torcida. Esse trabalho é também dedicado à você! Obrigada por todos os seus ensinamentos e por tudo que você é para mim. À minha família e amigos especiais (Lu, Carla, tia Lucia, tio Nelson, William, tia Noemia), pela torcida de sempre e por estarem participando de mais esse momento da minha formação. Aos meus amigos de turma, da UNIRIO, futuros Assistentes Sociais brilhantes, em especial a Rhanna e Barbara, que tornaram essa caminhada mais leve, alegre e prazerosa. Amizade que levarei para vida toda. Sentirei muita falta do nosso convívio diário. Obrigada por tudo! À Janaína Bilate (Jana), por ter aceitado embarcar comigo neste trabalho. Sua empolgação desde o início me motivou muito. Obrigada por toda sua paciência e disponibilidade que foram fundamentais para a construção desse trabalho. Agradeço também à todos os professores da ESS/UNIRIO por todos os ensinamentos e reflexões, vocês foram fundamentais na minha formação. Muito obrigada!!!!! À Lobelia Faceira (Ló), por estar sempre disponível, por ter aceitado participar da banca desse trabalho e por todas as aulas e supervisões de estágio, que foram fundamentais nesse processo de articulação entre a teoria e prática que contribuíram muito na construção deste trabalho. Ló você é um exemplo de profissional, obrigada por tudo! À Renata e Mônica, minhas supervisoras queridas, como aprendi com vocês! Obrigada por esses dois anos de estágio, por terem me recebido de portas abertas, por todos os ensinamentos, incentivo e por toda a ajuda na construção deste trabalho. Agradeço também a Equipe de Serviço Social do INC, pela convivência e por participarem também deste trabalho. Foi um prazer estar com vocês nesses dois anos! Aos meus colegas de trabalho do ELSA- Brasil (FIOCRUZ), obrigada pela torcida e pela ajuda para que eu conseguisse terminar esse trabalho. E a todos que de certa forma fizeram parte da minha formação, meu muito obrigada!!!!! RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo entender como se materializa o princípio da integralidade em saúde na atuação de Assistente Sociais de uma unidade de saúde de alta complexidade do SUS, analisando os limites e possibilidades para uma atuação condizente com o Projeto de Reforma Sanitária e Projeto Ético Político profissional, frente ao desmonte da saúde pública brasileira. Para isso foi realizada uma pesquisa bibliográfica a respeito da trajetória da Política de Saúde no Brasil, até os dias atuais e uma pesquisa com os Assistentes Sociais do Instituto Nacional de Cardiologia afim suscitar reflexões acerca da do princípio da integralidade. O mesmo está dividido em dois capítulos, além da introdução e das considerações finais. No primeiro capítulo resgatamos a trajetória da Política de Saúde no Brasil, desde seus antecedentes históricos até os dias atuais com o SUS, frente ao cenário de crise em que vive a Saúde Pública. Também abordamos neste capítulo, os princípios e diretrizes do SUS, dando maior enfoque ao princípio da integralidade. No segundo capítulo, apontamos a relação entre Saúde e Serviço Social, destacando os parâmetros para a atuação do Assistente Social na saúde bem como a articulação entre Projeto de Reforma Sanitária e o Projeto Ético Político do Serviço Social, como norte da intervenção profissional. E por fim, ainda no segundo capítulo relataremos os dados da pesquisa realizada com os Assistente Sociais do Instituto Nacional de Cardiologia, que tem por objetivo analisar como se materializa o princípio da Integralidade no cotidiano profissional, bem como seus limites e possibilidades, para uma atuação ética articulada aos princípios do SUS e o Projeto Ético Político da profissão. Palavras- chave: SUS- Integralidade- Serviço Social- Alta Complexidade ÍNDICE DE SIGLAS ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva ANS - Agência Nacional de Saúde Complementar CAP – Caixa de Aposentarias e Pensões CEBES - Centro Brasileiro de Estudos de Saúde CF - Constituição Federal CFESS - Conselho Federal de Serviço Social CRESS - Conselho Regional de Serviço Social CTI - Centro de Terapia Intensiva EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IAP - Instituto de Aposentadorias e Pensões INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INC - Instituto Nacional de Cardiologia LOS - Lei Orgânica da Saúde MS - Ministério da Saúde ONG - Organização Não Governamental OSS - Organização Social de Saúde PEC - Proposta de Emenda Constitucional SESP - Serviço Especial de Saúde Pública SIB - Comissão Intergestores Bipartite SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUS - Sistema Único de Saúde UPA - Unidade de Pronto Atendimento SUMÁRIO 1. Introdução ........................................................................................................................... 10 2. A Construção do Sistema Único de Saúde: princípios e diretrizes ................................. 19 2.1 Saúde Pública no Brasil – antecedentes históricos ............................................................. 20 2.2 VIII Conferência – Saúde, Democracia e Socialismo ........................................................ 24 2.3 Sistema Único de Saúde – princípios, diretrizes e desafios ............................................... 27 2.4. O SUS na Contemporaneidade e o ataque da ofensiva neoliberal .................................... 30 2.5. Integralidade para quem? .................................................................................................. 33 3. O Serviço Social na Saúde – os desafios na contemporaneidade ................................... 36 3.1 Projeto Ético-Político do Serviço Social e Movimento de Reforma Sanitária: unidade de ação ........................................................................................................................................... 37 3.2 A Atuação do Assistente Social na Saúde – os parâmetros em questão ............................. 40 3.3 Desafios cotidianos à materialização do Projeto Ético-Político Profissional articulado ao Projeto de Reforma Sanitária.................................................................................................... 44 4. Considerações Finais .......................................................................................................... 56 Referências .............................................................................................................................. 59 Anexo I- Roteiro de Pesquisa para Entrevista com Assistentes Sociais ................................. 62 Anexo II- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)...........................................63 10 1. Introdução O presente trabalho de conclusão de curso visa entender como se materializa o princípio da Integralidade na alta complexidade1, com base na experiência de estágio curricular no Instituto Nacional de Cardiologia a partir da atuação dos assistentes sociais na instituição. Bem como conhecer os desafios que os profissionais encontram no cotidiano para viabilizar e garantir esse princípio do SUS, bem como as possibilidades para uma atuação mediada pelo Projeto Ético Político do Serviço Social. O campo onde ocorrerá a pesquisa será no Instituto Nacional de Cardiologia, uma unidade de alta complexidade do Sistema Único de Saúde, onde realizamos estágio curricular supervisionado obrigatório. É uma instituição de referência no tratamento de doenças cardíacas de alta complexidade de adultos e crianças e é também o único hospital público no Rio de Janeiro a realizar transplantes cardíacos. A pesquisa contou com o universo de 12 Assistentes Sociais que compõem da equipe de Serviço Social do INC, porém como amostra tivemos 5 Assistentes Sociais participando da pesquisa de campo. Com isso, a análise se deu com base nessas cinco entrevistas. Foi construído um instrumento de coleta de dados, tendo como objetivos saber o ano de formação, vínculo, entendimento dos profissionais acerca dos princípios do SUS, com ênfase na integralidade, desafios e possibilidades de implementação do Projeto Ético- Político da Profissão e o Projeto de Reforma Sanitária, bem como a participação em movimentos sociais em defesa da saúde. O dia a dia numa instituição de saúde, com destaque para uma de alta complexidade como o INC, mostra o quanto algumas doenças podem ser evitadas de chegar a alta complexidade, se diagnosticadas na Atenção Básica de Saúde, ou seja, as ações de saúde 1 O SUS hierarquiza o sistema público de saúde em três níveis: baixa (unidades básicas de saúde), média (hospitais secundários e ambulatórios de especialidades) e alta complexidade (hospitais terciários), de acordo com o quadro clínico do usuário, o mesmo é encaminhado através da Central de Regulação de Vagas (SISREG) para uma unidade especializada. 11 devem ser voltadas não somente para a cura, mas sim com foco na prevenção e promoção da saúde, o que preconiza o princípio da Integralidade.2 Na prática não é o que acontece, os usuários não são vistos em sua forma integral, mas sim fragmentada. Deste modo, as ações muitas vezes são curativas e não preventivas e, no caso da alta complexidade, os casos já são cirúrgicos, e vemos no dia a dia que algumas situações poderiam ser evitadas se tratadas precocemente. Inserida na enfermaria de Orovalvar do INC, a principal causa que leva os usuários à cirurgia de troca valvar é a Febre Reumática, causada na infância, e que se fosse tratada e diagnosticada na Atenção Básica, não levaria esse usuário até o atendimento de alta complexidade. A Saúde, parte do tripé da Seguridade Social3, é política social e como tal acaba exercendo um duplo caráter: ao mesmo tempo em que é funcional ao Estado Capitalista, ela também atende às demandas dos trabalhadores. Com o acirramento da crise estrutural do Estado, em sua fase neoliberal, a retração do mesmo na provisão de políticas sociais favorece a iniciativa privada. A Saúde, assim como a educação, torna-se mercadoria bastante rentável. No Estado Capitalista as Políticas Sociais assumem basicamente duas funções, ao mesmo tempo em que visam atenuar os problemas sociais, fruto das lutas da classe trabalhadora, também favorece a acumulação e manutenção capitalista. Com isso, às Políticas Sociais ficam subordinadas à lógica econômica, no qual se prevê a valorização do capital financeiro, ampliação de mercado e a exclusão cada vez mais evidente dos direitos sociais. As políticas tornam-se mercadorias4. A Saúde Pública no Brasil no decorrer dos anos passou por diversas fases, sendo elas: assistencialista,5 previdencialista 6e universalista, que vigora atualmente, “na letra da lei”7, e 2 Cabe- nos destacar que o presente trabalho apesar de focar no princípio da integralidade, todos os princípios doutrinários como a universalidade e a equidade e como os de organização hierarquização, regionalização, descentralização e participação social são uma unidade e não se pode falar de um em específico sem entender que todos caminham articulados. 3 Vide lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. 4 A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. (MARX, 1996, p. 165) 5 Assistencialista: a saúde era voltada para atenção das populações mais empobrecidas e carentes, sendo vista como caridade e tinha um foco curativo da doença, sem a intervenção estatal no enfrentamento da questão social. 12 se baseia na legislação que regulamenta o Sistema Único de Saúde. No entanto, não sem suas contradições. Para pensar a trajetória da política de saúde no Brasil é necessário o resgate de dois fatos históricos que marcaram sua consolidação: o Movimento de Reforma Sanitária e a VIII Conferência Nacional de Saúde, no bojo daquele. Em 1988, com a publicação da Constituição, o SUS, com seus princípios, diretrizes e ações, é concebido passando a vigorar o modelo universalista de saúde brasileiro, estando vigente até os dias de hoje, legalmente.8 O SUS é reconhecido por ser um dos mais avançados sistemas de saúde, com base no que dispõe os artigos 196 a 200 da Carta de 1988, porém na prática, o que se dá concretamente é um SUS longe do que é a proposta constitucionalmente, com princípios cada vez mais focalizados e cada vez mais distante do que propõe a Reforma Sanitária e a VIII Conferência Mundial de Saúde. Desde os anos 1990, a Saúde Pública Brasileira passa por um momento de desmonte e precarização, tendo em vista que seu projeto universalista é implementado em um cenário de desmonte do público estatal, e que se acirra na contemporaneidade. Desta forma, dois projetos de saúde estão em disputa atualmente: o Projeto de Reforma Sanitária, no qual é defendida a universalização do acesso, um sistema de saúde público e de qualidade e bem como todos os princípios norteadores do SUS; e o Projeto Privatista, que vai de total oposição ao que propõe o SUS Constitucional, ou seja, com propostas focalizadoras, privatistas, seletivas de um direito público. O Sistema de Saúde passa por um período, desde os anos 1990, de retrocessos evidenciando o desafio que é, atualmente, a consolidação dos princípios da Reforma Sanitária. Para termos uma ideia, como fruto da contrarreforma do Estado, novas formas de administração passam para as instituições de direito privado, empresas públicas e Organizações Sociais. A saúde é uma das que mais absorve esse modelo de administração, o 6 Previdencialista: a saúde passa a incorporar os trabalhadores inseridos no mercado formal de trabalho. Momento histórico em que foram criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões, onde somente os trabalhadores e suas famílias tinham direito à uma atenção decente e diferenciada das demais pessoas que se encontravam desempregadas. O modelo previdencialista de saúde não eliminou o modelo assistencialista, porém foi uma forma que o Estado usou para regular e controlar ainda mais a classe trabalhadora. A frente abordaremos que o SUS constitucional não se materializou na prática. Por isto que nos referimos a “na letra da lei”. 7 8 Vale a pena ressaltar, que embora esteja vigorando legalmente, o SUS está longe de se consolidar, no que propõe seus princípios e diretrizes. Enquanto propõe a universalidade do acesso, o que vemos na prática é a focalização desse acesso, o que evidencia as contradições entre o que está proposto e o que se dá efetivamente na prática. 13 número de OSs9 aumenta em 2007 para setenta (70) OSs criadas no país, sendo a saúde o setor mais contemplado, com 25 organizações, sendo 16 em São Paulo, 1 no Espírito Santo, 3 na Bahia, 3 no Pará e 1 em Goiás (SANO E ABRÚCIO, 2008 Apud BRAVO, ANDREAZZI & MENEZES, 2013). No Rio de Janeiro, as OSs passam a administrar a maioria das Clínicas de Saúde da Família e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), e isso não se dá sem contradições. Com essas organizações gerindo as Unidades de Saúde, profissionais são contratados com vínculos cada vez mais flexibilizados, são contratados profissionais sem concurso público e isso rebate diretamente no atendimento aos usuários, contratos superfaturados e pouca transparência nos gastos são alguns dos questionamentos com relação a essa administração por parte das OSs. As mobilizações em torno da Saúde a partir de 2000 se intensificam com a Frente Nacional contra Privatização da Saúde, composta por diversos fóruns estaduais que se reúnem para pensar e discutir a atual conjuntura da saúde pública e com isso, se organizam para enfrentarem os ataques que a Saúde Pública vem sofrendo. O fórum de saúde do Rio de Janeiro, coordenado pela assistente social doutora Maria Inês de Souza Bravo, é um dos pioneiros no Rio de Janeiro na organização de ações em defesa de uma Saúde Pública de qualidade e totalmente estatal. Um dos movimentos em defesa da Saúde é a ocupação do Ministério da Saúde no Rio OcupaSUS (2016), que frente as medidas tomadas pelo presidente interino Michel Temer, visa defender a saúde pública com diversos atos, debates e discussões em defesa da saúde. Diversos profissionais e defensores do Sistema Único de Saúde, usuários, movimentos sociais ocupam as sedes do Ministério da Saúde em diversos estados, onde estão ocorrendo essas discussões. Com isso, todos esses fatos nos mostram o quanto a saúde está deixando de ser prioridade do Estado e o quanto vem sendo atacada com cortes, aumentando assim o número de pessoas com planos de saúde, hospitais em estado precário, hospitais privatizados e população sem atendimento. Todos esses movimentos, que ocorreram ao longo dos anos, tem 9 Lei n.º 9.637 de 15 de maio de 1998 que “dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências” 14 fundamental importância na defesa de um sistema público de saúde, como está previsto nas legislações vigentes. O aumento de pessoas que possuem acesso à saúde complementar cresce também significativamente a partir dos anos 2000, considerando o número de habitantes, do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 190.732.694 habitantes. Como mostra o seguinte gráfico da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O mesmo analisa também o acesso a planos odontológicos. Beneficiários de planos privados de assistência à saúde Brasil (20002016) 60,0 45,5 (milhões) 50,0 35,8 40,0 30,5 31,2 31,3 31,6 32,4 39,8 41,5 46,3 47,8 49,6 50,2 48,8 20,3 21,1 21,7 43,0 37,3 33,9 30,0 15,1 20,0 6,3 10,0 2,2 2,8 3,2 3,8 4,5 7,5 9,6 11,3 17,4 19,1 13,6 5,6 0,0 mar/00 mar/01 mar/02 mar/03 mar/04 mar/05 mar/06 mar/07 mar/08 mar/09 mar/10 mar/11 mar/12 mar/13 mar/14 mar/15 mar/16 Assistência médica com ou sem odontologia Exclusivamente odontológico Fonte: SIB/ANS/MS - 03/2016 A caracterização de um sistema de saúde direcionado a população que não pode pagar pelo atendimento privado, faz com que o princípio da universalidade seja questionado, onde não dá conta de toda a população brasileira. A implementação do SUS, como preconizada na Constituição de 1988, é regulamentada nos anos 1990, pelas Leis Orgânicas Municipais contidas na Lei Orgânica da Saúde (LOS) formada pelas Leis n. 8080/90 e Lei n. 8142/9010, que vão normatizar a 10 É importante ressaltar que a aprovação das Leis 8080/90 e 8142/90 foi um avanço para a saúde pública na década de 1990, frente ao momento de crise vivenciado pelo Estado nesse período sob governo de Fernando Collor, apesar de toda a demora na aprovação e vetos que sofreram tais leis, devido aos interesses divergentes com relação à concepção de saúde, foi aprovada e publicada devido também aos movimentos sociais principalmente. A sociedade é marcada por dois projetos de sociedade antagônicos, um que sustentado numa democracia restrita, com foco na diminuição dos direitos sociais e outro sustentado numa democracia de massas, 15 organização, funcionamento das ações de saúde e a participação social dos usuários através dos Conselhos Gestores e Conferências de Saúde.11 Com base em todas essas leis e normatizações, o Sistema Único de Saúde passa a um novo modelo de atenção e entendimento da saúde no Brasil. Deste modo, pretende-se transformar os serviços de saúde, com base nos princípios doutrinários que regem esse sistema: a universalidade, a integralidade e a equidade. Muito se fala da universalidade e da equidade, mas o princípio da integralidade vem sendo o centro do debate na saúde nos dias atuais, pois segundo Mattos (2003), “a Integralidade ainda é um princípio que não se concretizou na vida de muitos brasileiros”. O debate da integralidade em saúde é desafiador na atual conjuntura da saúde instaurada em nossa sociedade neoliberal e isso vai rebater diretamente na atuação dos assistentes sociais, embora compreendamos, à luz do método que orienta este anteprojeto, que este princípio não pode ser refletido sem estar articulado aos outros dois anteriores. A Saúde atual é dividida, com base no princípio organizacional de hierarquização, o que vai organizar o acesso, já que os usuários nem sempre necessitam de serviços tão especializados, como os oferecidos pela média alta complexidade, com isso a saúde se organiza em diferentes níveis de atenção: Atenção Básica, média complexidade e alta complexidade. Vale ressaltar que o acesso à alta complexidade, neste modelo de sociedade burguesa, se dá de maneira focalizada, pois nem todos os usuários terão acesso à riqueza socialmente produzida12, o que rebate diretamente no acesso a esses serviços que lhe trariam benefícios oriundos de especialização e de seu desenvolvimento tecnológico. fortalecendo e incentivando a participação social e com isso os movimentos sociais. Esses dois projetos societários vão rebater em diversas áreas das políticas sociais, na saúde fica evidente com os dois projetos em disputa, o de Reforma Sanitária (democracia de massas) e o Projeto Privatista (democracia restrita), estando os dois em disputa até os dias atuais. 11 Os Conselhos e Conferências são mecanismos de controle social previstos na Lei 8142/90. Todavia, precisamos refletir criticamente acerca destes espaços, pois há em disputa três concepções de Conselhos, conforme nos aponta Bravo (2007): Espaço de Disputa, conforme a concepção Gramsciana, Espaços de Consenso, concepção habermasiana, e Espaço de Cooptação, identificando os conselhos como espaços apenas burocráticos e institucionalizados. (Ver “A participação dos Trabalhadores nos Conselhos” in: Saúde, Trabalho e Democracia, 2007). Dados sobre a contemporaneidade do MPC – índices de miséria/pobreza comparado com as inovações tecnológicas. Nem toda população terá acesso a um tomógrafo, mas quantos tomógrafos estão parados no RJ por “falta” de quem manuseie ou manutenção (Complexo Médico Industrial). 12 16 O hospital no qual será realizada a pesquisa segue uma lógica de divisão por partes do coração13 e os assistentes sociais até o início do ano de 2016 se inseriam nessa lógica também: cada enfermaria tinha dois assistentes sociais que eram de referência para os usuários, bem como médicos e enfermeiros. As enfermarias se dividem em Miocardiopatia/Transplantes, Orovalvar e Coronariopatia, reforçando a ideia de hiperespecialização, onde os profissionais são especializados naquela área específica, dificultando assim que o usuário seja visto de forma integral. Porém, a equipe reviu o seu processo de trabalho e a partir de meados do ano de 2016, deixou de seguir essa lógica e passou a dividir o atendimento aos usuários em dois processos, o de admissão e internação. Ou seja, em determinados dias alguns assistentes sociais ficam na admissão, realizando as avaliações sociais com todos os usuários que internaram naquele dia ou que possuem poucos dias de internação, independente da enfermaria ou CTI que estiverem. E os que ficam na internação, acompanham as demandas que surgem com os usuários que já estão há mais tempo internados. Essa nova organização do processo de trabalho14 da equipe de Serviço Social do INC vai contra a lógica da instituição e tenta ver o usuário de maneira mais integral, tirando a ideia das referências e divisões por partes do coração. O Instituto Nacional de Cardiologia (INC), instituição vinculada ao Ministério da Saúde e que oferece serviços cardíacos de alta complexidade, tem como missão: “Promover a saúde cardiovascular, formar profissionais, desenvolver e disseminar conhecimentos e tecnologias para o desenvolvimento social e econômico do país”. A equipe de Serviço Social do INC definiu como missão: “Identificar e intervir sobre as expressões da questão social que interferem no processo saúde-doença dos portadores de patologias cardiovasculares de alta complexidade do INC, contribuindo para a efetivação dos seus direitos”. (Documento elaborado pela equipe de Serviço Social do INC). A equipe, que conta com 12 assistentes sociais, trabalha com a concepção ampliada de saúde, contemplada na Lei Orgânica da Saúde15, e, desse modo, buscam reconhecer quais são 13 Por ser uma unidade de alta de complexidade, o INC é especializado em cardiologia, com isso cada andar ou setor do hospital trata determinada cardiopatia. 14 Entendemos que um processo de trabalho se constitui por três elementos: os meios de trabalho, os objetos de trabalho e força de trabalho. No interior da categoria profissional há uma discussão se Serviço Social é ou não é trabalho. Para mais informações ler Lessa (2012) e Iamamoto (2006). 17 os determinantes sociais do processo saúde-doença que demandam e possibilitam a atuação do Serviço Social. O trabalho do assistente social na saúde deve ter como eixo central a busca criativa e incessante da incorporação dos conhecimentos e das novas requisições à profissão, articulados aos princípios dos projetos da reforma sanitária e ético-político do Serviço Social. É sempre na referência a estes dois projetos que se poderá ter a compreensão se o profissional está de fato dando respostas qualificadas às necessidades apresentadas pelos usuários. (BRAVO; MATOS, 2004, p. 17). A lógica da fragmentação instaurada no âmbito da saúde faz com que o usuário não seja visto em sua totalidade, sendo divido por especialidades, por exemplo, e em um hospital essa lógica fica evidentemente clara, embora essa lógica não tenha sido pensada na sua construção, mas é como se dá concretamente no cotidiano. E o assistente social também é inserido nessa lógica fragmentada, precisando em sua atuação com base no Projeto Ético Político da profissão, superar e suspender o cotidiano16 profissional para no atendimento ao usuário, viabilizar os direitos sociais. O presente trabalho está estruturado em dois capítulos, além da introdução e das considerações finais. Na introdução foi resgatado, de forma breve, o caminho até chegar ao objeto deste trabalho, desde a história da Política da Saúde, bem como a realidade vivida no campo de estágio, atuação do Serviço Social no INC e a saúde na contemporaneidade, frente ao cenário de crise. No primeiro capítulo foi feito um resgate histórico da Política de Saúde no Brasil, desde os seus antecedentes históricos até a atual conjuntura, frente aos ataques neoliberais. Para entender como a Saúde se apresenta nos dias de hoje é fundamental retomar alguns fatos marcantes como a criação da CAPs, o processo de industrialização da cidade, a luta do Movimento Sanitário, com suas reivindicações, a construção do SUS, universal e de dever do 15 “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País” (BRASIL, 1990: art. 3º). Portanto, saúde não é meramente ausência de doença, somente em sua visão biologicista. 16 O cotidiano tal como Lukács o descreve, é marcado pela heterogeneidade, imediaticidade, superficialidade, logo a suspensão desse cotidiano se torna um desafio nessa sociedade atual. 18 Estado até chegarmos aos dias atuais, frente ao ataque neoliberal nas Políticas Públicas, em especial na Saúde. Ainda no primeiro capítulo, entramos no debate dos princípios do SUS e diretrizes do SUS, em especial o princípio da Integralidade. No segundo capítulo continuamos o debate da Política de Saúde, mas articulando ao Serviço Social. Ressaltamos nesse capítulo, a importância de ter como norte na atuação do Assistente Social o Projeto Ético Político e o Projeto de Reforma Sanitária, como uma unidade de ação, analisando seus pontos em comum. Além disso, nesse capítulo também discorremos sobre os Parâmetros para Atuação do Assistente Social na Saúde, documento constituído pela categoria profissional, no âmbito do CFESS/CRESS. E por fim, apresentaremos as análises feitas a partir da pesquisa realizada no Instituto Nacional de Cardiologia com a equipe de Serviço Social, onde procuramos saber a partir da intervenção de cada profissional, como se materializa o princípio da Integralidade, bem como os princípios do SUS no cotidiano profissional e assim refletir e contribuir para a produção teórica acerca dessa temática. 19 2. A Construção do Sistema Único de Saúde: princípios e diretrizes Refletir sobre a construção do SUS significa, face sua concepção ampliada, enfrentar a problemática tanto do acesso aos equipamentos, quanto à própria objetivação da vida social. As diversas fases pelas quais a Política de Saúde passou até chegar ao que se propõe na atualidade mostram os avanços, mas também os desafios na consolidação de uma saúde que não seja vista apenas como ausência de doença, mas sim em melhores condições de vida, trabalho, lazer: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (CF, 1988). Deste modo, temos clareza que o SUS não é nem de longe revolucionário em seu sentido estrito, ou seja, não superaremos esse modo de produção mesmo se o Sistema for implementado nos moldes da VIII Conferência e como defendido pelo Movimento de Reforma Sanitária17, que tem como bandeiras, a saúde, a democracia e socialismo. No entanto, entendemos que lutar pela defesa deste Sistema pode viabilizar melhores condições de vida à população, principalmente à mais empobrecida face à distribuição desigual da riqueza socialmente produzida. O SUS é uma realidade, porém ainda se desenvolve de forma gradual. A saúde brasileira avançou em muitos aspectos, como na descentralização e na participação social, com as Conferências e Conselhos de Saúde, embora ainda esteja bem longe de se consolidar, como preconizado na Constituição de 1988. Atualmente, vem sendo implementadas novas propostas que visam modificar de forma significativa o modelo de organização da saúde, bem como suas práticas, com as privatizações e criação das Organizações Sociais de Saúde, rebatendo diretamente no atendimento ao usuário, bem como na relação entre os profissionais de saúde. (BRAVO, 2011). As contradições ficam evidentes no que tange a Política de Saúde, ou seja, ela perpassa num paradoxo, no qual deve- se atender aos princípios doutrinários do SUS, ou aos interesses de mercado, impostos pela lógica neoliberal e isso vai afetar diretamente o trabalho 17 Fato que abordaremos com mais detalhes no subitem 2.2. 20 dos assistentes sociais, não só na saúde, como também em qualquer espaço sócioocupacional. O capítulo está estruturado em cinco subitens, que vão desde a Saúde Pública nos seus antecedentes históricos, passando pela VIII Conferência de Saúde, o SUS com seus princípios e diretrizes e os desafios na contemporaneidade, até o ultimo subitem onde damos foco ao princípio da integralidade em saúde. 2.1 Saúde Pública no Brasil – antecedentes históricos A assistência à saúde dos trabalhadores, nos países centrais como a Inglaterra, Alemanha e França, com o processo de industrialização, teve a intervenção estatal, aliado ao movimento de medicina social18, no século XVIII. Porém essa intervenção se aprofundará, a partir do século XX, com a criação de políticas para o setor. No Brasil, segundo Bravo (2006), o Estado passa a intervir na questão da Saúde mais efetivamente nos anos de 1930, no século XX. Antes disso, no século XVIII, a assistência médica tinha sua prática voltada para filantropia e era pautada em caráter liberal. No século XIX, devido a modificações econômicas e políticas da época, começam a ser pensadas iniciativas no campo da saúde pública, focadas em campanhas limitadas e focalizadas, tais como a de Febre Amarela, devido a epidemia ocorrida entre 1927-1928. Em 1923, com a Reforma Carlos Chagas, há a tentativa de ampliação do atendimento à saúde por parte do poder central. Nesse mesmo período, foram criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs)19, conhecida como Lei Elói Chaves, sendo importante ponto de partida para sistema previdenciário brasileiro, ainda então embrionário. 18 A conquista de alguns direitos sociais pelas classes trabalhadoras foi mediada pela interferência estatal, no seu papel de manutenção da ordem social capitalista e de mediação das relações entre as classes sociais. (BRAVO,2006, p.2) 19 As CAPs eram financiadas pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados. Elas eram organizadas por empresas, de modo que só os grandes estabelecimentos tinham condições de mantê-las. O presidente das mesmas era nomeado pelo presidente da República e os patrões e empregados participavam paritariamente da administração. Os benefícios eram proporcionais às contribuições e foram previstos: assistência médica-curativa e fornecimento de medicamentos; aposentadoria por tempo de serviço, velhice e invalidez, pensão para os dependentes e auxílio funeral. (BRAVO, 2006, p. 3). 21 Segundo Braga (BRAGA & PAULA, 1985:41-42 Apud BRAVO, 2006, p. 2), “a saúde emerge como questão social, no início do século XX, no bojo da economia capitalista cafeeira, refletindo o avanço da divisão do trabalho, ou seja, a emergência do trabalho assalariado”. As mudanças ocorridas na sociedade brasileira, no início do século XX, mais especificamente na década de 30, tiveram como características o processo de industrialização, a redefinição do papel do Estado, bem como o surgimento de políticas sociais em resposta às reivindicações dos trabalhadores. Pois com a aceleração da urbanização e ampliação do operariado, se desenvolviam em precárias condições de higiene, habitação e principalmente de saúde. A conjuntura de 30, com suas características econômicas e políticas, possibilitou o surgimento de políticas sociais nacionais que respondessem às questões sociais de forma orgânica e sistemática. As questões sociais em geral e as de saúde em particular, já colocadas na década de 20, precisavam ser enfrentadas de forma mais sofisticada. Necessitavam transformar-se em questão política, com a intervenção estatal e a criação de novos aparelhos que contemplassem, de algum modo, os assalariados urbanos, que se caracterizavam como sujeitos sociais importantes no cenário político nacional, em decorrência da nova dinâmica da acumulação. (BRAVO, 2006, 3) A Política de Saúde nesse período era organizada em dois subsetores: o de medicina previdenciária e o de saúde pública e era de caráter nacional. O subsetor de saúde pública predominou sob o de medicina previdenciária até metade dos anos de 1960 e focava-se em campanhas sanitárias e no controle de endemias com o intuito de oferecer as mínimas condições sanitárias para a população urbana, sendo bem restrita à população do campo. Já o subsetor de medicina previdenciária que surgiu nessa época (1930), com as IAPs pretendeu abranger um maior número de categorias de trabalhadores assalariados, com o intuito de antecipar suas possíveis reivindicações e não ampliar o serviço, oferecendo uma cobertura mais ampla. Nesse período, o sistema previdenciário teve contenção de despesas em relação ao período de 1920, e focou em acumular em reservas financeiras mais do que com a prestação de serviços. Em 1930, com a legislação da época, procurou marcar a diferença entre assistência social e previdência, o que antes não existia. Segundo Bravo (2006), a Política Nacional de Saúde, que vinha tentando se consolidar desde 1930, finalmente se consolida entre 1945- 1950, com a criação do Serviço Especial de 22 Saúde Pública (SESP), que foi criado durante a 2ª Guerra Mundial. Nesse período também, com o Plano Salte20, de 1948, a saúde foi posta como uma de suas principais finalidades. A situação da Saúde da população, no período de 1945 a 1964 (com algumas variações identificadas principalmente nos anos de 50, 56 e 63, em que os gastos com saúde pública foram mais favoráveis, havendo melhoria das condições sanitárias), não conseguiu eliminar o quadro de doenças infecciosas e parasitárias e as elevadas taxas de morbidade e mortalidade infantil, como também a mortalidade geral. (BRAVO, 2006, p. 5). Em 1950, já se via a estrutura de atendimento hospitalar de natureza privada, e era na época, encabeçada pela corporação médica com interesses claramente capitalistas, mais organizada, e com isso pressionavam o Estado quanto ao financiamento dos serviços, ou seja, sua privatização. Mas apesar das pressões, a medicina previdenciária até 1964, foi fornecida pelos serviços dos próprios Institutos de Pensão e Aposentadorias. Já no período histórico da Ditadura Militar21, o cenário foi completamente diferente, o Estado se utilizou binômio repressão-assistência na sua intervenção, momento em que as políticas assistenciais da época são ampliadas e burocratizadas para maior regulação do Estado sobre a população, atenuando assim os conflitos sociais. Para Netto (1989) Apud Bravo (2011), a ditadura militar significou o resgate do conservadorismo presente na sociedade brasileira e também reforçou o papel estatal na manutenção do privilégio do grande capital perante os interesses sociais, com isso o Estado se torna um espaço onde esses interesses entram em enfrentamento. O poder burguês do pós-64, inaugurando o modelo burocrático- autoritário, significou para a totalidade da sociedade brasileira a afirmação de uma tendência de desenvolvimento econômico- social e político que modelou um país novo. (BRAVO, 2011, p.54) O Capitalismo favorece que o Estado se consolide politicamente respondendo às reivindicações das classes trabalhadoras, pois também nisso o capital lucra. E é através das Políticas Sociais que o Estado busca amenizar e administrar as expressões da “questão social”. Pois ao mesmo tempo em que oferecia benefícios à classe trabalhadora, fazia com que 20 Envolvia as áreas de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia e apresentava previsões de investimentos de 1949 a 53, mas não foi implementado (BRAVO, 2006). 21 A ditadura significou para a totalidade da sociedade brasileira a afirmação de uma tendência de desenvolvimento econômico-social e político que modelou um país novo. Os grandes problemas estruturais não foram resolvidos, mas aprofundados, tornando-se mais complexos e com uma dimensão ampla e dramática. 23 essa mesma classe fosse controlada pelo Estado, o que beneficia diretamente a burguesia, tendo preservada a força de trabalho, garantindo a manutenção do modo de produção capitalista. O que rebate atualmente, com políticas sociais oferecidas pelo Estado cada vez mais focalizadas e com características não universais, remetendo- as às classes mais pauperizadas, o que tem rebatimentos diretos no modo como são implementadas essas políticas à população brasileira. A Saúde, nessa época, foi diretamente afetada pela intervenção estatal, tendo que assumir assim, as características impostas ao modelo capitalista de sociedade, principalmente na incorporação das modificações tecnológicas ocorridas no exterior. Com a junção dos IAPs, cresce o papel interventivo do Estado na sociedade e a redução dos trabalhadores no jogo político, excluindo- os da gestão da previdência, sendo apenas financiadores, com suas contribuições. A saúde pública teve seu período de declínio e a medicina previdenciária cresce nesse momento, como fruto da reestruturação do setor. Segundo Bravo (2006, p.7), “o bloco de poder instalado no aparelho estatal em 1964, não conseguindo, ao longo de dez anos, consolidar a sua hegemonia, precisou gradualmente modificar a sua relação com a sociedade civil”. Com isso, foram criadas novas estratégias para que legitimar a dominação burguesa, tendo consequências políticas, sociais e econômicas. A política social entre 1974 e 1979, focou no enfrentamento das expressões da “questão social”, a fim de atenuar as manifestações populares. Essas modificações não significam uma ruptura com o modelo adotado no pós- 64, visto que se continuou a privilegiar os interesses empresariais, via compra de serviços do setor privado; mas foi alterada a arena política, que se ampliou com a inclusão de diversos segmentos da sociedade, questionando explicitamente a política (Silva, 1984; Escorel, 1987).” (Citado por: BRAVO, 2011, p.70) Segundo Bravo (2011, p.73), o Sistema Nacional de Saúde implementado em 1975 criticava o posicionamento das atividades liberais com relação aos serviços de saúde e também as ações de iniciativas privadas, visava, em seu projeto inicial, que o Estado assumisse integralmente as ações de saúde. Luz (1979 Apud BRAVO 2006, p.60), “ao analisar a questão saúde no período de 1968 a 1974, salienta que não se pode falar de planejamento ou de planos de saúde, em sentido estrito, no período”. O que podemos concluir nesse período, que ações médicas de saúde passaram a ser coordenadas e direcionadas pela Previdência Social. 24 A Política Nacional de Saúde enfrentou grandes tensões para sua ampliação, como: disponibilidade de recursos financeiros, questões burocráticas entre setores estatais e empresarial médico, nesse momento também emerge o Movimento Sanitário, nos anos de 1980. As reformas realizadas na Política Nacional de Saúde, no período de 1974 a 1979, não contaram com a participação ativa dos trabalhadores, que exerceram pressões através do ressurgimento dos movimentos sociais. A estratégia dos sanitaristas, de penetração no aparelho de Estado, de forma orgânica, para fortalecer o setor público, só ocorreu a partir de 1979; entretanto, alguns representantes desse pensamento se encontravam na previdência social e no Ministério da Saúde. (BRAVO, 2011, p.76) Para pensar a trajetória da política de saúde no Brasil é necessário o resgate de dois fatos históricos que marcaram sua consolidação: o Movimento de Reforma Sanitária e a VIII Conferência Nacional de Saúde, que serão abordados no próximo item. 2.2 VIII Conferência – Saúde, Democracia e Socialismo O Movimento de Reforma Sanitária 22 nasceu num contexto de luta contra a Ditadura Militar no início da década de 1970, tendo como bandeira central a democracia. Neste, previase uma nova forma de pensar a Saúde Pública, superando seu caráter biologicista, ou seja, superar a visão de que a saúde era somente ausência de doença. A Saúde pensada no interior das lutas do Movimento de Reforma Sanitária previa englobar todos os determinantes sociais que afetam diretamente essa saúde, ou seja, remetendo a ideia de saúde ampliada. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. (BRASIL, 1990: art. 3º). 22 A Reforma Sanitária Brasileira teve forte influência do Movimento Sanitário Italiano, cujo processo de descentralização contribuiu para a melhoria da qualidade da assistência à saúde na Itália, marcando e inspirando assim o Movimento de Reforma Sanitária no Brasil. Destaque-se nisso a participação de Giovanni Berlinquer em eventos na área da saúde e a incorporação de seus estudos nos meios universitário e profissional e também a criação de instituições como CEBES- Centro Brasileiro de Estudos de Saúde - de 1976 e a ABRASCO Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - de 1979, que se empenhavam na universalidade e equidade da assistência à saúde. Para maiores informações ver Berlinguer; Teixeira; Campos (1988). 25 Nos anos 1980, superado o regime ditatorial, a sociedade brasileira vive um período de democratização, mas também um período de profunda crise econômica, que perdura até os dias atuais. A saúde, nessa década, contou com a participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais apresentadas para o setor, contribuindo para um amplo debate que permeou a sociedade civil. Saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada à democracia. (BRAVO, 2006, p.8). As principais reivindicações desses sujeitos coletivos foram: a universalização do acesso; a concepção de saúde como direito e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde; a descentralização; o financiamento efetivo e a participação social através de Conselhos e das Conferências de Saúde. Na VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 21 de março de 1986, consolidase a proposta da criação de um Sistema Único de Saúde, onde a mesma seria direito de todos e dever do Estado. Isto foi de fundamental importância para dar base para na Constituição de 1988, implementar tais ideias e propostas de um sistema de saúde universal. Vale ressaltar que a VIII Conferência foi um fato marcante e fundamental para a construção do SUS que temos hoje, de caráter universal, direito do povo e dever do Estado. A VIII Conferência de Saúde contou com milhares de delegados23, profissionais de saúde e demais pessoas da sociedade civil e também instituições como ABRASCO e CEBES, para se discutir e difundir a discussão da saúde pública a toda a sociedade brasileira. O saldo positivo dessa Conferência foi que além de ser pensado em Sistema de Saúde, foi pensando de maneira mais abrangente em uma Reforma na Saúde, das práticas, das ações, a Reforma Sanitária, e para, além disso, a questão de saúde passa a ser externada à população e deixa de ser uma questão setorial24. Após a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, segundo Cordeiro (1988), o governo teve de assumir a bandeira da reforma sanitária, acoplando à política das AIS medidas nas áreas de habitação, saneamento, alimentação, entre outras, obtendo com isso melhoria nos 23 Os delegados são entidades representativas da população: moradores, sindicatos, partidos políticos, associações de profissionais, parlamento. 24 Nos subitens a seguir veremos que tal Reforma Sanitária, no final no século 80, já nos mostram fragilidades para consolidar o que fora discutido na VIII Conferência de Saúde. 26 indicadores de mortalidade e morbidade vigentes no país. (BRAVO, 2006, p. 111) Em 1987, foi aprovada pela Presidência da República a criação do SUDS- Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, fato que foi de extrema importância para fundamentar um dos pontos defendidos pelos sanitaristas na VIII Conferência, que é o de descentralização, redefinindo as ações, atribuições e responsabilidades em nível federal, estadual e municipal, analisando as prioridades e demandas mais emergentes. A partir de então o INAMPS, deixa de ser executor das ações de saúde, repassando de forma gradual ao seu respectivo nível (federal estadual ou municipal). Segundo Bravo (2011, p. 114), “A VIII Conferência Nacional de Saúde, considerada com pré- constituinte da área de saúde, já havia definido os aspectos fundamentais das modificações para o setor.” Nesse processo de Constituinte, foi definido um texto que ia de acordo com o que havia sido proposta pelo Movimento Sanitário na VIII Conferência de Saúde, depois de diversos acordos e pressão da população e contra a lógica privatizante. Logo nos anos seguintes, com a promulgação da nova Constituição Federal em 1988, promessas com relação aos direitos sociais foram adquiridos frente ao processo de crise do país e face à desigualdade social gerada por essa crise na sociedade brasileira. E o texto constitucional, a respeito da saúde, segundo Bravo (2006, p. 11): “inspira-se nas proposições defendidas durante vários anos pelo movimento sanitário, embora não tenha sido possível atender todas as demandas quando elas se confrontavam com interesses empresariais ou de setores do próprio governo”, mas consolida e regulamenta o Sistema Único de Saúde, fundamental conquista a partir da Constituição de 1988 para a saúde pública. A saúde também foi afetada pelo período de transição democrática da época, sendo afetada pelos retrocessos políticos e econômicos. As propostas do Movimento Sanitário começam a mostrar suas fragilidades, as medidas postas na Constituição tiveram pouco impacto nas práticas das ações de saúde, tudo estava muito no plano da teoria, mas pouco se efetivava na prática, não tendo melhoria nas condições de saúde da população. Além dos limites estruturais de adequação a um novo modelo de atenção à saúde, com o SUS, o forte movimento sanitário, visto anos antes, começa a perder força no âmbito político, dos aparelhos institucionais. Com isso, no final da década de 1980, as incertezas aumentam, com relação à implementação das propostas sanitárias, cabendo destacar segundo Bravo (2006): 27 (...)a fragilidade das medidas reformadoras em curso, a ineficácia do setor público, as tensões com os profissionais de saúde, a redução do apoio popular face a ausência de resultados concretos na melhoria da atenção à saúde da população brasileira e a reorganização dos setores conservadores contrários à reforma que passam a dar a direção no setor, a partir de 1988. (BRAVO, 2006, p. 12) Frente aos desafios postos para a consolidação dos ideais do Movimento de Reforma Sanitária na década de 1980, o caráter revolucionário desse movimento, não tem como ser deixado de lado. Deste modo, com a democratização das informações e com a participação ativa da população é possível pensar na consolidação desses princípios e com isso, a população propiciar uma qualidade no atendimento à população usuária dos serviços públicos de saúde. Apesar de todos os desafios e dificuldades para o funcionamento do SUS vigente hoje em dia, no que se refere ao seu caráter universal, é considerado um dos maiores e mais avanços sistemas de saúde, servindo de parâmetro para outros países, com isso estudar e entender como esse sistema está posto nos dias atuais e como ele foi se construindo, bem como seus princípios e diretrizes até então é de fundamental importância para fundamentarmos um dos objetivos desse trabalho, que é o princípio da Integralidade. 2.3 Sistema Único de Saúde – princípios, diretrizes e desafios A partir da promulgação da Constituição de 1988, foi instituído o SUS, que a partir de então, apesar de seus desafios25, oferece atendimento integral, universal e gratuito à população. Com o SUS, a saúde não é vista somente como ausência de doença, mas sim são pensadas em estratégias e ações de prevenção e promoção da saúde. A implementação do SUS é regulamentada pela Lei Orgânica da Saúde em 1990, que abrange as leis 8080/90 que “dispõe sobre as condições promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências” e a lei 8142/90 “Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de 25 A partir dos anos 1990, a saúde passa por uma crise e um processo de desmonte, que serão abordados no próximo item. 28 Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências”, lei fundamental para regulamentar a participação social dos usuários do serviço, através dos Conselhos Gestores e Conferências de Saúde. A partir de todas essas leis e normatizações, os serviços e atendimento do SUS, passam a acontecer com base nos princípios e diretrizes que vão direcionar a prática de todos os profissionais de saúde: a universalidade, a integralidade e a equidade. Segundo, Westphal e Almeida (2001), definem-se como: Universalidade - todas as pessoas têm direito ao atendimento independente de cor, raça, religião, local de moradia, situação de emprego, renda, etc. A saúde é direito de cidadania e dever dos governos municipal, estadual e federal. Deixa de existir com isso a figura do “indigente - para a saúde (brasileiros não incluídos no mercado formal de trabalho)”. Equidade - todo cidadão é igual perante o Sistema Único de Saúde e será atendido conforme suas necessidades. Os serviços de saúde devem considerar que em cada população existem grupos que vivem de forma diferente, ou seja, cada grupo ou classe social ou região tem seus problemas específicos, tem diferenças no modo de viver de adoecer e de ter oportunidades de satisfazer suas necessidades de vida. Assim os serviços de saúde devem saber quais são as diferenças dos grupos da população e trabalhar para cada necessidade, oferecendo mais a quem mais precisa, diminuindo as desigualdades existentes. O SUS não pode oferecer o mesmo atendimento a todas as pessoas, da mesma maneira em todos os lugares. Se isto ocorrer, algumas pessoas vão ter o que não necessitam e outras não serão atendidas naquilo que necessitam. O SUS deve tratar desigualmente os desiguais. Integralidade — as ações de saúde devem ser combinadas e voltadas, ao mesmo tempo, para a prevenção e a cura. Os serviços de saúde devem funcionar atendendo o indivíduo como um ser humano integral, submetido as mais diferentes situações de vida e de trabalho, que levam a adoecer e a morrer. O indivíduo deve ser entendido como um ser social, cidadão que biológica, psicológica e socialmente está sujeito a riscos de vida. Dessa forma, o atendimento deve ser feito para a sua saúde não só para as suas doenças. Isso exige que o atendimento deva ser feito também para erradicar as causas e diminuir os riscos, além de tratar os danos. Ou seja, é preciso garantir o acesso às ações de: Promoção (que envolve ações também em outras áreas, corno habitação, meio ambiente, educação etc.); Proteção (saneamento básico, imunizações, ações coletivas e preventivas, vigilância a saúde e sanitária etc.); Recuperação (atendimento médio, tratamento e reabilitação para os doentes). (WESTPHAL E ALMEIDA, 2001, p. 35). Embora esses princípios estejam garantidos na Constituição Federal de 1988, na prática eles nunca se efetivaram integralmente. Os desafios já se colocavam nos anos após a VIII Conferência, onde o Movimento de Reforma Sanitária já começa a perder força e nos 29 anos 90 isso é visto de forma mais clara, onde o Estado passa a intervir tem como norte os ideais neoliberais.26 A produção crítica acerca de um dos princípios doutrinários do SUS, a Integralidade, abordada por assistentes sociais é escassa. Com isso não há um aprofundamento dessa temática por parte desses profissionais. Esse é um dos princípios mais desafiadores de se efetivar no atendimento aos usuários, pois a própria maneira de como a Saúde está estruturada atualmente, não possibilita que o usuário seja visto em sua totalidade e, logo, não tenha uma proteção integral, desde a sua prevenção, como preconiza esse princípio. Nos anos 1990, a saúde também fica vinculada ao mercado, fazendo parcerias e responsabilizando a sociedade pela crise em diversos setores do Estado, principalmente na Saúde. Todas as conquistas adquiridas vão sendo destruídas, os princípios que direcionam a prática não estavam sendo levados em conta, e assim SUS não se efetivava com Política Social, e o Estado começou a propor a divisão do SUS em Básico e Hospitalar. E nessa conjuntura posta, dois projetos entram em confronto na saúde brasileira: o Projeto de Reforma Sanitária e o Projeto Privatista (BRAVO, 2006). O Projeto de Reforma Sanitária, construído e regulamentado na Constituição Federal de 1988, que defende o SUS universal, dever do Estado, fruto de lutas e mobilização dos profissionais de saúde na década de 1980. Já o Projeto Privatista, vai de encontro aos ideais neoliberais e como o próprio nome já nos mostra a privatização dos serviços de saúde é sua meta e com isso focalizar e racionalizar a Política de Saúde e direcioná-las aos que não podem pagar pelos serviços particulares, ou seja, SUS para os pobres, ou seja, o fim do princípio da universalidade. Isso faz-nos refletir que embora o SUS hoje seja tão revolucionário está muito longe do SUS constitucional, há uma grande distância posta, até os dias atuais. E no próximo item vamos refletir como o SUS está posto atualmente. 26 O neoliberalismo se consolida no Brasil, nos anos de 1990, tendo por norte a redução dos direitos sociais já contidos na Constituição, fora o desemprego, precarização do trabalho e etc. e a saúde, com isso também é afetada. 30 2.4 O SUS na Contemporaneidade e o ataque da ofensiva neoliberal O Estado Brasileiro é um estado marcadamente capitalista periférico, situando-se à margem do capitalismo imperialista. Marcada por uma grande desigualdade de classes, face à má distribuição da riqueza produzida, os níveis de pobreza ainda são alarmantes. As expressões da “questão social” acirram-se na contemporaneidade capitalista. Neste contexto, as políticas sociais oferecidas pelo Estado passam a ser cada vez mais focalizadas e com características não universais, remetendo-as às classes mais pauperizadas, o que tem rebatimentos diretos no modo como são implementadas essas políticas à população brasileira. E como em todas as políticas sociais, não seria diferente com o SUS, que passa a ser visto como serviço direcionado para a classe mais empobrecida. Abordando a questão mais em relação ao capitalismo contemporâneo, as políticas sociais são negligenciadas com cortes de verbas e o Estado passa a investir no que favorece o Capital, consequentemente também a ele próprio.27 E o trabalhador continua sendo culpabilizado pela sua pobreza. Nesse cenário surgem as ONGS, como uma maneira de transferência de responsabilidades que é do Estado, para o que se convencionou chamar de Terceiro Setor28, com o objetivo de amenizar as expressões da “questão social”. O SUS, assim como as políticas sociais em geral, passa a ter um caráter na contemporaneidade de política direcionada à população mais empobrecida, focalizada e que não age no cerne da “questão social”, mas sim como medidas paliativas. Para citar um exemplo para além da saúde, vejamos as políticas de transferência de renda, por exemplo, como é o caso do Programa Bolsa Família. Segundo Bravo (2006), o grande capital se alia aos grandes dirigentes e com isso pode-se observar “A Reforma Constitucional, notadamente da Previdência Social e das regras que regulamentam as relações de trabalho no Brasil é um dos exemplos dessa aliança”, ou 27 Consideramos fundamental o aprofundamento do debate acerca do Financiamento e orçamento da Seguridade Social, com destaque para a saúde. Para tal ver Behring no livro “Política Social no Capitalismo Tardio”. Nem Estado, nem Mercado. A denominação “terceiro setor” se explicaria, para diferenciá-lo do Estado (Primeiro Setor) e do setor privado (Segundo Setor). Ambos não estariam conseguindo responder às demandas sociais: o primeiro, pela ineficiência; o segundo, porque faz parte da sua natureza visar o lucro. Para melhores informações ver MONTAÑO (2002). 28 31 seja, o objetivo dessa reforma era esquecer a ideia de Seguridade Social, ou mais ainda reduzir a Seguridade somente à Previdência Social. O Estado também e principalmente se adapta a essa lógica voltada para o lucro e ao mercado, tendo como estratégia uma Contrarreforma, direcionando suas ações aos interesses do setor produtivo, se distanciando de cumprir suas funções básicas, de desenvolvimento econômico e social transferindo para o setor privado atividades que lhe cabiam. Todas as funções do Estado passam a ser geridas de acordo com a leis impostas pelo mercado (ANTUNES Apud BRAVO, 2006, p. 1995). O seu Plano Diretor considera que há o esgotamento da estratégia estatizante e a necessidade de superação de um estilo de administração pública burocrática, a favor de um modelo gerencial que tem como principais características a descentralização, a eficiência, o controle dos resultados, a redução dos custos e a produtividade. (BRAVO, 2006, p. 13) A Política de Ajuste Neoliberal hegemônica passa a reger a sociedade brasileira sendo responsável pela redução dos direitos sociais, trabalhistas, precarização da saúde e educação, desemprego. Na saúde, tudo que havia sido construído nos anos 80, se desmonta apesar de garantido na CF, a saúde é vinculada ao mercado, o Estado passa a transferir a responsabilidades para as Organizações Não- Governamentais e sociedade civil. Na saúde desde os anos 90, predomina o Projeto Privatista, ou como define Bravo (2013), Projeto de Reforma Sanitária Flexibilizada, ou seja, o SUS como possível na atual sociedade, misturando princípios da Reforma Sanitária e do modelo Privatista, totalmente antagônicos entre si. Ou seja, o Estado passa a agir na contramão do que havia sido discutido nos anos anteriores, mais precisamente nos anos de 1986 a 1988, indo de acordo com a Política de Ajuste Neoliberal. O Brasil, da década de 1990, viveu de forma aguda as consequências de opção política que levou à adoção do ajuste neoliberal em todas as suas dimensões econômicas e sociais. Na saúde, articulado ao projeto societário, é elaborado o Projeto Privatista que tem como principais tendências a contenção dos gastos com a racionalização da oferta e a descentralização com isenção de responsabilidade do poder central e a focalização. (BRAVO, 2013, p. 177- 178) O Projeto Privatista tem suas direções de caráter individualista, focalizada e fragmentada, logo podemos observar que esse projeto é totalmente oposto com o que 32 direciona os princípios e diretrizes do SUS. A Política de Saúde assume um caráter de política para pobres e não para todos, como prevê o princípio da universalidade. No primeiro mandato do Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, o ex- presidente garantiu em seu plano de governo que a Saúde seria defendida como direito universal, integral e equânime, como proposto nos princípios do SUS. Porém na prática manteve a polarização entre os dois projetos (Reforma Sanitária e o Privatista), ou seja, como Bravo (2013), define administra um Projeto de Reforma Sanitária- Flexibilizada. Fortes ataques ameaçam a saúde pública na contemporaneidade, como a PEC 55, que visa ao congelamento dos gastos públicos por vintes anos, o que vai rebater diretamente na qualidade dos serviços de saúde prestados à população, assim também como na educação. Visto que a população brasileira está vivendo por mais tempo e que quando mais velha, necessitam de maiores cuidados de saúde, com um orçamento congelado o atendimento só seria prejudicado. A EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) e as Organizações Sociais de Saúde passam a gerir inúmeras instituições de saúde, limitando o número de concursos públicos, prejudicando o atendimento à população, fazendo com que profissionais sejam contratados através de vínculos precarizados e cada vez mais flexibilizados. Estas ações vão dificultando cada vez mais a garantia de um Sistema de Saúde totalmente público e acessível a todos. Embora todo o contexto seja desfavorável para retomada dos princípios de Reforma Sanitária, segundo Bravo (2006) com o movimento de massas, é possível superar e fortalecer tais princípios. Como ocorreu em 1986, na VIII Conferência de Saúde, onde profissionais da saúde, pessoas da sociedade civil, movimentos sociais se unem para pensar e discutir um novo modelo de saúde, no qual tiveram grande parte das suas deliberações contidas na CF de 1988. A fortalecimento de tais princípios é de fundamental importância no que diz respeito a qualidade dos serviços prestados aos usuários, pois são eles que direcionam as práticas de saúde, fazendo com que todas as unidades de saúde tenham suas práticas direcionadas e com o mesmo objetivo. Para isso, no próximo subitem aprofundaremos o debate acerca dos princípios do SUS, com ênfase no princípio da integralidade em saúde. 33 2.5. Integralidade para quem? Este subitem se propõe a trazer reflexões sobre o um dos princípios norteadores do SUS, o princípio da Integralidade, e como ele se expressa na prática. Entretanto, cabe-nos analisar também os demais princípios norteadores do SUS, a universalidade e a equidade, visto que são princípios que direcionam a prática do nosso sistema de saúde, não sendo possível que somente um ou outro seja seguido, pois funcionam como uma totalidade, articulados. O princípio da Integralidade, além de ser um dos princípios norteadores do SUS, é também expressão de uma das bandeiras de luta do Movimento Sanitário. E segundo Mattos (2004), no contexto do movimento sanitário, esse termo assume diferentes sentidos, no qual ele identificou alguns conjuntos de sentidos a respeito desse princípio. Sendo eles: Um primeiro aplicado a características de políticas de saúde ou de respostas governamentais a certos problemas de saúde. Aqui, a integralidade se referia sobretudo abrangência dessas respostas governamentais, no sentido de articular ações de alcance preventivo com as assistenciais. Um segundo conjunto de sentidos era relativo a aspectos da organização dos serviços de saúde. Um terceiro era voltado para atributos das práticas de saúde. (MATTOS, 2004, p. 1411/1412) Segundo Mattos (2004), o princípio da integralidade como um dos princípios norteadores e diretrizes, ainda é o mais invisível, perante o da universalidade e equidade. Pois ainda que, muitos brasileiros não tenham acesso ideal aos serviços de saúde, não há nenhum impedimento, com isso, ele é universal, não necessitando estar contribuindo com Previdência Social, por exemplo. Já em relação ao princípio da integralidade, as mudanças não são visíveis, no contexto de saúde pública atual. Na Constituição de 1988, vemos a noção de integralidade como se a mesma fosse sinônimo da garantia de acesso a todos os níveis do sistema de serviços de saúde (MATTOS, 2004, p. 1412). O autor, analisando dois trechos que constam na Constituição de 1988, que definem o papel do Estado na garantia do “acesso universal e igualitário aos serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação”; e na definição de integralidade, como um dos princípios do SUS “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”, reflete o que os dois têm em comum, ou seja, definem que os usuários tenham acesso a diferentes níveis de atenção à saúde, desde a promoção à recuperação. 34 O SUS é regido pelo critério da hierarquização, ou seja, em níveis de atenção à saúde: atenção básica, onde prevê a promoção, prevenção da saúde, reabilitação, diagnóstico e tratamento de doenças onde está instalado o Programa de Saúde da Família; média complexidade, que é composta por ações e serviços de especialidades e profissionais especializados e uso de recursos tecnológicos para o tratamento; e alta complexidade, onde são oferecidos ações e serviços de alto custo e tecnologia, muitas das vezes casos cirúrgicos. Mattos (2004) analisa que em algumas unidades de atenção primária, dependendo da realidade da população, se responsabiliza por práticas de promoção e assistência em geral, já entrando no que seria específico da média complexidade, por exemplo. Portanto, uma coisa é defender o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde que se façam necessários, o que, numa rede regionalizada e hierarquizada, pode assumir a forma da defesa ao acesso a todos os níveis de atenção do sistema de saúde. Outra coisa, igualmente importante, é defender que em qualquer nível haja uma articulação entre a lógica da prevenção (chamemos por hora assim) e da assistência, de modo que haja sempre uma apreensão ampliada das necessidades de saúde. (MATTOS, 2004, p. 1413) Mattos (2004) defende o conceito de integralidade, como acesso a todos os níveis de atenção à saúde, mas considera que não seja tão útil essa definição. Mas sim, defende ser necessário analisar as práticas de saúde, para que possam chegar a um sentido mais completo e útil da integralidade. A integralidade pode ser pensada numa primeira dimensão, como ações que o profissional de saúde desenvolve com base nas demandas espontâneas dos usuários. Logo, ele cria rotinas dentro do processo de trabalho para dar resposta à demanda do usuário, realizando ações assistenciais e também preventivas, para evitar novas situações de doença, de acordo com as determinações sociais de cada indivíduo. Mattos (2004) entende que “defender a integralidade é defender antes de tudo que as práticas em saúde no SUS sejam sempre intersubjetivas”, ou seja, que os profissionais se relacionem com sujeitos e não com objetos. As práticas intersubjetivas envolvem ações dos profissionais de saúde29 com os usuários que ajam conversa, num processo de educação em saúde, identificando as demandas e questões dos usuários, com base na realidade vivida. 29 Entendemos que esses tipos de prática cabem a todos os profissionais de saúde e não somente ao assistente social, que muitas vezes, na sua dimensão pedagógica, desenvolve ações de educação em saúde. 35 As práticas devem ser pensadas sempre, tendo por norte o conceito de saúde ampliada, ou seja, que a saúde não é somente tratar a doença do usuário, mas sim entender, os fatores que podem estar interferindo para que ele tenha se adoecido. Analisar e reconhecer os determinantes sociais que podem interferir na saúde é o que propõe a Política de Promoção da Saúde30, mas que ainda é um desafio nas práticas de saúde atualmente. A garantia de práticas que visem à noção de totalidade do ser social e que em sua prática busquem ações intersetoriais e interdisciplinares são fundamentais, na garantia do que se propõe esse princípio, porém não se limitam a isso. Segundo Mattos (2001), as políticas de assistência são muito reducionistas, ou seja, atendem ao usuário de forma fragmentada, e nos fornece um exemplo: uma mulher que é atendida num programa de saúde de mães, só é vista como mãe e questões relativas a maternidade, e não como uma mulher que tem diversas questões para além da maternidade. Integralidade aqui quer dizer uma recusa, por parte dos que se engajam na formulação de uma política, em reduzir o objeto de suas políticas, ou melhor, de reduzir a objetos descontextualizados os sujeitos sobre os quais as políticas incidem. (MATTOS, 2001, p. 63) Pensar no princípio da integralidade, funcionando, como se propõe da teoria, pode parecer utópico, ainda mais com tantos sentidos que ele assume. Mas apesar, de parecer distante, os profissionais em sua prática já realizam ações que visam a integralidade, mesmo sem ter fundamentação teórica. Segundo Mattos (2001), o termo integralidade não tem uma definição unívoca, mas sim assume diversos sentidos e com isso, é um desafio na prática, perceber uma ligação entre tais sentidos, se tornando como uma imagem- objetivo, que não se efetiva na prática. Fugir do reducionismo é fundamental para ter um atendimento integral, como uma visão ampliada de saúde. O objetivo desse trabalho também não visa estabelecer uma definição para a integralidade na assistência à saúde, mas sim entender como os profissionais de Serviço Social de uma unidade de alta complexidade do SUS, em sua prática profissional, veem esse princípio e como buscam através de suas ações a garantia e a viabilização deste. Para isso, no 30 O objetivo geral da Política Nacional de Promoção da Saúde é: Promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais. (PNPS 2010). Ver Política Nacional de Promoção da Saúde, 2010. 36 próximo capítulo, apresentaremos reflexões a acerca do Serviço Social na Saúde, bem como os parâmetros para sua atuação e a pesquisa realizada. 3. O Serviço Social na Saúde – Os Desafios na Contemporaneidade Nesse capítulo vamos entrar no debate do Serviço Social na área da saúde e os desafios que podem ser observados frente aos ataques que a Saúde Pública vem sofrendo na contemporaneidade, e como os assistentes sociais, enquanto profissionais da área da saúde, se organizam para no dia a dia viabilizar direitos. O assistente social, inserido também nessa política, encontra ainda mais desafios, pois em sua intervenção tenta mediá-la pelo Projeto Ético Político profissional, que vai de total desencontro com a ordem social vigente, o que dificulta sua plena efetivação no cotidiano profissional dos assistentes sociais da área da saúde31, esse profissional ainda enfrenta questões acerca da retração do Estado na provisão de políticas sociais. O assistente social encontra as barreiras impostas pelo próprio Estado com cortes e privatizações, profissionais com vínculos cada vez mais precarizados e os desafios no seu cotidiano profissional. Estes desafios são na direção de que o usuário tenha acesso aos seus direitos e seja visto em sua totalidade, nos seus aspectos para além das doenças e com isso, seja atendido como preconizado no princípio da integralidade. A nova configuração da política de saúde, voltada em oferecer o mínimo à população que não pode pagar pela privada e com isso fortalecendo o Sistema Privado de Saúde Complementar, vai impactar o trabalho do assistente social de diversas maneiras: nas condições de trabalho, na formação profissional, nas influências teóricas, na ampliação da demanda e na relação com os demais profissionais e movimentos sociais, etc. O trabalho se torna cada vez mais precarizado e os profissionais são chamados a atuar na amenização da pobreza e suas expressões a que a classe trabalhadora é submetida. (CFESS, 2009, p.13) 31 Entendemos que não só na área da saúde são encontrados desafios, mas focaremos em tal campo sócioocupacional, pois se trata do foco do presente trabalho. 37 3.1 Projeto Ético-Político do Serviço Social e Movimento de Reforma Sanitária: Unidade de Ação Na área da saúde, especificamente, o profissional precisa se apropriar de debates específicos que são pertinentes àquele campo onde se insere para uma prática mais qualificada, entendendo as especificidades e com isso lidando da as demandas que surgem. Podemos observar que o Projeto Ético Político e o Projeto de Reforma Sanitária embora sejam completamente diferentes, tem em comum a crítica às ideias impostas pelo sistema capitalista e isso já um ponto fundamental e nos mostra o quanto esses dois projetos, na área da saúde, devem andar juntos, em unidade. Ambos os projetos têm pontos em comum: defesa dos direitos inalienáveis do homem, defesa do público, do Estado laico e democrático, dentre outros. Ambos os projetos são viáveis, uma vez que são frutos do solo histórico que vivemos; mas, sem dúvida, apontam para a importância de superação do capitalismo. (MATOS, 2013, p. 58-59) Os projetos profissionais são considerados projetos coletivos, que definem a autoimagem de determinada profissão e são construídos pelos próprios profissionais, através de uma organização com as entidades, alunos, pesquisadores que juntos compõem a categoria profissional. Os projetos profissionais apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas (inclusive o Estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais). (NETTO, 2006, p.4). Segundo Netto (2006), os projetos profissionais assim como os projetos societários 32, são estruturas dinâmicas, ou seja, respondem com base na necessidade da profissão, transformações políticas, econômicas e culturais, vão se modificando e de adaptando com base no próprio debate que ocorre no interior de cada profissão. 32 Os projetos societários são projetos coletivos; mas seu traço peculiar reside no fato de se constituírem como projetos macroscópicos, como propostas para o conjunto da sociedade. Somente eles apresentam esta característica – os outros projetos coletivos (por exemplo, os projetos profissionais, de que trataremos adiante) não possuem este nível de amplitude e inclusividade. (NETTO, 2006, p.2) 38 Cabe ressaltar, que embora um projeto profissional seja construído por pessoas de uma mesma categoria profissional, essa construção não está isenta de tensões e contradições, visto uma categoria profissional se apresenta como um campo heterogêneo, com indivíduos pensando de maneiras diversas. Logo, dentro de uma categoria profissional “sempre existirão segmentos profissionais que proporão projetos alternativos; por consequência, mesmo um projeto que conquiste hegemonia nunca será exclusivo” (NETTO, 2006, p. 5). Com isso, para consolidar um projeto profissional é preciso ter consciência de que o pluralismo de ideias deve ser garantido, ou seja, mesmo que a profissão defina um projeto profissional como hegemônico, alguns profissionais podem ter visões e afirmações divergentes, e nesse campo que se constrói e se discute, garantindo assim, o pluralismo, dentro da profissão, preservando o que cada ideia defende.33 Uma das questões mais importantes nesse caso é quando se aborda a relação entre projeto societário hegemônico e projeto profissional hegemônico. Que nem sempre andam em sintonia, apresentam conflitos e contradições. É possível que, em conjunturas precisas, o projeto societário hegemônico seja contestado por projetos profissionais que conquistem hegemonia em seus respectivos corpos (esta possibilidade é tanto maior quando tais corpos se tornam sensíveis aos interesses das classes trabalhadoras e subalternas e quanto mais estas classes se afirmem social e politicamente). Tais situações agudizam, no interior desses corpos profissionais, as diferenças e divergências entre os diversos segmentos profissionais que os compõem. (NETTO, 2006, p. 6) Nesses casos é de fundamental importância que os profissionais se unam a movimentos sociais, usuários e pessoas, pois tais divergências não se resolvem com diálogos e discussões no interior de cada profissão (NETTO, 2006, p. 6). Segundo Netto (2006), o debate acerca do projeto ético- político é recente, nesses termos, é observada na transição dos anos setenta para os anos oitenta, pois só nesse período a crítica e recusa ao conservadorismo começa a ser abordada. E foi justamente nesse período, 33 Não podemos confundir o pluralismo com o ecletismo das ideias. Ou seja, não é possível conciliar, juntar posições divergentes, sem crítica alguma. 39 que o Serviço Social, passa pelo Movimento de Reconceituação da Profissão34, onde a crítica e recusa ao conservadorismo já era problematizada. A luta pela democracia na sociedade brasileira, encontrando eco no corpo profissional, criou o quadro necessário para romper com o quase monopólio do conservadorismo no Serviço Social: no processo da derrota da ditadura se inscreveu a primeira condição – a condição política – para a constituição de um novo projeto profissional. (NETTO, 2006, p. 10) E é nesse bojo que o novo projeto político do Serviço Social, nos anos oitenta para os anos noventa, que o projeto começa a se configurar como um projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero. E tal Projeto se torna hegemônico, segundo Netto (2006), a partir de 1990, porém isso não significa que seja o único no interior da profissão e que ele esteja implementado. E também muitos profissionais acreditam que enquanto tivermos esse modelo de sociedade, tal projeto não será totalmente consumado. A história do Projeto de Reforma Sanitária já abordada, no capítulo anterior, não se difere tanto do Projeto Ético- Político Profissional, encontra também divergências de pensamentos no interior dos profissionais de saúde e como também criticam a ordem social vigente, dificulta sua total implementação. Na atual conjuntura neoliberal, os desafios e dificuldades ao Projeto Profissional do Serviço Social e ao Projeto Sanitário são enormes. Tais desafios dificultam muito a total implementação de tais projetos. A PEC 55, as empresas públicas, OSs são exemplos de ataques que rebatem diretamente nos serviços de saúde e os princípios defendidos por eles. O profissional precisa estar atento a essas fortes ameaças e assim trabalhar numa perspectiva de superação da ordem social vigente. Sabemos que muitos profissionais estão inseridos em instituições com vínculos precários e instáveis e que com isso se veem paralisados para lutar e mobilizar ações que vão na contracorrente dos ditames dos governos. Um profissional concursado dispõe de mais 34 O Movimento de Reconceituação foi uma tentativa de ruptura com o Conservadorismo, uma renovação teórico-prático social, com propostas de intervenção e compreensão da realidade social, questionando ideias capitalistas, com base no Marxismo. 40 autonomia para tais reivindicações, pois não tem seus empregos ameaçados, o que não significa que não sejam perseguidos. Mas já profissionais com vínculos sem estabilidade são demitidos. Com isso, por depender para sua subsistência, muitos deles ficam estáticos frente às múltiplas ameaças que se apresentam no cotidiano profissional. Cabe ao profissional não deixar-se cair no fatalismo, ou seja, assumir uma postura de que nada pode ser feito perante ao sistema societário vigente e se acomodar com isso e também não cair no messianismo de que sozinho pode mudar tal sistema. Como já foi mencionado, a articulação com os movimentos sociais, é fundamental para unir forças contra os ataques conservadores que sofremos no dia a dia. No próximo subitem apresentaremos os Parâmetros para a Atuação do Assistente Social na saúde. Documento fundamental para dar base a intervenção profissional, baseado nos documentos que regulam e direcionam a profissão, construído pela categoria profissional. 3.2 A Atuação do Assistente Social na Saúde – os parâmetros em questão Os Assistentes Sociais que atuavam na saúde reivindicaram ao CFESS e ao CRESS um documento que direcionasse e regulamentasse sua atuação na saúde. Pois muitas vezes é demandado ao profissional exercer funções que não o cabem e, com tal documento, o mesmo passou a servir de respostas a usuários e empregadores quanto às atribuições que cabem ao Assistente Social na área da saúde. Tal documento “Parâmetros para a Atuação dos Assistentes Sociais na Saúde” é fruto do Grupo de Trabalho “Serviço Social na Saúde”, instituído pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) em 2008, que incorporou nas suas discussões e sistematizações as deliberações do 36º e 37º Encontro Nacional CFESS/CRESS, sendo discutido em vários estados do país e passa a servir de referência ao profissional que está situado na saúde, tendo como norte o Projetos de Reforma Sanitária e do Projeto Ético Político Profissional. As atribuições e parâmetros norteadores da atuação do Assistente Social na saúde foram pensadas com base nos direitos e deveres que constam no Código de Ética Profissional e na Lei que regulamenta a Profissão, assim como também no Projeto Ético Político. Como consta no 2º artigo do Código de Ética do Assistente Social, os direitos do profissional são: 41 a) garantia e defesa de suas atribuições e prerrogativas, estabelecidas na Lei de Regulamentação da Profissão e dos princípios firmados neste Código; b) livre exercício das atividades inerentes à profissão; c) participação na elaboração e gerenciamento das políticas sociais e na formulação e implementação de programas sociais; d) inviolabilidade do local de trabalho e respectivos arquivos e documentação, garantindo o sigilo profissional; e) desagravo público por ofensa que atinja a sua honra profissional; f) aprimoramento profissional de forma contínua, colocando-o a serviço dos princípios deste Código; g) pronunciamento em matéria de sua especialidade, sobretudo quando se tratar de assuntos de interesse da população; h) ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções; i) liberdade na realização de seus estudos e pesquisas, resguardados os direitos de participação de indivíduos ou grupos envolvidos em seus trabalhos. (CFESS, 1993) O Código de Ética Profissional (1993) e Projeto Ético Político Profissional também apresentam ferramentas fundamentais para a atuação profissional no cotidiano, ao colocar como princípios: a) reconhecimento da liberdade como valor ético central: b) defesa intransigente dos direitos humanos; c) ampliação e consolidação da cidadania, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; d) defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização política e da riqueza socialmente produzida; e) posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; f) empenho na eliminação de todas as formas de preconceito; g) garantia do pluralismo, por meio do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; h) opção por um projeto vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero; i) articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste código e com a luta geral dos trabalhadores; j) compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; k) exercício do Serviço Social sem discriminação. (CFESS, 1993) O Projeto Ético Político Profissional tem como direção os princípios citados acima, e é pautado na dimensão de totalidade social, tendo sua base fundamentada na questão social e assim, traz conceitos imprescindíveis para um exercício profissional ético. 42 No que se refere aos deveres, o 3º artigo do Código de Ética mostra: a) desempenhar suas atividades profissionais, com eficiência e responsabilidade, observando a legislação em vigor; b) utilizar seu número de registro no Conselho Regional no exercício da profissão; c) abster-se, no exercício da profissão, de práticas que caracterizem a censura, o cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denunciando sua ocorrência aos órgãos competentes. (CFESS, 1993) No atendimento direto do Assistente Social aos usuários as ações mais recorrentes são: as ações sócio-assistenciais, educativas e interdisciplinares, que funcionam como uma unidade entre si. Para a realização dessas ações, cabe ao profissional outras habilidades fundamentais: como o planejamento, investigação, participação social, etc. (CFESS, 2009, p. 42) O profissional na saúde também pode realizar ações individuais, grupais ou coletivas na perspectiva de educação em saúde, repassando informações sobre a rotina hospitalar, análise dos determinantes sociais da comunidade e para, além disso, trabalhar com o usuário, com base na dimensão pedagógica da profissão, numa perspectiva de enfatizar a participação dos usuários na luta pelos direitos sociais. Trabalhar numa perspectiva sanitária é de extrema importância. Como a atual conjuntura da Saúde no país passa por um momento de desmonte e precarização, muitas vezes chegam até o Serviço Social muitas queixas a respeito de demora para marcar consultas e qualidade no atendimento. Os usuários apresentam demandas e requerem solução imediata, mas na maioria das vezes o profissional precisa refletir, se o que se apresenta é sua atribuição e assim se posicionar. É fundamental também, ao profissional que domine ou saiba com clareza a respeito das atribuições privativas do Assistente Social., para que minimize o tipo do atendimento imediatista, burocrático, por exemplo. As ações a serem desenvolvidas pelos assistentes sociais devem transpor o caráter emergencial e burocrático, bem como ter uma direção socioeducativa por meio da reflexão com relação às condições sócio-históricas a que são submetidos os usuários e mobilização para a participação nas lutas em defesa da garantia do direito à Saúde. (CFESS, 2009, p. 43) A Lei de Regulamentação da Profissão, juntamente com todos os documentos que regulamentam a profissão direcionam a atuação do profissional na saúde, como em todas as políticas sociais. E com base em todos esses documentos legais, que foram pensados os 43 parâmetros para a atuação do Assistente Social na saúde, construído pelo conjunto CFESS/CRESS em 2009. Vemos que com base nos direitos e deveres do Assistente Social, que sua atuação deve ser voltada, em todos os campos sócio-ocupacionais, para uma atuação que supere o imediatismo das ações, e se afaste de ações conservadoras e tradicionais. Mas sim, que tenha uma visão crítica da totalidade da vida social e reconheça a questão social como objeto de sua ação profissional. A atuação do profissional deve ser pautada com base nas dimensões teóricometodológicas, ético- política e técnico- operativa, pois só assim é possível ao profissional ter uma visão da totalidade da demanda que lhe é apresentada, num exercício de reflexão constante de suspensão do cotidiano. Como já mencionado anteriormente, o profissional deve entender a saúde não somente como ausência de doença, mas sim considerar todas as expressões da questão social que podem interferir em sua saúde. E com isso, segundo Iamamoto (1982), a questão social deve ser entendida como o conjunto das desigualdades da sociedade capitalista, que se expressam por meio das determinações econômicas, políticas e culturais que impactam as classes sociais. Os assistentes sociais, nas suas diversas inserções e na efetivação das suas atribuições e competências, precisam ter como preocupação as diversas armadilhas que são colocadas pela organização social capitalista e pelas teorias não críticas e pós-modernas no que se refere à análise das expressões da questão social evidenciadas no cotidiano profissional. (CFESS, 2009, p. 67) Os profissionais que atuam na saúde, atravessando todas as dificuldades que estão em constante mudança e construção, continuam enfrentando desafios para realizar a intervenção profissional em consonância com o Projeto Ético Político e o Projeto de Reforma Sanitária, e podem relatar com riquezas de detalhes as dificuldades, limites e possibilidades que se apresentam no cotidiano profissional. Com isso, o próximo subitem, vai dar voz ao profissional, com o intuito de aprofundar ainda mais as questões que envolvem Assistente Social na área da saúde, nessa atual conjuntura da sociedade. 44 3.3 Desafios cotidianos à materialização do Projeto Ético-Político Profissional articulado ao Projeto de Reforma Sanitária Com o intuito de dar voz e ouvir dos profissionais os desafios e possibilidades para uma atuação profissional ética e norteada pelos Projetos de Reforma Sanitária e Projeto ÉticoPolítico profissional, assim como também saber desses profissionais como se materializa o princípio da integralidade no cotidiano profissional e como ele é entendido e interpretado por esses profissionais, foi realizada uma pesquisa de campo com a equipe de Serviço Social, numa unidade de saúde de alta complexidade. Esta pesquisa não visa dar respostas, mas sim contribuir com o debate do Serviço Social na saúde, assim como também entender como se dá a articulação entre o PEP e PRS, num contexto de precarização do trabalho profissional, cortes de verbas e desmonte do SUS. Retomando um pouco do que já foi abordado nos capítulos anteriores, o SUS passa por um momento de total falta de investimento, desmonte e precarização das condições de trabalho dos profissionais e isso rebate diretamente no atendimento prestado ao usuário do serviço. Dentro desse contexto, o profissional que se encontra na intervenção vem enfrentando enormes desafios para, dentro de todo esse cenário neoliberal, buscar estratégias para uma atuação condizente com os princípios da profissão, bem como os princípios sanitários, que na saúde precisam ser vistos com uma unidade. A pesquisa foi realizada com os Assistentes Sociais do INC, aprovada pelo seu respectivo Comitê de Ética em Pesquisa, atendendo aos fundamentos éticos e científicos pertinentes. Participaram da pesquisa uma amostra 5 (cinco) Assistentes Sociais do universo de 12 que atuam no INC, como já relatado na introdução desse trabalho. Houve a tentativa de sensibilizar todos os (as) assistentes sociais da equipe acerca da importância das suas respostas para a pesquisa, porém como a participação dos (as) mesmos (as) é voluntária e não obrigatória e também por conta do tempo para finalização deste trabalho, analisamos as 5 (cinco) entrevistas realizadas. O critério para participação na pesquisa foi somente ser Assistente Social do INC. 45 Os Assistentes Sociais responderam a perguntas35 acerca do seu ano de formação, vínculo com a instituição, carga horária, a respeito de sua intervenção profissional articulada aos princípios e diretrizes do SUS, o princípio da integralidade em específico e também como ele se materializa na sua intervenção. Também discorreram sobre os limites e possibilidades para uma atuação articulada aos princípios do Projeto Ético Político e Projeto de Reforma Sanitária. E por último se participam de algum coletivo ou movimento de saúde. Os eixos de análise serão trabalhados na perspectiva de contribuir para uma reflexão acerca dos princípios do SUS, especificamente a Integralidade, e também conhecer como tais princípios se materializam no dia a dia do Assistente Social, numa unidade de saúde alta complexidade do Ministério da Saúde. Como primeiro eixo de análise, temos o ano de formação dos Assistentes Sociais da equipe. Foi constatado que todos se formaram depois do Movimento de Reconceituação do Serviço Social, ou seja, a profissão passa por um profundo amadurecimento teórico- crítico em seu interior, onde a maioria dos Assistentes Sociais se posicionou contra o conservadorismo enraizado desde a gênese da profissão. Os anos de formação citados compreendem o período de 1997, 2000, 2001, 2003 e 2004, logo se acredita que os mesmos se formaram em instituições onde já havia ocorrido a revisão curricular com base nas diretrizes e orientações da ABEPSS de 1996. É a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) responsável pela coordenação e articulação do projeto de formação profissional, nos níveis de graduação e pós- graduação. Em 1996 a ABESS (Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social), passa a se chamar ABEPSS, com a justificativa da “defesa dos princípios da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e da articulação entre graduação e pós-graduação, aliada à necessidade da explicitação da natureza científica da entidade, bem como a urgência da organicidade da pesquisa no seu interior.” E essa definição passa a direcionar a formação em Serviço Social, sendo discutida frequentemente em espaços democráticos, com a participação da categoria, inclusive dos estudantes. A proposta das Diretrizes Curriculares da ABEPSS aponta para a formação de um perfil profissional com “capacitação teórico-metodológica, éticopolítica e técnico-operativa para a apreensão teórico-critica do processo histórico como totalidade. Considerando a apreensão das particularidades da 35 Roteiro da entrevista no Anexo I. 46 constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social na realidade brasileira. Além da percepção das demandas e da compreensão do significado social da profissão; e o desvelamento das possibilidades de ações contidas na realidade e no exercício profissional que cumpram as competências e atribuições legais” (ABEPSS, 2014, p. 02-03). Logo, é de fundamental importância o controle da implementação dessas diretrizes nos cursos de Serviço Social, na formação profissional e bem como sua defesa por parte dos profissionais e estudantes, garantindo assim, uma formação de qualidade, com compromisso ético e político. O que vai rebater diretamente na atuação do Assistente Social já ocupando os espaços sócio ocupacionais faz- nos refletir que ter uma formação crítica direciona uma intervenção ética e condizente com as leis e documentos que regulamentam à profissão. Como segundo eixo de análise, tomaremos por base o vínculo dos entrevistados e a carga horária na instituição e como tais condições rebatem diretamente na atuação profissional. Todos os entrevistados são funcionários públicos estatutários, assim como toda a equipe de Serviço Social do INC, diferentemente do cenário atual em que podemos ver grande número de OSs na área da saúde e grande ameaça de privatização da saúde pública. Podemos observar também que o Estado ainda continua sendo o maior empregador da categoria, pois é no campo das políticas públicas que os profissionais exercem seu trabalho. Num cenário de vínculos de trabalho fragilizados, onde o profissional assume uma posição de polivalência na lógica da reestruturação produtiva, acentuando a exploração da classe trabalhadora, estar em uma unidade pública garante a esses Assistente Sociais entrevistados a estabilidade do emprego e, sendo assim, os mesmos podem se posicionar perante a instituição quando diz respeito àquilo que não é de acordo com o que defende o Serviço Social, lutando em favor dos trabalhadores. Ou seja, o vínculo de trabalho rebate na intervenção do profissional de forma direta. Hoje em dia, o campo das políticas públicas e dos direitos sociais sofrem grande ameaça, com as medidas e projetos de lei, que visam a estagnação dos gastos públicos por vinte anos e isso vai rebater diretamente na intervenção do Serviço Social, pois os serviços sociais estão cada vez mais focalizados e atendendo cada vez menos usuários. Com relação à carga horária de trabalho na instituição, os Assistentes Sociais relataram trabalhar 30 horas semanais, como previsto na lei nº 12.317, de 27 de agosto de 2010, fruto de grande luta da categoria. Somente uma Assistente Social entrevistada relatou que além das 30 47 horas também faz 12 horas, como plantão extra. A luta da categoria para conseguir regulamentar a jornada de trabalho de 30 horas, e sem redução salarial, objetiva melhores condições de trabalho para o profissional frente a um cenário de restrição de direitos. Sabemos que sua regulamentação por parte das instituições ocorre de forma gradativa. Muitas empresas criaram estratégias para não cumprir tal lei, como por exemplo, contratam Assistentes Sociais, com outro cargo, mas exercendo as mesmas funções, o que legalmente “possibilita” o profissional pode cumprir carga horária maior, embora possamos considerar exercício ilegal da profissão. No INC, todos os profissionais são contratados como Assistentes Sociais e tem a carga horária de 30 horas incorporada na instituição, que é pública federal. No terceiro eixo de análise vamos começar a abordar a intervenção profissional articulada aos princípios do SUS, e em especial o princípio da Integralidade. Como primeira pergunta “Você viabiliza na sua intervenção profissional as diretrizes e princípios do SUS? De que modo?”. Obtivemos tais respostas: Na minha intervenção profissional procuro de acordo com as diretrizes e princípios viabilizar o acesso do usuário aos serviços e benefícios oferecidos, inclusive articulando com a rede de serviços, através de articulação com o INSS, o CRAS. No atendimento realizamos educação em saúde, procurando esclarecer a rotina da instituição, socializar os direitos sociais de forma igualitária, integral, promovendo a preservação da autonomia e participação do usuário, de forma igualitária e universal. (ASS 1) Sim. Através da escuta e acolhimento e garantia de acesso aos direitos institucionais e extrainstitucionais articulando redes. (ASS 2) O assistente social no seu fazer profissional não viabiliza as diretrizes, pois essas devem ser garantidas pelo Estado. Trabalhamos na perspectiva de garantir direitos previstos na lei, orientando e encaminhando, articulando com outros níveis de atenção à saúde. (ASS 3) O SUS, no seu conjunto de ações e instituições, não concretiza. Percebemos isso no cotidiano, questões como falta de acesso, falta de medicamentos, demora para consultas, sucateamento. Por outro lado, o quanto é possível, trabalhamos com estes princípios e diretrizes sempre observados. (ASS 4) Na intervenção direta com os usuários, de maneira a viabilizar acesso a direitos sociais, de maneira equânime, e a partir da perspectiva políticopedagógica do trabalho do serviço social, discutindo com a população a partir da singularidade das situações apresentadas, o caráter coletivo de suas demandas e a desigualdade que as engendram. (ASS 05) As falas das ASS 1 e ASS 05 ressaltam principalmente os princípios da Universalidade, Integralidade e Intersetorialidade das Políticas Sociais. Através das suas falas 48 exemplificadas demonstram suas atuações e o dia a dia na instituição. Para além do encaminhamento aos serviços, devemos ressaltar o papel pedagógico de educação em saúde, do Assistente Social, que por vezes passa despercebido no atendimento. Os usuários no INC procuram o Serviço Social para atendimento de suas necessidades imediatas, como orientações a respeito da rotina hospitalar, questões previdenciárias, como Auxílio-Doença, Passe-livre e a respeito de benefícios como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Política de Assistência Social. Muitas vezes trabalhar questões no âmbito da educação em saúde, com questões mais abrangentes, vendo a saúde como um direito e papel do Estado, com a crise na saúde e atual conjuntura, torna-se mais difícil, mas não podemos utilizar isto como “desculpa”, mas como desafios a intervenção profissional. O processo de educação em saúde possibilita ao usuário refletir com base na realidade social, buscando superar qualquer tipo de alienação e senso comum. Muitas vezes na rotina do dia a dia, essa dimensão pedagógica fica em segundo plano, pois em primeiro plano o profissional procura atender a demanda trazida pelo usuário e com a grande demanda de trabalho faz o atendimento numa lógica de orientação imediata. A fala da ASS 3 reflete a ideia de que os princípios e diretrizes do SUS devem ser garantidos pelo Estado. Sabemos que na atual conjuntura a ideia do privado sobrepõe ao público, os interesses do Estado estão vinculados aos interesses do mercado e isso rebate diretamente nas Políticas Sociais e nos serviços públicos. Com isso, na prática os profissionais não se veem responsáveis em ter uma prática de acordo com as diretrizes do SUS, já que o próprio Estado não investe e nem valoriza tal política. Na fala da ASS 4 podemos relembrar o que já foi abordado nos capítulos anteriores, onde Bravo (2013) discorre a respeito do SUS possível, ou seja, os interesses privados são incorporados ao modelo defendido pelo Movimento de Reforma Sanitária. Diante da crise na saúde, falta de investimento, demora no atendimento e etc., os profissionais assumem uma postura de se adaptar à realidade e tem sua prática dentro do que é possível perante a realidade. Sabemos que não podemos solucionar todos os problemas, porém também não podemos cair no fatalismo e manutenção dos status quo36. 36 Status quo quer dizer manter as coisas como estão em seu estado atual, sem mudanças ou tentativas de mudanças. 49 Ainda no terceiro eixo de análise, refletiremos agora sobre as respostas dos Assistentes Sociais com relação ao princípio da Integralidade e em quais ações em suas atuações esse princípio se materializa, na perspectiva da articulação entre a teoria e prática em busca da defesa dos princípios do SUS como um todo. Para isso realizamos tais perguntas: “O que você entende por integralidade em saúde?” “Suas ações, enquanto AS do INC, visam à integralidade? Como ela se efetiva na prática cotidiana? Exemplifique.” Tivemos como respostas da primeira questão: Entendo por integralidade o acesso a rede de serviços públicos e a viabilização do acesso aos direitos sociais. Ter saúde significa qualidade de vida, através de um conjunto de direitos como alimentação, moradia, educação, trabalho... (ASS 1) Acolher, ação multiprofissional, acesso aos três níveis de atenção e etc. (ASS 2) Na perspectiva da visão ampliada de saúde prevista na LOS sobre os condicionantes sociais que perpassam o processo saúde e doença, não trabalhamos na perspectiva da visão reducionista biologicista. Na visão do sistema, o mesmo deve estar preparado para atender a necessidades da população, o Estado deve estabelecer um conjunto de ações que contemplem os três níveis de atenção: primário, secundário e terciário (vão desde a prevenção à assistência curativa, nos diversos níveis de complexidade. (ASS 3) Lei 8080, art. 7º, inciso II- Funcionamento dos 3 níveis de atenção de forma integrada, garantindo o acesso de forma articulada, propiciando à paciente assistência integral em saúde (referência e contra referência). (ASS 4) A compreensão de que o processo de saúde/doença é resultado das condições das relações sociais e que portanto a intervenção em saúde precisa atuar também sobre os determinantes sociais desse processo. (ASS 05) Para analisarmos tal questão retomaremos alguns pontos explicitados no item 2.5 que discorre a respeito do princípio da Integralidade no SUS. Quatro Assistentes Sociais citaram em suas respostas que entendem o princípio da Integralidade como o acesso aos três níveis de atenção, Atenção Básica, Média e Alta Complexidade, que segundo Mattos (2003) é um dos sentidos que tal princípio assume e é esse sentido que vemos na CF de 1988. Com base no modelo de hierarquização do SUS, o usuário deve ter atendimento de forma integralizada, desde a atenção básica até a alta complexidade, se for necessário, com práticas que visem à noção de totalidade do ser social, buscando superar a lógica da fragmentação que latente nos hospitais. 50 Vale a pena ressaltar que, todas as ações que visam à integralidade têm por base a noção de totalidade e de saúde ampliada sendo fundamental no atendimento ao usuário, pois para além da doença que está acometido num determinado momento, outros determinantes sociais afetam esse processo de saúde- doença, como citado pelas ASS 03 e ASS 05 em suas falas. Como exemplos de como o Princípio da Integralidade se materializa na intervenção profissional dos Assistentes Sociais do INC, tivemos como respostas: Sim. Ao atuar numa Unidade de alta complexidade, terciária que é o Instituto Nacional de Cardiologia, procuro identificar ao realizar a entrevista social, as expressões da questão social e intervir de forma a viabilizar o acesso aos direitos sociais. Exemplo de casos frequentes no INC é a situação do usuário que precisa fazer cirúrgica cardíaca necessitar de perícia médica para acessar o auxílio doença. Temos uma articulação com rede social local e a equipe técnica do INC tem parceria direta com o INSS para atualização de informações sobre benefícios e serviços previdenciários uma vez por ano. Nosso atendimento torna-se cada vez mais qualificado e ao encaminharmos para acessar o benefício, nossos usuários mesmo residentes de outros locais (inclusive da Baixada Fluminense) consegue acesso à pericia médica hospitalar e ao beneficio do auxilio doença. (ASS 1) Sim. Ex. 1: Paciente internado realizo articulação com outras áreas/médicos, psicologia, etc., para garantir atendimento integral. Ex. 2: Articulação com postos de saúde para atendimentos em níveis primário e secundário. (ASS 2) Sim, o INC (ambulatório) já tem trabalhado na lógica da contra referência (entre os níveis de atenção em saúde). Nosso trabalho se realiza, na orientação ao usuário sobre os níveis de atenção e onde ele está inserido (alta complexidade), articulação com a rede e encaminhamentos. (ASS 03) Sim. Pacientes atendidos no INC estão sendo encaminhados para acompanhamento clínico na Atenção Básica. O Serviço Social realiza sempre que necessária articulação com a rede de Atenção Básica dos diversos municípios para garantir ou facilitar este acesso, bem como esclarecimento aos usuários sobre os níveis de atenção. (ASS 4) A partir da avaliação e discussão com o usuário da situação apresentada, busca-se articulação com outros serviços, por exemplo o suporte da rede básica, e políticas sociais que tenham relação com a questão de saúde apresentada. Também na produção de conhecimento sobre o trabalho demonstrando através de pesquisa a importância da garantia da integralidade na saúde. (ASS 05) Todas as Assistentes Sociais relataram que buscam a integralidade em suas ações e exemplificaram relatando a articulação entre os diferentes níveis de atenção em saúde. Bem como a intersetorialidade, como citado pela ASS 1, que relata os encaminhamentos ao INSS 51 (Instituto Nacional do Seguro Social), por exemplo. Apesar de estarmos na saúde, dialogamos diretamente com as demais políticas e serviços sociais, da Assistência e Previdência Social. Nesta pergunta, nenhuma das Assistentes Sociais entrevistadas apontou em suas ações o reconhecimento do processo saúde doença e seus determinantes sociais (somente a ASS 05, referiu na pergunta anterior). Ver o usuário de forma integral se relaciona diretamente com as condições de vida e de trabalho. No quarto eixo de análise das entrevistas, analisaremos as respostas das seguintes perguntas: “Aponte os principais desafios e as possibilidades na garantia do princípio da Integralidade no seu trabalho como AS no INC, uma unidade de alta complexidade.” “Quais os desafios postos na sua atuação como AS do INC, na articulação entre o Projeto Ético Político Profissional e o Projeto de Reforma Sanitária, frente ao sucateamento da Saúde Pública, atualmente?”. Como resposta da primeira pregunta citada tivemos: Ao iniciar uma exposição sobre os desafios e as possibilidades como assistente social para viabilizar o acesso ao princípio da integralidade, preciso explicitar que a garantia de princípios do SUS deve ser papel do Estado e não do Assistente Social. Posso colocar que os desafios tem relação com o contexto de crise do Estado capitalista, o que atinge diretamente a política de saúde na materialização dos seus princípios e diretrizes e inclusive os usuários dos serviços sociais. No referente às possibilidades compreendo que a saúde assim como as demais políticas sociais, precisam desenvolver um trabalho articulado e em rede. Ainda, se faz necessário a participação do Assistente Social nos movimentos de luta pela saúde. (ASS 1) Desafios conjuntural- falta rede cardiológica para atenção primária e secundária. No INC, rigidez da atuação médica. 2Possibilidades: Hospital possui profissionais e infra estrutura de trabalho. (ASS 2) O grande desafio diz respeito a rede de serviços de saúde, ao estrangulamento na alta complexidade e as dificuldades do atendimento integralizado por ausência de recursos, profissionais e vagas nos outros níveis de atenção. (ASS 3) Desafios: a) Filas do SISREG x Acesso de forma desigual, desrespeitando os critérios b) falta de especialidades na rede (ASS 4) A oferta de serviços público com a qualidade e na quantidade que a demanda exige é uma das principais dificuldades. O avanço das regulamentações das políticas sociais brasileiras é uma possibilidade posta, porém há um grave descompasso entre a regulamentação e a efetivação dos direitos sociais através das políticas sociais, cada vez mais ameaçadas no atual contexto de crise. (ASS 05) 52 Como visto anteriormente, os profissionais entrevistados entendem a Integralidade, predominantemente como acesso aos diferentes níveis de atenção em saúde, logo como principais limites na materialização desse princípio no cotidiano, os mesmos citaram a falta de uma rede de serviços que possam atender esses usuários nos diferentes níveis de forma integral. A falta de especialistas em cardiologia nas unidades de atenção básica e de média complexidade dificulta o acompanhamento desse usuário, quando o mesmo se encontra liberado da alta complexidade, que está estrangulada na marcação de consultas, não atendendo toda a demanda. As filas do SISREG (Sistema de Regulação de Vagas) só aumentam e parecem não andar, como citado na resposta da ASS 4. A entrada na alta complexidade deveria se dar unicamente por essa via, porém na prática não é o que acontece, os critérios com relação ao acesso não são cumpridos, fazendo com que o tempo de espera dos usuários seja absurdo, frente à sua necessidade de saúde. Essa situação é um dos reflexos do sucateamento da saúde atualmente, a necessidade de ampliação do SUS é evidente, porém nem para o que já temos, o investimento é suficiente. Cresce a privatização e o SUS Constitucional fica cada vez mais distante de nossa realidade. A fala da ASS 05 reforça o cenário de crise em que a saúde se encontra atualmente. Analisando a resposta da ASS 1, devemos destacar sua resposta, quando ela diz que é papel do Estado a garantia do princípio da Integralidade e não do profissional. Essa fala nos remete ao que tratou Carlos Montãno (2004) em um artigo para o XI CBAS (Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais) que tem o título “Garantir direitos: um dever do Assistente Social”, onde ele realiza exatamente essa crítica. Ele defende em seu texto que o profissional deve viabilizar os direitos garantidos pelo Estado. Montãno (2004), nesse texto, defende que: Conquistar Direitos é tarefa e resultados das lutas de classes e sociais em geral; Garantir Direitos Sociais é dever (constitucional) do Estado; Participar na luta pela garantia/ampliação desses Direitos, isto sim, é dever do assistente social. Num duplo sentido:Dever da profissão (e, portanto, de cada profissional), na medida em que aparece como normativa do nosso Código de Ética (vide os “Princípios Fundamentais”). Dever individual, para aqueles profissionais engajados no projeto ético-político hegemônico na categoria. (MONTAÑO, 2004, p. 2) Os interesses do Estado, hoje em dia, na garantia dos direitos sociais estão cada vez mais distantes. A lógica e os ideais neoliberais influenciam diretamente as decisões do Estado 53 e consequentemente decisões vão na direção do lucro e manutenção dessa ordem. Muitas vezes o profissional, assume uma postura na direção da garantia de direitos e assim acaba frustrado por não poder dar as respostas que gostariam, pois esbarram nos limites do próprio sistema. É muito difícil a posição do profissional para não se tornar messiânico e também fatalista, por isso reconhecer os limites é fundamental, porém ficar parado diante deles também não é a solução. Com relação à segunda pergunta desse eixo de análise, questionamos “Quais os desafios postos na sua atuação como AS do INC, na articulação entre o Projeto Ético Político Profissional e o Projeto de Reforma Sanitária, frente ao sucateamento da Saúde Pública, atualmente?” As respostas foram: Participo do movimento de luta pela saúde no interior da instituição e já fiz parte do grupo de mobilização de greve com os companheiros de outras áreas e os usuários, inclusive mobilizando e esclarecendo para a população usuária o desmantelamento dos direitos sociais, inclusive do acesso ao SUS com a escassez de verba do governo para o financiamento de serviço de saúde essenciais. De forma geral, a luta para materializar o PEP e o Projeto de Reforma Sanitária no combate ao sucateamento da saúde pública envolve a mobilização da categoria profissional e os usuários do SUS no cotidiano do processo de trabalho. (ASS 1) Articulação com os movimentos de resistências dentro e fora do INC (como ASINCA, Fórum de Saúde, conselhos e etc. (ASS 2) Vivemos uma situação difícil, sucateamento do público e privatização da saúde e precarização dos direitos conquistados o que interfere diretamente na nossa intervenção. (ASS 3) Desafios: a) Filas do SISREG x Acesso de forma desigual, desrespeitando os critérios b) falta de especialidades na rede. (ASS 4) Contribuir para efetivação de direitos sociais na escassez de investimentos públicos. (ASS 05) Com base nas respostas, fica evidente que o sucateamento da Saúde Pública reflete diretamente na intervenção profissional e sendo assim, a articulação dos princípios do Projeto Ético Político e Movimento de Reforma Sanitária e que os profissionais reconhecem tal situação. Fica evidente que para tal articulação a categoria precisa se unir e juntos pensar em estratégias de luta no combate aos ataques que a saúde, assim como todas as políticas sociais vem sofrendo. A organização da categoria se dá nos espaços micro, como no próprio local de 54 trabalho, como também num âmbito mais amplo, no campo dos coletivos e movimentos sociais. Logo, é fundamental a presença desses profissionais nesses espaços. Fortalecer tais projetos é de fundamental importância na defesa de um SUS público e de qualidade para toda a população. O último eixo de análise se propõe a saber se os profissionais participam de algum coletivo ou movimento social em favor da Saúde Pública. Somente uma Assistente Social referiu já ter participado, mas que no momento estava afastada desses espaços, e uma outra disse que não participa ativamente de nenhum movimento ou coletivo, mas que está sempre indo a atos e passeatas em defesa dos SUS e de seus princípios. A militância não deve se confundir com a atuação profissional, momento este que direcionou os princípios do Código de 1986, que apontava um “como fazer”, um basismo e um militantismo, nos quais, equivocadamente, à época, a categoria pensava expressar o projeto de intenção de ruptura com o conservadorismo. Todavia, a mesma é central na luta pela saúde, de modo a nos fortalecermos coletivamente nas disputas dos espaços de gestão e controle social da política. Segundo Iamamoto (2005), no interior da categoria é possível observar pilares para atuação do profissional, quais sejam, as dimensões teórico- metodológicas, técnico operativas e ético-política, que são complementares e fundamentais na intervenção profissional do Assistente Social. Porém, se vistas isoladamente, possuem limites para transporem as problemáticas da vida social, ocasionando três armadilhas, o teoricismo, o militantismo e o tecnicismo37. A fundamentação teórico-metodológica é fundamental para uma intervenção crítica pois a partir dessa fundamentação é possível buscar alternativas para o enfrentamento das expressões da questão social. O engajamento político nos movimentos por parte da categoria 37 Com relação ao teoricismo, devemos refletir que somente a partir da teoria (academia) não é possível fazer a revolução, sem dados da realidade, que vão dar subsídios na construção de novas produções teóricas. A mesma ideia se aplica ao militantismo, o mesmo não dá resposta se visto isoladamente, o profissional necessariamente para fazer parte da militância tem por obrigação articulá-la ao seu trabalho e carga horária e entender que funciona de forma complementar a ação profissional. Já em relação ao tecnicismo, frente a exigência do mercado, do como fazer, vem se evidenciando no interior da categoria. É impossível, por exemplo, realizar uma entrevista social só com base na técnica de aplicação da entrevista, pois a partir das demandas do usuário, cabenos refletir criticamente sobre, para assim suspender do cotidiano o que necessariamente necessita de um acumulo teórico, para assim realizar um atendimento integral e ético. 55 também é de fundamental importância, transpondo o campo da ação profissional, mas sim pensando nos movimentos organizados da sociedade. O tecnicismo, nos dias atuais, vem como uma exigência do mercado de trabalho para qualificação profissional, porém somente da técnica não é possível ter uma atuação ética e condizente com os princípios da profissão. A intervenção do Assistente Social deve ter como base essas dimensões articuladas, pois se vistas isoladamente trazem armadilhas para o exercício profissional. Em face de nossos apontamentos acima, entendemos que o comprometimento profissional dos Assistentes Sociais entrevistados nos mostra a importância de ter condições de trabalho dignas para a intervenção (não que isto seja o único determinante, mas precisamos ressaltar isto). Possuir um tempo dentro do cotidiano na instituição para capacitações, participação em pesquisas e etc. é fundamental para o profissional. Porém infelizmente, alguns dados do CRESS mostram através das denúncias, que nem sempre a realidade é tão boa assim. Há muitos Assistentes Sociais no Rio de Janeiro, sem condições de trabalhos dignas, vínculos precarizados o que rebate diretamente na intervenção profissional, não que isso seja uma desculpa para uma atuação antiética, mas deve servir de incentivo pela busca de melhores condições de trabalho. Esperamos também que esta pesquisa possa contribuir com outros colegas estudantes que queiram estudar os princípios do SUS, com destaque para a integralidade. Na certeza de que é necessário ainda muita luta para a viabilização dos direitos nesta conjuntura que, face à aprovação da PEC 55 no Senado em 13/12/2016, tende a se acirrar, criminalizando ainda mais a pobreza e violando direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora. A seguir, para finalização desse trabalho, trazemos algumas considerações finais oriundas de reflexões durante a construção e análise desse trabalho de conclusão de curso. 56 4. Considerações Finais A construção deste trabalho, como já mencionado na introdução, se deu a partir de inquietações que se apresentaram no campo de estágio, uma unidade de saúde de alta complexidade do SUS, com relação ao princípio da Integralidade em específico, mas também aos demais princípios como sendo um todo. Nossas inquietações versaram sobre como esse princípio se materializa no cotidiano da intervenção dos Assistentes Sociais no atendimento aos usuários. Não nos coube neste trabalho apenas encontrar respostas e definições para tal princípio, mas sobretudo saber e analisar como a categoria desta instituição entende e como através de suas ações buscam a viabilização do mesmo, com os limites e possibilidades que se apresentam no cotidiano. Realizar uma pesquisa é de fundamental importância para entender a realidade do grupo em questão e também possibilita repensar a intervenção de forma crítica e articulada aos documentos que regulamentam e dão norte à intervenção. A unidade de amostra da pesquisa tinha o objetivo de ser maior, porém, apesar de todos os Assistente Sociais serem convidados, 5 (cinco) Assistentes Sociais participaram da pesquisa de um total de 12 (doze) na instituição. Devido ao tempo de construção deste trabalho, realizamos as análises com base nessas (cinco) entrevistas. A produção teórica a respeito o princípio da Integralidade, como um dos princípios do SUS, ainda é muito escassa, principalmente dentro da categoria dos Assistentes Sociais. Estudar e analisar como esse princípio se materializa numa unidade de saúde de alta complexidade e articulá-lo a intervenção do Assistente Social, foi muito desafiador, face a produção teórica existente. Com relação ao princípio da Integralidade, não nos coube nesse trabalho defini-lo, mas sim trazer as diferentes definições e concepções que ela assume para os profissionais de Serviço Social dessa instituição do SUS em questão. O que é mais curioso é que segundo Mattos (2003), muitos profissionais já realizam ações que visam à integralidade, mas não as reconhece, por ser um princípio que compreende múltiplas definições, cabe-nos refletir acerca de cada uma delas e entender que a definição desse princípio não é unívoca. Apesar desse trabalho focar no princípio da Integralidade de forma mais específica, entendemos que os princípios do SUS (universalidade, integralidade, equidade) não podem 57 ser estudados e analisados de forma fragmentada, pois funcionam no direcionamento do SUS de forma única. Para tratar da Integralidade foi indispensável retomar o debate da Política de Saúde, fazendo um regaste histórico, desde seu modo assistencialista até o universal, abordando os principais pontos, como as lutas do Movimento Sanitário, até a atual conjuntura de crise da Saúde Pública no Brasil, por exemplo, assim como também a discussão acerca do princípio da Integralidade articulado ao Projeto Ético Político do Serviço Social, bem como os princípios e diretrizes do SUS, tema central deste trabalho. Pudemos observar que o Projeto de Reforma Sanitária e o Projeto Ético Político Profissional tem muito em comum, em seus princípios. Logo, a importância que eles funcionam como uma unidade de ação na saúde, na atuação do Assistente Social é fundamental, embora a conjuntura seja tão perversa e oposta ao que propõe esses projetos. A lógica instaurada em nossa sociedade favorece ao capital e cada vez menos o bem social, cortes e falta de investimento nas Políticas Sociais são frequentes, o que ameaça diretamente a viabilização dos direitos sociais à população usuária. A Política de Saúde avançou muito desde seu modelo assistencial até os dias atuais com o SUS, fruto da luta do Movimento Sanitário Brasileiro, onde a partir de sua mobilização reivindicavam um SUS universal e dever do Estado. Porém ainda hoje está longe do que se propõe o SUS Constitucional, apesar de seus inúmeros avanços os desafios ainda são enormes no que tange a efetivação plena desse sistema. Construir esse trabalho, frente à crise instaurada na saúde brasileira, também foi muito desafiador, visto que a política vem sofrendo fortes ameaças ao SUS totalmente público, com o processo crescente de privatização e cortes no investimento nessa política. Mas ao mesmo tempo, ver como o SUS foi pensado desde o Movimento Sanitário, faz com que a luta pela implementação e defesa desse sistema, seja fundamental para a população. Portanto, a articulação aos movimentos que defendem a Saúde Pública, efetivação do SUS e Movimento Sanitário é fundamental, não somente por parte dos profissionais, mas sim também da população usuária dessa política, valorizando a participação social, que dão voz às dificuldades e limites enfrentados no dia a dia, nas unidades públicas de saúde no Brasil. Pois somente a partir de uma consciência sanitária, a partir da democracia e de um amplo 58 movimento de massas (BRAVO, 2006) é possível construir um movimento contrahegemônico, em face da crise o capital, de luta e defesa do SUS. Entendemos que não encerramos a pesquisa sobre a temática, tendo em vista ser um trabalho de conclusão de curso. Muito ainda precisamos descortinar e acumular, o que pretendemos dar continuidade em uma futura pós-graduação. 59 Referências ABEPSS. Projeto ABEPSS Itinerante. Estágio Supervisionado em Serviço Social: desfazendo nós e construindo alternativas. Mimeo, 2014. ________. Site Institucional- História. Disponível em: <http://www.abepss.org.br/historia-7>. Acesso em: 02 de dezembro de 2016. ALMEIDA, E. S.; WESTPHAL, M. (org) Gestão de Serviços de Saúde:descentralização/municipalização do SUS. 1 Ed. São Paulo: EDUSP, 2001. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? São Paulo: Cortez, 1995. BEHRING, Elaine Rosseti; BOSCHETTI, Ivanete. 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Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde – SUS – e sobreas transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. ________. Lei 12.317, de 26 de agosto de 2010. Acrescenta dispositivo à Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social. BRAVO, Maria Inês Souza. Serviço Social e Reforma Sanitária: lutas sociais e práticas profissionais. São Paulo: Cortez, 2011. _______, Maria Inês Souza. Política de saúde no Brasil. In: MOTA, Ana Elizabete et al, (Orgs). Serviço social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez; OPAS, OMS, Ministério da Saúde, 2006. BRAVO, Maria Inês Souza; MATOS, Maurílio Castro de. A saúde no Brasil: Reforma Sanitária e a ofensiva neoliberal. In: BRAVO, Maria Inês e PEREIRA, Potyara A. P (Org.). Política Social e Democracia. 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Quais os desafios postos na sua atuação como AS do INC, na articulação entre o Projeto Ético Político Profissional e o Projeto de Reforma Sanitária, frente ao sucateamento da Saúde Pública, atualmente? 9. Participa de algum movimento/coletivo de saúde, como o Fórum e Saúde do Rio de Janeiro? 63 Anexo II TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO A Integralidade Em Saúde e O Trabalho Do Assistente Social Na Alta Complexidade O objetivo deste projeto pretende entender como se materializa o princípio da Integralidade na alta complexidade. Visa também conhecer dos profissionais de Serviço Social os desafios que eles encontram no cotidiano profissional para viabilizar e garantir esse princípio do SUS, bem como as possibilidades para uma atuação condizente com o Código de Ética Profissional e seu Projeto Ético Político. Sua participação é voluntaria e se dará por meio de entrevista de coleta de dados. Você tem o direito de não participar deste estudo. Se depois de consentir em sua participação o Sr (a) desistir de continuar participando, tem o direito e a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, seja antes ou depois da coleta dos dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa. O (a) Sr (a) não terá nenhuma despesa e também não receberá nenhuma remuneração. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo. Se você decidir integrar este estudo, você participará de uma entrevista em grupo e/ou de uma entrevista individual que durará aproximadamente 1 hora, bem como utilizaremos seu trabalho final como parte do objeto de pesquisa. Caso o Sr (a) autorize a entrevista será gravada em áudio. A gravação será ouvida pela pesquisadora e por uma entrevistadora assistente da pesquisa e será marcada com um número de identificação durante a gravação e seu nome não será utilizado. O documento que contém a informação sobre a correspondência entre números e nomes permanecerá trancado em um arquivo. As gravações serão utilizadas somente para coleta de dados Você pode achar que determinadas perguntas incomodam a você por serem perguntas do seu cotidiano profissional. Assim você pode escolher não responder quaisquer perguntas que o façam sentir-se incomodado. A pesquisa não oferece nenhum risco à sua saúde física. Se você aceitar participar estará contribuindo para a produção teórica acerca da temática da Integralidade em Saúde, um dos princípios do Sistema Único de Saúde, e o Trabalho do Assistente Social, que pode servir de orientação para demais pesquisas e para 64 reflexão sobre a política de saúde na atualidade enfrentando a problemática tanto do acesso aos equipamentos de saúde, quanto à própria objetivação da vida social e também futuramente servir de base para pensar dentro do Sistema Único de Saúde a plena efetivação desse princípio. Como foi dito acima, seu nome não aparecerá nas gravações, bem como em nenhum formulário a ser preenchido por nós. Nenhuma publicação partindo destas entrevistas revelará os nomes de quaisquer participantes da pesquisa. Sem seu consentimento escrito, os pesquisadores não divulgarão nenhum dado de pesquisa no qual você seja identificado. Esta pesquisa está sendo realizada Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO através do curso de graduação em Serviço Social sendo a pesquisadora principal Profª Drª Janaina Bilate tendo como assistente a aluna Renata de Sá Costa, que coletará os dados em seu campo de estágio, o Instituto Nacional de Cardiologia. As investigadoras estão disponíveis para responder a qualquer dúvida que você tenha. O (a) Sr (a) poderá entrar em contato com a pesquisadora na UNIRIO e pelo telefone (21) 2542-8331. Eu concordo em participar deste estudo. Assinatura: ____________________________________________________________________ Data: _____________________ Telefone de contato _______________________________________________________ Assinatura (Pesquisador): __________________________________________________________________________ Nome:_____________________________________________________________________ Data: ______________