Considerações sobre o Dimensionamento de Blocos sobre Estacas com o Uso do Método das Bielas e Tirantes 1 Eduardo Thomaz1, Luiz Carneiro2 Instituto Militar de Engenharia / Seção de Enga de Fortificação e Construção / [email protected] 2 Instituto Militar de Engenharia / Seção de Enga de Fortificação e Construção / [email protected] Resumo Este trabalho tem por objetivo apresentar considerações sobre o dimensionamento de blocos de concreto armado sobre estacas por meio do método das bielas e tirantes. São mostradas formulações para cálculo das forças internas em blocos de concreto sobre duas, três ou quatro estacas. Valores limites para tensão nas bielas de concreto de diferentes tipos de nós no conjunto bloco-estaca são listados e comparados aos das normas ABNT NBR 6118 (2014) e DIN 1045 (2000) e dos estudos de BLÉVOT (1957) e de BLÉVOT e FRÉMY (1967). Concluiu-se que a formulação de BLÉVOT e FRÉMY (1967) para tensão resistente máxima de cálculo nas bielas de concreto é a mais conservadora entre as demais propostas. Palavras-chave Dimensionamento; Blocos sobre estacas; Forças internas; Armaduras internas; Método das bielas e tirantes. Introdução BLÉVOT (1957) publicou resultados de um estudo preliminar sobre ensaios de blocos sobre 3 e 4 estacas de concreto armado com diferentes configurações de armadura interna, cujo objetivo era definir experimentalmente a validade do método das bielas. Os resultados mostraram que, para o método das bielas, a adoção do ângulo de inclinação da biela de concreto com relação ao eixo horizontal do bloco (θ) próximo a 45o levou a coeficientes de segurança adequados, enquanto ao se admitir θ diferente de 45o, coeficientes de segurança reduzidos. Mais tarde, BLÉVOT e FRÉMY (1967) publicaram os resultados finais sobre sua pesquisa, que tratou também de ensaios de blocos sobre 2 estacas de concreto armado com diferentes configurações de armadura interna. Foram feitas sugestões para o cálculo e o detalhamento das armaduras dos blocos. Atualmente esse conceito sobre bielas e tirantes continua sendo usado e pesquisado após as contribuições de SCHLAICH (1988, 1989). A seguir apresentam-se alguns detalhes sobre as pesquisas precursoras de BLÉVOT (1957) e BLÉVOT e FRÉMY (1967), incluindo formulações para avaliação da força na armadura interna e da tensão biela de concreto nos estados de serviço e último em blocos sobre 2, 3 ou 4 estacas, além de recomendações das normas ABNT NBR 6118 (2014) e DIN 1045 (2000). Estudos de BLÉVOT (1957) e de BLÉVOT e FRÉMY (1967) Esses pesquisadores desenvolveram um programa experimental que contemplou a elaboração e o ensaio de blocos de concreto armado sobre 2, 3 ou 4 estacas com diferentes dimensões e configuração de armadura interna. Um desenho esquemático dos tipos de blocos sobre estacas ensaiados pelos autores, onde neles pode-se observar as direções das forças para bielas de concreto e tirantes da armadura na Figura 1. Vista de perfil Vista de corte Bloco sobre 2 estacas Bloco sobre 3 estacas Bloco sobre 4 estacas Figura 1 – Detalhe dos blocos sobre estacas ensaiados por BLÉVOT e FÉRMY (1967). A Figura 2 esquematiza a configuração da armadura interna dos blocos de concreto armado sobre 2, 3 ou 4 estacas ensaiados por BLÉVOT (1957) e BLÉVOT e FRÉMY (1967). pilar e estacas: seção quadrada de 350 mm de lado bloco: 400 mm de largura e altura variável (550 mm, 750 mm e 950 mm) barras lisas com ganchos inclinação da biela de concreto: variável (45o, 50o e 60o) barras com saliencies sem ganchos blocos sobre 2 estacas (cotas em cm) blocos sobre 3 estacas blocos sobre 4 estacas Figura 2 – Esquema da armadura interna dos blocos sobre estacas ensaiados por BLÉVOT e FÉRMY (1967). Na Figura 3 pode-se observar as demarcações da região de formação das bielas de concreto ao longo a altura do bloco, de acordo com as propostas de BLEVOT (1957) e SCHLAICH (1988, 1989). Verifica-se nessa figura que as bielas propostas por BLEVOT (1957) partem do semi-eixo do pilar na região superior do bloco para cada estaca na região inferior do bloco, ao passo que as bielas propostas por SCHLAICH (1988, 1989) iniciam-se a partir de toda a largura do pilar e terminam em cada estaca. Por conta disto, há a formação de uma cunha comprimida na parte superior do bloco na região próxima ao pilar, o que leva ao aumento da resistência do concreto à compressão nesta região devido ao confinamento do concreto. Constata-se que, para blocos iguais com mesmo carregamento, a tensão na biela de concreto junto ao pilar, segundo a proposta de BLEVOT (1957), é maior que a proposta por SCHLAICH (1988, 1989), pois a área de contato entre o bloco e o pilar na região de formação das bielas de concreto, admitida por BLEVOT (1957) é menor que a adotada por SCHLAICH (1988, 1989). Proposta de BLEVOT (1957) Proposta de SCHLAICH (1988, 1989) Figura 3 – Detalhe das bielas de concreto segundo BLEVOT (1957) e SCHLAICH (1988, 1989). A partir dos resultados dos ensaios e com o uso de formulações, os autores determinaram, em serviço e na ruptura, a relação (σcbpilar/fcm) entre a tensão calculada na biela junto ao pilar (σcbpilar) e a resistência média do concreto à compressão a partir de cilindros de concreto (fcm). A expressão da tensão σcbpilar (v. Equação 1), usada por BLÉVOT e FRÉMY (1967), supõe que a seção transversal do pilar é subdividida em n sub-áreas iguais e que, do centro de cada uma destas n sub-áreas, parte uma biela em direção a cada uma das n estacas. Essa consideração não é exata, sendo apenas uma simplificação para a obtenção da inclinação da biela. N σ cbpilar = (1) S p .sen2θ sendo N e Sp a carga e a área da seção transversal do pilar. A Equação 2 apresenta o valor da tensão na biela de concreto junto à estaca σcbestaca, proposta por BLÉVOT e FRÉMY (1967). N σ cbestaca = (2) n.Se .sen2θ sendo n o número de estacas e Se a carga e a área da seção transversal da estaca. As Equações 3 a 5 expressam os valores de esforço de tração ao longo da armadura interna do bloco, propostos por BLÉVOT e FRÉMY (1967), para os casos de blocos sobre 2, 3 ou 4 estacas. Ν a (3) Τ= L − 4d 2 para blocos sobre 2 estacas; Ν Τ= L 3 − 0 ,9a (4) 9d para blocos sobre 3 estacas; Ν 2 a (5) Τ= L − 2 8d para blocos sobre 4 estacas. ( ) As Figuras 4 e 5 apresentam os valores de tensão relativa calculados na armadura interna (σs/fst) e de tensão relativa (σcbpilar/fcm), oriundos dos ensaios de ruptura em 84 blocos sobre 2, 3 ou 4 estacas ensaiados por BLÉVOT e FRÉMY (1967), que apresentaram ruptura das bielas de concreto. Observa-se que a tensão σcbpilar é maior que fcm. A maioria dos blocos (71 dos 84) não apresentou ruptura da armadura interna e, em todos os blocos, a tensão σcbpilar foi em pelo menos 25% superior ao valor de fcm. Figura 4 – Valores de tensão relativa na armadura interna blocos sobre estacas ensaiados por BLÉVOT e FÉRMY (1967) com ruptura da biela de concreto. Figura 5 – Valores de tensão relativa nas bielas de concreto junto ao pilar dos blocos sobre estacas ensaiados por BLÉVOT e FÉRMY (1967) com ruptura da biela de concreto. Os valores de tensão relativa (σs/fst) e (σcbpilar/fcm) oriundos dos ensaios de ruptura em 28 blocos sobre 2, 3 ou 4 estacas ensaiados por BLÉVOT e FRÉMY (1967), que apresentaram ruptura da armadura interna, podem ser vistos na Figura 6. Nota-se que a maioria dos blocos (17 dos 28) apresentou ruptura da armadura interna, pois σs ≥ fst. Os valores de σcbpilar foram superiores aos valores fcm na maioria dos blocos. Figura 6 – Valores de tensão relativa na armadura interna e nas bielas de concreto junto ao pilar dos blocos sobre estacas ensaiados por BLÉVOT e FÉRMY (1967) com ruptura da armadura interna. Os valores sugeridos por BLÉVOT e FÉRMY (1967) para σcb/fcm, no estado de utilização em serviço, dos blocos sobre 2, 3 ou 4 estacas foram iguais a 0,60, 0,75 e 0,90, respectivamente. Nos blocos sobre 2 estacas, o estado de tensões nas bielas se aproxima ao de um estado plano de tensões, o que leva a um valor para σcb/fcm mais rigoroso. Na região próxima do pilar, forma-se no bloco uma cunha comprimida bidimensional (estado plano de tensões), para caso de 2 estacas, ou tridimensional (estado triplo de tensões), para caso de 3 ou mais estacas. A resistência à compressão da cunha bidimensional é um pouco maior que a resistência à compressão uniaxial do concreto, enquanto a da cunha tridimensional, bem maior. Isto não foi explicado no trabalho de BLÉVOT e FRÉMY (1967). A Figura 7 reúne os valores da tensão relativa σcbpilar/fcm oriundos dos ensaios de ruptura em 12 blocos sobre 2 estacas realizados por BLÉVOT e FRÉMY (1967), que apresentaram ruptura das bielas de concreto. Nota-se que todos os blocos apresentaram tensão σcbpilar maior ou igual ao valor de fcm. Recomendou-se, para em serviço, o valor de 0,6 para a tensão relativa σcbpilar/fcm. Figura 7 – Valores de tensão relativa nas bielas de concreto junto ao pilar dos blocos sobre 2 estacas ensaiados por BLÉVOT e FÉRMY (1967) com ruptura da biela de concreto. Os valores de tensão relativa σcbpilar/fcm oriundos dos ensaios de ruptura em 43 blocos sobre 3 estacas ensaiados por BLÉVOT e FRÉMY (1967), que apresentaram ruptura das bielas de concreto, podem ser vistos na Figura 8. Nota-se que todos os blocos apresentaram tensão σcbpilar maior que 150% do valor de fcm. Recomendou-se, para em serviço, o valor de 0,75 para a tensão relativa σcbpilar/fcm. A Figura 9 mostra os valores de tensão relativa σcbpilar/fcm oriundos dos ensaios de ruptura em 56 blocos sobre 4 estacas ensaiados por BLÉVOT e FRÉMY (1967), que apresentaram ruptura das bielas de concreto, podem ser vistos na. Nota-se que todos os blocos apresentaram tensão σcbpilar maior que 150% do valor de fcm. Sugeriu-se, para em serviço, o valor de 0,90 para a tensão relativa σcbpilar/fcm. Segundo a norma ABNT NBR 6118 (2014), os valores de tensão resistente máxima de cálculo fcbdi na biela de concreto em verificações pelo método de bielas e tirantes são: f cbd1 = 0 ,85α v 2 f cd (6) para regiões com tensões de compressão transversal ou sem tensões de tração transversal e em nós onde confluem somente bielas de compressão (nós CCC), onde αv2 = 1 - fck/250, com fck (resistência característica do concreto à compressão) em MPa e fcd = fck / γc , sendo γc o coeficiente de ponderação da resistência do concreto; (7) f cbd2 = 0 ,60α v 2 f cd para regiões com tensões de tração transversal e em nós onde confluem dois ou mais tirantes tracionados (nós CTT ou TTT); f cbd2 = 0 ,72α v 2 f cd (8) para nós onde conflui um tirante tracionado (nós CCT). Figura 8 – Valores de tensão relativa nas bielas de concreto junto ao pilar dos blocos sobre 3 estacas ensaiados por BLÉVOT e FÉRMY (1967) com ruptura da biela de concreto. Figura 9 – Valores de tensão relativa nas bielas de concreto junto ao pilar dos blocos sobre 4 estacas ensaiados por BLÉVOT e FÉRMY (1967) com ruptura da biela de concreto. No estudo de THOMAZ e CARNEIRO (2010), há sugestões (v. Equações 12 a 14) para valores de tensão resistente máxima de cálculo, em verificações pelo método de bielas e tirantes, oriundas da experiência profissional do primeiro autor deste trabalho. f cbd1 = 1,00 f cd (12) para regiões com tensões de compressão transversal ou sem tensões de tração transversal e em nós onde confluem somente bielas de compressão (nós CCC); f cbd2 = 0,60 f cd (13) para regiões com tensões de tração transversal e em nós onde confluem dois ou mais tirantes tracionados (nós CTT ou TTT); (14) f cbd2 = 0,75 f cd para nós onde conflui um tirante tracionado (nós CCT). A Tabela 1 apresenta os resultados para valores de tensão resistente máxima de cálculo na biela de concreto segundo BLÉVOT e FRÉMY (1967), a norma ABNT NBR 6118 (2014), a norma DIN 1045 (2000) e THOMAZ e CARNEIRO (2010), admitindo-se um concreto com resistência fck = 30 MPa. Para todas as formulações, considerou-se fcd = fck/1,4. Tabela 1 – Valores de tensão resistente máxima de cálculo na biela de concreto segundo diferentes autores. Nó CCC Nó CCT Autor pilar σcb (MPa) σcbestaca (MPa) BLÉVOT e FRÉMY (1967) 12,9 a 19,3 12,9 a 19,3 ABNT NBR 6118 (2014) 16,0 13,6 DIN 1045 (2000) 23,6 17,1 THOMAZ e CARNEIRO (2010) 21,4 16,1 Nota-se dessa tabela que a formulação de BLÉVOT e FRÉMY (1967) conduz a valores de tensão resistente máxima de cálculo na biela de concreto menores que os dos outros autores. Também ressalta-se que o estudo de BLÉVOT e FRÉMY (1967) é o único que especifica esses valores em função do número de estacas sob o bloco de concreto armado. Conclusões Este trabalho apresentou comentários sobre as pesquisas de BLÉVOT (1957) e BLÉVOT e FRÉMY (1967) a respeito de formulações para cálculo das forças internas e valores limites para tensão nas bielas de concreto de diferentes tipos de nós no conjunto bloco-estaca em blocos de concreto sobre duas, três ou quatro estacas. A partir desses comentários, são apresentadas as seguintes conclusões: - BLÉVOT e FRÉMY (1967) apresentaram uma forma de biela diferente da de uma adotada no cálculo prático; - a formulação de BLÉVOT e FRÉMY (1967) para a avaliação da tensão na biela de concreto junto do pilar é conservadora, enquanto a para avaliação da força na armadura interna, é precisa; - os ensaios de BLÉVOT e FRÉMY (1967) mostraram que a tensão na biela de concreto é maior que a resistência medida em corpos de prova de concreto cilíndricos; - nos blocos que apresentaram somente ruptura das bielas de concreto, as tensões nas armaduras calculadas por BLÉVOT e FRÉMY (1967) foram cerca de 93% da tensão de ruptura do aço, obtida a partir de ensaio de tração uniaxial do aço; - os valores de tensão nas armaduras, nos blocos que apresentaram ruptura nas armaduras de aço, foram em média iguais ao valor da resistência à ruptura do aço, obtido a partir de ensaio de tração uniaxial do aço, enquanto os valores de tensão nas bielas de concreto, em torno de 10% maiores que a resistência fcm; - as formulações de BLÉVOT e FRÉMY (1967) não consideraram o efeito da maior resistência do concreto à compressão quando em um estado triplo de compressão e também desprezaram o efeito das armaduras internas do pilar e das estacas. Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, ABNT. Projeto de estruturas de concreto – Procedimento, NBR 6118. Rio de Janeiro, ABNT, 2014. DIN 1045. German code for the design of concrete structures. Beton Kalender, 2000. BLEVOT, J. Semelles en béton armé. Annales de L`Institut Technique Du Bâtiment et des Travaux Publics, Paris, v. 10, n. 111, 112, 1957. BLEVOT, J.; FREMY, R. Semelles sur pieux. Annales de L`Institut Technique Du Bâtiment et des Travaux Publics, Paris, v. 20, n. 230, p. 224-273, 1967. SCHLAICH, J.; SCHAEFER, K. Konstruiren im Stahlbetonbau. Beton-Kalender, 1988. SCHLAICH, J.; SCHAEFER, K. Konstruiren im Stahlbetonbau. Beton-Kalender, 1989. THOMAZ, E. C. S.; CARNEIRO, L. A. V. Considerações sobre o dimensionamento de vigas paredes de concreto com o uso do método das bielas e tirantes. In: Anais do 52o Congresso Brasileiro do Concreto, Fortaleza, 2010.