Compondo e (en)cantando a vida

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COMPONDO E (EN)CANTANDO A VIDA 1
Misael Eurico Assmann 2
Neste texto, descrevo uma das minhas experiências em educação musical, com
estudantes de 1ª e 2ª séries do ensino médio da Escola Estadual de Educação Básica
Francisco Brochado da Rocha (CIEP), de São Sepé, RS, no período de 2002 até a
presente data.
Experiência Educativa:
Um dos pontos de partida possíveis para as aulas de música com estudantes do
ensino médio, dos quais a ampla maioria não teve uma iniciação musical no ensino
fundamental, é o aproveitamento do conteúdo estudado em outras disciplinas da grade
curricular básica da escola regular e, também, a vivência musical fora da escola.
A partir desse pressuposto, surgiu a ideia de trabalhar a composição musical,
partindo da produção textual dos próprios estudantes, mais especificamente, das suas
poesias e poemas, que, por terem uma estrutura métrica pré-definida, facilitam a
posterior criação da estrutura musical.
Para a elaboração dessas poesias e/ou poemas, por vezes, há a colaboração de
outros professores (por exemplo, de Língua Portuguesa e Literatura), através de
planejamentos interdisciplinares. Em outras vezes, as letras são desenvolvidas apenas na
disciplina Música.
Após a criação da letra, começa a criação musical propriamente dita. Para tanto,
os estudantes são orientados a seguirem alguns passos, exemplificados durante a
explicação da tarefa por meio de uma criação coletiva (interativa):
1
Relato de experiência publicado no livro AULAS DE MÚSICAS: narrativas de professores numa
perspectiva (auto) biográfica (Pag. 59-62) / organização Ana Lúcia M. Louro, Ziliane L. O. Teixeira,
Mariane M. Rapôso. – 1. ed. – Curitiba, PR: CRV, 2014. (ISBN: 97-885-8042-868-1)
2
Graduado em Música, Licenciatura Plena e Bacharelado em Percussão, ambos os cursos realizados na
Universidade Federal de Santa Maria. Desde 2002 é professor na Escola Estadual de Educação Básica
Francisco Brochado da Rocha (CIEP), do município de São Sepé-RS, e, desde 2007 é professor também
na Escola Municipal de Artes Eduardo Trevisan (EMAET), do município de Santa Maria-RS. Nestas
escolas, leciona música, rege corais e bandas marciais.
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Primeiramente, são incentivados a marcarem uma pulsação, e, a partir desta,
lerem os versos de maneiras diversas: “brincando” com o tempo e com o andamento
(lendo de forma rápida, lenta, pausada, prolongando algumas sílabas, acelerando outras,
fazendo elisões, etc.); “brincando” com a entonação (explorando sons graves, médios e
agudos). Enfim, são incentivados a manipular a letra criada, juntamente com alguns
elementos musicais básicos, até chegarem a uma melodia inicial, que logo passa a ser
por eles melhorada até ficar do jeito que desejam.
Criadas as melodias, estas são apresentadas perante a turma, e gravadas (para
que não se perca a originalidade das ideias musicais).
Depois disso, são escolhidas algumas delas, para, no contraturno3, serem criados
os arranjos de acompanhamento instrumental.
Algumas destas canções vêm fazendo parte do repertório utilizado pelos
estudantes em apresentações musicais no âmbito escolar, bem como em programações
culturais de eventos municipais e regionais. Além disso, há ainda a intenção de se
gravar um CD com as principais composições, escolhidas dentre as mais de quinhentas
já criadas.
É importante salientar que, antes de se chegar ao estágio em que os estudantes
compõem individualmente a sua música e a apresentam, é realizado um trabalho ao
longo do 1º e 2º ano do ensino médio, por meio de exercícios e atividades preparatórias:
Além de uma espécie de preparação psicológica, que visa o desenvolvimento
emocional, também é realizado um sistemático desenvolvimento de conteúdos:
primeiramente, recebem aulas de canto; depois, ao adquirirem confiança, em grupos,
escolhem algumas músicas da sua preferência para apresentarem diante da turma; em
seguida, passam um tempo criando e apresentando paródias, e, na sequência, pequenos
“jingles” e “RAP’s”. Assim, quando lhes é pedido para individualmente comporem uma
música com letra e melodia inéditas, eles já estão preparados para realizar a tarefa.
3
Vale ressaltar que no contraturno é oferecido aos estudantes a participação voluntária na oficina de
violão, no coral e na banda marcial, possibilitando, assim, que eles aprendam a cantar e tocar alguns
instrumentos musicais. Porém, essas atividades só acontecem mediante aprovação de projeto junto à
Coordenadoria Regional e Secretaria Estadual de Educação. Dessa forma, fica-se na dependência da
vontade política dos governantes, que, de acordo com seus interesses, aprovam ou não aprovam o projeto.
[Para constar: em 2013, completaram-se seis anos de restrições, e isso, no mínimo, é uma grande
contradição, pois esse mesmo projeto, intitulado Música no CIEP, enquanto funcionava na íntegra foi por
duas vezes consecutivas (em 2007 e 2008) finalista nacional no Prêmio Arte na Escola Cidadã.]
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Num primeiro momento, para tornar as atividades mais atrativas, resolveu-se
elaborar a proposta partindo da prática, ficando a teoria musical em segundo plano,
visto que o objetivo principal não é formar músicos profissionais, e, sim, oportunizar
aprendizagem musical a todos, utilizando uma metodologia de criação musical lúdica,
que invista na autoestima e/ou motivação e na desmitificação do fazer artístico, assim,
seduzindo-os para o fazer musical.
A ideia vem funcionando muito bem: é possível desafiar as supostas
“limitações” dos estudantes. E, eles gostam disso! A ponto de realizarem trabalhos
ótimos, dos quais muito se orgulham (conforme relatos colhidos).
Um importante diferencial que se propõe é a aproximação da música popular
e/ou da música aprendida de forma informal com a educação musical formal.
Assim, o que se busca são alternativas para tornar viável, acessível, e,
principalmente, menos mitológico, o trabalho com a composição musical nas salas de
aula do ensino regular, com adolescentes – a maioria absoluta “não músicos”.
Sendo as letras criadas a partir de temas de livre escolha, o que resulta na
abordagem de questões que a eles muito interessam (amor, amizade, paixões, dia-a-dia,
etc.), e, juntando-se isso com a expressividade da linguagem musical, é possível
trabalhar com “o lado humano do ser” (os valores, os comportamentos e o emocional
humano), o que geralmente é esquecido quando as escolas elaboram propostas
pedagógicas voltadas apenas para o vestibular ou ao mercado de trabalho.
Não faltarão exemplos, nessas escolas, onde professores que poderiam fazer um
excelente trabalho são quase que “obrigados” (?!) a deixar as belezas do mundo e as
essências da natureza humana de lado com o objetivo de vencer conteúdo, para que o
estudante passe no vestibular, ou consiga seu lugar no mercado de trabalho. Não que
isso não seja importante, mas, o aspecto existencial, com certeza, também é!
Felizmente, na instituição onde são desenvolvidas as atividades do presente
relato há uma boa compreensão sobre esse assunto: busca-se um equilíbrio entre todas
essas possibilidades.
Perceba-se que a metodologia adotada extrapola os limites do conteúdo musical
e oportuniza uma forma sadia de se abordar temas que estão em primeiro plano entre a
maioria dos adolescentes e jovens. Afinal, nesta idade, eles estão descobrindo a
sexualidade, as paixões, as perdas amorosas, a necessidade de autoafirmação e
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autoconhecimento, a busca incessante por seu lugar na sociedade e pela compreensão do
mundo, etc.
Mediante essa proposta, os estudantes passam a ter à sua disposição uma
maneira e um espaço para expressar os seus sentimentos, problemas, angústias, medos,
etc. e acabam vendo o professor como uma pessoa em quem podem confiar (um
amigo!), “baixando a guarda”, o que colabora para o bom andamento da aula,
nivelando a aprendizagem e o rendimento escolar por cima.
Inclusive, acontecem aprendizados que poucas vezes se imaginaria que
pudessem acontecer em sala de aula.
Depois que adquirem confiança, os estudantes manifestam uma enorme vontade
de mostrar o que criaram. Tanto que chegam a competir para serem os primeiros a se
apresentar!
Até mesmo os mais tímidos e os mais rebeldes (muitas vezes incompreendidos e
apenas vistos como “indisciplinados”) se dispõem a expor suas ideias e seus
sentimentos através da música.
Essas composições musicais têm alma!... É como se cada uma delas fosse o
reflexo de quem a criou, pois, em grande parte, são histórias reais, vividas por eles e
passadas para o papel, enfim, para a música.
Trabalhando-se desta forma, tem-se observado também, por parte de alguns,
uma grande motivação para aprender a cantar ou tocar algum instrumento musical (o
que mais uma vez atende ao objetivo proposto inicialmente). Quando chegam a este
ponto, eles estão aptos a receberem as informações técnicas e teóricas que não haviam
sido aprofundadas anteriormente.4
Finalizando, quero dizer que não há palavras para explicar o brilho de satisfação
no olhar daquela pessoa que conseguiu se superar e fazer algo grandioso, como por
exemplo, sua própria composição musical, ou o protagonismo em uma apresentação.
Ainda mais quando essa pessoa é aquela mesma que antes, “rebelde”, olhava com ar
desconfiado. Esses mesmos olhos, brilhando agradecem pelos desafios propostos. Por
isso, jamais podemos subestimar nossos educandos, e, sim, devemos acreditar na sua
capacidade criativa como fator essencial para a superação dos seus supostos “limites”!
4
Para que isso possa acontecer, reforça-se a necessidade das atividades musicais específicas no
contraturno (oficinas e grupos musicais).
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