PLANTAS MEDICINAIS: o uso popular e a identificação botânica Kyrlah Jeronymo de Moraes 1 Fernanda Cristina Silva Cardoso Cerqueira 2 RESUMO: As plantas medicinais são espécies vegetais com propósitos terapêuticos. A OMS recomenda seu uso, desde que submetidas a estudos e tenham garantia de qualidade, segurança e eficácia. O uso tradicional encontra no Brasil uma grande parcela da população favorável a essa opção terapêutica. A aquisição dessas plantas e muito comum em lojas de ervas (ervanárias), onde são embaladas sem muita informação de origem. A identificação da espécie e uma garantia de autenticidade, assim como a parte da planta e a forma de preparo para o uso racional. A pesquisa realizada em uma ervanaria da cidade de Belo Horizonte teve como objetivo identificar as plantas medicinais solicitadas para tratamento de algum problema de saúde e avaliar as informações contidas nas embalagens. PALAVRAS-CHAVE: plantas medicinais; identificação botânica; segurança e eficácia de fitoterapicos. INTRODUÇÃO clínicos. Enquanto para plantas medicinais, é estabelecido A grande diversidade de plantas atualmente conhecidas e que sejam espécies vegetais capazes de aliviar ou curar en- utilizadas pelo homem é resultante da coevolução ocorrida du- fermidades, ou seja, tenham fins terapêuticos (NICOLETTI et rante milênios, entre as populações nativas de todo o mundo e al, 2007; BRASIL, 2010). as diferentes formas com que estes se utilizaram, neste largo Atualmente a Organização Mundial de Saúde - OMS - con- período, das espécies vegetais, suprindo necessidades alimen- sidera fundamental que se realizem investigações experimentais tícias, industriais, medicas ou mesmo ritualísticas. Em meio a de validação acerca das plantas utilizadas para fins medicinais e esta inter-relação dinâmica, o homem aprendeu a curar suas en- de seus princípios ativos, para garantir sua eficácia e segurança fermidades e a tornar mais rica a sua alimentação (ALBUQUER- terapêutica. QUE, 2002; MIGUEL & MIGUEL,1999). A prática da fitoterapia segura encontra aqui, no entanto, No Brasil, detentor de uma das maiores biodiversidades uma série de dificuldades que vão desde a identificação botâ- do planeta, a medicina popular e o conhecimento específico nica e fitoquímica, já que as plantas geralmente apresentando sobre o uso de plantas são os resultados de uma série de muitos nomes vulgares, correspondendo a espécies totalmente influências culturais, como a dos colonizadores europeus, diferentes, causando confusão e dificultando o seu estudo, à dos indígenas e dos africanos (AQUINO et al, 2007). Esse inexistência de estudos sobre a necessidade, segurança e efi- uso tradicional é mostrado em registros históricos, como a cácia de grande parte das plantas (CALIXTO & YUNES, 2001, embaiba (Cecropia pachystachya Trecul) e copaíba (Copai- 2001; ROCHA et al, 2006). fera spp.) que são plantas nativas usadas no passado, mas Neste contexto, o profissional da área, como o farmacêu- atualmente raras são as pessoas que realmente conhecem tico, pode desempenhar papel fundamental, recolhendo da- e aproveitam seus benefícios medicinais (BRANDAO & AL- dos junto a população sobre a utilização, forma de uso, dose MEIDA, 2011). preconizada e indicação terapêutica. Investigações nessa O uso de plantas medicinais é equivocadamente en­ área têm contribuído, entre outros aspectos, para o manejo e tendido, pela população de uma maneira geral, como o em­ conservação dos recursos naturais e para o conhecimento da prego de fitoterapia. Segundo conceito da Agência Nacional diversidade de plantas economicamente importante em seus de Vigilância Sanitária, o medicamento fitoterápico é obti­do, respectivos ecossistemas (ALBUQUERQUE, 2002; SIMÕES et através do emprego exclusivo de matérias-primas vege­tais, al, 1998). sendo caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos O objetivo deste trabalho foi identificar as plantas medici- riscos de seu uso. Sua eficácia e segurança são validadas, nais solicitadas para tratamento de algum problema de saúde e através de levantamentos etnofarmacológicos de utilização, avaliar as informações contidas nas embalagens em um comér- documentações tecnocientíficas em publicações ou ensaios cio de plantas medicinais de Belo Horizonte – MG. 242 | PÓS EM REVISTA MATERIAL E MÉTODOS naturais e, portanto, “inócuas”. Assim, podemos supor que os Foi desenvolvido um questionário semi-estruturado sobre o motivos na busca dessa terapia poderia ser o forte interesse e perfil demográfico (sexo, idade, escolaridade), e o histórico de tradição de uso pela maior parte da população brasileira. utilização de plantas medicinais. Esse questionário foi aplicado Foram feitas trinta e três (33) citações totalizando vinte e sete para dezoito (18) indivíduos aleatoriamente na loja de ervas me- (27) plantas medicinais (Tabela 1), distribuídas em vinte (20) fa- dicinais localizada à Av. Augusto de Lima 744 (Mercado Cen- mílias, utilizadas para tratar dos problemas de saúde atuais dos tral) no centro de Belo Horizonte - MG. Utilizou-se como critério entrevistados. As plantas medicinais citadas pelos entrevistados de inclusão idade acima de 18 anos, não havendo restrições e comercializadas na loja de ervas apresentavam-se secas e em o uso ou não das plantas medicinais para fins terapêuticos, e embalagens identificadas com o nome popular. De acordo com relações quanto a sexo, cor ou grupo social. Os sujeitos partici- a analise das embalagens, apenas 37,03% (10) apresentou na pantes desta pesquisa assinaram um termo de consentimento rotulagem a descrição da espécie vegetal, descrita pelo gênero livre e esclarecido, submetido e aprovado pelo Comitê de Ética mais epíteto especifico: Bowdichia major, Echinodorus gran- em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Newton Paiva. Após diflorus, Maytenus ilicifolia, Cordia verbenacea, Cynara scoly- a coleta de dados, foi analisado o perfil sócio demográfico e mus L, Ginkgo biloba L, Rosmarinus officinalis, Salvia officina- as informações sobre o conhecimento de plantas medicinais. lis L., Endopleura uchi, Uncaria tomentosa Willd. As embalagens das plantas citadas foram analisadas sobre os aspectos legais. Tabela 1 – Plantas medicinais citadas pelos usuários para o tratamento de problemas de saúde, de acordo com as embalagens RESULTADOS E DISCUSSÃO adquiridas. O perfil dos entrevistados foi de 66,66% (12) pertencentes ao sexo feminino. Destes, 11,11% (2) incluem-se na faixa etária de 18-25 anos, 44,44% (8) na faixa de 26-40 anos, 33,33% (6) na idade de 41- 59 anos e 11,11% (2) com idade acima de 60 anos. Em relação á escolaridade 22,22% (4) possuía o ensino fundamental, 38,88% (7) ensino médio, 33,33% (6) ensino superior e 5,55% (1) nunca estudaram. Esses dados aproximam-se da maioria dos estudos de conhecimento e utilização de plantas medicinais que descreve as mulheres como mais cuidadosas com a saúde e conhecedoras das informações culturais (RAMOS, SOLEDADE, BAPTISTA, 2011; LEITE et al, 2008). Segundo a OMS, 80% da população mundial utilizam plantas medicinais ou preparações destas, no que se refere à atenção primária de saúde, pois não possuem acesso á esse atendimento, por encontrar-se longe dos centros de saúde, ou por não possuir poder aquisitivo que permita tal atendimento (NICOLETTI, 2009). Dos entrevistados nessa pesquisa 83,33% (15) responderam que utilizam plantas medicinais para tratar de problemas de saúde, porem os motivos citados pela OMS não poderiam justificar essa procura, visto por exemplo que essas pessoas encontram-se num grande centro, portanto tendo acesso mais fácil a serviços de saúde. NAVARRO (2000) cita que parte da sociedade utiliza de plantas medicinais por dois motivos: as plantas medicinais são contempladas como remédios caseiros, utilizadas sem prescrição ou consentimento de um profissional habilitado; e se encontram isentas de possíveis efeitos secundários e incompatibilidades, posto que se tratam de substâncias PÓS EM REVISTA l 243 Se essas plantas possuem o propósito medicinal, deve- O uso das plantas e seus derivados levam muitas vezes á riam ser diferenciadas dos chamados chás, definidos pela RDC substituição por conta própria, do atendimento médico, e por n.277/2005 como “produto constituído de uma ou mais parte de sua vez, da terapêutica adequada, como detectado na pesqui- espécie (s) vegetal (is) inteira (s), fragmentada (s) ou moída(s), sa. Os riscos de intoxicação, contaminação microbiológica e .... pode ser adicionado aroma e ou especiaria para conferir aro- agravamento dos estados patológicos, se oportunizam quando ma ou sabor” (BRASIL, 2005), ou seja, não possuem alegação não ocorrem atendimentos médico e farmacêutico adequado terapêutica. Sendo assim, o melhor conceito seria dado por ou- (MIGUEL & MIGUEL,1999). Segundo registro de intoxicações tra resolução, RDC n.14 de 2010, onde se considera planta me- humanas apresentadas pelo Sistema Nacional de Informações dicinal como droga vegetal: Tóxico-Farmacológicas, as plantas representaram 1, 47% das Droga vegetal e uma planta medicinal, ou suas partes, causas mais citadas como agente causador (BRASIL, 2012), o que contenham as substancias, ou classes de substan- número de adultos e crianças, vítimas de intoxicações pelo uso cias, responsáveis pela ação terapêutica, após proces- indevido de plantas medicinais e medicamentos, tem aumenta- sos de coleta, estabilização, quando aplicável, seca- do muito nos últimos anos, mostrando ser risco para a saúde gem, podendo estar na forma integra, rasurada, triturada pública. A falsa concepção de que “medicamento natural, ou pulverizada (BRASIL, 2010). se não fizer bem, mal não faz” e literaturas promocionais que resultam em informações de baixa qualidade, dentre outros, contribui muito para o aumento das estatísticas de intoxicação (NICOLETTI et al, 2007; RATES, 2001). Sendo assim, as plantas comercializadas deveriam conter as seguintes informações técnicas nas embalagens: nomenclatura botânica completa, parte da planta utilizada, data e local de coleta, modo de preparo e responsável. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os fatores determinantes para alcançar o efeito terapêutico Várias plantas medicinais são utilizadas para tratamento desejado são eficácia, segurança e qualidade, e esses requi- de inúmeras patologias, e adquiridos em mercados e ervaná- sitos devem ser aplicados também para o uso de plantas me- rias. Para que os usuários dessa opção terapêutica tenham o dicinais (NAVARRO, 2000). Essa falta da descrição correta das mínimo de qualidade para obterem eficácia e segurança no espécies pode ter como uma das causas a grande variedade e tratamento aos agravos a saúde, o primeiro passo deve ser dificuldade de identificação das espécies nativas, pois aquelas a identificação correta, no caso o nome botânico, da planta identificadas tratam-se de espécies exóticas, na sua maioria. medicinal que na grande maioria e conhecida pelo nome po- Alem disso, essas plantas adquiridas pelos entrevistados são pular. Na cadeia produtiva o inicio da melhoria deve acontecer obtidas a granel e precisam possuir o mínimo de garantia de através de um correto cultivo, e posteriormente colheita, seca- autenticidade para evitar uso de espécies que podem possuir gem, armazenagem e rotulagem. Também deve estar expresso toxicidade, ou que sejam utilizadas de forma irracional, visto não a parte a ser utilizada, com as devidas quantidades e forma de possuir dosagem e forma de preparo recomendadas. preparo (infusão ou decocção), e dados de local, data e res- Portanto, a população deveria ter acesso a uma opção tera- ponsável pelo cultivo e embalagem. pêutica acessível, como a fitoterapia, mas com o mínimo de qualidade. E para melhorar essa situação a ANVISA tem regulamen- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS tado varias leis, como o Formulário Nacional de Fitoterápicos, ALBUQUERQUE, UP. Introdução a Etnobotânica. Recife: Bagaço, 2002. 87 p. disponível na internet, que orienta o uso de plantas medicinais. Esse instrumento pode ser um primeiro passo para a melhoria da fabricação e comercialização de ervas medicinais. Foi observado que a maioria dos entrevistados (80%), não AQUINO D et al. Nível de conhecimento sobre riscos e benefícios do uso de plantas medicinais e fitoterápicos de uma comunidade do Recife — PE. Revista de enfermagem UFPE on line. 2007 jul./set.; 1(1):107-110 recebeu orientação medica e utilizam planta medicinal por indicações de vizinhos e/ou familiares. Porem 66,66% destes declarou que utiliza plantas medicinais como terapia auxiliar, sem dispensar o tratamento com outros medicamentos e orientações médicas, e 33,33% já afirmam que conseguem melhora com a utilização de plantas somente. 244 | PÓS EM REVISTA BRANDAO, MGL; ALMEIDA, JMA. Ensinando sobre plantas medicinais na escola. Belo Horizonte: Museu de Historia Natural e jardim Botânico da UFMG, DATAPLAMT, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas. Registro de intoxicações, dados nacionais. Dis- ponível em: http://www.fiocruz.br/sinitox_novo/cgi/cgilua.exe/sys/start. htm?sid=379. Acesso em 17 de setembro de 2012. BRASIL. 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