dificuldade de aprendizagem resposta em um atelier pedagógico

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Título: DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM : RESPOSTA EM UM ATELIER
PEDAGÓGICO
Área temática: Educação e Ensino Fundamental
Autoras: ORTENILA SOPELSA e MIRIAN S. COMIOTTO
Instituição: Pontífícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Programa
de Pós-graduação em Educação
Um sonho que foi concretizando
A opção em investigar um tema relacionado as DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM, foi sendo delineado no decorrer da minha trajetória
profissional e influenciada pela significação que tiveram alguns fatos
constituintes da minha história de vida.
Nasci em uma família humilde, onde o ensino escolar, para uma mulher
não era tão importante, interrompi meus estudos com 12 anos, quando
freqüentava a 5º série do 1º Grau.
Com muita persistência, após meus 20 anos retomei os estudos, fiz
graduação de Pedagogia e quando percebi estava trabalhando dentro da sala
de aula.
Durante toda minha trajetória profissional, como professora, orientadora,
coordenadora e diretora, percebia a discriminação mascarada que ocorria
dentro da escola, com os alunos, que segundo os professores, eram
portadores de Dificuldade de Aprendizagem.
O sentimento de impotência que se apossava de mim nesses momentos
de crise, mobilizou-me a voltar a estudar, ampliar meus conhecimentos. Decidi
deixar o Colégio o qual trabalhava como Diretora, Universidade onde
desenvolvia o papel de Coordenadora e Professora e partir para um Mestrado
na área da educação.
Resolvi vivenciar em uma experiência pedagógica, ao lado de alunos
que apresentavam dificuldades na escola, o processo de elaboração de seus
conflitos,
a
partir
da
compreensão
das
diferentes
etapas
de
desenvolvimento biopsicossocial, escolhendo a seguinte área Temática:
seu
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Compreensão do processo das dificuldades de aprendizagem, em um
atelier pedagógico
Como ponto de partida, elaborei, para trabalhar nesta experiência, os
seguintes objetivos:
-
vivenciar o processo de elaboração de conflitos pessoais e socais de
alunos, com Dificuldade de Aprendizagem;
-
experienciar junto a alunos, pais e professores, a compreensão deste
processo;
- evidenciar como o processo de aprendizagem de alunos com
Dificuldades de Aprendizagem, poderia ser desenvolvido, através das relações
interpessoais, percepção e sentimentos;
-
tecer algumas reflexões psicopedagógicas para minimizar as
Dificuldades de Aprendizagem de alunos de 1º Grau.
O Trabalho foi realizado em uma Escola Pública de 1º Grau, na periferia
de Porto Alegre.
Os participantes da investigação foram: mães, professores, sete alunos
da 4ª e 5ª série do 1º Grau, entre 11 e 18 anos, apontados pelos professores
como portadores de Dificuldades de Aprendizagem.
Cada um com características diferentes, mas com sentimentos
análogos: insegurança, discriminação e medo. Trago, até hoje, a imagem de
cada um, como algo precioso que me pertence.
Lua: Sexo feminino, 18 anos, 4ª série. Romântica, meiga , carinhosa.
Dificilmente se alterava, mas quando isso acontecia, era como se tudo
escurecesse ao seu redor, virava uma fera.
A lua é visível pelo fato de refletir a luz do sol. Durante seu movimento
de translação e de acordo com a posição em que a Lua, a Terra e o Sol
estejam , vemos nosso satélite natural sob determinados aspectos. Lua Nova,
Quarto Crescente, Lua Cheia e Quarto Minguante.
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Terra: Sexo feminino, 13 anos, 5ª série. Não acreditava em milagres,
achava que tudo, só se consegue, com sacrifício e muita garra. Realista, pé no
chão. Sempre descobrindo e buscando algo novo.
Para o agricultor, terra é solo fértil. Para o construtor de estradas,
representa montanhas, rochas duras. Para o marinheiro, é um ponto distante,
na linha do horizonte, a ser alcançado. A terra é uma enorme bola recoberta de
água, rochas e solo, circundada por ar. Está sempre em movimento.
Vênus: Sexo feminino, 13 anos, 5ª série. Era a mais negra e a mais
linda das meninas. Chamava atenção pelo brilho nos olhos. Seu sonho era
encontrar um grande amor.
Visto da Terra Vênus é mais brilhante que qualquer outro planeta ou até
que qualquer estrela. Denominaram-no Vênus em homenagem a deusa
romana do amor e beleza.
Saturno: Sexo masculino, 11 nos, 4ª série. Era lindo e meigo. Tinha pele
morena, tão lisa quanto porcelana e, olhos verdes. Nunca o vi magoar alguém.
Estava sempre rodeado pelas meninas.
Saturno é o nome de um Deus da mitologia Romana. Tem sete anéis
finos e achatados a sua volta Os anéis tornam Saturno um dos mais belos
corpos do sistema solar.
Sol : Sexo masculino, 13 anos, 4ª série. Em estatura era o menor de
todos. Mas quando chegava no grupo, tudo se iluminava, como se fossem
raios de sol. Fazia tudo para que ninguém sentisse tristeza.
Comparado a outras estrelas, o Sol possui dimensões modestas e fraco
brilho. Para nós, entretanto, parece ser a maior e a mais brilhante de todas, por
ser a mais próxima. Sua luz atinge a superfície terrestre em apenas oito
minutos e trinta segundos.
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Júpiter: Sexo masculino, 13 anos, 5ª série. Era o mais inquieto. Tinha
muita energia. Por ser o único branco do grupo, achava que todos tinham que
obedecê-lo. Não era mau, mas a última palavra, tinha que ser a sua.
É o maior planeta do sistema solar. Os astrônomos antigos deram-lhe
o nome de Júpiter em homenagem ao rei dos deuses romanos. Emite uma
radiação de rádio muito forte.
Marte: Sexo masculino, 13 anos, 4ª série. De todos, eu achava o mais
nervoso. Não tinha interesse em agradar ninguém. Suas idéias, às vezes eram
impostas.
É o único planeta do sistema solar cuja superfície pode ser vista da
Terra em detalhe. Sua cor é avermelhada e foi denominado Marte em
homenagem ao sanguinário Deus da guerra, dos antigos romanos.
Os
participantes
da
investigação,
compartilharam
um
Atelier
Pedagógico, na sala de artes da própria escola, onde foram desenvolvidas as
seguintes áreas específicas:
-
área de linguagem oral e escrita: leitura, interpretação e composição.
-
área de ciências: matemática(a compreensão da multiplicação e
divisão, e seus aspectos gerais.
-
área de arte: música, canto, desenho, pintura e escultura
-
e o contexto interpessoal: as relações de aluno x professor, escola x
família, aluno x aluno.
Desde
o
momento
que
escolhi
trabalhar
as
Dificuldades
de
Aprendizagem, tinha consciência da complexidade que envolve este tema, e
que não encontraria soluções mágicas. Meu objetivo era poder observar, in
loco, crianças, tidas pelos professores, como portadoras deste tipo de
problema, bem como pela influência exercida, em suas articulações, pelo
relacionamento com pais, professores e colegas.
Essa vinculação direcionou-me para a metodologia de Estudo de Caso.
Segundo LUDKE: “Ao desenvolver o estudo de caso, o pesquisador recorre a
uma variedade de dados, coletados em diferentes momentos, em situações
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variadas e com uma variedade de tipos de informantes, assim se o estudo é
feito numa escola, o pesquisador procurará fazer observações em situação de
aula...coletando dados no início, no meio e no final do semestre letivo; ouvirá,
pais professores e alunos”.
Os instrumentos utilizados para obter as informações foram entrevistas
semi-estruturadas, de inspiração fenomenológica e observações diretas.
A entrevista fenomenológica Para CARVALHO (1987): “dá-se sob forma de
existência
situada
no encontro”.
Segundo ela, para compreender o
pensamento do sujeito é preciso penetrar seu mundo, sua vida. Para escutar a
palavra do entrevistado, faz-se necessário impregnar-se de seus gestos e de
toda sua forma de dizer as coisas, como se pensássemos com seu
pensamento.
De acordo com os objetivos que me propus alcançar nesta investigação,
e considerando a complexidade do fenômeno em estudo, optei por uma
análise de cunho fenomenológico. Nela, encontrei a forma de pensar que me
permitiu desenvolver um discurso que levasse em conta, além da subjetividade
dos envolvidos, suas percepções como seres-no-mundo.
A fenomenologia historicamente, percorre várias etapas fundamentada
pelas idéias de diversos autores, entre os quais destaco HUSSERL (1911),
REZENDE (1990), KEEN (1979) e MERLEAU PONTY (1994).
Para MERLEAU-PONTY (1994), “O mundo não é aquilo que eu penso, mas
aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me com ele, mas não
o possuo, ele é inesgotável.”
Desde o momento em que decidi, desenvolver essa experiência com um
grupo de alunos, pais e professores, sabia que, antes de tudo, deveria
impregnar-me do contexto de suas vivências, perceber a essência do problema
de cada um, descobrir o significado que representava a cada participante no
seu íntimo. Para mim, não poderia ser de outra maneira senão através da
Fenomenologia.
Após a realização de todas as entrevistas, transcrevi-as e passei a fase
das informações, utilizando os passos de GIORGI (1985) e enriquecidos pelas
dimensões fenomenológicas propostas por COMIOTTO (1992), a fim de perceber
a essência das mensagens emitidas pelos envolvidos na investigação.
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Essências e dimensões fenomenológicas
O desvelamento do fenômeno permitiu-me encontrar sete dimensões:
-Vinculação dos Sentimentos no Processo de aprender; - Significado do
Professor na aprendizagem do aluno; - Resgate da Auto-Estima, através
do Poder Saber Fazer; - Limitações do Espaço do Aluno no Currículo
Escolar; - Dinâmica das Relações Interpessoais, como Pano de Fundo do
Construir ao destruir; - O Espaço do aluno no Sei da Família; Importância da Aprendizagem Escolar, na Construção dos Projetos de
vida.
Emergência do ser aprendente
“Prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela
opinião formada sobre tudo. Eu quero dizer agora, o oposto do que disse
ontem”. Essas frases tiradas de uma música de Raul SEIXAS, leva-me ao
encontro da primeira Essência da Investigação que emergiu a partir de três
dimensões:
Vinculação dos Sentimentos, no Processo de aprender
Desde o nascimento até sua morte, o homem sofre influências das
pessoas, da sociedade, do mundo e reage a estas influências de acordo com
as raízes que lhe foram impressas, ao longo de sua existência, pelas suas
vivências e sentimentos.
No dia em que iniciamos o trabalho, foi difícil concentrar o grupo. Todos
agrediam-se física e verbalmente. Ninguém se chamava pelo nome. Só se
ouvia; “Saia animal”; “corta essa diabo verde”; “agora sujou seu retardado”; e
assim por diante.
Percebi que a grande maioria, carregava a crença de não ser valorizado,
compreendido e percebido como ser humano.
Resolvi
ouvi-los
individualmente,
assim
como,
seus
pais
e
professores.Sol dizia: - “A professora de português me odeia, sinto em seu
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olhar. Qualquer movimento que acontece na sala de aula, sou sempre o
culpado, aí ela me manda para o pátio. Perco a explicação, nunca aprendo
nada, sinto muita revolta.”
Sua Mãe - “Tive Sol com doze anos. A princípio parecia que estava
esperando uma boneca. Cai na real quando fui ao hospital para ter a criança.
Sofri muito. Meu pai ficou 3 anos sem falar comigo. Me odiava porque fugi de
casa com 10 anos.”
Professora - “Tenho grande dificuldade em trabalhar com Sol. Me
incomodava antes mesmo de ser meu aluno. Culpo-me por isso, chega até
doer, mas sinto antipatia por ele. Minha vontade é vê-lo longe, se não estou
vendo, não está me incomodando e pronto.”
Evidencia-se nas três falas, sentimentos de rejeição, ódio, angústia e
culpa. Percebe-se, nos depoimentos, que tanto para o aluno, quanto para o
professor, era muito difícil suportarem-se durante um período de aula. Como
poderia então, Sol, gostar de português e aprender algo?
Ao chegar no final do meu trabalho com esses alunos, percebi que tudo
o que eles aprenderam foi através de minha impregnação com suas vivências,
da valorização dada aos seus sentimentos.
Significado do Professor na Aprendizagem do Aluno
Para aprender segundo FERNANDES (1991), é necessário que haja um
“ensinante” e um “aprendente”, que entrem em relação mútua, isto é, que
tenham vínculo entre ambos. É através do olhar, das modulações da voz e da
veemência do professor, que se canaliza o interesse e a paixão do aluno em
aprender.
Desde os primeiros contatos que tive com meus alunos, ficou claro, que
não tinham interesse e tampouco paixão, pelo aprender. Segundo eles a
grande maioria dos professores não explicavam direito a matéria, eram rígidos,
nunca conversavam, a não ser para mandar calar a boca.
O professor o chamava de borboleta, mas provavelmente Júpiter estava
ausente da sala de aula porque, fora dela, existia algo mais importante para
ele. Algo que não o reprimisse e o punisse, por erros cometidos.
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Em nossos encontros procurava sempre, não subestimá-los, nem
tampouco ridicularizá-los por mais absurdas que parecessem as alternativas
que buscavam para resolver os problemas propostos. Ao concluir o trabalho
percebi, que eles acreditavam em suas capacidades, e sentiam prazer em
aprender.
Resgate da Auto-Estima, Através do Poder Saber Fazer
Para BRANDEN (1995), os dramas da nossa vida são reflexos das visões
mais íntimas que temos de nós mesmos.
Lembro-me todavia, a figura insegura dos sete alunos que fizeram parte
da investigação, durante nossos primeiros encontros.
Por
maior
que
fosse
minha
pretensão
em
fazer
com
que
desenvolvessem algo, a resposta era sempre a mesma: “Eu não consigo”; “isto
eu não sei fazer”; “jamais irei conseguir resolver este problema”.
Percebia que toda a agressão que se manifestava entre eles e até
mesmo contra mim, era um tipo de linguagem que desvelava sua incapacidade
e insegurança na aprendizagem. E, através das falas dos pais e professores,
pude comprovar que esta insegurança tinha raízes mais profundas do que
imaginava.
A insegurança em aprender na escola, havia se impregnado em Lua
desde sua 1ª série, através da atitude da Diretora. E, continuava sendo
reforçada com as afirmações da atual professora.
Notei que a partir do momento que venceram as dificuldades em sala de
aula, sua auto-estima cresceu significativamente.
Aqueles seres humanos, escondidos dentro de suas próprias conchas,
no início de nossas atividades, mostravam-se agora, capazes de vencer suas
dificuldades, elevando sua auto-estima através do poder saber fazer.
A Escola Como Nutriz Oculta do Fracasso Escolar
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Dificilmente encontramos uma criança com idade escolar que não
anseie em entrar na escola, cheia de sonhos e fantasias. Mas, geralmente,
estes sonhos e fantasias, caem por terra, já nos primeiros anos escolares.
A escola que estava situada num conto de fadas, passa a existir num
abismo profundo e escuro. Em vez da fada madrinha, a criança indefesa
encontra a bruxa malvada, nascendo então a aversão pela escola.
SOARES
diz: “As altas taxas de repetência e evasão mostram que os que
conseguem entrar na escola, nela não conseguem aprender, ou não
conseguem ficar”.
Limitação do espaço do aluno no currículo escolar
Meu propósito no primeiro encontro, foi saber dos alunos como viam e
sentiam sua escola. Sugeri que desenhassem a escola que sentiam dentro de
si.
Espalhei sobre as mesas, lápis preto, lápis de cor e canetas coloridas.
Percebemos que apesar de todo o material que estava a sua mão só
usaram lápis preto. Saturno - representa a escola em foma de presídio e o
aluno preso dentro dela. Vênus, a escola sem alunos. Sol, as portas fechadas
e os alunos fora dela.
No encontro seguinte, sugeri que desenhassem a escola dos sonhos,
isto é, a escola que cada um queria ter. Outra vez coloquei a disposição o
mesmo material, do encontro anterior.
Notei, que apesar de colorir os desenhos, a estrutura da escola,
continua praticamente a mesma. Saturno, a escola continua fechada e os
alunos fora dela. Vênus, coloriu, pôs cortinas,mas continua com grades e sem
alunos. Sol A escola continua fechada e, sem alunos.
Durante esta caminhada, deparei-me com conflitos, inseguranças,
obstáculos, muitas vezes maiores que minha capacidade de resolvê-los. Mas
ao chegar ao final desse trabalho, junto com a aprendizagem explícita dos
alunos somaram-se suas satisfações internas, demonstradas através dos
desenhos criados por eles.
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As escolas com estrutura de presídios, e, as crianças enjauladas dentro
delas, agora tinham outro panorama, outro sentido.
Diante do exposto emerge a seguinte questão: É possível, então afirmar
que a aprendizagem do aluno ocorre de acordo com a imagem que ele tem da
escola?
Dinâmica das Relações Interpessoais como Pano de Fundo do
Construir ao Destruir
De todos os seres, o ser humano é o que mais necessita do “outro”,
para sobreviver. Ele vai se construindo, principalmente através de suas
relações com o meio social em que vive.
Quem não traz dentro de si o tipo de relacionamento que teve com seus
professores, nos primeiros anos escolares?
Amparando esta idéia, busco as palavras de SNYDERS (1988, p. 155) “A
relação professor x aluno é fundamental, capaz de deixar marcas profundas no
indivíduo por grande parte da sua existência. É preciso resgatá-la,
compreendê-la e redimencioná-la.”
Durante nossas primeiras atividades, era difícil passar dez minutos sem
que os alunos se agredissem fisicamente. Quando os questionava, se não
sabiam defender-se verbalmente, respondiam-me: “Não adianta professora,
aqui ninguém ouve, tem que ser na paulada”
Eu percebia que tanto por parte dos alunos, quanto dos professores,
como também, das mães, não havia interesse em dialogar. Cada um
defendia-se conforme suas armas.
Posso afirmar que um dos maiores desafios desse meu trabalho, foi o
de resgatar a importância de se relacionar com o outro. Foi preciso ajudá-los a
perceber, o quanto eles tinham para ensinar ao outro. Como também, o quanto
o outro podia colaborar para seu crescimento.
Tenho certeza que a relação que ouve entre eu e aquele grupo de
alunos, devo carregar como marca de satisfação, realização, aprendizagem.
Eles me ensinaram a sentir e viver a verdadeira “relação” entre ensinante e
aprendente.
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As relações intra-familiares na construção do eu
Todo homem tem sua trajetória, sua história de vida. É semelhante ao
canal de um rio, onde as águas passam. E ao passar, essas águas deixam
suas marcas. Umas leves, outras mais profundas.
No seio da família, o sujeito é o canal e as vivências dele, são as águas
que correm constantemente.
PIKUNAS
diz: “Os efeitos que os pais causam nos filhos são de maior
importância. A condição pré-natal reflete o estado e as correntes experiências
da mãe. Os traços e atitudes dos pais moldam as tendências de
comportamento dos filhos.”
O Espaço da Criança no Seio da Família
Dos sete alunos, que fizeram parte da minha investigação, três eram
adotivos; dois, filhos do segundo casamento; e, um, os pais viviam juntos
apenas para manter as aparências.
As únicas instituições que faziam parte do universo social, dessas mães,
eram a escola e o INPS. As pessoas que se relacionavam eram, a família, as
vizinhas da vila e a patroa.
Em seus depoimentos, confessavam a dor que sentiam ao ver o filho ser
espancado pelo marido; o suicídio que era para seu corpo, entregar-se a um
homem alcoolizado e com instintos selvagens; a dureza de fazer faxina, o dia
todo, na casa da patroa e à noite lavar, passar, cozinhar para os filhos e o
marido; a injustiça de muitas vezes não ter o que comer e precisar entregar
sua pequena renda para as farras do marido, caso contrário, seria espancada.
O que se poderia esperar na escola, de crianças que provinham desses
lares?
Importância da aprendizagem escolar na construção dos projetos de vida
Somos o que somos através de nossos projetos de vida. Esta busca
constante em lapidar e fazer brilhar a pedra bruta que somos, faz com que
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vençamos as avalanches e os desafios que a vida nos proporciona, buscando
alcançar nossos objetivos.
A maioria dos professores dizia-me que os alunos não tinham interesse
e que as famílias não valorizavam a escola. Minha convivência com os alunos
e familiares fez-me perceber o contrário. Tanto os alunos, quanto seus pais,
queriam e valorizavam muito o ensino escolar, o que faltava era “estímulo e
espaço”, por parte da escola, para que eles ai permanecessem.
Reflexões construídas durante a caminhada
Ao chegar no final desta inesquecível experiência, faço algumas
reflexões, que acredito sejam válidas para a interação entre ensinante e
aprendente, visando melhor compreensão das dificuldades de Aprendizagem
nos alunos de 1º Grau. Elas emergiram, durante o processo da investigação
através de minhas vivências com pais professores e alunos.
Evidenciei que a aprendizagem do sujeito está intrinsecamente
vinculada a seus sentimentos. Sentimentos que são aflorados ou abafados, de
acordo com a influência do meio. Eles têm sua origem na família, sua
alimentação na escola seus reflexos no social.
Na investigação, pude perceber o vínculo que o aluno faz da matéria
com a pessoa do professor. As maiores dificuldades na aprendizagem
desvelaram-se nas áreas cujos professores intimidavam seus alunos.
Acredito na tese de que para haver o desejo de aprender, é necessário
que haja, também o desejo de ensinar..
Ao chegarmos no final do século, deparamo-nos com a educação feita
por meio de um livro didático, criado por um grupo de elite e padronizando o
ensino universal. A escola adquire este livro, no qual o professor se
““enquadra” e o aluno não consegue enxergar-se nele.
Diante disto, ocorre a atuação do professor, “ministrando” seu conteúdo
para uma minoria, ficando a maioria impossibilitada de apropriar-se deste
conhecimento.
Foi preciso demonstrar-lhes, através de atos concretos, que eu
acreditava em seu potencial adormecido e que eram sujeitos capazes de
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ultrapassar qualquer obstáculo. Foi pelo aprender poder fazer, que
resgataram
sua
auto-estima
e,
consequentemente,
ampliaram
seus
conhecimentos.
O maior índice de alunos tidos como portadores de dificuldades de
aprendizagem, está nas crianças pobres e de raça negra. Qual a preocupação
da escola, em relação à cultura e às prioridades destes alunos? Qual o espaço
que o currículo escolar confere a estes alunos?
A partir do momento em que o professor apropria-se do conhecimento
sobre as diversas implicações existentes na família, passa a relacionar-se de
forma diferente com o aluno. Os docentes de uma escola, não podem ser uma
ilha isolada do mundo de seus alunos.
Faz-se necessário refletir também, qual o comprometimento dos cursos
de formação, em relação à construção e à interação do sujeito. Percebe-se
que o professor trabalha e se relaciona, apenas com o aluno padrão. Aquele
aluno que está dentro dos moldes de “bom aluno”, estipulado pelos padrões
sociais da classe dominante.
Os alunos e seus familiares depositavam na escolarização a esperança
de realização de seus sonhos de ascensão social, representando a única
possibilidade de atingirem seus projetos de vida. A grande maioria dos alunos,
porém, sentiam-se incapazes de conciliar suas vivências da comunidade com a
educação formal, oferecida pela escola. Era como se fosse um ideal, um
objetivo impossível de ser atingido.
A educação escolar é necessária à inserção dos jovens, como cidadãos,
no mundo do trabalho, da cultura, das relações sociais e políticas. É importante
que a escola assuma esse papel, pois o fracasso escolar de um indivíduo
passa a significar a negação da possibilidade do exercício da cidadania.
Como ensinante percebi, durante minha investigação, que só conseguia
ensinar à medida que me sentia aprendendo com os alunos. Nesta relação de
aprender-ensinando ou, talvez, ensinar-aprendendo, fomos crescendo juntos,
inventando e reinventando nossa caminhada, construindo e reconstruindo
nossas histórias de vida.
Quero finalizar com algumas frases escritas por Fernando PESSOA
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada
Para eles o sonho sonhado ou vivido ,
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Para eles a média entre tudo ou nada...
Para mim todo um grande, um profundo...significado.
Referências bibliográficas
COMIOTTO, Mirian S. Adultos Médios : Sentimentos e Trajetória de Vida.
Estudo Fenomenológico e Proposta de Auto-educação. Porto Alegre: UFRGS.
Tese. (Doutorado em Ciências Humanas- Educação) Faculdade de Educação.
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PESSOA,
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Poesias,
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de
Cleonice
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PIKUNAS, Justin. Desenvolvimento Humano. São Paulo : M.G. Graws-hill do
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SNIDERS, Georges. A Alegria na Escola. São Paulo : Editora Manoel Ltda,
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SOARES, Magda. Linguagem e Escola : Uma perspectiva social. 8 ed. São
Paulo : Ática, 1991.
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