1 Título: DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM : RESPOSTA EM UM ATELIER PEDAGÓGICO Área temática: Educação e Ensino Fundamental Autoras: ORTENILA SOPELSA e MIRIAN S. COMIOTTO Instituição: Pontífícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Programa de Pós-graduação em Educação Um sonho que foi concretizando A opção em investigar um tema relacionado as DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM, foi sendo delineado no decorrer da minha trajetória profissional e influenciada pela significação que tiveram alguns fatos constituintes da minha história de vida. Nasci em uma família humilde, onde o ensino escolar, para uma mulher não era tão importante, interrompi meus estudos com 12 anos, quando freqüentava a 5º série do 1º Grau. Com muita persistência, após meus 20 anos retomei os estudos, fiz graduação de Pedagogia e quando percebi estava trabalhando dentro da sala de aula. Durante toda minha trajetória profissional, como professora, orientadora, coordenadora e diretora, percebia a discriminação mascarada que ocorria dentro da escola, com os alunos, que segundo os professores, eram portadores de Dificuldade de Aprendizagem. O sentimento de impotência que se apossava de mim nesses momentos de crise, mobilizou-me a voltar a estudar, ampliar meus conhecimentos. Decidi deixar o Colégio o qual trabalhava como Diretora, Universidade onde desenvolvia o papel de Coordenadora e Professora e partir para um Mestrado na área da educação. Resolvi vivenciar em uma experiência pedagógica, ao lado de alunos que apresentavam dificuldades na escola, o processo de elaboração de seus conflitos, a partir da compreensão das diferentes etapas de desenvolvimento biopsicossocial, escolhendo a seguinte área Temática: seu 2 Compreensão do processo das dificuldades de aprendizagem, em um atelier pedagógico Como ponto de partida, elaborei, para trabalhar nesta experiência, os seguintes objetivos: - vivenciar o processo de elaboração de conflitos pessoais e socais de alunos, com Dificuldade de Aprendizagem; - experienciar junto a alunos, pais e professores, a compreensão deste processo; - evidenciar como o processo de aprendizagem de alunos com Dificuldades de Aprendizagem, poderia ser desenvolvido, através das relações interpessoais, percepção e sentimentos; - tecer algumas reflexões psicopedagógicas para minimizar as Dificuldades de Aprendizagem de alunos de 1º Grau. O Trabalho foi realizado em uma Escola Pública de 1º Grau, na periferia de Porto Alegre. Os participantes da investigação foram: mães, professores, sete alunos da 4ª e 5ª série do 1º Grau, entre 11 e 18 anos, apontados pelos professores como portadores de Dificuldades de Aprendizagem. Cada um com características diferentes, mas com sentimentos análogos: insegurança, discriminação e medo. Trago, até hoje, a imagem de cada um, como algo precioso que me pertence. Lua: Sexo feminino, 18 anos, 4ª série. Romântica, meiga , carinhosa. Dificilmente se alterava, mas quando isso acontecia, era como se tudo escurecesse ao seu redor, virava uma fera. A lua é visível pelo fato de refletir a luz do sol. Durante seu movimento de translação e de acordo com a posição em que a Lua, a Terra e o Sol estejam , vemos nosso satélite natural sob determinados aspectos. Lua Nova, Quarto Crescente, Lua Cheia e Quarto Minguante. 3 Terra: Sexo feminino, 13 anos, 5ª série. Não acreditava em milagres, achava que tudo, só se consegue, com sacrifício e muita garra. Realista, pé no chão. Sempre descobrindo e buscando algo novo. Para o agricultor, terra é solo fértil. Para o construtor de estradas, representa montanhas, rochas duras. Para o marinheiro, é um ponto distante, na linha do horizonte, a ser alcançado. A terra é uma enorme bola recoberta de água, rochas e solo, circundada por ar. Está sempre em movimento. Vênus: Sexo feminino, 13 anos, 5ª série. Era a mais negra e a mais linda das meninas. Chamava atenção pelo brilho nos olhos. Seu sonho era encontrar um grande amor. Visto da Terra Vênus é mais brilhante que qualquer outro planeta ou até que qualquer estrela. Denominaram-no Vênus em homenagem a deusa romana do amor e beleza. Saturno: Sexo masculino, 11 nos, 4ª série. Era lindo e meigo. Tinha pele morena, tão lisa quanto porcelana e, olhos verdes. Nunca o vi magoar alguém. Estava sempre rodeado pelas meninas. Saturno é o nome de um Deus da mitologia Romana. Tem sete anéis finos e achatados a sua volta Os anéis tornam Saturno um dos mais belos corpos do sistema solar. Sol : Sexo masculino, 13 anos, 4ª série. Em estatura era o menor de todos. Mas quando chegava no grupo, tudo se iluminava, como se fossem raios de sol. Fazia tudo para que ninguém sentisse tristeza. Comparado a outras estrelas, o Sol possui dimensões modestas e fraco brilho. Para nós, entretanto, parece ser a maior e a mais brilhante de todas, por ser a mais próxima. Sua luz atinge a superfície terrestre em apenas oito minutos e trinta segundos. 4 Júpiter: Sexo masculino, 13 anos, 5ª série. Era o mais inquieto. Tinha muita energia. Por ser o único branco do grupo, achava que todos tinham que obedecê-lo. Não era mau, mas a última palavra, tinha que ser a sua. É o maior planeta do sistema solar. Os astrônomos antigos deram-lhe o nome de Júpiter em homenagem ao rei dos deuses romanos. Emite uma radiação de rádio muito forte. Marte: Sexo masculino, 13 anos, 4ª série. De todos, eu achava o mais nervoso. Não tinha interesse em agradar ninguém. Suas idéias, às vezes eram impostas. É o único planeta do sistema solar cuja superfície pode ser vista da Terra em detalhe. Sua cor é avermelhada e foi denominado Marte em homenagem ao sanguinário Deus da guerra, dos antigos romanos. Os participantes da investigação, compartilharam um Atelier Pedagógico, na sala de artes da própria escola, onde foram desenvolvidas as seguintes áreas específicas: - área de linguagem oral e escrita: leitura, interpretação e composição. - área de ciências: matemática(a compreensão da multiplicação e divisão, e seus aspectos gerais. - área de arte: música, canto, desenho, pintura e escultura - e o contexto interpessoal: as relações de aluno x professor, escola x família, aluno x aluno. Desde o momento que escolhi trabalhar as Dificuldades de Aprendizagem, tinha consciência da complexidade que envolve este tema, e que não encontraria soluções mágicas. Meu objetivo era poder observar, in loco, crianças, tidas pelos professores, como portadoras deste tipo de problema, bem como pela influência exercida, em suas articulações, pelo relacionamento com pais, professores e colegas. Essa vinculação direcionou-me para a metodologia de Estudo de Caso. Segundo LUDKE: “Ao desenvolver o estudo de caso, o pesquisador recorre a uma variedade de dados, coletados em diferentes momentos, em situações 5 variadas e com uma variedade de tipos de informantes, assim se o estudo é feito numa escola, o pesquisador procurará fazer observações em situação de aula...coletando dados no início, no meio e no final do semestre letivo; ouvirá, pais professores e alunos”. Os instrumentos utilizados para obter as informações foram entrevistas semi-estruturadas, de inspiração fenomenológica e observações diretas. A entrevista fenomenológica Para CARVALHO (1987): “dá-se sob forma de existência situada no encontro”. Segundo ela, para compreender o pensamento do sujeito é preciso penetrar seu mundo, sua vida. Para escutar a palavra do entrevistado, faz-se necessário impregnar-se de seus gestos e de toda sua forma de dizer as coisas, como se pensássemos com seu pensamento. De acordo com os objetivos que me propus alcançar nesta investigação, e considerando a complexidade do fenômeno em estudo, optei por uma análise de cunho fenomenológico. Nela, encontrei a forma de pensar que me permitiu desenvolver um discurso que levasse em conta, além da subjetividade dos envolvidos, suas percepções como seres-no-mundo. A fenomenologia historicamente, percorre várias etapas fundamentada pelas idéias de diversos autores, entre os quais destaco HUSSERL (1911), REZENDE (1990), KEEN (1979) e MERLEAU PONTY (1994). Para MERLEAU-PONTY (1994), “O mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável.” Desde o momento em que decidi, desenvolver essa experiência com um grupo de alunos, pais e professores, sabia que, antes de tudo, deveria impregnar-me do contexto de suas vivências, perceber a essência do problema de cada um, descobrir o significado que representava a cada participante no seu íntimo. Para mim, não poderia ser de outra maneira senão através da Fenomenologia. Após a realização de todas as entrevistas, transcrevi-as e passei a fase das informações, utilizando os passos de GIORGI (1985) e enriquecidos pelas dimensões fenomenológicas propostas por COMIOTTO (1992), a fim de perceber a essência das mensagens emitidas pelos envolvidos na investigação. 6 Essências e dimensões fenomenológicas O desvelamento do fenômeno permitiu-me encontrar sete dimensões: -Vinculação dos Sentimentos no Processo de aprender; - Significado do Professor na aprendizagem do aluno; - Resgate da Auto-Estima, através do Poder Saber Fazer; - Limitações do Espaço do Aluno no Currículo Escolar; - Dinâmica das Relações Interpessoais, como Pano de Fundo do Construir ao destruir; - O Espaço do aluno no Sei da Família; Importância da Aprendizagem Escolar, na Construção dos Projetos de vida. Emergência do ser aprendente “Prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela opinião formada sobre tudo. Eu quero dizer agora, o oposto do que disse ontem”. Essas frases tiradas de uma música de Raul SEIXAS, leva-me ao encontro da primeira Essência da Investigação que emergiu a partir de três dimensões: Vinculação dos Sentimentos, no Processo de aprender Desde o nascimento até sua morte, o homem sofre influências das pessoas, da sociedade, do mundo e reage a estas influências de acordo com as raízes que lhe foram impressas, ao longo de sua existência, pelas suas vivências e sentimentos. No dia em que iniciamos o trabalho, foi difícil concentrar o grupo. Todos agrediam-se física e verbalmente. Ninguém se chamava pelo nome. Só se ouvia; “Saia animal”; “corta essa diabo verde”; “agora sujou seu retardado”; e assim por diante. Percebi que a grande maioria, carregava a crença de não ser valorizado, compreendido e percebido como ser humano. Resolvi ouvi-los individualmente, assim como, seus pais e professores.Sol dizia: - “A professora de português me odeia, sinto em seu 7 olhar. Qualquer movimento que acontece na sala de aula, sou sempre o culpado, aí ela me manda para o pátio. Perco a explicação, nunca aprendo nada, sinto muita revolta.” Sua Mãe - “Tive Sol com doze anos. A princípio parecia que estava esperando uma boneca. Cai na real quando fui ao hospital para ter a criança. Sofri muito. Meu pai ficou 3 anos sem falar comigo. Me odiava porque fugi de casa com 10 anos.” Professora - “Tenho grande dificuldade em trabalhar com Sol. Me incomodava antes mesmo de ser meu aluno. Culpo-me por isso, chega até doer, mas sinto antipatia por ele. Minha vontade é vê-lo longe, se não estou vendo, não está me incomodando e pronto.” Evidencia-se nas três falas, sentimentos de rejeição, ódio, angústia e culpa. Percebe-se, nos depoimentos, que tanto para o aluno, quanto para o professor, era muito difícil suportarem-se durante um período de aula. Como poderia então, Sol, gostar de português e aprender algo? Ao chegar no final do meu trabalho com esses alunos, percebi que tudo o que eles aprenderam foi através de minha impregnação com suas vivências, da valorização dada aos seus sentimentos. Significado do Professor na Aprendizagem do Aluno Para aprender segundo FERNANDES (1991), é necessário que haja um “ensinante” e um “aprendente”, que entrem em relação mútua, isto é, que tenham vínculo entre ambos. É através do olhar, das modulações da voz e da veemência do professor, que se canaliza o interesse e a paixão do aluno em aprender. Desde os primeiros contatos que tive com meus alunos, ficou claro, que não tinham interesse e tampouco paixão, pelo aprender. Segundo eles a grande maioria dos professores não explicavam direito a matéria, eram rígidos, nunca conversavam, a não ser para mandar calar a boca. O professor o chamava de borboleta, mas provavelmente Júpiter estava ausente da sala de aula porque, fora dela, existia algo mais importante para ele. Algo que não o reprimisse e o punisse, por erros cometidos. 8 Em nossos encontros procurava sempre, não subestimá-los, nem tampouco ridicularizá-los por mais absurdas que parecessem as alternativas que buscavam para resolver os problemas propostos. Ao concluir o trabalho percebi, que eles acreditavam em suas capacidades, e sentiam prazer em aprender. Resgate da Auto-Estima, Através do Poder Saber Fazer Para BRANDEN (1995), os dramas da nossa vida são reflexos das visões mais íntimas que temos de nós mesmos. Lembro-me todavia, a figura insegura dos sete alunos que fizeram parte da investigação, durante nossos primeiros encontros. Por maior que fosse minha pretensão em fazer com que desenvolvessem algo, a resposta era sempre a mesma: “Eu não consigo”; “isto eu não sei fazer”; “jamais irei conseguir resolver este problema”. Percebia que toda a agressão que se manifestava entre eles e até mesmo contra mim, era um tipo de linguagem que desvelava sua incapacidade e insegurança na aprendizagem. E, através das falas dos pais e professores, pude comprovar que esta insegurança tinha raízes mais profundas do que imaginava. A insegurança em aprender na escola, havia se impregnado em Lua desde sua 1ª série, através da atitude da Diretora. E, continuava sendo reforçada com as afirmações da atual professora. Notei que a partir do momento que venceram as dificuldades em sala de aula, sua auto-estima cresceu significativamente. Aqueles seres humanos, escondidos dentro de suas próprias conchas, no início de nossas atividades, mostravam-se agora, capazes de vencer suas dificuldades, elevando sua auto-estima através do poder saber fazer. A Escola Como Nutriz Oculta do Fracasso Escolar 9 Dificilmente encontramos uma criança com idade escolar que não anseie em entrar na escola, cheia de sonhos e fantasias. Mas, geralmente, estes sonhos e fantasias, caem por terra, já nos primeiros anos escolares. A escola que estava situada num conto de fadas, passa a existir num abismo profundo e escuro. Em vez da fada madrinha, a criança indefesa encontra a bruxa malvada, nascendo então a aversão pela escola. SOARES diz: “As altas taxas de repetência e evasão mostram que os que conseguem entrar na escola, nela não conseguem aprender, ou não conseguem ficar”. Limitação do espaço do aluno no currículo escolar Meu propósito no primeiro encontro, foi saber dos alunos como viam e sentiam sua escola. Sugeri que desenhassem a escola que sentiam dentro de si. Espalhei sobre as mesas, lápis preto, lápis de cor e canetas coloridas. Percebemos que apesar de todo o material que estava a sua mão só usaram lápis preto. Saturno - representa a escola em foma de presídio e o aluno preso dentro dela. Vênus, a escola sem alunos. Sol, as portas fechadas e os alunos fora dela. No encontro seguinte, sugeri que desenhassem a escola dos sonhos, isto é, a escola que cada um queria ter. Outra vez coloquei a disposição o mesmo material, do encontro anterior. Notei, que apesar de colorir os desenhos, a estrutura da escola, continua praticamente a mesma. Saturno, a escola continua fechada e os alunos fora dela. Vênus, coloriu, pôs cortinas,mas continua com grades e sem alunos. Sol A escola continua fechada e, sem alunos. Durante esta caminhada, deparei-me com conflitos, inseguranças, obstáculos, muitas vezes maiores que minha capacidade de resolvê-los. Mas ao chegar ao final desse trabalho, junto com a aprendizagem explícita dos alunos somaram-se suas satisfações internas, demonstradas através dos desenhos criados por eles. 10 As escolas com estrutura de presídios, e, as crianças enjauladas dentro delas, agora tinham outro panorama, outro sentido. Diante do exposto emerge a seguinte questão: É possível, então afirmar que a aprendizagem do aluno ocorre de acordo com a imagem que ele tem da escola? Dinâmica das Relações Interpessoais como Pano de Fundo do Construir ao Destruir De todos os seres, o ser humano é o que mais necessita do “outro”, para sobreviver. Ele vai se construindo, principalmente através de suas relações com o meio social em que vive. Quem não traz dentro de si o tipo de relacionamento que teve com seus professores, nos primeiros anos escolares? Amparando esta idéia, busco as palavras de SNYDERS (1988, p. 155) “A relação professor x aluno é fundamental, capaz de deixar marcas profundas no indivíduo por grande parte da sua existência. É preciso resgatá-la, compreendê-la e redimencioná-la.” Durante nossas primeiras atividades, era difícil passar dez minutos sem que os alunos se agredissem fisicamente. Quando os questionava, se não sabiam defender-se verbalmente, respondiam-me: “Não adianta professora, aqui ninguém ouve, tem que ser na paulada” Eu percebia que tanto por parte dos alunos, quanto dos professores, como também, das mães, não havia interesse em dialogar. Cada um defendia-se conforme suas armas. Posso afirmar que um dos maiores desafios desse meu trabalho, foi o de resgatar a importância de se relacionar com o outro. Foi preciso ajudá-los a perceber, o quanto eles tinham para ensinar ao outro. Como também, o quanto o outro podia colaborar para seu crescimento. Tenho certeza que a relação que ouve entre eu e aquele grupo de alunos, devo carregar como marca de satisfação, realização, aprendizagem. Eles me ensinaram a sentir e viver a verdadeira “relação” entre ensinante e aprendente. 11 As relações intra-familiares na construção do eu Todo homem tem sua trajetória, sua história de vida. É semelhante ao canal de um rio, onde as águas passam. E ao passar, essas águas deixam suas marcas. Umas leves, outras mais profundas. No seio da família, o sujeito é o canal e as vivências dele, são as águas que correm constantemente. PIKUNAS diz: “Os efeitos que os pais causam nos filhos são de maior importância. A condição pré-natal reflete o estado e as correntes experiências da mãe. Os traços e atitudes dos pais moldam as tendências de comportamento dos filhos.” O Espaço da Criança no Seio da Família Dos sete alunos, que fizeram parte da minha investigação, três eram adotivos; dois, filhos do segundo casamento; e, um, os pais viviam juntos apenas para manter as aparências. As únicas instituições que faziam parte do universo social, dessas mães, eram a escola e o INPS. As pessoas que se relacionavam eram, a família, as vizinhas da vila e a patroa. Em seus depoimentos, confessavam a dor que sentiam ao ver o filho ser espancado pelo marido; o suicídio que era para seu corpo, entregar-se a um homem alcoolizado e com instintos selvagens; a dureza de fazer faxina, o dia todo, na casa da patroa e à noite lavar, passar, cozinhar para os filhos e o marido; a injustiça de muitas vezes não ter o que comer e precisar entregar sua pequena renda para as farras do marido, caso contrário, seria espancada. O que se poderia esperar na escola, de crianças que provinham desses lares? Importância da aprendizagem escolar na construção dos projetos de vida Somos o que somos através de nossos projetos de vida. Esta busca constante em lapidar e fazer brilhar a pedra bruta que somos, faz com que 12 vençamos as avalanches e os desafios que a vida nos proporciona, buscando alcançar nossos objetivos. A maioria dos professores dizia-me que os alunos não tinham interesse e que as famílias não valorizavam a escola. Minha convivência com os alunos e familiares fez-me perceber o contrário. Tanto os alunos, quanto seus pais, queriam e valorizavam muito o ensino escolar, o que faltava era “estímulo e espaço”, por parte da escola, para que eles ai permanecessem. Reflexões construídas durante a caminhada Ao chegar no final desta inesquecível experiência, faço algumas reflexões, que acredito sejam válidas para a interação entre ensinante e aprendente, visando melhor compreensão das dificuldades de Aprendizagem nos alunos de 1º Grau. Elas emergiram, durante o processo da investigação através de minhas vivências com pais professores e alunos. Evidenciei que a aprendizagem do sujeito está intrinsecamente vinculada a seus sentimentos. Sentimentos que são aflorados ou abafados, de acordo com a influência do meio. Eles têm sua origem na família, sua alimentação na escola seus reflexos no social. Na investigação, pude perceber o vínculo que o aluno faz da matéria com a pessoa do professor. As maiores dificuldades na aprendizagem desvelaram-se nas áreas cujos professores intimidavam seus alunos. Acredito na tese de que para haver o desejo de aprender, é necessário que haja, também o desejo de ensinar.. Ao chegarmos no final do século, deparamo-nos com a educação feita por meio de um livro didático, criado por um grupo de elite e padronizando o ensino universal. A escola adquire este livro, no qual o professor se ““enquadra” e o aluno não consegue enxergar-se nele. Diante disto, ocorre a atuação do professor, “ministrando” seu conteúdo para uma minoria, ficando a maioria impossibilitada de apropriar-se deste conhecimento. Foi preciso demonstrar-lhes, através de atos concretos, que eu acreditava em seu potencial adormecido e que eram sujeitos capazes de 13 ultrapassar qualquer obstáculo. Foi pelo aprender poder fazer, que resgataram sua auto-estima e, consequentemente, ampliaram seus conhecimentos. O maior índice de alunos tidos como portadores de dificuldades de aprendizagem, está nas crianças pobres e de raça negra. Qual a preocupação da escola, em relação à cultura e às prioridades destes alunos? Qual o espaço que o currículo escolar confere a estes alunos? A partir do momento em que o professor apropria-se do conhecimento sobre as diversas implicações existentes na família, passa a relacionar-se de forma diferente com o aluno. Os docentes de uma escola, não podem ser uma ilha isolada do mundo de seus alunos. Faz-se necessário refletir também, qual o comprometimento dos cursos de formação, em relação à construção e à interação do sujeito. Percebe-se que o professor trabalha e se relaciona, apenas com o aluno padrão. Aquele aluno que está dentro dos moldes de “bom aluno”, estipulado pelos padrões sociais da classe dominante. Os alunos e seus familiares depositavam na escolarização a esperança de realização de seus sonhos de ascensão social, representando a única possibilidade de atingirem seus projetos de vida. A grande maioria dos alunos, porém, sentiam-se incapazes de conciliar suas vivências da comunidade com a educação formal, oferecida pela escola. Era como se fosse um ideal, um objetivo impossível de ser atingido. A educação escolar é necessária à inserção dos jovens, como cidadãos, no mundo do trabalho, da cultura, das relações sociais e políticas. É importante que a escola assuma esse papel, pois o fracasso escolar de um indivíduo passa a significar a negação da possibilidade do exercício da cidadania. Como ensinante percebi, durante minha investigação, que só conseguia ensinar à medida que me sentia aprendendo com os alunos. Nesta relação de aprender-ensinando ou, talvez, ensinar-aprendendo, fomos crescendo juntos, inventando e reinventando nossa caminhada, construindo e reconstruindo nossas histórias de vida. Quero finalizar com algumas frases escritas por Fernando PESSOA E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada Para eles o sonho sonhado ou vivido , 14 Para eles a média entre tudo ou nada... Para mim todo um grande, um profundo...significado. Referências bibliográficas COMIOTTO, Mirian S. Adultos Médios : Sentimentos e Trajetória de Vida. Estudo Fenomenológico e Proposta de Auto-educação. Porto Alegre: UFRGS. Tese. (Doutorado em Ciências Humanas- Educação) Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1992. FERNANDEZ, Alícia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre : Artes Médicas, 1991. GIORGI, Amadeu. Phenomenology and Psychological Research. Pittsburg : Duquesne University Press, 1985. KEEN, Ernest. Introdução à Psicologia Fenomenológica. Rio de Janeiro : Interamericana, 1979. LUDKE, Menga. Pesquisa em Educação : Abordagens Qualitativas. São Paulo : EPU,1986. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. São Paulo : Martins Fontes, 1994. PESSOA, Fernando. Poesias, seleção e introdução de Cleonice Berardinelli. 2. ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985. PIKUNAS, Justin. Desenvolvimento Humano. São Paulo : M.G. Graws-hill do Brasil, 1979. SNIDERS, Georges. A Alegria na Escola. São Paulo : Editora Manoel Ltda, 1988. SOARES, Magda. Linguagem e Escola : Uma perspectiva social. 8 ed. São Paulo : Ática, 1991.