Arquitetura e implementação de um repositório para plantas medicinais em uso no Brasil Marcela Mayumi Mauricio Yagui1, Ana Cláudia de Macedo Vieira3, Sérgio Manuel Serra da Cruz1,2 1 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Programa PET-SI/UFRRJ Seropédica – RJ – Brasil 2 Programa Pós Graduação em Modelagem Matemática e Computacional/UFRRJ Seropédica – RJ – Brasil 3 Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ - Programa PET- Farmácia/UFRJ Rio de Janeiro – RJ – Brasil {marcela,serra}@pet-si.ufrrj.br, [email protected] Abstract. This paper presents a systems architecture and a medicinal plants database. Unlike other systems, our proposal brings together a variety of methodologies adopted from pharmacobotany domain. These characteristics may aid needs of students and researchers to manage semi-structured data which is currently scattered in various repositories in the laboratory. Resumo. Este trabalho apresenta uma arquitetura, um sistema web e um banco de dados de plantas medicinais, para o laboratório de Farmacobotânica da UFRJ. Diferentemente dos demais sistemas, a proposta reúne uma diversidade de metodologias adotadas em Farmacobotânica. Essas características suprirão as necessidades de alunos e pesquisadores, pois facilitará e gestão de dados semiestruturados referentes às pesquisas, que atualmente se encontram dispersos em diversos repositórios no laboratório. 1. Introdução O interesse pelas plantas medicinais é crescente em todo o mundo. O Brasil possui grande diversidade da flora mundial com cerca de 20% das espécies de plantas conhecidas no planeta, distribuídas em biomas tais como Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pantanal. As espécies nativas que ocorrem nestes ambientes apresentam grande variabilidade biológica, morfológica, anatômica e química, muitos dos quais ainda desconhecidos pela ciência. Contudo, a flora brasileira vem sendo progressivamente destruída (SOUZA e SOUZA, 1993; VARANDA, 2006; PORTAL BRASIL, 2012) e, deste modo, muitas espécies vegetais estão em fase de extinção, e outras já desapareceram antes de serem conhecidas pela comunidade científica (PORTAL BRASIL, 2012). Pesquisas científicas em Farmacobotânica são de longa duração e produzem grandes volumes de dados semiestruturados, eles são provenientes de múltiplas origens e são registrados em diversos meios e dispositivos. Por exemplo, esses estudos podem utilizar dados digitais e registros manuais em papel, formulários de entrevistas, utilizar fotografias e pranchas analógicas, podem registrar dados e anotações em dispositivos móveis, capturar fotos de câmeras de microscópios digitais, utilizar mapas e imagens de 61 satélites e dados de sensores e de aparatos científicos típicos da área (CRUZ et al., 2010). A análise de dados e produção de resultados científicos referentes aos estudos em Farmacobotânica é uma atividade morosa quando comparada aos estudos em computação. A coleta de amostras de plantas, dados primários e materiais frequentemente é feita de forma manual tanto no campo experimental quanto em diversas fontes de dados dispersas em vários meios. Essas buscas de dados e de referências estão, inicialmente, associadas às obras clássicas que, muitas vezes, apenas ilustram detalhes anatômicos de plantas, posteriormente, novas buscas mais refinadas são realizadas em bases de dados indexadas não ligadas. Portanto, a associação e o registro adequado desses dados são um desafio diário para os pesquisadores da área. Outro fato recorrente que dificulta a realização desse tipo de estudos se relaciona com a recuperação de informações químico-anatômicas das plantas medicinais. Tais estudos seguem metodologias experimentais complexas e suas etapas podem ser executadas por diversas pessoas, neste caso os resultados parciais são registrados em cadernos de bancada, arquivos digitais e imagens, sendo armazenados em diversos repositórios sem o uso de padrões de anotações. Por fim, é importante ressaltar que os estudos em Farmacobotânica são a base para posteriores estudos Fitoquímicos e farmacológicos complexos, e em vários casos, os dados ficam limitados ao grupo de trabalho e não são compartilhados com a comunidade. O objetivo deste artigo é apresentar um projeto de uma arquitetura, que engloba a construção de um sistema web e um banco de dados de plantas medicinais para o laboratório de Farmacobotânica da UFRJ que tem por finalidade facilitar a gestão de dados científicos daquele domínio do conhecimento. O artefato é fruto da parceria estabelecida entre grupos do Programa de Educação Tutorial (PET) do estado do Rio de Janeiro. Este trabalho está organizado da seguinte forma, a seção 2 caracteriza a área de aplicação, a seção 3 apresenta a arquitetura proposta, a seção 4 mostra a construção do protótipo da arquitetura, a seção 5 indica os trabalhos relacionados, e a seção 6 conclui o trabalho. 2. Farmacobotânica Pode-se definir a Farmacobotânica como uma área das Ciências Farmacêuticas que estuda a identificação de plantas para compor a base de medicamentos de origem vegetal, fazendo o uso de ferramentas complexas, como a sistemática, organografia, anatomia, histoquímica e microquímica. A Farmacobotânica compreende uma área muito relevante e tem ganhado destaque no ensino da Farmácia em instituições de países em desenvolvimento, já que os medicamentos baseados em plantas medicinais, em sua grande maioria, são produzidos com base em pesquisas na área. A padronização de dados das pesquisas desta área produz informações de grande relevância e que visam atender a grupos de pesquisa, alunos e consumidores. (OLIVEIRA e AKISUE, 1997; CRUZ e VIERA, 2010). 3. Arquitetura Proposta A arquitetura proposta está em fase de implementação e testes. Através de um levantamento prévio dos requisitos necessários para sua construção, obtidos por 62 intermédio de entrevistas com os usuários finais, foi possível obter uma melhor compreensão do ambiente em que a arquitetura será utilizada e das necessidades que ela deverá suprir. Em virtude disso, inicialmente foram elaborados diagramas na linguagem UML em vias de auxiliar na visão geral do sistema e de seus componentes, usuários e módulos, de modo a facilitar nesta fase de implementação e garantir que todos os requisitos levantados anteriormente sejam contemplados e que a eficiência do sistema seja otimizada. O banco de dados relacional foi projetado para armazenar dados de uma monografia de plantas medicinais, e mantém registros, tais como, nome científico, nomes populares, sinônimos científicos, parte utilizada, caracterização macroscópica e microscópica com suas respectivas imagens, formas de uso, indicação terapêutica, uso popular, contraindicações e interações, substâncias ativas, atividade farmacológica, origem e as referências bibliográficas. 3.1. Diagrama de Casos de Uso O diagrama descreve a relação entre atores e casos de uso do software e permite dar uma visão geral e de alto nível do sistema (SILVA e VIDEIRA, 2001). A Figura 1 constitui uma representação das principais funcionalidades do sistema e do modo como os usuários interagem com as mesmas. Figura 1. Diagrama de Casos de Uso do sistema De acordo com a Figura 1, algumas funcionalidades do sistema podem ser observadas, de acordo com níveis de usuários pré-estabelecidos. Os usuários precisam autenticar uma sessão para ter acesso às suas respectivas funções. O usuário Visitante pode realizar as seguintes atividades: - Consultar Planta Medicinal: Permite consultar todos dados referentes às pesquisas das plantas medicinais do laboratório, com o uso de parâmetros de busca pré-definidos; 63 - Gerar Relatório: Possibilita a consulta e geração de informações gerenciais e estatísticas do uso do sistema; - Visualizar Mapa de Localização: Exibição de um mapa contendo a localização de coleta de uma planta medicinal cadastrada no sistema; - Consultar artigos: Mostra uma lista de artigos publicados pela equipe do laboratório, além de fazer buscas nas bases de dados indexadas; - Contatar Administradores: Permite a um Visitante enviar dúvidas ou sugestões sobre um registro de planta medicinal para os Administradores. O usuário Pesquisador, além de ter a possibilidade de executar os casos de uso anteriores, pode realizar funções gerenciais, como: - Gerenciar Pesquisador: Permite a gestão dos dados referentes a um Pesquisador; - Gerenciar Artigos: Gestão dos artigos publicados; - Gerar Relatório: Possibilita a consulta e geração de informações gerenciais e estatísticas do uso do sistema; - Gerenciar Planta Medicinal, sendo opcional a execução de Gerenciar Imagem e Gerenciar Referências Bibliográficas: Permite a gestão dos dados referentes aos estudos farmacobotânicos de uma planta medicinal, bem como a gestão de suas imagens, dados experimentais e referências bibliográficas relacionadas; O usuário Administrador tem acesso a todas as funções do sistema, podendo realizar também: - Gerenciar Administrador: Permite a gestão dos dados referentes a um Administrador; - Validar dados: Autoriza a publicação dos dados realizada por um Pesquisador ou por visitantes. 3.2. Banco de Dados em Farmacobotânica A Figura 2 constitui uma representação do banco de dados e das relações existentes entre os dados armazenados dos usuários e do catálogo de plantas medicinais e das pesquisas em Farmacobotânica. 64 Figura 2. Fragmento do diagrama Entidade-Relacionamento da arquitetura Observa-se na Figura 2 a representação do diagrama Entidade-Relacionamento (DER) com as seguintes relações: Uma Planta Medicinal é uma espécie vegetal utilizada para fins terapêuticos, e armazena referência a um Nome científico, que é a forma universal de identificação do nome da espécie de organismo. Uma Planta Medicinal está relacionada com os seus Nomes populares, que são os nomes atribuídos aos organismos pela população; os Sinônimos científicos; e a Parte utilizada, que armazena a parte da planta na qual as propriedades curativas podem ser originadas. Uma parte está relacionada com a Caracterização macroscópica, que indica a análise e descrição de estruturas maiores, que podem ser realizadas sem o uso de instrumento óptico ou com pequenas lentes de aumento; Caracterização microscópica que faz a utilização de instrumentos ópticos, como microscópios, onde são observadas características com a forma da célula vegetal, as estruturas e seu conteúdo; as Formas de uso das plantas medicinais; a Indicação terapêutica mostra os usos já pesquisados e recomendados por especialistas; Uso popular, que registra o conhecimento empírico de uma planta; as Contraindicações e interações, onde uma contraindicação significa que um determinado emprego de uma substância não é adequado devido a uma circunstância particular de um indivíduo, e uma interação ocorre quando o efeito causado por uma droga, quando combinada com outra no mesmo período, é diferente que se fosse consumida sozinha; Substâncias ativas, onde a ação das drogas com o organismo ocorre devido à existência de princípios ativos, que são formados por um ou mais componentes químicos; Atividade farmacológica, que estuda os medicamentos e a ação que eles têm nos organismos vivos. Durante pesquisas em Farmacobotânica, são geradas diversas Imagens, que podem ser associadas com as Caracterizações macroscópica e microscópica. Uma Planta medicinal pode ser georreferenciada com o registo do seu local de Origem da coleta, como também a indicação da latitude e longitude. As Referências bibliográficas da pesquisa são armazenadas para posterior consulta. A entidade Usuários armazena registros relativos aos dados dos usuários que realizam a gestão do sistema, que são caracterizados por Nível de Usuário, que indica a 65 função administrativa a qual ele pertence. Essa gestão do sistema pode ser realizada por meio da gestão de Usuários, Artigos ou todos os dados associados a uma Planta Medicinal. 3.3. Mapeamento das espécies As APIs do Google Maps permitem que programadores adicionem a tecnologia do Google Maps em páginas da web. Cada API possui uma série de recursos embutidos, e as suas funcionalidades próprias podem ser utilizadas isoladas ou em conjunto com as demais APIs do Google Maps. (GOOGLE, 2015). Neste projeto, as APIs tornam-se imprescindíveis para a associação de imagens de espécies vegetais e anatômicas com seu local de coleta. Tal procedimento poderá ser obtido por meio da inserção das coordenadas geográficas do local da coleta no sistema. Isso irá permitir uma recuperação precisa da localização geográfica da coleta de uma planta, o que proporcionará aos usuários uma visão ampla e geral da aérea georreferenciada. Além disso, ao ponto geográfico poderão ser associadas às imagens da planta coletadas diretamente no campo. 4. Protótipo O paradigma da prototipação foi utilizado neste projeto de arquitetura, a fim de realizar um maior entendimento do domínio do problema por parte do desenvolvedor, e das necessidades enfrentadas pelos usuários finais do sistema, conforme definido por Pressman (2011, p.62). O protótipo foi desenvolvido na plataforma web, com a linguagem de programação PHP e o Sistema Gerenciador de Banco de Dados MySQL. Figura 3. Tela do protótipo do sistema A Figura 3 mostra uma tela do protótipo de interface da arquitetura proposta. Fazendo uso da API do Google Maps, o sistema exibe um mapa contendo georreferenciada a área de coleta de determinada planta medicinal, bem como a imagem fotografada no momento da coleta. O menu superior representa a navegabilidade do sistema, com cada item do menu indicando o acesso a uma funcionalidade definida previamente na fase de Elicitação e Análise de requisitos. 5. Trabalhos Relacionados 66 Os Royal Botanic Gardens de Londres (UNESCO, 2015) possuem uma vasta coleção de banco de dados sobre plantas e fungos. Dentre esta coleção, está presente o Medicinal Plant Names Services (MPNS). O MPNS trata da construção de uma base mundial para nomes e as respectivas referências bibliográficas sobre plantas medicinais. Esse banco de dados permite aos profissionais de saúde e pesquisadores que tenham acesso às informações sobre as plantas e produtos vegetais relevantes para a pesquisa farmacológica, medicina tradicional e alimentos funcionais (KEW, 2015). O Plant List of Accepted Nomenclature, Taxonomy and Symbols Database (PLANTS) é o banco de dados sobre espécies vegetais com o maior número de acessos do mundo. Fornece informações padronizadas sobre as plantas vasculares, musgos, hepáticas e líquens dos Estados Unidos. Ele abrange os atributos nome, listas de verificação, dados de distribuição, espécie, resumos, características, imagens, informações culturais, links da Web, e referências. O PLANTS Gallery possui um rico acervo digital de fotos e figuras, armazenado mais de 50.000 imagens de plantas norteamericanas, bem como imagens de plantas de outros países (USDA, 2015). No Brasil, o banco de dados PLANT foi desenvolvido pela Faculdade de Farmácia da UFMG, o banco de dados indexa referências bibliográficas de publicações brasileiras sobre plantas medicinais. Ele possui indexados aproximadamente 2.000 artigos publicados desde 1920 até atualmente em 22 periódicos do Brasil (MANHÃ et al., 2008). Existem diversos bancos de dados associados à área da botânica. Contudo, estes bancos estão desacoplados de sistemas quer permitam aos pesquisadores anexarem seus dados experimentais juntamente com os dados das plantas. Portanto, este trabalho se diferencia dos demais por interligar bases de dados distintas, correlacionar semanticamente imagens e permitir a visualização de mapas com a localização das coletas das plantas pela API do Google Maps. 6. Conclusão Graças à parceria estabelecida entre grupos PET, vislumbrou-se uma oportunidade de consorciar atividades de extensão para apoiar atividades de pesquisa na área de plantas medicinais e modelar e desenvolver um sistema de informação que possa dar suporte ao ensino e pesquisa de Farmacobotânica. A ferramenta é única em seu domínio e se apoia na necessidade de registrar, relacionar imagens, consultar e interligar bases de dados distintas no que tange as plantas medicinais para apoiar o desenvolvimento de novos medicamentos fitoterápicos. Através do desenvolvimento deste sistema, será possível auxiliar professores e pesquisadores no que diz respeito à gestão de dados relativos às pesquisas realizadas pelo laboratório. Graças à organização dos dados pela ferramenta, os alunos e outros pesquisadores poderão se beneficiar dos recursos do software na descoberta de novas aplicações para plantas medicinais brasileiras. 7. Referências Bibliográficas CRUZ, S. M. S., ARAUJO, G., MARQUES, M., CRUZ, P. V., GUIMARÃES, A. L. A., VIEIRA, A. C. de M. SIM: Um Ambiente para a Manipulação de Dados Farmacobotânicos. In: XXX Congresso da Sociedade Brasileira de Computação, 67 2010, Belo Horizonte, MG. WCAMA II Workshop de Computação Aplicada à Gestão do Meio Ambiente e Recursos Naturais, 2010. p. 545-554. CRUZ, S. M. S., VIEIRA, A. C. de M. Managing semantic annotations on medicinal plants. In: 2010 International Conference on Information Society (i-Society), 2010, p. 554–559. GOOGLE. API do Google Maps. Disponível em: <https://developers.google.com/maps/?hl=pt-br>. Acesso em: 20 ago. 2015. KEW. Royal Botanic Gardens, Kew. Disponível em: < http://www.kew.org/>. Acesso em: 21 ago. 2015. MANHÃ, E. M., SILVA, M. 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