Leitura de Textos Didáticos de Ciências para a Produção de um Resumo Coletivo em Tópicos sobre os Modelos Atômicos Fabrício Cruz Florêncio da Silva* Resumo O presente artigo relata a experiência com as turmas de 9º ano do Ensino Fundamental Anos Finais em 2011, no Colégio Novo Tempo, em um recorte de uma sequência didática sobre os modelos atômicos na representação das partículas da matéria, e é fruto de uma reflexão do conhecimento teórico sobre a leitura de textos didáticos em ciências e as suas interpretações pelos alunos, e o papel dos modelos no ensino de ciências. Palavras-chave: Ensino de Ciências; Modelos Atômicos; Leitura em Ciências. Reading Textbooks of Science in the Production of a Collective Summary in Topics on Atomic Models Abstract This article reports the experience with the classes of the 9th grade of Fundamental Education in 2011, from Novo Tempo School, in a clipping from an instructional sequence about the atomic models in the representation of the matter’s particles, and its result’s reflection of the theoretical knowledge about reading textbooks in science and their interpretations by the students, and the role of the models in science education. Key-words: Teaching Science, Atomic Models, Reading in Science. * Graduado e Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Cecília (UNISANTA - SP) e Pós-Graduando em Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal do ABC (UFABC - SP); professor de Ciências do Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio na rede pública e privada. http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] Introdução Aprender ciências requer apropriar-se das formas linguísticas de formalizar a cultura científica, construídas ao longo dos séculos e transmitidas, fundamentalmente, a partir de textos escritos. (Neus Sanmarti) Um texto didático de Ciências Naturais é uma produção informativa que se origina de um processo de reescrita de textos de artigos científicos. Estes últimos, por sua finalidade de comunicação a um público seleto de especialistas, possuem um repertório de recursos próprios e específicos, tais como esquemas, tabelas, gráficos, expressões matemáticas e símbolos (SÃO PAULO, 2007, p.23). Segundo Algabli (1996), e Bizzo (2000), a divulgação do que se produz em Ciência supõe a tradução de uma linguagem especializada para uma leiga, visando atingir um público mais amplo e, por esta razão, um texto didático não informa todo o processo de produção do conhecimento que apresenta e que dificilmente leva o leitor a reconstruir todas as etapas que os antecederam. “Sem as condições em que foi produzido, o dizer da ciência perde a historicidade, sem processos de construções visíveis, torna-se absoluto e difícil de ser internalizado. Dessa forma destina-se a poucos”. (ALMEIDA, 1998). Por estas características peculiares, ler textos didáticos de Ciências configura um desafio para os alunos, no que diz respeito a sua complexa interpretação e, para o professor de Ciências Naturais, que precisa considerar essas omissões quando os utiliza em suas sequências. Neste momento, muitas vezes é preciso que o professor amplie algumas ideias e conceitos e forneça informações ausentes que tornarão facilitada a interpretação do texto de Ciências. De acordo com Espinoza (2006), assim como conceitos, a leitura de textos nas aulas de Ciências Naturais é conteúdo para planejamento, ensino e aprendizagem. No entanto, apesar de utilizá-la em atividades com os seus alunos e requisitá-la para estudo dos conteúdos abordados, o professor habitualmente não a leva em conta como conteúdo a ser ensinado. http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] No entanto, essas características do texto didático da área precisam ser apresentadas aos alunos, até para que concebam a produção do conhecimento como um processo que está, inclusive, inacabado (BIZZO, 2000, p.10). Para isso o professor precisa ser o mediador entre o aluno e o texto na formação de leitores. “A contribuição do professor de Ciências para o desenvolvimento da competência leitora e escritora dos alunos abrange o entendimento da leitura como objeto de ensino e ferramenta de aprendizagem” (LERNER, 1996). Considerando o desenvolvimento da competência leitora como um conteúdo procedimental de aprendizagem em Ciências Naturais, foi proposta em um trecho da sequência sobre modelos atômicos a leitura compartilhada e dialogada, entre alunos e professor, dos textos didáticos sobre o assunto. Como grande parte dos textos de Ciências, estes também possuem uma série de conceitos e descrições que os tornam densos e de difícil interpretação pelos alunos, se não forem oferecidas pelo professor algumas informações que facilitem a sua compreensão abstrata. 1. A construção de ideias sobre a estrutura da matéria no início da sequência didática É importante informar que, antes de chegar-se neste ponto da sequência didática, os alunos puderam discutir as características da matéria (as gerais e as específicas) a partir das razões para que um determinado material seja utilizado com uma específica finalidade. Desta forma, puderam comparar os diferentes materiais e as suas interações com a luz, com a energia térmica, com a energia elétrica e sob a ação de forças mecânicas a partir de experimentações e das informações presentes nos textos do livro didático. Neste momento, surgiram questionamentos sobre a estrutura da matéria e, para nomear a menor parte dos materiais, utilizou-se de maneira genérica o termo partícula, ainda sem a intenção de identificar o tipo de elemento químico que os constituíam. Finalizada esta etapa de comparação entre as diferentes propriedades apresentadas por todos os materiais, começou-se a refletir o porquê dessas características assim se apresentarem e os questionamentos sobre a participação da composição nestas diferenças tornaram-se mais presente nos diálogos dos alunos. Neste momento, foi http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] necessário elucidar o fato que as substâncias que constituem os materiais nem sempre são puras e que as suas propriedades individuais podem ficar alteradas dependendo da mistura. Desta forma, conseguiu-se estabelecer, com ajuda de uma tabela que comparava as propriedades de diferentes materiais e substâncias, que as substâncias puras possuem propriedades constantes quando submetidas às diferentes condições de luz, de energia térmica, de energia elétrica, e quando submetidas à ação de uma força mecânica. Na sequência, voltou-se a discutir a ideia genérica da partícula, e apresentou-se um texto que trata da modificação das ideias sobre a estrutura da matéria ao longo do tempo e que tornou possível perceber quantas interpretações diferentes das que temos hoje foram descartadas ao longo da história, justamente em razão dos sucessivos conhecimentos produzidos sobre este assunto. Foi neste momento que se propôs a reflexão do papel dos modelos em Ciências. 2. Os modelos teóricos para interpretar a estrutura da matéria – o átomo “Modelos são as principais ferramentas usadas pelos cientistas para produzir conhecimento e um dos principais produtos da ciência. Através de modelos, os cientistas formulam questões acerca do mundo; descrevem, interpretam e explicam fenômenos; elaboram e testam hipóteses; e fazem previsões. O desenvolvimento do conhecimento científico relativo a qualquer fenômeno relaciona-se normalmente com a produção de uma série de modelos com diferentes abrangências e poder de predição. Estas são razões suficientes para justificar a centralidade do papel de modelos no ensino e na aprendizagem de Ciências” (MONTEIRO e JUSTI, 2001). Construímos modelos para explicar o que não vemos ou o que não podemos tocar. Em Ciências, os alunos devem conhecer e entender os principais modelos científicos relativos aos tópicos que estão estudando, assim como suas limitações e abrangência. Para isso o professor precisa garantir o desenvolvimento de uma visão adequada sobre a http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] natureza dos modelos, para que seus alunos sejam capazes de avaliar o seu papel específico no desenvolvimento do conhecimento científico (JUSTI e GILBERT, 2002). De acordo com Souza et al (2006), modelos podem ser utilizados pelos professores com o objetivo específico de ajudar os alunos a entenderem algum aspecto do que se deseja ensinar. Portanto, torna-se indispensável a discussão com os alunos do papel dos modelos científicos quando eles são propostos pelos cientistas para a interpretação dos conhecimentos produzidos. Partindo desta premissa, sabe-se que a interpretação da estrutura da matéria ao longo da história tem sido ilustrada por meio da proposição de modelos, a partir dos fatos observados e registrados pelos cientistas sobre o comportamento dos materiais. Os modelos atômicos são representações de um conjunto de conhecimentos propostos em diferentes momentos da história, e que podem ser utilizados de forma didática para facilitar a compreensão do comportamento da matéria. É por isso que não podemos compreender o conceito de átomo se não soubermos a maneira como ele vem sendo construído ao longo do tempo. Para iniciar essa discussão com a turma, foi proposto pelo professor que os grupos previamente organizados construíssem uma caixa preta (TRIVELLATO et al, 2008, p. 44-45) que consistia em uma caixa de sapatos, totalmente vedada ,com um objeto em seu interior que fosse conhecido somente pelo grupo criador da caixa. Na aula seguinte, após a confecção, os grupos trocaram as caixas e o professor solicitou que tentassem investigar, sem abri-las ou rompê-las, o objeto que havia sido colocado no interior. Foi orientado que os alunos fossem esquematizando e registrando as hipóteses para explicar o possível objeto que desconfiavam estar dentro da caixa. Ao observar este processo, viu-se que os alunos procuravam estimar a massa da caixa – sem o uso da balança, movimentá-la e sacudi-la na tentativa de identificar o objeto pelos sons emitidos em seus movimentos e no choque com as paredes internas da caixa. Durante esta investigação, as representações das hipóteses mudaram algumas vezes e, ao final dela, a maioria dos grupos tinham mais de uma representação em que acreditavam para explicar o material no interior da caixa. Após esta etapa, o professor solicitou que os alunos socializassem as suas representações com os outros grupos, e comentassem sobre as dificuldades que tiveram http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] para fazê-las. Durante a discussão, os alunos pontuaram, entre outras, que a principal dificuldade era a de representar esquematicamente algo que não conseguiam ver e, principalmente, a de pensar sobre o material que constituía aquele objeto. Finalizada esta primeira discussão, os alunos puderam fazer pequenos furos na caixa e atravessar por entre ela alguns clipes de metal, na tentativa de coletar maiores informações a respeito do objeto, que pudessem confirmar ou negar as hipóteses que já haviam proposto. Depois dessa investigação, algumas hipóteses foram complementadas, como por exemplo, em um determinado grupo que percebeu que o objeto enganchava no clipe; fato que tornou possível que eles repensassem os possíveis materiais que podiam constituí-lo. Figura 1 – Caixa preta vedada com objeto escolhido pelos alunos A socialização final possibilitou que os alunos percebessem como a produção de um modelo pode representar um objeto que não podemos ver, mas que temos fortes evidências de que ele existe e do que pode ser constituído. Além disso, a discussão levou-os a perceber que tudo que sugeriram para explicar do que era constituído o objeto partiu de conhecimentos que eles já tinham sobre os materiais, tornando possível que criassem hipóteses sobre eles. Desta forma, o professor propôs o seguinte questionamento para ser discutido: “Vocês acreditam que existe relação entre a investigação e representação de um objeto http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] oculto dentro de uma caixa, como acabamos de fazer, e o trabalho de investigação que os cientistas fazem sobre as partículas que compõem os materiais? Se sim, quais?” Os alunos colocaram que o cientista também investiga “muitas coisas” que não podem ver, e que possuem dificuldades para tentar “explicar às pessoas” o que estão estudando. A partir dos comentários, o professor auxiliou os alunos no estabelecimento das demais relações, convidando-os a comparar os esquemas que fizeram, com os modelos que os pesquisadores criam para ilustrar suas ideias e os conhecimentos produzidos, lembrando que eles se baseiam sempre em conhecimentos prévios dos próprios cientistas. Para encerrar a discussão, foi pedido que os alunos procurassem dar exemplos de modelos científicos já estudados. Os modelos dos sistemas humanos, de células animal, vegetal e bacteriana, e do Sistema Solar etc., foram citados por eles e pelo professor nesta última relação. Portanto, colocou-se que os modelos são importantes instrumentos na representação de conhecimentos abstratos, que podem mudar, e tornarem-se mais complexos à medida que novas evidências e conhecimentos são produzidos naquela área de estudo. Quanto mais eficiente para explicar o objeto de estudo, mais o modelo será aproximado da realidade. Torna-se importante ressaltar que o ensino de Ciências tem como um dos objetivos aproximar os alunos dos conhecimentos científicos produzidos a cada nova sequência didática, por meio de sucessivas aquisições cada vez mais complexas sobre o que os cientistas consideram como válido na atualidade. Desta forma, não se pode achar que e escola deva apresentar esses conhecimentos à maneira como ocorre entre os cientistas, pois essas apresentações devem levar em consideração as características próprias do conhecimento, mas também a capacidade de raciocínio dos alunos, seus conhecimentos prévios e cotidianos (BIZZO, 2000, p. 27; POZO, 2009, p.68-69). Por isso, nesta sequência didática, pretendeu-se aproximar os alunos da importância dos modelos para entender Ciência e propor um primeiro contato com os modelos criados para explicar a partícula que constitui a matéria, pois, conceitos mais complexos e modelos mais aprimorados ainda lhes serão apresentados no Ensino Médio, mas que somente serão compreendidos de maneira adequada se esta primeira aproximação for realizada de forma a perceberem esses aspectos dos modelos. http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] Compreendida a importância dos modelos em Ciências na representação de conceitos abstratos - como a partícula da matéria; partiu-se para o estudo dos textos que informavam como os cientistas propuseram os modelos atômicos mais utilizados (os modelos de Dalton, Thomsom e Rutherford). É nesta etapa que se iniciou a leitura compartilhada e a produção de um resumo coletivo em tópicos. 3. Leitura compartilhada e produção de um resumo coletivo em tópicos Os textos referidos neste artigo fazem parte da sequência de textos do livro didático adotado (TRIVELLATO, 2008, p.42-57) e foram oferecidos somente quando o professor julgou haver um propósito para a sua leitura. É necessário criar situações-problema que gerem dúvidas instigantes sobre o tema a estudar e permitam que os estudantes revelem suas concepções por meio de conversas, desenhos e textos próprios. O resultado é que no momento da leitura eles já terão uma concepção mínima do assunto, diferente da que tinham no início dos trabalhos. (ESPINOZA, 2007). Criadas as condições para a leitura por meio das discussões iniciais, sobre como eles acreditavam que foram propostos os primeiros modelos para explicar a partícula da matéria, foi proposta uma leitura compartilhada (TEBEROSKY et al, 2003, p. 51) entre alunos e professor, a começar pelas interpretações dadas às partículas da matéria pelos primeiros filósofos na antiguidade, como Anaxágoras de Clazômenas (500 a.C. – 428 a.C.), Leucipo de Mileto (460 a.C – 380 a.C.) e Demócrito de Abdera (460 a.C. – 370 a.C.), sendo este último o responsável pela denominação da partícula da matéria como átomo (do grego, indivisível), pois, julgava que as partículas da matéria seriam indivisíveis, invisíveis e em constante movimento – assim como ele via as partículas de poeira quando sobre um feixe de luz (TRIVELLATO et al, 2008, p. 45-46). Foi neste momento que se começou, também, a adotar gradualmente o termo átomo para se referir à partícula da matéria e, assim, nomear os modelos que os textos apresentavam como modelos atômicos. Após esta leitura, discutiu-se a distância que muitas das ideias que os primeiros filósofos tinham, dos conhecimentos que já se têm hoje sobre o átomo. Muitas dessas http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] ideias também faziam parte do repertório de conhecimentos prévios dos alunos, como por exemplo, que o átomo não podia ser dividido em partículas ainda menores, ou que todos eram constituídos igualmente, somente variando na sua forma e tamanho. Como é muito peculiar na história da Ciência, e ainda hoje, alguns assuntos podem ficar esquecidos durante anos, até que novas evidências surjam e ele comece a ser alvo de estudo pelos cientistas novamente. Nem sempre estes grandes recortes na história são apresentados nos textos didáticos, fornecendo uma impressão equivocada do processo de produção científica, como se o produto final do conhecimento tivesse sido construído sem grandes desafios. As lacunas que o texto não diz, podem dificultar não apenas a compreensão, mas também o desenvolvimento de uma concepção de ciência como construção social e do processo de produção científica somente como uma sequência específica de procedimentos. (SÃO PAULO, 2007, p.25). Sabe-se que entre as ideias dos filósofos e do modelo de Dalton, passaram-se aproximadamente dois mil anos sem que novas contribuições significativas fossem agregadas a essas primeiras explicações. Esta informação foi discutida com os alunos de modo a apresentar este imenso recorte na história dos modelos atômicos, até para que percebessem por quanto tempo as ideias dos filósofos prevaleceram. Somente em 1803, com as contribuições da teoria atômica de John Dalton (1766-1844), deu-se mais um passo significativo (TRIVELLATO, 2008, p.46-57). Oferecida esta importante informação para a compreensão do “fazer científico”, iniciou-se a leitura – por um aluno voluntário, sobre as contribuições de Dalton com a sua teoria. Este era um texto já bastante resumido, com informações precisas e em tópicos. Este trabalho foi o de discutir coletivamente cada informação e classificá-las como totalmente novas ou complementares aos conhecimentos dos filósofos. Nesta discussão, já se começou a sistematizar informações mais importantes e organizá-las no resumo em tópicos. Enquanto fez-se o debate, produziram-se pequenos textos que sintetizavam as ideias de maneira coletiva – o professor procurou pouco intervir nesta produção, auxiliando somente com a proposição de alguns termos mais adequados para http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] redigir as interpretações colocadas pelos alunos. Os tópicos coletivos foram sendo produzidos em uma apresentação de slides junto com toda a turma (Fig.2). Modelos atômicos Ideias sobre a partícula da matéria ao longo da história 9º Ano do Ensino Fundamental Figura 2 – Slide de abertura do resumo coletivo em tópicos. No slide havia uma representação do modelo que fora previamente escolhida pelo professor (Fig.3). Figura 3 – Representações dos modelos atômicos para ilustração dos tópicos. http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] Após a leitura, percebeu-se que Dalton já considerava a construção de moléculas pela união de átomos. O professor aproveitou esta informação para apresentar este conceito que se mantém até hoje. Além disso, observou-se seus primeiros símbolos para representar os elementos químicos, e discutimos possíveis concepções que Dalton deveria possuir dos elementos para representá-los daquela forma. É importante ressaltar que o texto didático não nos fornecia esta informação, mas, imersos neste assunto, os próprios alunos muitas vezes sentiam-se capazes de levantar hipóteses que, possíveis ou não, refletiam uma característica da leitura de textos em Ciências: a interação do leitor com o texto ao fazer inferências, o que implica conhecer o que ele já sabe (SÃO PAULO, 2007, p.25-26) - neste caso, a informação de que modelos surgem de fatos e evidências observadas pelos cientistas de uma época. Modelo atômico de Dalton • • • • • • • Um dos primeiros modelos propostos para o átomo; Em forma de esfera, redondo e maciço (indivisível); Não sofrem alterações nas transformações químicas; Cada átomo possui a sua massa, e ela serve para diferenciá-los. A combinação de átomos formam as moléculas; A combinação entre os átomos é resultado da união de átomos inteiros (não existe moléculas com metade de um átomo); Os componentes binários eram mais estáveis. Figura 4 - Tópicos sobre o modelo atômico proposto por Dalton Antes de iniciarmos a leitura do próximo texto, o professor colocou o seguinte questionamento à turma: “Sabemos que o modelo atômico de Dalton propõe uma explicação para a constituição dos materiais. Porém, ele pouco contribuiu para explicar o comportamento dos materiais na natureza. É possível, por exemplo, explicar por que os átomos de um determinado metal, como o cobre, podem conduzir melhor a eletricidade do que um pedaço de madeira?” http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] Após uma pequena discussão, concluiu-se que o modelo de Dalton não tornou possível a explicação de todos os fenômenos que envolvem a matéria. Sendo assim, características ainda inexplicáveis continuaram a ser investigadas pelos cientistas, e anos depois, baseando-se também no modelo atômico de Dalton, novas contribuições foram propostas por Joseph John Thomson (1856-1940) que foram determinantes para explicar as características elétricas dos materiais. O texto que explicava como Thomson propôs o seu modelo atômico era complexo e possuía termos ainda desconhecidos pelos alunos, como a radioatividade. Neste sentido, este foi o texto mais difícil de ser lido, pois os alunos tiveram que voltar nele algumas vezes – ora coletivamente, ora em duplas e ora de maneira individual. Sobre a radioatividade, o próprio texto didático fornecia uma informação bastante genérica sobre o conceito, sendo que seu objetivo principal não era a abordagem deste assunto. Ela foi suficiente para que os alunos se aproximassem da ideia de como Thomson descobriu a presença de cargas elétricas no átomo. Na sequência de produção dos tópicos, fomos sistematizando as informações que o texto nos fornecia, discutindo-as, e redigindo, coletivamente, as conclusões para este modelo (Fig.5). Modelo atômico de Thomson • • • • Esfera maciça que apresentava cargas elétricas positivas e negativas (elétrons); Ele discordou do modelo de Dalton pois este não explicava a corrente elétrica; Ele explicou que os elétrons formavam a corrente elétrica, quando se desprendiam do átomo e seguiam em direção ao pólo positivo; Foi possível explicar também a radioatividade. Figura 5 – Tópicos sobre o modelo atômico proposto por Thomson. http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] Com o estudo do modelo de Thomson, pode-se ressaltar aos alunos a contribuição de estudos anteriores na elucidação do problema investigado por ele. Thomson precisou acessar os conhecimentos produzidos por outros cientistas sobre a radioatividade, para propor a presença de cargas elétricas no seu modelo, baseado no fato de como os materiais se comportavam em interação com diferentes radiações. A partir deste conhecimento, ele pode produzir outros novos. Continuando nossos estudos, vimos que, até 1911, o modelo de Thomson foi bem aceito para explicar os questionamentos que se faziam sobre o átomo e a matéria. Contudo, neste mesmo ano, o cientista Ernest Rutherford (1871-1937) obteve dados experimentais que o levaram a propor modificações no modelo de Thomson (TRIVELLATO, 2008, p.54-55). Nesta etapa os alunos já reconheciam que um critério importante para que um modelo seja bem aceito, é que possa ser testado diversas vezes na explicação de um fenômeno, e que suas respostas sejam eficientes para tal. Desta forma, quando Rutherford obteve novos dados a respeito do átomo, e que não eram explicadas pelo modelo anterior, surgiu a possibilidade dele propor modificações neste modelo aceito até então. A partir dessas constatações, partiu-se para o estudo desses experimentos feitos por Rutherford a fim de compreender o seu modelo atômico. A leitura destes textos foi proposta individualmente, principalmente por que os conhecimentos necessários para que o seu entendimento fosse possível já haviam sido apresentados nos textos e discussões anteriores. Antes de iniciá-la, o professor orientou que os alunos se ativessem às etapas do experimento feito por Rutherford, retirando do texto os resultados e as conclusões que ele obteve – a diferenciação entre o resultado e a conclusão de um experimento é discutida em atividades experimentais desde os anos anteriores, e já se concebia que os alunos tivessem este conceito construído. Após a leitura, o professor levantou com os alunos os resultados e conclusões descritos no texto e, antes de apresentar a imagem do novo modelo, solicitou-se que colocassem como acreditavam que Rutherford havia modificado o modelo de Thomson. Entre as colocações dos alunos, a mais citada foi a de que o experimento provava que o átomo não era maciço. Desta forma, tornou-se mais facilitada a compreensão do modelo http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] proposto por Rutherford, principalmente no que diz respeito ao conceito de espaços vazios, uma ideia complexa de ser construída (Fig.6). Modelo atômico de Rutherford • • • • • Descreveu uma região maciça chamada núcleo (prótons – cargas positivas); As outras partículas do átomo são menos densas que o núcleo; Os elétrons são muito menores que os prótons, e são os responsáveis por desviar a radiação; Existem espaços vazios entre o núcleo e os elétrons (pode ser dividido em partes menores); Os elétrons se movimentam ao redor do núcleo. Figura 6 – Tópicos sobre o modelo atômico proposto por Rutherford. Antes de encerrar-se a produção do resumo, fez-se coletivamente a leitura de um texto sobre as novas ideias que ainda foram agregadas a este modelo nos últimos anos. Colocou-se que, ainda sim, este modelo não era eficiente para estudar todas as características da matéria, e que eles ainda conheceriam novos modelos mais eficientes para essas explicações. No entanto, foi exposto pelo professor que para os objetivos de estudo nesta etapa escolar, o modelo atômico de Rutherford era suficiente, e era ele que seria utilizado para representar o átomo nas discussões seguintes. Finalizado e revisado pela turma e pelo professor, o arquivo foi disponibilizado no ambiente virtual de aprendizagem da escola, para que os alunos pudessem acessá-lo durantes seus estudos em casa. http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] Considerações Finais “A imagem que os alunos têm a respeito da natureza do conhecimento científico afeta a sua aprendizagem e interfere nas ideias que chegam a construir e no vínculo que conseguem estabelecer com o mesmo” (ESPINOZA, 2010 p. 13-14). As estratégias utilizadas pelos professores de Ciências para propor aos alunos uma leitura de textos da área podem contribuir para a construção de uma concepção estática e absoluta de Ciência, como se esta fosse produzida para poucos que conseguem compreender os seus termos. Portanto, o ensino da leitura de textos de ciências deve ser elencado como um conteúdo procedimental de aprendizagem, devendo fazer parte do programa de ensino do professor como todos os conteúdos conceituais. No planejamento do professor deve-se admitir, também, que a Ciência se comunica na forma de textos escritos, como jornais, revistas e artigos de divulgação científica que cumprem, nesse caso, papel relevante na divulgação de conhecimentos. Estes supõem um leitor ativo, que tenha desenvolvido habilidades para não apenas compreender a informação, mas questioná-la, inferir o posicionamento do autor e identificar valores, distinguir os fatos das opiniões sobre os fatos e tomar posição em relação ao texto (SÃO PAULO, 2007, p.23-26). Durante as discussões dos textos e da atividade prática, o professor incentivou que os alunos se posicionassem quanto às interpretações que obtiveram na leitura, que as confrontassem e argumentassem com os colegas, que antecipassem informações elaborando hipóteses, que imaginassem representações, que esquematizassem modelos explicativos próprios e, principalmente, que refletissem sobre os processos de produção dos conhecimentos que estavam disponíveis a eles nos textos didáticos. Neste percurso, tornou-se evidente que a complementação dos textos didáticos, com informações referentes à produção dos conhecimentos por ele abordados, é importante para que os alunos não criem expectativas negativas quanto à leitura do texto – acreditando que não conseguiriam compreendê-lo e discuti-lo com o grupo. Os debates realizados antes da leitura foram importantes na criação de condições para que os alunos lessem o texto com um propósito – na busca de respostas, e de informações http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] complementares referentes à continuidade do processo histórico que envolve a produção dos modelos atômicos. Há de se ressaltar que sequências de leitura, como esta apresentada, demandam tempo didático, porém, favorecem a construção da competência leitora na área, para uma adequada compreensão de outros textos cada vez mais complexos sobre este e outros assuntos que serão oferecidos no Ensino Médio. Fazendo-se uma reflexão deste percurso sobre os modelos atômicos, ainda sugere-se, para um ano seguinte, a construção tridimensional dos modelos, utilizando materiais escolhidos pelos alunos, por tornar ainda mais aproximada do grupo o propósito de um modelo: o de representar para o estudo e para o melhor entendimento aquilo que se pode ver. Neste recorte da sequência aqui exposto, o professor não elencou como objetivo principal ensinar a produção de resumos. Entende-se que este também é um conteúdo procedimental de aprendizagem e que pode ser trabalhado a partir de outras estratégias que não se limitam à produção de tópicos. O que se priorizou foi o ensino de algumas estratégias para leitura dos textos científicos e a construção de competências que envolvem este procedimento, em uma abordagem focada no processo de produção do conhecimento científico. Foi intenção do professor que os alunos percebessem que os conhecimentos sobre os modelos atômicos são cumulativos, que não se anulam, mas se ajustam e se complementam. O modelo mais atual para explicar o átomo é resultado de sequenciais remodelações baseadas no crescente conhecimento científico e que está inacabado. Sobre a existência de outros modelos atômicos, o professor citou que seriam utilizados quando eles avançassem nos estudos sobre a matéria, no Ensino Médio, quando estes modelos aprendidos não fossem mais suficientes para o entendimento dos novos conceitos. Portanto, sugere-se que momentos de leitura compartilhada entre professor e alunos podem ser uma estratégia pertinente, mas não a única, para ensinar a ler textos em Ciências. Para isso, o professor precisa conhecer bem os textos que está oferecendo, para que possa provocar discussões anteriores à leitura que motivem o acesso dos alunos às informações nele presentes, além de se posicionar como um modelo de leitor http://praticaspedagogicas.colegionovotempo.com.br E-mail: [email protected] para eles – inferindo, argumentando, levantando hipóteses – e incentivando a tomada desses procedimentos por parte dos alunos. Referências Bibliográficas ALGABLI, S. Divulgação Científica: informação científica para a cidadania? Ci. Inf. Brasília: v.25, n.3, p. 396-404, 1996. ALMEIDA, M. J. M. O texto escrito na educação em Física: enfoque na divulgação científica. In: ALMEIDA, M. J. M.; SILVA, H. C. S. (Org.). Linguagens, leituras e ensino da Ciência. Campinas: Mercado de Letras, ALB, 1998. BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? Palavra de Professor. São Paulo: Editora Ática, 2000. ESPINOZA, A. La especificidad de las situaciones de lectura en “naturales”. Lectura y Vida. 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