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TENOCHTITLÁN: representações da capital do império asteca
Elis Regina Basso – Unioeste (PG)/CAPES 1
RESUMO: Este estudo objetiva analisar como a cidade de Tenochtitlán foi representada tanto na
lírica asteca pré-hispânica quanto no muralismo mexicano do século XX. O corpus selecionado está
composto pelo canto Canto de Netzahualcóyotl de Acolhuacan (con que saludó a Moctezuma el viejo,
cuando estaba éste enfermo), pelos poemas El camino del agua desde Chapultepec e Desde donde se
posan, recopilados por Miguel León-Portilla no livro Cantos y crónicas del México antiguo e pelo
mural La Gran Ciudad de Tenochtitlán (1945) do mexicano Diego Rivera. Para tanto, os poemas e o
canto serão confrontados entre si e com o mural à luz dos estudos de Walter Mignolo (2003; 2007) no
que se refere ao loci de enunciação dos sujeitos produtores das obras selecionadas. O mural será
analisado também segundo os pressupostos teóricos sobre a imagem artística de Martine Joly (2008).
Desse modo, pretende-se expor como diferentes loci de enunciação evocam distintas representações
acerca de um mesmo espaço geográfico, no caso, a cidade de Tenochtitlán, capital do Império Asteca.
PALAVRAS-CHAVE: Representação; Loci de enunciação; Tenochtitlán.
INTRODUÇÃO
A cidade não é apenas um espaço físico, mas também um espaço perpassado pela ideologia de
um povo, pelos costumes, hábitos e crenças. Estes podem ser presentificados na arte, toma-se aqui,
especificamente, a arte escrita e a arte pictórica. Tais representações são inúmeras ao longo da história
de uma cidade, o passado se mescla ao presente, os resquícios da cidade do ontem podem ressurgir na
cidade do hoje.
Nesta pesquisa, buscar-se-á analisar as expressões artísticas que têm por tema Tenochtitlán, a
fim de averiguar como o “lócus de enunciação” (MIGNOLO, 2003; 2007) interfere em um mesmo
corpus. Assim, a cidade será vista a partir de produções pré-hispânicas, o canto Canto de
Netzahualcóyotl de Acolhuacan (con que saludó a Moctezuma el viejo, cuando estaba éste enfermo),
os poemas El camino del agua desde Chapultepec e Desde donde se posan, que foram recopiladas por
Miguel León-Portilla no livro Cantos y crónicas del México antiguo.
Os textos poéticos serão confrontados entre si e com o mural La Gran Ciudad de Tenochtitlán
de 1945, pintado pelo mexicano Diego Rivera (1886-1957) no Palácio Nacional da Cidade do México,
tem-se, então, uma obra moderna que representa uma cidade pré-hispânica. Desse modo, existem dois
olhares sobre Tenochtitlán, um de quem nela viveu, o dos poetas astecas, e um de quem nela nunca
habitou, mas a representou, o pintor Diego Rivera. Há, assim, duas óticas uma interna e outra externa
sobre a materialidade do espaço urbano asteca.
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Mestranda em Letras área de concentração em Linguagem e Sociedade, linha de pesquisa: Linguagem Literária
e Interfaces Sociais: estudos comparados. Orientadora: Dra. Ximena Antonía Díaz Merino. Trabalho financiado
pela Capes.
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CUÍCATL: A LÍRICA ASTECA
Em 1524 Hernán Cortés e suas tropas chegaram a Tenochtitlán, capital do Império asteca e
após diversas batalhas massacraram a sociedade que ali vivia, restaram poucos indígenas, os quais
tiveram de se adaptar aos costumes europeus, ou melhor, espanhóis. Apesar disso, “[...] la imposición
venida de fuera no logró, a la postre, la desaparición total del universo de símbolos, pensamiento y
expresión del alma indígena” (LEÓN-PORTILLA,[S.D], p.10). De modo que, graças ao trabalho de
alguns estudiosos que se preocuparam em preservar os textos escritos pelos pré-hispânicos é que se
pode dizer que há literaturas pré-hispânicas no México, dentre elas a escrita pelos astecas.
Os astecas escreveram principalmente poesias, conforme Paz (1998, p.12), “A poesia pertence
a todas as épocas: é a forma natural de expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem
os que não têm prosa. [...] é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções, mitos ou outras
expressões poéticas”. O povo supracitado tem uma mitologia riquíssima, sendo que a poesia e as
canções presentificam tais características.
Já a prosa, tal qual se concebe na atualidade (romances, contos, crônicas etc.) não foi
desenvolvida por este povo pré-hispânico. Entretanto, foram escritas tlatollis, que os astecas definiam
por “[...] palabra, discurso, relato, historia, exhortación” (LEÓN-PORTILLA, ano, p.27). Estas
poderiam ser palavras dos anciãos, sobre as divindades, relatos sobre coisas antigas, lendas, narrações,
entre outros.
Em relação à lírica, León-Portilla [S.D.] afirma que os astecas desenvolveram o poema e o
cuícatl (cantos) os quais eram nomeados e tinham como tema as divindades, as vitórias dos mexicas e
de outros povos contra os inimigos, cantos de águias, cantos de ocelotes ou gato-do-mato, cantos de
flores, de primavera, cantos de tristeza, isto é, obras representativas da mitologia deste povo préhispânico.
Conforme León-Portilla [S.D.], as poesias astecas foram criadas para serem cantadas em
reuniões e festas com acompanhamento de flautas e tambores. Algumas poesias com pensamentos
profundos só eram apresentadas em reuniões dos sábios e dos poetas. Percebe-se, portanto, que a
literatura era vista como um modo de expressão para este povo, sendo que as obras de conteúdo mais
filosófico não eram acessíveis a toda a população de Tenochtitlán, ficando restringida àqueles tidos
como “intelectuais”.
Segundo León-Portilla [S.D.], de toda a produção literária pré-hispânica asteca a poesia
nahuátl é a que mais possui obras conservadas na atualidade, a maior parte se encontra na Biblioteca
Nacional de México e na Biblioteca da Universidad de Texas. Dentre este rico acervo foram
escolhidos dois poemas e um canto, ambos classificados pelos astecas como cuícatl. A seguir analisarse-á cada um destes textos literários.
Yaocuicatl: “México-Tenochtitlán subsiste!”
León-Portilla [S.D.] apresenta uma classificação para os temas dos poemas astecas. Segundo
esta categorização, Desde donde se posan é uma yaocuicatl, isto é, canto guerreiro; pois o tema é a
bravura da Cidade do México2 -Tenochtitlán que não se intimida diante da guerra. O que pode ser
observado na primeira estrofe do poema, nos versos destacados em negrito:
O ponto de exclamação é sinônimo de uma fala enfática, estando presente no final de tal
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A Ciudad de México foi fundada pelos astecas no ano 1320 e corresponde à antiga Tenochtitlán, que exerceu
desde os tempos coloniais uma notável influência intelectual em toda a América Espanhola.
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Desde donde se posan las águilas,
desde donde se yerguen los tigres,
el Sol es invocado.
Como un escudo que baja,
así se va poniendo el Sol.
En México está cayendo la noche,
la guerra merodea por todas partes,
¡Oh Dador de la vida!
se acerca la guerra.
Orgullosa de sí misma
se levanta la ciudad de México-Tenochtitlan.
Aquí nadie teme la muerte en la guerra.
Ésta es nuestra gloria.
Éste es tu mandato.
¡Oh, Dador de la vida!
Tenedlo presente, oh príncipes,
no lo olvidéis.
¿Quién podrá sitiar a Tenochtitlan?
¿Quien podrá conmover los cimientos del cielo...?
Con nuestras flechas,
con nuestros escudos,
está existiendo la ciudad
¡México-Tenochtitlan subsiste!
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poema pode evidenciar o desejo da Ciudad de México-Tenochtitlán de continuar existindo. Além
disso, ela não existe, ela “sub-existe”, existe apesar das guerras, apesar da força daqueles que tentaram
derrotá-la.
Ainda na primeira estrofe, quanto ao aspecto formal, é perceptível o paralelismo presente nos
seguintes versos:
Desde donde se posan las águilas
Desde donde se yerguen los tigres
¿Quién podrá sitiar a Tenochtitlán?
¿Quién podrá conmover los cimientos del cielo…?
Os dois primeiros versos do poema Desde donde se posan constituem uma metáfora da
Ciudad de México-Tenochtitlán, pois, na cultura asteca, a águia é “[...] ave solar [...] é o substituto do
sol” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002, p.23), tal animal também possui relação com o mito de
formação da Ciudad de México, ou seja, que a nova cidade asteca seria fundada onde um pássaro
pousasse sobre um cacto, e foi no “Ombligo de la luna” que uma águia pousou sobre um nopal.
Ainda no que concerne à mitologia asteca o tigre pode evocar “[...] ideias de poder e
ferocidade [...] é um animal caçador e, nisso, um símbolo de casta guerreira” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2002, p.883). Portanto, o tigre se erguer, seria o poder emergindo, os soldados
prontos para a guerra. Conforme Chevalier e Gheerbrant (2002, p. 884), “Belo, cruel, rápido, o tigre
fascina e apavora”, estas duas ações podem ser as reações dos inimigos dos astecas, diante de sua
bravura.
Outra questão interessante é que a palavra sol é escrita no poema com inicial maiúscula,
porque, para o povo asteca, o sol era uma divindade. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2002, p.142),
“[...] a vida e a coerência do mundo estavam inteiramente condicionadas ao percurso solar”. Assim, o
sol é que regia a vida na terra, é aquele que permitia haver dia e noite, as quatro estações, que
influenciava na colheita. Tanto que o tempo era marcado por eras solares, cinco, segundo os astecas.
De acordo com Chevalier e Gheerbrant (2002, p. 838, grifos dos autores), “No panteão asteca,
a grande divindade do sol do meio-dia, huitzilopochtli, é representada por uma águia segurando no
bico a serpente estrelada na noite”. Este animal representa também o mito de formação da Ciudad de
Tenochtitlán. Por isso, o sol pode ser evocado, ele é uma divindade que tem a força da vida, do existir,
e assim, pode auxiliar os guerreiros em sua batalha.
Nos versos:
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Há dois questionamentos, que indagam sobre quem poderá derrotar Tenochtitlán, o segundo
verso apresenta uma metáfora “cimientos de cielo...”, considerando-se por cimento algo concreto e
estável e por céu as divindades, é provável que o eu-lírico se referia aos desejos dos deuses, às ordens
das divindades astecas. Quem estará contra eles? Isso não é respondido no poema, fica a dúvida, e de
certo modo, um desafio para os guerreiros e uma espera do porvir por parte dos astecas, mas, de
momento, a cidade resiste, e é o que se tem de concreto.
No verso “En México está cayendo la noche” noite metaforicamente pode representar algo
ruim, o mal, no caso, a guerra que se aproxima. O que pode ser comprovado com o verso seguinte “se
acerca la guerra”. O eu-lírico expressa que, para manter a cidade em pé, foram usados escudos e
flechas, instrumentos criados pelos próprios indígenas, ele acrescenta que ninguém ali teme a morte na
guerra, isto porque na concepção deles, quem foge à luta é fraco.
Há a repetição do verso “Oh, Dador de la vida!”, na primeira vez para avisar o criador sobre a
guerra e depois para dizer que os astecas se sentem gloriosos por não temer a morte e que este é seu
lema. O eu-lírico pede para os príncipes lembrarem sempre desta força indígena. Ademais, a palavra
“Dador” está grafada com inicial maiúscula, de modo que remete à importância da divindade asteca
geradora da vida.
Compreende-se, portanto, que no poema “Desde donde se posan” aparece a força da cidade
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¿Quién podrá sitiar a Tenochtitlán?
¿Quién podrá conmover los cimientos del cielo…?
de México-Tenochtitlán, sua imponência frente à guerra, é assim que o eu-lírico a descreve, e assim,
provavelmente era vista por seus habitantes.
Ode à vida: de Netzahualcóyotl para Moctezuma
O Canto de Netzahualcóyotl de Acolhuacan (con que saludó a Moctezuma el viejo, cuando
estaba éste enfermo) é também um cuícatl e como o próprio nome diz é um canto que foi escrito pelo
poeta Nezahualcóyotl (1401-1472) se dirigindo à Moctezuma.
De acordo com León-Portilla [S.D.], Netzahualcóyotl nasceu em Tetzcoco e teve uma
educação esmerada, em 1431, após algumas batalhas ele coroou-se em sua cidade natal reinando por
mais de quarenta anos. O historiador mexicano acrescenta que, neste período, as artes e a cultura
desabrocharam e que Netzahualcóyotl construiu diversas obras, diques para evitar as inundações,
zoológicos, templos etc.
Netzahualcóyotl também programou a construção de salas destinadas à poesia e à música. Seu
amor a estas artes era tão grande que no leito de morte pediu que seu povo não lamentasse sua morte,
pelo contrário que cantassem cantos alegres mostrando a força da população diante das nações que
estavam debaixo de seu império. (LEÓN-PORTILLA, [S.D.])
Consoante León-Portilla [S.D.], há cerca de 30 composições de Netzahualcóyotl que são
conhecidas atualmente, os temas de suas obras giram em torno da morte, do além, o homem diante de
seu criador, a dor, a angústia, enfim, questionamentos sobre a própria existência.
Na primeira estrofe do Canto de Netzahualcóyotl de Acolhuacan (con que saludó a
Moctezuma el viejo, cuando estaba éste enfermo) (LEÓN-PORTILLA, [S.D.]), Netzahualcóyotl avisa
Monctezuma sobre sua chegada e faz isso de modo metafórico, pois diz ser a “blanca flor”, sendo que
na mitologia asteca as flores são “[...] fonte de inspiração para os poetas e artistas” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2002, p.438), além de também representarem a alma dos mortos. Reyes (apud
Chevalier e Gheerbrant, 2002, p.438) afirma que a flor “Surgia do sacrifício e coroava o hieróglifo da
prece”, assim, Netzahualcóyotl, em “formato de flor”, traz sua prece pela alma de Monctezuma, como
pode ser observado na estrofe a seguir:
Miradme, he llegado.
Soy blanca flor, soy faisán,
se yergue mi abanico de plumas,
soy Nezahualcóyotl.
Las flores se esparcen,
de allá vengo, de Acolhuacan.
Escuchadme, elevaré mi canto,
vengo a alegrar a Motecuhzoma.
¡Tatalili, papapapa, achalalili, achalalili!
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¡Que sea para bien!
¡que sea en buen momento!
Donde están erguidas las columnas de jade,
donde están ellas en fila,
aquí es México,
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Segundo Chevalier e Gheerbrant (2002), a cor branca ora significa a ausência de cores, ora a
soma delas e, por isso, pode representar o início da vida ou seu fim, que não deixa de ser um começo,
o estar no além. Estes autores acrescentam que “[...] o branco é primitivamente a cor da morte e do
luto” é a cor da “partida para a morte” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002, p.142); tal cor
representa, portanto, a vida e a proximidade da morte de Monctezuma.
O eu-lírico afirma ainda que é um faisão e que abre suas asas, tal pássaro é “[...] símbolo, por
seu canto e por sua dança, da harmonia cósmica [...] é ordenador do mundo” CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2002, p. 416). Como Monctezuma está doente, Netzalhualcóyotl vem lhe trazer força
cósmica para que o “eu” do rei de Tenochtitlán seja reorganizado. O poeta diz ainda que vem do local
onde as flores se divertem e que traz alegria e música para Monctezuma.
Já na segunda estrofe o eu-lírico diz que do México veem as colunas de jade, pois este mineral
era usado pelos astecas para fazerem ornamentos:
donde en las obscuras aguas
se yerguen los blancos sauces,
aquí te merecieron tus abuelos,
aquel Huitzilíhuitl, aquel Acamapichtli.
¡Por ellos llora, oh Motecuhzoma!
Por ellos tú guardas su estera y su solio.
Él te ha visto con compasión,
él se ha apiadado de ti, ¡oh Motecuhzoma!
A tu cargo tienes la ciudad y el solio.
Conforme Chevalier e Gheerbrant (2002, p.540), o jade “Contribui para a restauração do ser,
para o seu retorno ao seu estado primordial”; assim, o poeta pode trazer a energia deste mineral para
Moctezuma para que este se re-estabeleça.
Chevalier e Gheerbrant (2002, p. 510) afirmam também que “Na América Central, essa pedra
simboliza a alma, o espírito, o coração ou o cerne de um ser e, por analogia, é identificada com o osso.
Existe no México o costume de pôr uma pedra de jade na boca dos defuntos”. Tal mineral traz uma
simbologia dúbia representando a vida, por auxiliar na restauração do ser, mas também a morte por
esta pedra ser um símbolo dos rituais fúnebres astecas.
Após, o eu-lírico afirma que das águas escuras brotam salgueiros brancos, sendo que o escuro
pode representar algo ruim, mórbido e o branco a vida, como já explicitado anteriormente. Assim, do
México o poeta pode trazer a força dos “sauces” que se erguem onde seria impensado.
Netzahualcóyotl escreve que Moctezuma é o imperador dos astecas, de Tenochtitlán que
lamenta aos antepassados por estar doente e não poder governar. A presença do antepassado se
confirma pelos nomes Huitzilíhuitl e Acamapichtli. O poder se verifica pelos termos “estera” e “solio”,
isto é, espécie de tapete e o trono.
O eu-lírico contrapõe, na terceira estrofe, a beleza de Tenochtitlán com a doença de
Moctezuma, o que se comprova com o uso dos advérbios “aqui” e “ali”. O vocativo “oh
Netzahualcóyotl” reforça o sentimento de tristeza do eu-lírico diante da situação do imperador de
Tenochtitlán.
Na quarta estrofe, através de vários elementos da natureza, o local onde Moctezuma está é
mostrado, é México porque há águias, gatos-do-mato, árvores verdes como jade, canas brancas, enfim,
é no México e pelo México que Moctezuma espera melhorar e assim poder governar.
Já na quinta estrofe, aparece o “sauce” que já não é mais branco como antes, mas verde como
jade e é com ele que Moctezuma enfeita México, como a árvore pode representar a vida e o verde
também, o “sauce verde” pode, metaforicamente, significar o próprio Moctezuma, sua presença como
rei de México.
O verso “La niebla sobre nosotros se extiende”, simboliza o mal que vem, ou melhor, a
enfermidade de Moctezuma. Mas, o eu-lírico pede, em seguida, que as flores brotem, isto é, que a vida
ressurja e que o poder continue nas mãos de Moctezuma, a flor significa, portanto, tanto a vida quanto
o poder.
Nestes versos da quinta estrofe:
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O eu-lírico pede para que Moctezuma viva, isto através da metáfora de abrir o leque de
plumas, ao contemplar os animais simbólicos da poesia asteca, a garça e o quetzal. E por fim, diz que
eles são amigos e fica implícito que Moctezuma buscará seguir o conselho de seu amigo.
No início da sexta estrofe há a repetição dos quatro primeiros versos da estrofe anterior, o que
reforça o desejo do eu-lírico de que seu amigo melhore. Após, há a constatação de que a vida ressurge,
através da imagem poética das flores desabrochando em México. Logo, o eu-lírico pede que, em paz,
Moctezuma viva e que priorize a arte, através de livros e pinturas. E mister salientar que
Netzahualcóyotl foi um defensor da arte na sociedade asteca. O eu-lírico diz ainda que é Moctezuma
que reina em Tenochtitlán, pois ele a faz florescer e se expandir.
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Haces vibrar tu abanico de plumas finas,
lo contempla la garza,
lo contempla el quetzal.
¡Son amigos los príncipes!
A última estrofe do poema é uma elegia ao “Dador de la vida”, àquele que criou Tenochtitlán.
Há uma imagem poética do deus criando a cidade, isto é, sobre a água celeste com flores preciosas e
árvores ele deu vida e cor ao lugar. E, por isso, Netzahualcóyotl e Moctezuma devem agradecê-lo,
além disso, eles também vieram do interior da água, pois foram também criados pelo “Dador de la
vida”.
Em suma, percebe-se que o canto Canto de Netzahualcóyotl de Acolhuacan (con que saludó a
Moctezuma el viejo, cuando estaba éste enfermo) é uma ode a vida, ao cantar para que Moctezuma se
recupere o eu-lírico evoca a vida através de elementos da natureza, da simbologia asteca. E é
justamente estes elementos (ocelotes, sauces, columnas de jade, flores, água de jade, cañas blancas,
musgo acuático, garzas, agua celeste etc.) que constituem a Ciudad de México.
Da arquitetura para a lírica
O poema El camino del agua desde Chapultepec trata substancialmente sobre a criação de um
aqueduto ligando a cidade de Chapultepec a Tenochtitlán. Inicialmente, é situada a época de sua
construção, o ano 12-casa na mitologia asteca que corresponde a 1465 e, portanto, ao século XV,
época em que a cultura asteca já estava bem desenvolvida.
Quem governava Tenochtitlán neste período era Huehue Motecuhzomatzin, mas quem
ordenou a edificação do caminho foi Nezahualcoyotzin, filho do poeta Netzahualcóyotl. O eu-lírico
afirma que um ano depois o aqueduto estava pronto e foram muitas pessoas de Tepeyácac para ver a
construção.
Por fim, o eu-lírico descreve que outros puderam ter acesso á água, que não passava além de
Chapultepec, e que foram feitos sacrifícios em frente à água, uma reverência, pois, ao símbolo da vida,
à energia del “Dador de la vida”.
Verifica-se que tal poema é meramente descritivo e por isso se difere dos outros, é, de certo
modo, o relato da construção de um aqueduto e como o povo reagiu a isso; mas há mais dados
históricos que a poética em sim. Entretanto, nem por isso deixa de ser importante para nosso estudo e
para o legado asteca.
É, pois, um poema, que trata de um elemento físico da cidade, a construção de um aqueduto,
diferente da mitologia que até então vem sendo observada. O que é de fundamental importância, pois
como explicitado no início deste estudo, uma cidade é feita de um espaço físico e também dos
costumes e das crenças de um dado povo.
León-Portilla ([S.D.], p.32) afirma que “[...] metáforas y símbolos, son el alma de las
literaturas indígenas” isto pôde ser observado com nitidez na análise dos poemas astecas.
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O MERCADO DE TLATELOLCO SOB A ÓTICA DE RIVERA
O pintor Diego Rivera nasceu em 1886 em Guanajuato – México. Estudou pintura na Europa
e ficou conhecido como um dos maiores muralistas do México. Suas obras continham um cunho social
e muitas foram pintadas em prédios públicos, era defensor do comunismo.
Rivera foi um dos pintores que fez parte do Movimento muralista mexicano, ele é, portanto,
um pintor de vanguarda, ele defendia seu país e procurava mostras a seu povo suas riquezas. A obra
em análise foi pintada nas paredes internas do Palacio Nacional da Ciudad de México. A seguir tem-se
uma fotografia do mural de Rivera.
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Além de obra de arte, considera-se a pintura em sua função epistêmica, ou seja, como
instrumento do conhecimento, ademais, “a imagem também pode servir de instrumento de intercessão
entre o homem e o próprio mundo”. (JOLY, 2006, p.59). Rivera, ao retratar Tenochtitlán e o Mercado
de Tlatelolco, buscou mostrar ao povo mexicano moderno um pouco de sua história, alguns costumes
que se mantiveram na modernidade e que possuíam resquícios na era pré-hispânica. É possível,
portanto, que muitos mexicanos se vejam retratados na obra em análise, reconheçam-se no mundo. E,
outros povos, a partir do estranhamento frente a alteridade também podem se compreender melhor.
Para a análise do mural de Rivera basear-se-á no procedimento da permutação proposto por
Joly (2006), bem como nos diferentes tipos de signos - defendidos por Barthes (apud JOLY, 2006), a
saber: linguísticos (a língua escrita), icônicos (motivos reconhecíveis) e plásticos (as cores e as
formas). Primeiramente, analisar-se-ão os signos icônicos.
Em La Gran Ciudad de Tenochtitlán (1945) Rivera pinta em primeiro plano o mercado de
Tlatelolco, depois a Tenochtitlán e após, alguns vulcões. Segundo Arroyo (2013, [S.P.]), Tlatelolco
“[...] era el corazón de un hormiguero multiétnico, un centro de reunión e intercambio cultural”. Isto
porque os comerciantes (pochtecas) vendiam suas mercadorias e traziam notícias sobre a viagem e
informações militares. Os compradores eram de diversas classes sociais, alguns se dirigiam ao
mercado para passear, comer ou encontrar alguém. (ARROYO, 2013, [S.P.].
As mercadorias comercializadas eram diversas, como: roupas, móveis, jóias, carnes, flores,
frutos, pescados entre outras. Acerca das negociações Arroyo (2013) afirma que elas possuíam leis
comerciais regidas por tribunais próprios, elas eram realizadas através do escambo e, quando os
produtos eram de lato valor, como os tecidos luxuosos a moeda era o cacau, hachuelas de cobre e uma
espécie de canudos de ouro e polvo. Percebe-se, portanto, a importância do mercado de Tlatelolco,
nele encontrava-se comidas e roupas elementos essenciais para a vida humana. Além disso, um dos
pilares da economia asteca era o comércio.
A sociedade asteca era dividida em castas: os nobres (pipiltin), os sacerdotes, os artesãos, os
plebeus ou camponeses livres (macehualtin), os servos (mayeques) e os escravos (tlacotin). Cada uma
tinha uma função específica e deveria usar uma determinada vestimenta, o que tornava as diferenças
sociais mais visíveis.
Tal disparidade pode ser percebida no mural de Rivera, os escravos se encontrar na parte
superior direita, os homens cobrindo apenas as partes íntimas e aparece uma mulher só de saia com o
filho enrolado a um pano, todos trabalham carregando os rolos de tecido. Ao centro em um suntuoso
trono se encontra o rei Tenoch, fundador de Tenonochtitlán, ele possui um adorno de penas na cabeça,
simbolizando o seu poder e um leque para se abanar do calor; de sua posição tem visão de todo o
mercado.
Do lado direito embaixo, há pessoas vendendo frutas e verduras, percebe-se que os
comerciantes ficam sentados e os compradores é que se dirigem a eles a procura de mercadorias. Já do
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FIG. 1 - La Gran Tenochtitlán (1945) de Diego Rivera
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CONFLUÊNCIAS E DISCREPÂNCAS NAS REPRESENTAÇÕES SOBRE TENOCHTITLÁN
Walter Mignolo (2003; 2007) propõe o conceito de lócus de enunciação para a análise de
produções artísticas. Para ele, deve-se considerar quem produziu, de quê lugar, para quem e com que
intuito. Estes elementos podem influenciar no modo como um mesmo objeto pode ser visto a partir de
diferentes observadores.
Na lírica asteca os sujeitos produtores são os próprios astecas que falam sobre a sua cidade.
Em Desde donde se posan o eu-lírico fala sobre a força dos guerreiros astecas que vivem em
Tenochtitlán, que eles não temem seus inimigos oriundos de outras cidades. Já no Canto de
Netzahualcóyotl de Acolhuacan (con que saludó a Moctezuma el viejo, cuando estaba éste enfermo), o
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aldo inferior esquerdo há astecas vendendo pescado. Perto do rei Tenoch há três homens com capas
vermelhas, provavelmente são sacerdotes ou nobres, o que os caracteriza como a elite da sociedade
asteca. Enfim, a muito o que se estudar sobre a organização social asteca no mural em questão, como
não objetiva-se isto, tal análise termina aqui, mas entende-se que há muito a ser explorado ainda.
No segundo plano do quadro há os templos, à direita o Teocalli, Templo maior dos astecas e à
esquerda está a pirâmide de Tlatelolco. Verifica-se como a cidade de Tenochtitlán era bem
desenvolvida, era banhada pelo lago Texcoco e foi ampliada por obras hidráulicas e pisos artificiais,
como a estrada que vai do Mercado de Tlatelolco até um templo na parte esquerda do quadro.
É perceptível também a grande quantidade de vegetação e plantações, além de inúmeros
templos menores. Além disso, há divisões das porções de terra. Mais ao fundo há montanhas e dois
vulcões, o Popocatépetl (montanha fumarenta) e o Iztaccíhuatl (mulher branca), que estão unidos por
um passo de montanha denominado Paso de Cortés.
Há uma lenda náhuatl em torno destas montanhas, Iztaccíhuatl foi uma princesa que se
apaixonou por um dos guerreiros de seu pai, este havia prometido a moça a Popocatépetl caso ele
vencesse a guerra em Oaxaca. A princesa morreu de tristeza por não poder ficar com seu amado, pois
o pai não queria, o guerreiro também morreu de pena. Então, os deuses em compaixão os cobriram de
neve para transformá-los em montanhas.
Em relação aos signos linguísticos cabe analizar o título do mural, La Gran Ciudad de
Tenochtitlán, percebe-se que Rivera não falou em Mercado de Tlatelolco, mas na capital asteca, ele
pintou o mercado em primeiro plano, pois, para ele, a cidade era o mais importante, o local onde os
astecas viviam, por isso ela é representada em outro plano, juntamente com os vulcões e as montanhas.
As pessoas aparecem em primeiro plano e os elementos físicos da cidade em segundo, mas no
título aparece o nome Tenochtitlán, o mercado faz parte da cidade e não o contrário. E o adjetivo
“grande” denota um juízo de valor expresso pelo pintor que está representado pela extensão do mural,
pela diversidade social dos povos e das mercadorias, bem como pela arquitetura de Tenochtitlán.
No que concerne aos signos plásticos, pode-se destacar o bege e tons de amarelo nas
vestimentas das pessoas. O vermelho também aparece na face de alguns astecas. Todas estas cores,
bem como os desenhos e bordados nas roupas das pessoas servem para diferenciá-las socialmente, isto
é, dividí-las em clases.
A tonalidade da pele das pessoas também varia, os indígenas que se encontarm na parte
superior esquerda são os de pele mais escura, próximo ao negro, embaixo há alguns pintados de
vermelho. No canto esquerdo há ainda uma mulher de pele amarela, isto chama a atenção, pois os
indígenas não possuíam este tom de pele.
Pode ser que tal mulher represente a hibridação entre os povos, ou melhor, entre os indígenas e
os europeus. Isto só pode ser possível porque Rivera pintou tal quadro no século XX, quando isto já
havia ocorrido. Além disso, pode haver um processo de transculturação, porque apresenta um vestido
e colares astecas, mas tatuagens típicamente européias nas pernas. Ademais, ela parece observar com
atenção aos indígenas, numa espécie de estranhamento em relação à cultura de outrem.
Em relação às formas tem-se duas grandes diferenças, as pessoas e as mercadorias que
apresentam formados mais arredondados e curvas e a cidade com linhas e retas. Além disso, no
mercado parece haver uma sobreposição de objetos e pessoas, já na cidade parece haver uma harmonia
entre as construções astecas e as plantações, a vegetação e o lago Texcoco.
Por fim, salienta-se que Rivera pintou o mural La Gran Ciudad de Tenochtitlán com uma
impressionante riqueza de detalhes, é provável que ele tenha estudado a descrição do local feita por
cronistas que se preocuparam em resgistrar o que viram no Novo Mundo.
poeta escreve para seu amigo Moctezuma lhe desejando melhoras, além disso, canta sobre a própria
Tenochtitlán e exalta o criador do mundo. El camino del agua desde Chapultepec é um poema mais
descritivo, pois nele é relatada a construção de um aqueduto.
As três obras retratam a cidade, mas com enfoques diferentes, a primeira foca na guerra e na
força dos astecas, a segunda na vida e a terceira sobre a construção de um aqueduto. Os sujeitos falam
de um mesmo lugar, mas o objetivo é outro, por isso é possível a multiplicidade de perspectivas que
um mesmo tema pode trazer.
O mural La Gran Ciudad de Tenochtitlán (1945) foi pintado por Rivera no século XX, pelo
menos cinco séculos depois dos poemas astecas, tal lacuna temporal é imprescindível para analisar a
obra. Além diso, Rivera foi um artista preocupado em mostrar a cidade para seu povo, o local onde a
obra está exposta (Palacio Nacional de México) possui entrada livre e gratuita.
A cidade de Tenochtitlán pode então, estar acessível ao povo mexicano de qualquer classe
social, aliás, a pessoas de outras nacionalidades através do portal do Palacio Nacional na internet. O
que não acontece com os poemas astecas, tanto pela dificuldade em encontrá-los quanto pela tradução
ser em espanhol.
Rivera representa a Ciudad de Tenochtitlán e o Mercado de Taltelolco a partir daquilo que
ouviu e leu acerca destes lugares, pode ser que também a partir daquilo que viu em obras préhispânicas como os códices astecas. Mas a união e mescla de tudo o que ele conheceu acerca destes
lugares lhe é própria, própria de um pintor muralista do século XX.
Já as poesias são de escritores que guerreraram, que viram Moctezuma doente, que observaram
a construção do aqueduto entre Chapultepec e Tenochtitlán, enfim, que viveram em Tenochtitlán.
Além disso, é importante destacar o fato de estas serem obras literárias e o mural uma obra pictórica;
apesar disso, ambas possibilitam a criação de imagens poéticas.
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REFERÊNCIAS
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<http://www.wikimexico.com/wps/portal/wm/wikimexico/periodos/mexico-antiguo/siglo-de-laconquista/vida-cotidiana/Mercado-Tlatelolco> Acesso em: 11 jul. 2013.
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Olympio, 1993.
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<http://www.artehistoria.jcyl.es/cronicas/contextos/12542.htm > Acesso em: 19 set 2012.
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<http://www.ciudadmexico.com.mx/cercanias/popocatepetl.htm> Acesso em 11 jul. 2013.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Salienta-se que a cidade é uma temática que possibilita diferentes estudos, sejam
antropológicos, arquitetônicos, sociológicos, histórico, entre outros, de ora ficou-se com a literatura,
mas nem por isso deixaram de ser utilizados conceitos de outras áreas, como, por exemplo, a divisão
social.
Buscou-se apresentar confluências e discrepâncias entre as representações da cidade de
Tenochtitlán nas obras já referidas; acrescenta-se que é uma pesquisa inicial, tem-se muito a ser
estudado ainda.
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