841068645 CÂMARA DOS DEPUTADOS Discurso proferido pelo Deputado FRANCISCO DORNELLES (PP/RJ), na Sessão da Câmara dos Deputados de 18 de maio de 2004. HÉLIO PAULO FERRAZ Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhoras Deputadas, O empresário Hélio Ferraz pela sua capacidade de trabalho potencialidade de realização, facilidade de fazer amigos, preocupação com o público e o privado é uma das personalidades mais queridas do nosso Rio de Janeiro. Hélio foi Presidente do Flamengo, onde viveu profundamente a crise do futebol brasileiro e procura dos ensinamentos que as crises sempre afloram levantar um grande debate sobre o futebol brasileiro. Publicou ele, no dia 10 de maio, no Jornal "O Globo", artigo intitulado "É Hora de Repensar o Futebol", em que analisa com enorme competência os problemas inerentes ao futebol brasileiro que devem ser discutidos por todos aqueles que desejam a recuperação e fortalecimento desse esporte. Peço, pois, Senhor Presidente, a transcrição nos Anais da Câmara do artigo do Ex-Presidente do Flamengo, Hélio Ferraz, desejando que ele seja o ponto de partida para um grande debate sobre o futuro do futebol brasileiro. Muito Obrigado. "É HORA DE REPENSAR O FUTEBOL Após dois meses de reflexão sobre as causas que levaram meu clube (Flamengo) ao estrangulamento e a todos os demais em maior ou menor escala — ao emergir de um mergulho no seu interior — posso constatar que a crise estrutural que afeta o futebol como um todo reclama um diagnóstico e impõe uma solução. Dentro desse contexto um fato me chama especial atenção: nossos torcedores não podem mais assistir aos jogos de nossos grandes ídolos nos 1. 841068645 CÂMARA DOS DEPUTADOS estádios — salvo algumas honrosas ou jovens exceções — apenas na TV em transmissões importadas. É uma metáfora do destino de Macunaíma. Um jogador se torna uma estrela, vai para o exterior e provoca no torcedor brasileiro o mesmo que se despertava em Mário de Andrade com seu personagem, que se transforma numa estrela da constelação Ursa Maior, “...quando o herói desiste dos combates da terra e vai viver o brilho inútil das estrelas, eu chorei...” A legislação, concebida com o propósito de “modernizar” nosso futebol (Lei Pelé), fez substituir aos clubes, os empresários, quando optou pelo mimetismo e copiou o modelo europeu, próprio de país importador de jogadores e não de um que é formador e exportador, como o Brasil. Vivi na presidência do Flamengo a experiência de depender da legislação francesa, que exige que toda transação seja feita de clube para clube (não via empresário), para nos assegurar cerca de US$ 900 mil na transferência de um jovem lateral de 17 anos, enquanto a lei brasileira assegurava uma indenização de no máximo R$ 150 mil, quando na hipótese de uma situação de conflito. Como certamente diriam os teóricos do modernismo, parece necessária uma “deglutição antropofágica” do modelo, fazer sua digestão impregnada de nossa realidade, de nossas demandas objetivas e, assim, efetivamente modernizar. De tal sorte, parece-me urgente uma ampla articulação, capaz de inverter o eixo da realidade que vivemos: de exportadores de talentos, para exportadores do espetáculo Futebol. Um futebol “Pau-Brasil de exportação, não de importação”. A partir desse remanejamento de idéias, acredito que a questão maior do futebol do Brasil está em encontrar o caminho para levá-lo a um lugar de ponta na nossa pauta de exportação, ao lado da soja, do minério de ferro ou da siderurgia. Precisamos de toda intelligentsia do nosso futebol e de outros segmentos, de uma grande conscientização, de políticas públicas, articulação empresarial, acesso ao mercado de capitais, apoio do Congresso; enfim, da sociedade como um todo. 2. 3. 841068645 CÂMARA DOS DEPUTADOS Alegam os pessimistas de plantão que o nosso ingresso custa cerca de US$ 3, enquanto na Espanha, por exemplo, vale US$ 10, e que os nossos direitos de TV vendidos em 2003 renderam cerca US$ 70 milhões, enquanto os do Campeonato Inglês se venderam por cerca de US$ 1 bilhão. Podemos contrapor: a mais-valia no futebol é o talento, é a alegria do drible, o encanto do chute de efeito, a emoção da improvisação, e tudo isto é nosso. O fluxo financeiro — é da sua essência — vai, naturalmente, procurar esse encanto, essa capacidade de mobilizar o imaginário das pessoas de qualquer nacionalidade, para se multiplicar — isso é o seu fermento. Para tanto, o futebol tem que se organizar de forma empresarial, para habilitar-se à disputa de capitais de investimento sempre disponíveis para negócios promissores, desde que em ambiente de governança adequado, transparência e eficácia de gestão. Urge compreender que o futebol se transformou em um grande negócio de escala mundial — conseqüência da explosão da mídia sendo talvez seu insumo maior — dentro do processo de globalização da economia, fenômeno irreversível para o qual deveremos estar equipados sem perder o passo, como perdemos na revolução industrial, depois de sermos um dos primeiros países do mundo a possuir um alto-forno. Isso precisa também estar refletido no pensamento, na ideologia do futebol. Impõe-se pragmatismo e objetividade, bem como abandonar o maniqueísmo, que reduz à mediocridade de um conflito entre bons e maus. Necessitamos de uma estratégia, só alcançável numa frente ampla que congele temporariamente os conflitos paroquiais. As grandes causas impõem alianças, ainda que pontuais, mesmo entre correntes contrárias. Com esse objetivo, sugerimos a realização de uma semana de debates, em Brasília, no Congresso Nacional. Uma “Semana do Futebol Moderno” com agenda incluindo obrigatoriamente questões como: “Clube Empresa” voltado exclusivamente para o futebol, abrindo espaço para a captação de investimentos no mercado nacional e internacional. Revisão na legislação, que valorize o esforço de formação do subseqüentes. atleta, assegurando participação ponderável nas transações 841068645 CÂMARA DOS DEPUTADOS Reestruturação da legislação pertinente às relações de trabalho. Estabelecimento de mecanismo que prolongue a permanência do atleta no Brasil, talvez com uma taxa de exportação decrescente. Regulamentação de fundos de investimento em futebol, gozando de incentivos fiscais, compensado pelo ingresso de recursos do item anterior. A dramática questão do endividamento junto ao setor público. Mecânica de incentivo e estímulo à venda dos direitos internacionais de TV dos nossos jogos. Adequação do nosso, ao calendário mundial, ensejando o restabelecimento das excursões internacionais. Afinal, não exportamos o espetáculo porque exportamos os jogadores, ou exportamos os jogadores porque não exportamos o espetáculo? That’s the question, tupi or not tupi!" HÉLIO PAULO FERRAZ foi presidente do Flamengo 4.