Rosa Luxemburgo como marxista A categoria da totalidade, o domínio universal e determinante do todo sobre as partes, constituem a essência do método. O domínio da categoria da totalidade é o portador do princípio revolucionário da ciência. O isolamento – por abstração- dos elementos, tanto de um domínio de investigação quanto de conjuntos específicos de problemas ou de conceitos no interior de uma área de pesquisa, é certamente inevitável. O que permanece decisivo, no entanto, é saber se esse isolamento é somente um meio para o conhecimento do todo ou se é um fim em si mesmo. Para o marxismo, só existe uma ciência históricodialética, única e unitária, do desenvolvimento da sociedade como totalidade. O ponto de vista da totalidade não determina somente o objeto, determina também o sujeito do conhecimento. A ciência burguesa considera fenômenos sociais do ponto de vista do indivíduo, mas esse ponto de vista não leva a totalidade. A totalidade só pode ser determinada se o sujeito que a determina é ele mesmo uma totalidade; e somente as classes representam esse ponto de vista da totalidade como sujeito na sociedade moderna. Para compreender os conflitos teóricos em torno da Acumulação do capital, de Rosa Luxemburgo, é preciso considerar o meio social da socialdemocracia antes da guerra. Período onde os oportunistas se limitaram, teoricamente, ao estudo de aspectos isolados de alguma ciência específica, apagando a separação entre o imperialismo e o período anterior. O problema da acumulação, para a chamada economia vulgar, sequer é colocado em questão; questiona-se se existe realmente um problema, pois para eles essa questão torna-se um detalhe isolado, não relacionado ao destino do capitalismo em seu conjunto. Isso porque, do ponto de vista do capitalismo individual, a realidade econômica aparece governada por leis eternas da natureza, às quais ele deve adaptar sua atividade; a sociedade capitalista, então, como a única sociedade possível conforme a “natureza” do homem e a razão. A história de um determinado problema torna-se efetivamente uma história dos problemas. A expressão literária ou científica de um problema aparece como expressão de uma totalidade social, como expressão de suas possibilidades, de seus limites e de seus problemas. O estudo histórico-literário do problema acaba sendo o mais apto a exprimir a problemática do processo histórico. A história da filosofia torna-se filosofia da história. Diz Rosa Luxemburgo: é claro que quando se admite a acumulação ilimitada do capital, demonstra-se também sua viabilidade ilimitada. Se o modo de produção capitalista está em condição de assegurar sem limites o crescimento das forças de produção, o progresso econômico, então ele é invencível. Mas, em Rosa, essa questão se transforma em questão histórica das condições da acumulação e, assim, na certeza de que uma acumulação ilimitada é impossível. Pelo fato de ser tratada em seu meio social como um todo, a acumulação torna-se dialética. Daí que a impossibilidade da acumulação ilimitada significa a necessidade histórica objetiva do declínio do capitalismo. Bernstein, Tugan-Baranovski e Otto Bauer: representantes do fatalismo econômico e a nova fundamentação ética do socialismo, os quais estão estreitamente ligados; individualismo metodológico. A nova fundamentação “ética” do socialismo é o aspecto subjetivo da ausência da categoria da totalidade. Para o indivíduo, o mundo ao seu redor, o meio social, devem aparecer como submetidos a um destino brutal e absurdo, eternamente estranho. Portanto, esse mundo só pode ser compreendido, na teoria, como forma de “leis eternas da natureza”, adotando uma postura puramente contemplativa e fatalista. Já na ação, nesse mundo, aparentemente só existiriam dois modos de mudar o mundo: utilização da técnica presente nas “leis” imutáveis e no único ponto do mundo que permaneceu livre, o homem (ética). Mas essa ética permanece abstrata, não realmente ativa e criadora de objetos. O rompimento com a consideração da totalidade rompe também a unidade da teoria e prática. A ação implica, por essência, um penetração, uma transformação da realidade. Mas a realidade só pode ser compreendida e penetrada como totalidade e somente um sujeito que é ele mesmo uma totalidade é capaz dessa penetração. Somente a classe, por sua ação, pode penetrar a realidade social e transformá-la em sua totalidade. Ela é, numa unidade dialética indissolúvel, ao mesmo tempo fundamento e conseqüência, reflexo e motor do processo histórico-dialético. O proletariado, como sujeito do pensamento da sociedade, rompe de um só golpe o dilema da impotência, isto é, o dilema do fatalismo das leis puras e da ética das intenções puras. O conhecimento do caráter historicamente limitado do capitalismo torna-se uma questão vital, é porque somente esse elo, a unidade da teoria e da prática, pode fazer manifestar como fundamentado a necessidade da revolução social, da transformação total da totalidade da sociedade. O caráter cognoscível e o próprio do conhecimento desse elo são produtos do método dialético. Rosa Luxemburgo, em polêmica com Bernstein, sublinha a diferença essencial entre consideração total e consideração parcial, uma consideração mecanicista dialética e uma consideração mecanicista da história. Explica ela: nisso resulta a principal diferença entre os golpes de estado blanquistas de uma minoria resoluta e a conquista do poder de Estado pela grande massa do povo, consciente do seu interesse de classe. A evolução do capitalismo agrava os conflitos sociais e políticos. Sendo assim, o proletariado é, ao mesmo tempo, o produto da crise permanente do capitalismo e o executor das tendências que impelem o capitalismo para a crise. A consciência de classe é a consciência do próprio processo dialético, é igualmente um conceito dialético. Pois o aspecto prático e ativo da consciência de classe, sua essência verdadeira, só pode se tornar visível em sua forma autêntica quando o processo histórico exige imperiosamente sua entrada em vigor, quando uma crise aguda da economia a leva à ação. Do contrário, ela permanece teórica e latente. Mas não pode haver uma simples consciência de classe, nem como pura teoria, nem como simples exigência. Há a necessidade de se transformar em realidade correspondente e, enquanto tal, intervir de maneira ativa na totalidade do processo. Essa forma de consciência de classe proletária é o partido. Rosa Luxemburgo reconheceu o caráter essencialmente espontâneo das ações da massa revolucionária, segundo a qual essas ações são o produto necessário de um processo econômico necessário. Para os mecanicistas, o partido não passava de uma simples forma de organização; para Rosa, ele é antes uma conseqüência do que uma condição prévia do processo revolucionário. Cabe ao partido o papel de ser o portador da consciência de classe do proletariado, a consciência de sua missão histórica. No momento agudo da revolução, o partido transformará seu caráter de exigência em realidade ativa. E essa passagem da exigência à realidade acaba se tornando a alavanca da organização verdadeiramente revolucionária. O conhecimento torna-se ação, a teoria torna-se palavra de ordem, a massa ativa, seguindo as palavras de ordem, incorpora-se de forma cada vez mais forte, consciente e estável no nível da vanguarda. A consciência de classe é a “ética” do proletariado, a unidade de sua teoria e de sua práxis. Uma vez reconhecido o partido como forma histórica e portador ativo da consciência de classe, ele se torna, ao mesmo tempo, o portador da ética do proletariado em luta. A força do partido é uma força moral: ela é alimentada pela confiança das massas espontaneamente revolucionárias, é a forma visível e organizada de sua consciência de classe. Somente depois que o partido lutar por essa confiança e merecê-la poderá tornar-se um líder da revolução. O que alguns chamam de crença e procuram rebaixar, qualificando de “religião”, é somente a certeza do declínio do capitalismo, a certeza da vitória final da revolução proletária. Não pode havre garantia “material” para essa certeza. Ela está garantida somente metodicamente- pelo método dialético. E essa garantia também só pode ser provada e adquirida pela ação, pela própria revolução. Um marxista que cultive a objetividade do estudo acadêmico é tão repreensível quanto alguém que acredite que a vitória da revolução mundial pode ser garantida pelas “leis naturais”. Do mesmo modo como o proletariado enquanto classe só pode conquistar e conservar sua consciência de classe e elevar-se ao nível de sua tarefa histórica no combate e ação, o partido e o militante individual também só podem se apropriar realmente de sua teoria se estiverem em condição de fazer passar essa unidade para sua práxis.