Compreender as colisões da avifauna: a perspectiva das aves Graham Martin University of Birmingham Graham Martin Centre for Ornithology School of Biosciences UK Porque são um problema para as aves? Na maioria das aves (tal como no nosso caso) a visão é o sentido dominante “Uma ave é uma asa guiada por um olho” André Rochon-Duvigneaud (1943) “Les yeux et le vision des Vertébrés” (Masson, Paris) O que faz um olho? Fornece determinados tipos de informação sobre o ambiente envolvente de um animal A percepção visual é a interpretação dessa informação Propriedades gerais importantes de todos os sistemas sensoriais • Todos os sistemas sensoriais são selectivos no seu próprio âmbito • Os sistemas sensoriais detectam apenas uma pequena parte da totalidade da informação disponível • Ganhar um tipo de informação pode comprometer a capacidade de obter outro tipo de informação Flamingo-pequeno Phoeniconaias minor É necessário compreender a perspectiva da visão que as aves têm das colisões • Uma perspectiva humana do problema é enganadora • Devemos tentar avaliar o mundo através “dos olhos das aves” • A forma como as aves vêm o mundo é bastante diferente da nossa própria visão A visão humana proporciona apenas uma forma de obter informação sobre o mundo Qual é o mundo visual de uma ave em comparação com o nosso? 1. Diferenças gerais… Visão a cores • As aves são capazes de fazer distinções mais subtis entre as cores • A maioria das aves vê próximo do ultravioleta Rock Pigeon Columba Resolução espacial • As aves têm diferentes capacidades de decifrar detalhes • Nas aves a maior acuidade visual ocorre lateralmente, não para a frente. Qual é o mundo visual de uma ave em comparação com o nosso? 2. Campos visuais: diferenças gerais Humanos Aves Olhos na frente da cabeça Olhos localizados lateralmente Extensa sobreposição binocular Baixa sobreposição binocular Extensas áreas cegas sobre e atrás da cabeça Extenso campo visual sobre e por trás da cabeça Regiões de maior acuidade espacial e de distinção cromática projectadas para a frente Regiões de maior acuidade espacial e distinção cromática projectadas lateralmente Qual é o mundo visual de uma ave em comparação com o nosso? 3. Campos visuais: diferenças gerais Humanos Aves A percepção de profundidade encontra-se à frente no campo binocular e deriva da estereopsia A visão frontal está focada nas tarefas próximas; a estereopsia está ausente na maioria das aves, a locomoção é controlada pelos fluxos nos campos ópticos O mundo visual humano está à frente e os humanos movem-se “para dentro dele”. O mundo das aves está à volta e as aves movem-se “através dele” AVES Maior acuidade espacial e a melhor visão das cores é lateral, ao longo do eixo óptico A visão periférica é a visão em frente Ostrich As aves usam os campos visuais laterais para desempenhar muitas tarefas básicas. Para tarefas que requerem elevada resolução espacial: • fixam um alvo com o campo lateral • controlo comportamental passa para a visão frontal para a captura final do objecto a curto alcance. Exemplos: • passeriformes em alimentação no solo • o Falcão-peregrino fixa a presa com o campo visual lateral e descreve uma trajectória curva mantendo o item no campo lateral até pouco antes da captura quando o controlo passa para a visão frontal As Aves têm cérebros lateralizados e isso reflecte-se nas preferências laterais por diferentes tipos de tarefas Rogers, Andrew et al., mostraram que as aves não utilizam apenas um campo lateral, mas têm diferentes prioridades no olho para tipos específicos de tarefas (lateralização das funções do cérebro) A visão binocular/frontal das aves está principalmente focada nas tarefas próximas. Controlo do bico na alimentação; alimentação das crias; construção do ninho. Não no controlo da locomoção. • Os campos binoculares não estão maximizados na largura • O controlo da locomoção é conseguido através da utilização de informação extraída dos fluxos dos campos ópticos • Os fluxos dos campos ópticos necessitam da detecção de movimento não de alta resolução • Os fluxos dos campos ópticos dão informação sobre a direcção da viagem e a distância temporal à zona de contacto Quando as aves estão a voar no espaço aéreo aberto o que estão a fazer? Para que funções usam a visão? • Olhando em frente à procura de obstáculos? • Olhando para baixo/lateralmente à procura de outros indivíduos da mesma espécie/predadores? • Olhando para baixo à procura de alimento / habitat de alimentação? As colisões humanas são exemplo de um problema de percepção: - Mesmo “olhando em frente” os humanos podem “olhar mas não ver” Uma consequência da percepção e atenção, não uma falha de “visão” • Acidentes de viação (habitat familiar, ambiente previsível). • Em ambientes previsíveis viajamos para além do “limite perceptual”. Predizemos que o mundo não irá mudar (“conhecemos” o ambiente). • A taxa de ganho de informação muitas vezes não corresponde ao desafio de percepção. Os humanos e as colisões? • Como não estamos à procura ou não esperamos ver o perigo, temos de ser avisados (“preparados”) de forma a detectá-lo; • Precisamos que nos forneçam outras informações, não é suficiente tornar o perigo mais evidente. Uma consequência é a sobrecarga aparente de sinais que nos avisam que está um perigo mais à frente. Ajustar a taxa de ganho de informação de modo a corresponder melhor aos desafios perceptuais da tarefa, i.e. é possível superar este problema diminuindo a velocidade Aves e colisões Colocam-se às aves problemas similares de atenção e percepção devido às linhas eléctricas e aerogeradores? Duas questões-chave 1. Será que as aves conseguem ajustar a sua resposta à informação percepcionada, para corresponderem aos desafios do ambiente? As aves podem abrandar a velocidade? 2. Em habitats abertos as aves estão sempre a olhar para a frente? Teoricamente a faixa aeróbica da velocidade do voo para a maioria das aves é reduzida. Na prática é muito reduzida, especialmente para as aves com grande envergadura As aves não conseguem reduzir facilmente a velocidade de voo para corresponder à sua taxa de ganho de informação relativa aos desafios da percepção. ou seja, simplesmente porque o ambiente limita a informação disponível (ex. Chuva, neblina, reduzida luminosidade) as aves não conseguem voar mais devagar Será que as aves por vezes não vêem o caminho à sua frente? Gaivina-de-bico-preto Gelochelidon nilotica Grifo-africano Falcão-peregrino Falco peregrinus Gyps africanus Espécies propensas à colisão podem nem sempre estar a olhar para a frente Abetarda-gigante Grifo-africano Area cega Area binocular Grou-azul Direcção da ponta do bico no voo Grifo-africano Abetarda-gigante Grou-azul Pequenos movimentos verticais com a cabeça podem incapacitar as aves de distinguir obstáculos à sua frente. Em voo • Cegos “imediatamente à frente” • Capazes de ver o solo directamente abaixo da sua posição • Capazes de ver outros Grifos no ar, foraging social • Evita olhar directamente par o sol “Pára-sol” Garça-boieira Bubulcus ibis Algumas espécies têm uma visão frontal bastante abrangente Aves e colisões: temos de compreender que… • Em voo algumas aves podem tem áreas cegas à sua frente; é comum as aves fazerem movimentos laterais e verticais com a cabeça • A visão frontal não é de elevada resolução • A visão frontal pode ser afinada para detectar movimento em vez de profundidade (direcção do movimento baseada em fluxos ópticos) • As aves podem usar a visão lateral para detectar indivíduos da mesma espécie, alimento e predadores Aves e colisões: temos de compreender que… • As aves em voo podem predizer que o ambiente é constante, i.e. que não existem obstáculos. Mesmo olhando em frente podem não detectar os obstáculos. • Birds may not predict obstructions, perceptually they have no “prior” for power wires or wind turbines • As aves têm um intervalo de velocidades de voo restricto para adaptar aos obstáculos que percepcionam Soluções para as colisões? • Não se pode assumir que os obstáculos podem ser tornados mais conspícuos • Os estímulos utilizados para chamar a atenção devem incluir movimento e ser grandes, muito para além dos tamanhos calculados como suficientes • Avisar as aves antes dos obstáculos: prime attention • Assumir que é mais provavel que as aves voem olhando para baixo e lateralmente do que em frente • Afastar as aves das suas rotas de voo: usando áreas de alimentação, negaças, sons de alarme… Soluções para as colisões? • Quando se projectam novos obstáculo (ex. Eólicas, linhas eléctricas), deve-se evitar corredores de voo conhecidos, áreas de alimentação, etc. • É pouco provável conseguir reduzir o risco de colisão no mesmo local de forma eficaz para todas as espécies. • As estégias de sinalização deverão ser fabricadas tendo em conta grupos de espécies em particular. Pensamentos finais Lembrem-se que o meu mundo não é o vosso mundo. Usem a perspectiva das aves e não a vossa perspectiva. • Martin, G. R. 2011 Understanding bird collisions with man-made objects: a sensory ecology approach. Ibis 153, 239-254. • Martin, G. R. 2011 Through Birds' Eyes: insights into avian sensory ecology. J. Ornithol. DOI 10.1007/s10336-011-0771-5 • Martin, G. R. & Shaw, J. M. 2010 Bird collisions with power lines: Failing to see the way ahead? Biol Conserv 143, 2695-2702. • Martin, G. R. 2009 What is binocular vision for? A birds' eye view. J Vis 9, 1-19. • Martin, G.R., Portugal, S.J., & Murn, C.P. 2011 Perceptual Basis of Vulture Vulnerability to Collisions. Ibis (under review)