Saúde em estado terminal Maria Clara Lucchetti Bingemer Pilar da

Propaganda
Saúde em estado terminal
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Pilar da vida humana e indicador incontestável do estado de desenvolvimento de um
país, a saúde pública no Brasil agoniza em estado terminal. Todos que tiveram a má sorte de
passar por algum problema e necessitaram para tal ser atendidos em qualquer emergência de
hospital público constataram – se é que sobreviveram – a vergonhosa situação em que se
encontra este serviço fundamental para a vida humana em nosso país.
Há algum tempo escrevi aqui horrorizada com o caso da moça paraibana cardíaca que
poderia ter sido salva por uma cirurgia. Aguardou durante três meses. A cirurgia não
aconteceu porque os médicos se encontravam em greve e não pensavam em dela sair para
atender e resgatar uma vida em risco.
A situação piora em vez de melhorar. Apesar de o ministro Temporão ter liberado
verbas aqui e ali, o rombo é tão grande no barco da saúde brasileira que não se consegue que
este pare de fazer água. E afunda então cada vez mais. E os mais atingidos são
evidentemente os mais pobres, que não podem dar-se ao luxo de recorrer à medicina privada
nem possuem recursos para pagar planos de saúde cada vez mais caros.
Em importante hospital público no Rio de Janeiro as mulheres só têm direito ao
tratamento de câncer de mama uma vez. Se por acaso tiverem a má sorte de ter uma recidiva
e ou o aparecimento de outro tumor no outro seio não poderão ser operadas. O hospital não
dispõe de recursos materiais ou humanos para tal. E a paciente fica condenada à morte sem
remissão.
No Rio de Janeiro, dois importantes hospitais estaduais – o Rocha Faria, em Campo
Grande e o Getúlio Vargas, na Penha – não terão mais o departamento de neurocirurgia. Os
especialistas diminuem a cada dia. Em busca de salários melhores procuram outros espaços
de trabalho. E a população das zonas oeste e norte do Rio fica desatendida em uma
importantíssima área da saúde, expondo muitas vidas à invalidez ou à morte.
Dados recentes do IBGE demonstram que grande parte dos atendimentos em saúde é de
origem ambulatorial e, devido à falta de recursos, grande parcela da população não procura por
serviço médico. Acrescente-se a estes dados a existência de 118 faculdades de medicina em
condições estruturais, recursos técnicos e humanos muito diversos. Muitas destas escolas não
têm condições de ministrar o currículo mínimo exigido pelo MEC e a formação que oferecem
aos futuros médicos é precária para não dizer deficiente.
O entendimento do conceito mesmo de saúde tem evoluído nos últimos anos para entendê-la
em sentido mais amplo. Não apenas como ausência de doenças, mas como componente da
qualidade de vida. Saúde, portanto, não é bem de troca, mas parte do acervo do chamado
bem comum. Trata-se, portanto, de direito social, ao exercício e prática do qual todos, sem
exceção, têm direito. A partir desse princípio norteador, então, é que entra a obrigatoriedade
por parte do Estado da aplicação e utilização de todos os recursos, conhecimento e tecnologia
disponíveis, para promover e proteger a saúde em termos de prevenção, diagnóstico,
tratamento e reabilitação.
Com hospitais desaparelhados e instalações em ruínas; médicos mal pagos e desmotivados;
pacientes gemendo, sofrendo e morrendo pelos corredores das instituições por falta de
condições mínimas de atendimento, não há como esperar que o Brasil consiga exercer
minimamente o direito de cidadania que emana de um nível de saúde aceitável para sua
população.
Quando a saúde e a educação entram em obsolescência, é toda a vida de um povo que está
em risco. E são as prioridades mais fundamentais que se encontram desrespeitadas e
distorcidas. Esta é, infelizmente, a situação de nosso país no momento que ora atravessamos.
* Maria Clara Lucchetti Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e
Ciências Humanas da PUC-Rio, e Diretora Geral de Conteúdo do Amai-vos.
Download