A história do P ovo Judeu Povo 1 Marcos Cordiolli [email protected] Este breve artigo é um ensaio sobre alguns temas da história do povo judeu considerando as seguintes questões: [a] alguns momentos da história dos judeus estão presentes, com muito vigor, em tradições religiosas do judaísmo, do cristianismo e do islamismo (algumas delas podem ser contestadas, mas o faremos a partir de pressupostos dos estudos historiográficos); [b] o povo judeu é vitima de forte discriminação e racismo e, portanto muito de seus aspectos históricos estão marcados por disputas políticas, ideológicas e racistas (portanto, em paralelo aos estudos histórico, foram produzidas uma literatura vulgar de difusão de idéias e preconceitos anti-semitas). Este mesmo povo (ou parte dele) mudou-se posteriormente para o Egito, estabelecendo em Goshen (na região do Delta do Nilo), atendendo o chamado de José, um judeu (filho de Jacob e bisneto de Abraão), que assumiu cargos políticos importantes no Egito. Posteriormente os Judeus entraram em conflito com os governantes egípcios e, diz a tradição, chegaram a ser escravizados. A libertação veio numa saga de retorno a Palestina, liderada por Moises, que comandou dezenas de milhares de pessoas por muitos anos numa longa jornada pelo deserto. Após um período de lutas, reestabeleceram-se na Palestina, numa região chamada de Judéia. A origem do povo judeu, segundo os mitos de sua tradição religiosa, difundida em textos bíblicos, está identificada a Abrão (filho de Taré, depois Abraão), morador da cidade de Ur, na Mesopotâmia, que a cerca de 4.100 anos, teria migrado para o oeste, com seus familiares, serviçais e rebanhos, estabelecendo-se as margens do Rio Jordão, na terra de Canaã, na Palestina, próximo ao Mar Mediterrâneo. Os textos bíblicos afirmam que Abraão empreendeu esta jornada para atender o chamado de Deus, constituindo um povo – o hebreu -, que seria o predileto, “o povo escolhido”. Abraão, o patriarca de seu povo, foi sucedido por Isaac e este por Jacob. O Estado Judeu, envolvido em disputas internas e com povos vizinhos, experimentou diferentes formas de governo, entre eles a dos juizes e da monarquia. Foi ocupado pelos egípcios, babilônios e assírios, sendo que estes últimos, levaram parte do povo na condição de escravos. A libertação do cativeiro, alguns anos mais tarde, permitiu novamente o retorno à Palestina, mas alguns agrupamentos espalharam-se por outras regiões, principalmente, no norte da Península da Ásia Menor. O Império Romano, no auge de seu poder, ocupou a palestina subjugando o povo judeu, que, no entanto ofereceu resistência importante, sendo que Publicado como: CORDIOLLI, Marcos. A história do povo judeu. Mundo Jovem, 9 (82), junho 2002. p. 9. Marcos Cordiolli é historiador (UFPR) mestre em educação (PUCSP). Professor e conferencista. É produtor de cinema e estuda fotografia. Contatos com o autor: email: [email protected] fone: +55 (41) 9962 5010 home page: http://cordiolli.wordpress.com home page: www.marcos.cordiolli.sites.uol.com.br twitter: twitter.com/marcoscordiolli myspace: www.myspace.com/ marcoscordiolli facebook:: [Marcos Cordiolli] marcoscordiolli A Casa de Asterion 2 algumas de suas facções o combatiam abertamente e organizaram algumas rebeliões. Neste contexto ocorreu a crucificação de um dos muitos pregadores, conhecido como Jesus, o Nazareno, cujo mito e pregações constituiriam a base do cristianismo. e o islamismo – religiões fundamentadas nas concepções monoteístas judaicas. No sudoeste da Ásia, Norte da África e Península Ibérica viveram nas ilustradas sociedades islâmicas. Na Europa e Ásia Menor com o feudalismo cristão e com a ortodoxia religiosa Bizantina. Após a segunda metade do primeiro século da Era Cristã (e. c), os judeus fugindo a repressão romana espalharam-se por diversos pontos do Oeste da Ásia, Norte da África e Europa, num processo conhecido como diáspora. Os governos islâmicos cobravam pesados impostos dos judeus (como de todos os demais que eram muçulmanos), mas os deixava praticar a sua religião e cultura. Nesta sociedade, ilustrada e com liberdade de pensamento, a cultura judaica floresceu e os judeus se destacaram em todas as áreas. Fazendo presente, principalmente, em Fez, no Cairo, na Ásia Menor e na Mesopotâmia, mas foi na Península Ibérica, sob domínio árabe, que a cultura judaica, talvez tenha encontrado o seu maior esplendor. O povo judeu, mesmo distante de sua terra manteve uma forte unidade religiosa e nacional (o judeu é judeu independente do território em que nasceu), pois sempre estimulou a escolarização e o estudo de seus textos sagrados (posteriormente sistematizado no Torá) promovendo a formação e a intelectualização de grandes segmentos de sua população masculina, que em diferentes momentos e em distintos ambientes culturais, se destacou em atividade econômicas, intelectuais, artísticas e políticas. Os judeus, neste período, difundiram a concepção religiosa monoteísta, fundamentada: [a] em um deus onipresente, todo poderoso, protetor e bondoso, mas que exige louvores constantes e cobra furiosamente o cumprimento das regras, por ele, fixadas; e [b] na crença da existência da alma imortal, que seria provada na vida terrena, com condutas adequadas ou não aos preceitos, podendo ascender ao paraíso ou ser condenada a danação eterna. marcoscordiolli A Casa de Asterion Nos cinco primeiros séculos da diáspora, os judeus, vagaram pelo Império Romano e territórios fronteiriços. Mas por outros mil anos (do século VI ao XVI) viveram em dois mundos distintos, construídos pelo cristianismo Na Europa Feudal e Cristã, sob o poder absoluto dos cleros católico e ortodoxo, os judeus foram marginalizados em quase todos os ambientes sociais e culturais, provocando o surgimento de preconceitos racistas, que permanecem até hoje no imaginário popular das populações ocidentais. Os judeus, considerados infiéis, embora com permissão para viver nas terras católicas ou ortodoxas, não podiam possuir a propriedade de grandes extensões de terras e não era aceitos (ou pouco aceitos) em atividades militares e políticas. Os judeus eram excluídos das principais atividades econômicas da época – as artesanais, pastoris e agrícolas – sendo permitidos, apenas, o exercício de atividades manuais - pouco qualificadas - e comerciais, em particular, as financeiras. Estas atividades foram rapidamente aprendidas e adaptadas as condições locais, tornando os judeus reconhecidos pelas habilidades comerciais e financeiras. A religião católica, ao contrario do judaísmo que a originou, nesta época, considerava o lucro como “pecado” e “crime de usura”, o que contribui para que as comunidades judaicas fossem alvos de discriminação e identificadas como “pecadores”. Esta associação foi tão intensa que, em diversas línguas, inclusive o português medieval, a palavra “judeu” esteve associada a “avaro” e “usurário”. Na Europa Feudal, a sociedade tinha poucos mecanismos de ascensão social, em particular econômica, pois a propriedade da terra – principal fonte de riqueza - era hereditária e as atividades comerciais sofriam restrições de ordem religiosa. Os judeus, liberados por sua religião à pratica das atividades comerciais e financeiras, acumularam riquezas, mas tornaram-se alvos da cobiça de reis e senhores poderosos, que desejosos de se apossar de seus bens, perseguiam toda a comunidade judaica e as expropriavam, com base em motivos ou justificativas fúteis ou injustas, tais como a incriminação absurda de responsabilidades por pestes, doenças, invernos rigorosos, secas, etc. Os judeus, neste contexto, estiveram envolvidos em conflitos em quase toda a Europa entre os séculos XI e XVI. Foram expulso oficialmente da França no século XII (embora, pudessem permanecer em algumas regiões). Na Inglaterra, foram perseguidos e expulsos das Ilhas Britânicas, no século XIII, tendo partes significativas de suas riquezas expropriadas e utilizadas para fortalecer o Estado, à época, com suas finanças exauridas pelas aventuras bélicas (mais tarde, no século XVI, o mesmo procedimento foi utilizado pela Monarquia britânica, no cisma da Igreja Anglicana, como forma de apossar-se dos bens do Clero Católico). Os Judeus só obtiveram novamente autorização para residir no Reino Unido, apenas no século XVI, com a democratização da Monarquia e o fortalecimento das idéias iluministas. 3 Os reis católicos da Espanha, com os seus cofres exauridos pelas campanhas de expulsão dos Árabes da Península Ibérica, também se aproveitaram de conflitos e massacres de judeus, para expulsa-los, no final do século XV, e apropriar partes consideráveis de seus bens. Na Itália, as perseguições aos judeus, não foram tão intensas, sendo mais acentuadas nas regiões sob controle político do clero católico. Foi na Holanda que os Judeus receberam acolhida mais tranqüila, pois a cultura deste país aliava tanto a tolerância religiosa com o empreendedorismo comercial. Na Europa Central e Oriental, hoje territórios da Alemanha, Republica Tcheca, Áustria, Hungria, Eslováquia, Rússia, Romênia, Ucrânia e Polônia, entre outros, os judeus estabeleceram-se no inicio da Era Cristã. Apesar de longos períodos de integração e paz, ocorrem conflitos significativos, em especial, nos séculos XIII e XIV, em que foram registrados diversos massacres de comunidades judaicas e a integração de fortes elementos anti-semitas no imaginário pupular dos povos da região. O sistema feudal católico foi abalado, a partir do século XVI, pela dinâmica capitalista, que começava a se impor em diferentes regiões da Europa, e pelo movimento autodenominado de renascimento artístico e intelectual. Neste momento os mais preparados, para estas mudanças, eram justamente os judeus que acumularam experiência e capital nos tempos da proscrição, impulsionando e financiando várias das experiências fabris e comerciais da época. Também, por serem escolarizados e habituados a ambientes culturais ilustrados, destacaram na produção artística e na marcoscordiolli A Casa de Asterion 4 ampliação do conhecimento de astronomia, física, química (e alquimia), filosofia, navegação marítima, etc. Mas, isto fortaleceu, novamente, as desconfianças e o ódio contra os judeus. Em muitos países foram vigorosamente perseguidos tendo, em alguns casos, que optar entre o exílio ou a conversão forçada ao catolicismo, tornando-se cristãos novos. Os judeus, até o século XX, ampliaram os direitos na Europa, nos processos de organização dos Estados Nacionais e de constituição de regimes legais, laicos e democráticos, sendo que os registros de conflitos mais graves e significativos se deram na Alemanha, na Polônia e na Rússia, onde ocorriam os progroms – no qual as comunidades judaicas eram pilhadas e massacradas por multidões incitadas pelo ódio e pelo anti-semitismo. Os judeus acompanharam o processo de colonização e conquista européia da América. Inicialmente constituise uma importante comunidade em Pernambuco, no Brasil, a época da ocupação holandesa, que deslocou para a Nova Amsterdã, na América do Norte, quando da expulsão destes pelos portugueses. Quando esta colônia passou para o controle Inglês (rebatizada para Nova York), os judeus permaneceram e, posteriormente, expandiram-se para diversas outras regiões do atual território dos Estados Unidos. marcoscordiolli A Casa de Asterion A partir do século XIX, os judeus espalharam-se por diversas regiões das Américas, constituindo, atualmente, numerosas comunidades nos Estados Unidos, Canadá, Argentina (para onde imigraram muitos dos judeus perseguidos na Europa Oriental), Brasil e Uruguai. As perseguições na Europa Oriental somados a tradição judaica de retornar a terra de origem fez surgir, no século XIX, o movimento Sionista (o nome deriva da denominação judaica – Sion – para Jerusalém), com o objetivo de estabelecer um Estado Judeu, na Palestina (que nesta época estava sob controle dos Britânicos). Vários judeus, já tinham o hábito, desde a diáspora, de retornar a Palestina para morrer, mas, impulsionado pelo movimento Sionista estimularam a migração de famílias que foram se estabelecendo ao longo do Rio Jordão. A reivindicação de independência da região – inicialmente em conjunto com os palestinos – gerou conflitos sérios com a administração britânica, promovendo a organização de movimentos de resistências, sendo alguns deles armados que praticavam atividades de guerrilha e atos de terrorismo. A situação foi agravada pela expansão do Nazismo e do Fascismo – originalmente na Alemanha e Itália, mas que ocupou territórios da Áustria, Hungria, Bálcãs, Polônia, União Soviética, Holanda e França, perseguindo e matando milhões de judeus em toda a Europa entre 1930 e 1945. Este processo conhecido como Holocausto, marcou tragicamente a humanidade, por, pelo menos os seguintes motivos: [a] pela forte adesão da população ao ódio racial e a política de extermínio de minorias, em particular dos judeus, mas também de ciganos, homossexuais e portadores de necessidades especiais; [b] pela organização de aparatos estatais, políticos e jurídicos, fundamentados em teorias da supremacia racial e que sustentavam as ações de extermínio; [c] a constituição de tecnologia, em escala industrial, para efetivar matanças em massas de seres humanos. Após a derrota no Nazi-fascismo, a “questão judaica” era uma das principais preocupações dos lideres mundiais. Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) votou uma resolução determinando a partilha da Palestina em dois Estados independentes, um para árabes-palestinos e outros para judeus. Em 1948, os judeus proclamaram unilateralmente a independência do Estado de Israel, desencadeando uma série de conflitos armados com os paises árabes vizinhos, ampliando a força o seu território e dominando e massacrando populações palestinas e libanesas. Inicialmente, o conflito judaico-palestino, inscreveu-se no contexto da Guerra Fria, com Israel constituindo em peça chave das políticas imperialistas dos Estados Unidos na Região. Hoje, a questão judaico-palestina está na ordem do dia, sendo um dos pontos de instabilidade mundial como exemplo de intolerância entre nações e religiões. 1.1. Os judeus no Brasil Os judeus chegaram ao Brasil nas primeiras expedições dos portugueses, no século XVI, muitos deles na condição cristãos novos (judeus convertidos, geralmente a força, ao catolicismo). A primeira forma de exploração comercial do Brasil ocorreu na forma de um arrendamento do território a uma empresa dirigida por Fernando de Noronha, um cristão novo. Durante todo o domínio colonial português, judeus e cristãos novos estiveram presentes em atividades comercias e políticas no Brasil. No entanto, como em Portugal, foram perseguidos em movimentos antijudaicos, particularmente pela inquisição, quando incriminados de práticas religiosas. 5 A imigração de judeus para o Brasil e a constituição de comunidades judaicas, ocorreu, efetivamente, no século XVII, período em que os holandeses dominaram grande parte do litoral nordestino, mas centralizando as suas atividades em Recife. No entanto, como já vimos, os judeus foram expulsos com os Holandeses, migrando para a América do Norte. Os judeus passaram a ser mais tolerados no Brasil, a partir do final do século XVIII com a flexibilização legislação antijudaica em Portugal, influenciado pelo movimento iluminista que expandia-se pela Europa. A proclamação da independência e o estabelecimento do Primeiro Império (décadas de 1820 e 1830), também sobre influencia do Iluminismo Europeu, ampliou a liberdade dos judeus no Brasil e permitiu a instalação de dois núcleos de comunidades judaicas, um no Pará (formada basicamente por judeus norte-africanos vindo do Marrocos) e outro no Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro (composto por judeus oriundos da Europa Oriental). Estas comunidades estavam envolvidas com o comércio (geralmente de exportação e importação) e em alguns casos com atividades de navegação. O Brasil, da segunda metade do século XIX, viveu um período de grande crescimento econômico, com a diversificação das atividades econômicas, o rápido processo de urbanização, o inicio da industrialização e o declínio do trabalho escravo. Nestas condições foi estimulada a imigração de Europeus dispostos a trabalhar como operários urbanos, assalariados rurais (nas lavouras de café) e pequenos proprietários rurais em áreas de baixa densidade populacional. Além de que o Brasil era a “terra das oportunidades” para Europeus marcoscordiolli A Casa de Asterion 6 com algum dinheiro e experiente em uma área de negócios. Estas imigrações ampliaram-se em larga escala no inicio do século XX e durou até a década de 1960. Neste processo muitos judeus chegaram ao Brasil, proveniente de diversos pontos da Europa, do Norte da África e do Oriente Médio. Havendo um acentuado aumento nas décadas de 1930 e 1940, com a chegada de refugiados dos regimes Nazi-fascistas e da implantação dos Estados Soviéticos na Europa Oriental. A imigrações dos últimos 150 anos possibilitaram a formação da cultura de tolerância multi-étnica e plurinacional, em que pese, diversos conflitos entre as diferentes comunidades. Mas ainda é perceptível que As publicações do selo A Casa de Asterion podem ser livremente copiados digitalmente ou por fotocopiadoras. No entanto, não podem ser vendidos. Os autores disponibilizam estas publicações como esforço para a democratização da informação e do conhecimento. muitas comunidades de migrantes trouxeram consigo e nas suas culturas elementos anti-semitas do imaginário popular, principalmente naquelas oriundas da Europa Central e Oriental Em algumas regiões, só recentemente os judeus foram plenamente incluídos nas comunidades locais (por exemplo, em muitos lugares, até a pouco tempo, os judeus não podiam utilizar os mesmos cemitérios que os cristãos). Na onda mais recente de movimentos racistas no Brasil, preconizados pelos Skeanheads, os judeus estão entre os seus alvos, ao lado de afro-descentes, nordestinos, homossexuais e portadores de necessidades especiais. Nota do autor marcoscordiolli O autor agradece: 1. a comunicação de erros. 2. opiniões sobre o texto, inclusive sobre passagens com redação inadequada. 3. o envio de textos dos leitores no qual o autor foi citado. A Casa de Asterion E-mail para contato: [email protected]