PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO 1 Victor Alexandre Ferreira Tarini Ricardo Zanuto Beny Schmidt Acary Souza Bulle Oliveira Flávio Faloppa Roberto Dias B. Pereira MÚSCULO ESQUELÉTICO O músculo esquelético é o tecido mais abundante no corpo humano. Muito além de cumprir a função de dar movimento ao esqueleto e estabilizar as articulações, participa de outros processos relacionados ao metabolismo. Atua como um importante regulador dos níveis glicêmicos; cerca de um quarto de toda a glicose disponibilizada pela digestão dos carboidratos é captada pelos músculos esqueléticos com a finalidade de produzir energia.1,2 Outro importante papel desempenhado pelos músculos diz respeito à hemodinâmica. O retorno venoso recebe grande contribuição por parte dos músculos ativos que “ordenham” os vasos venosos, facilitando o regresso do sangue para o lado direito do coração.3,4 A atividade dos músculos esqueléticos apresenta como coproduto do metabolismo energético o calor, que contribui constantemente para a manutenção da homeostase térmica.5,6 Ao notar as várias funções que o músculo esquelético desempenha, é possível compreender que o mau funcionamento de parte ou, ainda, de todo o músculo esquelético, representa prejuízos às funções motoras, com repercussões metabólicas, hemodinâmicas e térmicas potencialmente graves. O músculo esquelético está sob controle do sistema nervoso somático (voluntário). Portanto, responde às diversas solicitações motoras, que também propiciam os estímulos necessários para a manutenção e/ou o aprimoramento de sua capacidade – o movimento. O exercício é o meio pelo qual os músculos são estimulados. A falta dessa atividade (hipocinesia ou sedentarismo) é a principal causa de doenças do aparelho locomotor,7 bem como de doenças metabólicas8,9 e vasculares.10 Como forma de prevenir o surgimento de tais doenças, é fundamental que se promova a prática de exercícios físicos e que essa prática seja supervisionada por profissional competente.11 A prescrição do exercício deverá ser precedida de uma avaliação adequada. A força e a resistência muscular são capacidades do músculo esquelético que devem ser contempladas por testes que levem em consideração características individuais. EMBRIOGÊNESE DO MÚSCULO ESQUELÉTICO Para uma melhor compreensão do funcionamento do músculo esquelético, é fundamental compreender sua origem. A seguir, revisaremos o seu desenvolvimento embrionário. A partir da terceira semana de desenvolvimento embrionário (gastrulação), observa-se o início da formação das três camadas germinativas: endoderma, mesoderma e ectoderma. Do endoderma surgirão os sistemas respiratório e digestivo, enquanto que, do ectoderma, surgirão o encéfalo, a medula espinal e a epiderme. É do mesoderma que surgirão, entre outras estruturas, os músculos esqueléticos. O tecido muscular esquelético tem origem no mesênquima, um tecido embrionário derivado do mesoderma. Com a formação do tubo neural que ocorre no fim do primeiro mês de gestação, duas massas de tecido derivadas do mesoderma paraxial chamadas de somitos irão evoluir juntamente com o tubo neural. Dos somitos também surgem os miótomos (Figura 1.1), um agregado de células de onde surgirão todos os músculos do tronco.12 Os miótomos se dividem em duas porções: dorsal e ventral, dando origem, respectivamente, aos músculos eretores da coluna, aos músculos abdominais e ao tórax. Já os C A P Í T U L O 1 PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO 14 distrofia muscular de cintura-membros, a eletroestimulação ou estimulação galvânica pulsátil de alta voltagem (EGPAV) promoveu aumento de força superior ao aumento de força produzido pelo exercício resistido progressivo. Em portadores de distrofia face-escapuloumeral, foi observado melhora significativa na força muscular, sem alterações significativas nos valores de creatinoquinase plasmática. EXAME CLÍNICO Ao se descrever uma doença neuromuscular, o sinal mais evidente é a fraqueza muscular que ocorre de forma variada, podendo manifestar-se em todos os períodos de desenvolvimento do indivíduo. Hipotonia neonatal, atraso no desenvolvimento motor, alterações no padrão da marcha (marcha anserina), queixa de quedas, dificuldade de deglutir (disfagia) e/ou falar (disartria) e comprometimentos na visão (diplopia) são diferentes formas de manifestação da fraqueza muscular. Cãibras e contraturas musculares são queixas comuns. Já fasciculações estão relacionadas a doenças do neurônio motor. EXAME FÍSICO Inicia-se o exame físico pela inspeção dinâmica, observando o paciente sentado, em pé e deitado. Na inspeção estática, verifica-se o trofismo muscular. A observação de variações no padrão de normalidade, como redução do tamanho (atrofia) ou aumento do tamanho (hipertrofia), são caracte- rísticas que necessitam de um detalhamento descritivo quanto a localização, extensão, intensidade e distribuição. Para determinar a consistência da musculatura ou a existência de dor, a conduta mais adequada é a palpação. A dor está presente nas miopatias inflamatórias, enquanto a flacidez é indicativa de hipotonia. As contraturas manifestam-se com mais frequência nas miopatias metabólicas, como as glicogenoses, enquanto o aspecto de “borracha” é típico das distrofias musculares de DMD e DMB. A movimentação passiva auxilia na detecção de alterações do tônus muscular. Nesse procedimento, o avaliador realiza movimentos sucessivos em velocidade de alguns segmentos corporais do paciente. A amplitude de movimento é maior e a resistência produzida pelo reflexo do estiramento é menor no músculo hipotônico. Outro exame fundamental a ser realizado é a percussão muscular. Para tanto, aplica-se um golpe seco e de intensidade moderada com um martelo de reflexos sobre o músculo examinado. Nos casos de miotonia, esse procedimento provoca uma depressão dos tecidos por vários segundos, devido a uma irritabilidade mecânica acima do normal decorrente de uma incapacidade de relaxamento muscular após uma contração. A força muscular deve ser avaliada em todos os segmentos corporais. O observador deverá aplicar uma resistência contra o segmento avaliado e comparar os resultados de ambos os lados. A avaliação da força muscular deve tomar por base a escala em graus (0-5) proposta pelo Medical Research Council of Great Britain (MRC) e divulgada por Kendall (Quadro 1.1).28 QUADRO 1.1 AVALIAÇÃO DA FORÇA MUSCULAR PROPOSTA POR KENDALL Grau Características % de força em relação ao normal 0 Não existe contração muscular (sem movimento) 0 1 Existe contração muscular perceptível, sem haver movimento 0-10 2 O músculo é capaz de movimentar-se quando a gravidade é eliminada 11-25 3 O músculo é capaz de movimentar-se contra a gravidade, porém não contra a resistência 26-50 4 O músculo é capaz de movimentar-se contra algum grau de resistência 51-75 5 Força muscular normal 76-100