A Música e os bebês: uma proposta pedagógica baseada no Método Clínico de Piaget Paula Cavagni Pecker É recorrente ouvirmos que a música é algo que faz parte da vida de todos, de qualquer ser humano sensível. Diz-se da música um dos caminhos mais fáceis para conectar-se com o passado ou com o momento presente, e com os outros. Também, a audição de canções populares ou música erudita está presente no cotidiano da maioria das pessoas, para propósitos diversos como descanso, diversão, paz ou animação do espírito. Tais assunções, retiradas de minha experiência profissional, aparecem no âmbito da formação de professores ou das aulas de música para bebês, quando convivo com pais e familiares de meus alunos. Por outro lado, parece desproporcional o medo e o quão desautorizada essa mesma maioria de pessoas se sente para falar, arguir e opinar sobre música. No âmbito escolar, a música continua sendo uma área do conhecimento que não apresentou modelos com condições de sedimentar-se no currículo, diferente do que vemos acontecer com a matemática, a língua portuguesa e as ciências biológicas. Neste cenário, urge que se traga para todas as áreas de conhecimento, incluindo a música, e todos os níveis educacionais, incluindo a educação infantil, uma concepção pedagógica emancipatória que traga conteúdos significativos e que considere "a participação dos sujeitos como princípio educativo, conferindo centralidade às suas vozes e, consequentemente, reconhecendo sua capacidade epistemológica e política de produzir cultura e significar a produção cultural" (GIARETA; PEREIRA, 2013, p. 132). Assim, uma educação que visa emancipar e libertar cidadãos terá que, necessariamente, romper com o modelo antigo educacional onde se atinge o pensamento dos adultos pela imposição de fora para dentro, de forma unilateral e passe a valorizar e a saber incentivar as conquistas fruto dos esforços de cada um e das experiências pessoais que venham a ter. No que tange ao universo específico dos bebês, trabalhar com indivíduos em seus primeiros anos de vida, mesmo sob supervisão familiar constante, é um desafio ético sui generis. As tomadas de decisão do professor e a condução pedagógica do desenvolvimento e das aprendizagens dos bebês serão decisivas para o relacionamento presente e futuro desses com os conteúdos e com a construção de novos conhecimentos. O professor pedagogo, seja ele generalista ou especialista, atuante na escola formal ou em cursos extraclasses, pelo tempo que passa com seus alunos e/ou pela relação social heterônoma que constrói com os bebês e suas famílias, finda por exercer influência direta nas crenças desses sobre seu assunto de estudo: a relação com o conhecimento. Becker e Marques (2012) colocam que na atual conjuntura educacional: "Tanto professor quanto aluno deve ser compreendido como sujeito epistêmico; sujeito que constrói conhecimento. Tanto para adquirir conhecimento (conteúdo) quanto para construir capacidades (estruturas), o sujeito age sobre os objetos (físicos, culturais, simbólicos, científicos, artísticos, éticos, etc.), assimilando-os. Ao assimilá-los, com capacidades ainda precárias para dar conta de sua complexidade, deforma-os ou os decompõe tantas vezes quantas forem necessárias até que sua capacidade de compreensão possa fazer justiça à complexidade desses objetos. Quando ele faz isso com objetos quaisquer, alvos de sua curiosidade ou necessidade de compreensão, atinge as próprias capacidades cognitivas, ampliando-as ou reestruturando-as. Dessa forma, ao aprender um conteúdo novo, ele reconstrói suas estruturas cognitivas ou sua capacidade de aprender e conhecer" (p. 13). Trata-se, fundamentalmente, de compreender a gênese da construção precoce de objetos de qualquer âmbito, inclusive musical, como ferramenta norteadora de uma pratica essencialmente construtivista, que requer do professor agir e deixar os bebês agirem de forma espontânea em sala de aula e estar, todo o tempo, muito atento ao que acontece. Ele precisa contrabalançar, em um alto nível, seus conhecimentos sobre os conteúdos e seus conhecimentos sobre o desenvolvimento humano. Esse preparo permite a ele a oferta de desafios que vão ao encontro da complexidade possível de ser assimilada por cada bebê e, ao deparar-se com a interação entre aluno e conteúdo, por compreender este último muito bem, conseguir seguir o pensamento do aluno e avaliá-lo para a tomada de decisão seguinte, melhor abordagem, intensidade do desafio, retomada de questões anteriores. Nesse ponto, o esforço do professor poderia funcionar de forma muito parecida com as de um pesquisador no sentido estrito do termo, que utiliza o meio acadêmico ou outros centros para realizar estudos e investigações. O professor, na sala de aula, realiza o mesmo processo de forma dinâmica e menos formal, mas quanto mais direcionar sua prática para um modo operativo criterioso e calcado pelo saber teórico, mais leal estará sendo com sua profissão e com aqueles que estão sob sua tutela e suas famílias. É através dessas possibilidades comuns entre as atribuições do pesquisador e do professor que o Método Clínico piagetiano, um método de investigar "como as crianças pensam, percebem, agem e sentem, que procura descobrir o que não é evidente no que os sujeitos fazem ou dizem, o que está por trás da aparência de uma conduta, seja em ações ou palavras" (DELVAL, 2001, p.67) surge para apresentar, dentro da sala de aula, experiências significativas para a educação musical. Fazer da sala de aula um laboratório permite ao professor descobrir tendências espontâneas e deixar os próprios bebês descobrirem o mundo a partir de suas próprias habilidades para, então, deformar e decompor os conteúdos para aprendê-los. O Método Clínico, por excelência, descentra a atenção do professor que passa a concentrar-se na relação entre o sujeito e os objetos de conhecimento. Assim, o professor que dedicar-se a um modelo pedagógico dessa natureza estará entregando o protagonismo da aprendizagem não a si, não a metodologia, mas ao próprio aluno, ao próprio indivíduo, permitindo que os processos autônomos de construção do conhecimento, desde cedo, sejam respeitados. Paula Cavagni Pecker é Licenciada em Educação Musical e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Há quinze anos pesquisa o desenvolvimento musical infantil e atua em sala de aula com bebês e suas famílias. Iniciou seu trabalho em parceria com a Professora Dra. Esther Beyer e foi professora em diversos espaços educacionais de Porto Alegre, onde coordena, atualmente, o Projeto Musica per Bambini. Ministra palestras e cursos de formação para professores, foi tutora na Universidade e professora substituta do Departamento de Música da UFRGS no curso de Música (presencial e à distância). É coautora do livro Expressão Musical na Educação Infantil (Editora Mediação, 2013). Suas pesquisas atuais versam sobre a construção do conhecimento musical do bebê sob o viés da Psicologia da Educação e à luz da teoria piagetiana.