Centro Chiara Lubich Movimento dos Focolares www.centrochiaralubich.org (Transcrição) Castelgandolfo, 10 de junho de 1998 Chiara no Congresso dos amigos muçulmanos: Deus nos une: somos irmãos (…) Aqui eu digo: a fraternidade humana, que queremos construir, é almejada por nós de várias maneiras. Os cristãos a realizam vivendo entre si a unidade invocada por Jesus ao Pai quando rezou pedindo: "Pai, que todos sejam um" (cf Jo 17, 21). Jesus queria dizer: que sejam uma única família. Nós, cristãos, seguimos isso. Todavia, descobrimos uma coisa maravilhosa: que em quase todas as Religiões ou nas mais representativas existe aquela que chamam de "Regra de ouro". O que é? É este princípio que diz, no âmbito cristão: "Faça aos outros aquilo que gostaria que os outros lhe fizessem; não faça aos outros aquilo que não gostaria que os outros lhe fizessem". De maneiras diferentes quase todas as religiões... E nós contamos muito com isso, pois: "Faça aos outros aquilo que gostaria que os outros lhe fizessem significa amar, ou seja, libertar no coração de todos: muçulmanos, budistas, de todos, este amor contido nas suas Escrituras. E se começarem a amar, Deus os ajudará. No mundo muçulmano se diz assim: "Nenhum de vocês terá uma fé verdadeira enquanto não desejar para o irmão o que deseja para si mesmo".1 Não é verdade que estou aprendendo o Alcorão? (aplausos) Porém, com os muçulmanos não temos em comum apenas a Regra de ouro, mas também muitos outros elementos. Por exemplo, a nossa espiritualidade, que é o segredo da nossa expansão no mundo, exige - como eu disse antes - que quem a assume tenha uma profunda consideração de Deus por aquilo que ele é: Deus é Amor, Deus é Pai. De fato, seria possível pensar em fraternidade e em unidade do mundo sem a visão de toda a humanidade como uma única família? E como vê-la assim sem a presença de um Pai para todos? Este conceito de Deus é muito parecido com o islâmico, dado que uma expressão mística muçulmana diz: "O amor é a essência da essência de Deus".2 Este é o primeiro ponto. Portanto, a nossa espiritualidade convida a abrir o coração a Deus Pai, que não abandona os filhos ao próprio destino, mas quer acompanhá-los, protegê-los, ajudá-los. Conhecendo o homem no mais íntimo, Deus o segue cada pessoa nos mínimos detalhes; conta até mesmo os cabelos da sua cabeça, como Jesus disse. Deus não o sobrecarrega de pesos, mas ele é o primeiro a carregá-los. É o que ensina também o Alcorão: "Ele (Deus) é aquele que perdoa e que ama".3 "Porém, se pretenderdes contar os favores de Deus, jamais podereis enumerá-los".4 Isso exprime quanto Deus é amor e que os muçulmanos acreditam em Deus Amor. É um Deus que conta até mesmo os cabelos de nossa cabeça. É um Deus que cumula de benefícios que não se podem enumerar. Acreditar no amor de Deus e ter a certeza disso em todas as circunstâncias da vida é um imperativo desta nova espiritualidade e para todos aqueles que querem vivê-la. Diz a Escritura: "E nós acreditamos 1 radição Islâmica. Hadith 13, Al Bukhari. 2 3 4 Al Hallâg. Alcorão 85, 14. Tradução do árabe de Samir El Hayer. Rio de Janeiro: Otto Pierre Editores, 1980. Idem 16, 18. 1 Centro Chiara Lubich Movimento dos Focolares www.centrochiaralubich.org no amor" (cf. 1 Jo 4, 16). Acreditar que somos amados por Deus de modo pessoal e imenso. Acreditar no seu amor e fazer com que ocupe o primeiro lugar no nosso coração. Não é o marido que deve ocupar o primeiro lugar, nem os filhos, nem o trabalho, nem a arte, a saúde, os bens, mas Deus. O Alcorão diz: "Os verdadeiros fiéis são aqueles que colocam o amor a Deus no primeiro lugar".5 Isso seria suficiente. Nós, cristãos, colocamos Deus no primeiro lugar. Não se aceita nada que ofenda a Deus. Os senhores também e Deus nos une de um modo muito forte, é o elo mais forte que existe. Assim sendo, já somos irmãos. Não existe o muçulmano e o cristão. Somos irmãos. Somos pessoas que colocam Deus no primeiro lugar e levemos isso em conta. (aplausos) Há uma oração que nos foi indicada por uma muçulmana aderente ao Focolare, que está aqui presente. Chama-se "A oração dos enamorados de Deus" e diz: "Oh!, Tu (a Deus) que és a meta dos corações sedentos, que és o maior desejo dos teus enamorados... Peço-te que ocupes no meu coração o primeiro lugar ".6 O primeiro lugar. O resto vem depois. Diz a oração tradicional chamada "Oração de Davi": "Faz que o teu nome seja mais precioso para mim do que eu mesmo, do que a minha família e os meus bens".7 Este é outro vínculo forte que podemos viver juntos. Mas é evidente que não basta acreditar no amor de Deus; não é suficiente fazê-lo ocupar o primeiro lugar no coração. Os cuidados de um Pai convidam cada um a ser filho, a amar por sua vez o Pai; a realizar no dia a dia a sua vontade mais importante, ou seja, que os filhos se tratem como irmãos, que se amem. A vontade de Deus é que cada ser humano ame os outros como a si mesmo. Jesus disse: "Ama o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 19, 19). Assim diz um escrito muçulmano: "Deus auxilia o homem enquanto ele ajudar o seu semelhante".8 É vontade de Deus amar a todos. A sua vontade não consiste em palavras. É saber "fazer-se um" com os outros, assumir os problemas, as preocupações, os sofrimentos, as alegrias, as necessidades deles e tentar resolvê-las. O grande apóstolo Paulo escreveu: "Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fizme tudo para todos" (2 Cor 9, 22). No Alcorão se lê: "O homem bom é aquele que, por amor a Deus, distribui os seus bens (não é retórica) entre parentes, órfãos, necessitados, viandantes, mendigos e em resgate de cativos".9 O amor ao próximo é um dever para nós, cristãos, e para vocês. Já são duas coisas: colocar Deus no primeiro lugar. Queremos fazê-lo e o faremos de agora em diante. E, tendo-o feito, obedecer a este Deus Pai e viver como irmãos. Todavia, se esse amor ao próximo for vivido por várias pessoas, ele se tornará recíproco. E Cristo deixou como norma para a humanidade o amor recíproco: "Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 15, 12). Ele sabia que este elemento é necessário para que reine a paz e a unidade no mundo, para que todos formem uma única família. Eu li no libro Islã em oração esta reflexão: "Aqueles que se amam em Mim estarão à sombra do meu trono no dia do Juízo Final: dia em que não existirá outra sombra fora da minha".10 Isso quer dizer que serão muito amados. Também nós pensamos assim. 5 6 7 8 9 10 Cf. Idem 2, 165. Imam Sajjad, neto de Maomé. Islam in preghiera, C.M. Guzzetti, Turim, 1991, pág. 57. Hadith, M.D.A. abdellahui in L'Islam fra noi, Turim, 1992, pág. 106. Alcorão 2, 177. Islam in preghiera, pág. 136. 2 Centro Chiara Lubich Movimento dos Focolares www.centrochiaralubich.org O Alcorão também quer que vivamos o amor recíproco, além de amar o próximo. O amor recíproco, a unidade dá muita alegria a quem a coloca em prática, mas nem sempre é fácil, pois muitas vezes ficamos mal-humorados, fechamo-nos em nós mesmos, pensamos só em nós e não nos outros. Então, aparece a palavra "sacrifício", que para nós, cristãos, possui um sinônimo dramático, que ninguém quer ver nem ouvir: a cruz. A cruz quer dizer a dor, o sacrifício. Porém, não se faz nada de positivo, de útil, de fecundo no mundo sem conhecer, sem saber aceitar o esforço, o sofrimento, em resumo, sem a cruz, como dizemos. Não é uma brincadeira dedicar-se à vivência e à difusão da fraternidade! É preciso ter coragem e saber sofrer. O Alcorão diz isso acerca dos justos: "Aqueles que são pacientes na adversidade - que sabem sofrer - e na miséria ou durante o combate: esses são os verdadeiros crentes!"11 Então, cristãos e muçulmanos devem saber sofrer. Se estivermos dispostos também a sofrer, a unidade entre os homens, que afunda as suas raízes na unidade de Deus, não será uma ilusão, pois conseguiremos realizá-la. Em relação à unidade da humanidade (Jesus deseja que todos sejam um) o Islã evoca sempre este conceito. É a unidade de Deus que fundamenta a solidariedade entre os homens. Como todos sabem, pelo que li, existem duas interpretações desta unidade. A mais antiga prevê a coexistência das três religiões que têm origem de Abraão, na paz e no diálogo recíproco. E cito aqui o Alcorão.12 E existe também outra interpretação. Seja como for, a unidade permanece sempre a promessa escatológica do último dia que verá todas as pessoas reunidas diante de Deus. E isso também no islamismo. No empenho de compor a fraternidade universal, não podemos nos esquecer de Maria. Por quê? Porque é a mãe que mantém a família unida. Os cristãos acreditam que Maria é a mãe de Jesus e espiritualmente de cada ser humano. Dela podemos receber inspiração, conforto, auxílio. É dever de uma mãe compor e recompor sempre a família. Ela é amada, venerada e reconhecida também por outras Religiões. Também o Alcorão - e isso me deu uma grande consolação -, também o Alcorão a recorda. O seu nome aparece 34 vezes neste livro sagrado. Foi incluída por Maomé entre os grandes eleitos de Deus. Para os muçulmanos Maria é um modelo de fé, de religiosidade e de discrição, pela sua virgindade, pela sua maternidade prodigiosa e altíssima dignidade. "Recorda-te ainda - diz a Surata - quanto os anjos disseram: 'Ó, Maria, Deus te elegeu ao purificarte, preferindo-te entre todas as mulheres do mundo'".13 "Recorda-te". Todos nós, cristãos e muçulmanos, podemos tomá-la como exemplo a imitar porque, continua a Surata: "(Deus) propõe como exemplo também Maria, filha de Imran, que conservou o seu pudor. E a qual alentamos com o Nosso Espírito".14 E ainda: "E a sua mãe era uma santa".15 Todos nós podemos tê-la como modelo. É mais próxima de nós, não é?, pois é uma criatura a quem podemos imitar. (...) 11 Alcorão 2, 177. 12 "Aqueles que acreditam, sejam eles judeus, cristãos ou sabeus, aqueles que acreditam em Deus e no dia do Juízo Final e realizam o bem, terão a sua mercê junto ao Senhor, e nada terão a temer nem ficarão tristes". Al-Insân Al-Kâmil, 2, 62. 13 Surata 3. 14 Idem 66. 15 Idem 15. 3