Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Integridade cutâneo-mucosa e câncer INTEGRIDADE CUTÂNEO-MUCOSA: IMPLICAÇÕES PARA A FAMÍLIA NO CUIDADO DOMICILIÁRIO AO DOENTE COM CÂNCER SKIN AND MUCOUS MEMBRANE INTEGRITY: IMPLICATIONS FOR THE FAMILY IN HOME CARE OF CANCER PATIENTS INTEGRIDAD CUTÁNEO-MUCOSA: IMPLICACIONES PARA LA FAMILIA EN EL CUIDADO DOMICILIAR PARA LOS PACIENTES CON CÁNCER Noeli Marchioro Liston A. FerreiraI Mariza Borges Brito de SouzaII Danielli Boer CostaIII Aliane Callegari SilvaIV RESUMO: Avaliar o comprometimento cutâneo-mucoso apresentado por doentes em decorrência do câncer e seu tratamento e conhecer as ações preventivas e restauradoras das lesões, adotadas pela família no cuidado domiciliário, foram os objetivos deste trabalho que utilizou abordagem descritiva exploratória. A coleta de dados foi efetivada durante visita domiciliária, no período de março a maio de 2007, com díades ou tríades de 14 famílias de clientes cadastrados no projeto assistência de enfermagem ao doente com câncer, do Departamento de Enfermagem de uma universidade do interior de São Paulo que estavam sendo cuidados pela família no domicílio e seguindo instrumento utilizado na clínica. Os resultados apontaram comprometimento cutâneo-mucoso oriundo de quimioterapia, cirurgia, radioterapia, imobilidade no leito e dificuldades para o cuidado domiciliário de cunho instrumental técnico, financeiro e emocional. Conclui-se que muitas são as dificuldades da família nos cuidados aos clientes para manter/restaurar sua integridade cutâneo-mucosa. O profissional deve conhecer as reais necessidades da família, orientando-a e ajudando-a no cuidado domiciliário ao doente. Palavras-Chave: Família; câncer; enfermagem; enfermagem familiar. ABSTRACT ABSTRACT:: This exploratory descriptive study aimed to evaluate skin and mucous membrane impairment in patients due to cancer and its treatment and to learn what preventive and lesion restoration actions were taken by families in home care. Data was collected during home visits from March to May 2007, with dyads or triads from 14 families of clients enrolled in the cancer nursing care project of a university nursing department in São Paulo State, who were being cared for at home by their families, following guidelines used in the clinic. The results showed skin and mucous membrane impairment from chemotherapy, surgery, radiotherapy, immobility in bed, as well as technical, financial and emotional difficulties in home care. It was concluded that families encounter great difficulties in care to maintain or restore clients’ skin and mucous membrane integrity. Nursing professionals must learn the family’s real needs, and guide and help them in home care for the patient. Keywords: Family; cancer; nursing; family nursing. RESUMEN: Evaluar el comprometimiento cutáneo-mucoso presentado por pacientes debido al cáncer y su tratamiento y conocer las medidas preventivas y curativas de las lesiones, adoptadas por la familia en el cuidado domiciliario, fueron los objetivos de este trabajo que utilizó enfoque descriptivo exploratorio. Los datos fueron recogidos en visitas a domicilios en el período de marzo a mayo de 2007, con díadas o tríadas de 14 familias registradas en el proyecto de asistencia de enfermería al enfermo con cáncer del Departamiento de Enfermería de una Universidad del interior de São Paulo-Brasil, que estaban siendo cuidados por la familia, en casa pero siguiendo el instrumento utilizado en la clínica. Los resultados mostraron comprometimiento cutáneo-mucoso proveniente de quimioterapia, cirugía, radioterapia, inmovilidad en la cama dificultades para el cuidado domiciliario de cuño instrumental técnico, financiero y emocional, evidenciando la necesidad de que el profesional de enfermería se encuentre con la familia para conocer sus reales necesidades, y así pueda ofrecerles orientación y ayuda en el cuidado domiciliario al paciente. Palabras Clave: Familia; cáncer; enfermería; enfermería familiar INTRODUÇÃO O aumento da expectativa de vida, oriundo dos avanços científicos e tecnológicos no tratamento de doenças, é um fato comprovado nos dias atuais. Na área de oncologiaV, houve considerável incremento no campo do diagnóstico e tratamento, embora a tendência do crescimento do câncer no país seja inquestionável1. No I Enfermeira. Doutor. Professor Associado do Departamento de Enfermagem Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil. Email: [email protected]. II Enfermeira. Doutor. Professor Associado do Departamento de Enfermagem Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil. III Graduanda Departamento de Enfermagem - Bolsista Iniciação Científica Universidade Federal de São Carlos /CNPq. São Carlos, São Paulo, Brasil. IV Graduanda Departamento de Enfermagem Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil. V Resultados parciais do Projeto Iniciação Científica/CNPq 2006/2007 do Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos. p.246 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):246-51. Recebido em: 14.10.2008 - Aprovado em: 10.01.2009 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación entanto, por se tratar de um conjunto de doenças com enormes diversidades biológicas, que atinge pessoas em diferentes idades com distintas respostas à abordagem terapêutica, tem havido um descompasso entre os avanços e os resultados, pois nem todos se beneficiam do arsenal medicamentoso disponibilizado no mercado que possibilita a cura ou a melhora da qualidade de vida2. Para aqueles cujos avanços foram lentos e insuficientes para o sucesso terapêutico, resta a longevidade acompanhada de baixa qualidade de vida, uma vez que as modalidades disponíveis de tratamento do câncer (cirurgias, quimioterapia e radioterapia) resultam em alterações orgânicas importantes, podendo acarretar reações físicas e efeitos colaterais indesejáveis além de muitos problemas emocionais para a família3. Nessa perspectiva, entre as alterações orgânicas apontamos as que atingem a integridade cutâneomucosa. A integridade da pele prejudicada tem como característica as lesões no tecido epidérmico e dérmico, pele desnuda, eritema, lesões e prurido, que surgem em decorrência de fatores relacionados a várias patologias, entre elas o câncer. Assim, esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de avaliar o comprometimento cutâneo-mucoso apresentado pelos clientes em decorrência da doença e/ou do tratamento do câncer e conhecer as formas de cuidado e prevenção de lesões adotadas pela família no contexto do cuidado domiciliário. MARCO REFERENCIAL No doente com câncer, especificamente, o comprometimento cutâneo-mucoso está associado tanto à terapêutica quimioterápica como à radioterápica e se manifesta em: eritema, descamação cutânea, mucosite oral, reações alérgicas cutâneas e lesões teciduais vinculadas a complicações cirúrgicas como deiscência, formação de fístula, infecção, inflamação ou ainda está relacionado à criação de estomas e às úlceras de pressão, decorrentes das complicações da doença, desencadeadas pela permanência no leito4. Além disso, há fatores inerentes à própria doença que contribuem para o comprometimento da integridade cutâneo-mucosa como: diminuição do turgor cutâneo, lentidão na cicatrização, ressecamento, desgaste, enfraquecimento e lesões malignas, que são de difícil resolutividade5. O longo período de tratamento, a debilidade orgânica imposta ao doente e as sequelas da doença e tratamento levam a recorrentes internações e consequente encaminhamento do cliente para o domicílio, mesmo que ele não tenha condições para o autocuidado, necessitando, portanto, do suporte da família para os cuidados domiciliários. Com isso, nas condições crônicas, a família tem sido colocada na agenda do cuidado em saúde e considerada, por isso, uma unidade de cui- Ferreira NMLA, Souza MBB, Costa DB, Silva AC dado. O domicílio passa a ser visto como produtor de saúde, pois recursos internos da família se somam aos externos, visando manter e restaurar a saúde de seus membros6. O sistema familiar inclui um processo de cuidar no qual a família supervisiona o estado de saúde de seus membros, toma decisões sobre medidas que devem ser adotadas em situações de desequilíbrios, avalia e pede auxílio profissional quando se faz necessário6. Incluir a família em ações de saúde exige uma aproximação progressiva entre profissionais de saúde e famílias, a construção conjunta de saberes e decisões, além de troca de informações sobre crenças, valores, direitos e conhecimentos sobre as responsabilidades de cada parte. Essa junção possibilita diagnosticar os problemas, definir os objetivos e planejar as ações, envolvendo o profissional no acompanhamento, na estimulação e no apoio para buscar as soluções, ao mesmo tempo em que a família descobre sua capacidade para o cuidado de saúde e recorre aos recursos da comunidade para as ações7. Essa perspectiva leva à constatação de que por mais que a família esteja mobilizada para cumprir esse papel nem sempre se encontra preparada o suficiente8-10. METODOLOGIA Este é um estudo descritivo e exploratório, com aplicação do método estatístico. O estudo descritivo preocupa-se com a descrição, classificação, análise e interpretação de situações. A pesquisa exploratória permite ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado problema11. A fase exploratória consiste em descobrir o campo de pesquisa, os interessados e suas expectativas e estabelecer um primeiro levantamento (ou diagnóstico) da situação, dos problemas prioritários e de eventuais ações12. Foram consultadas díades ou tríades de todas as 14 famílias de adultos com câncer cadastrados no Projeto Assistência de Enfermagem ao Doente com Câncer do departamento de enfermagem de uma universidade do interior paulista, que estavam vivenciando a situação de terem seu familiar em cuidados domiciliários sem ajuda de equipe profissional e que concordaram em participar da pesquisa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Parecer nº 037/08 fevereiro 2007). A coleta de dados foi realizada durante visita ao domicílio das famílias, no período de março a maio de 2007, mediante agendamento prévio e concordância das famílias. Para a coleta dos dados foi preenchido pelos pesquisadores um instrumento já utilizado na prática clínica hospitalar e ambulatorial, considerando as especificidades da avaliação das mudanças que Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):246-51. • p.247 Integridade cutâneo-mucosa e câncer ocorrem com o doente durante o tratamento, e ajustado segundo revisão bibliográfica atualizada. Constavam do instrumento variáveis referentes à identificação da família, ao exame físico do doente, aos fatores de risco para o surgimento de lesões e às formas de cuidado cutâneo-mucoso adotadas. Os dados foram submetidos à análise estatística, após os cálculos das frequências absolutas e percentuais e sua organização na forma de tabelas e figura. RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização das Famílias As famílias consultadas, em sua maioria, utilizavam integralmente o Sistema Único de Saúde (85,7%) e, assim, estavam distribuídas quanto aos rendimentos: com renda familiar de um salário mínimo (42,8%), dois salários mínimos (35,7%) e três salários mínimos (14,3%). Em 50% dos casos o cuidador principal era o cônjuge, em 28,6% os irmãos e em 14,3% os filhos. Os membros doentes eram na maioria homens (71,4%), com idades entre 51 e 70 anos (57,1%), com escolaridade de ensino fundamental incompleto (78,6%), sendo a minoria (14,3%) analfabeta. Além do câncer, os consultados apresentavam outras doenças, com destaque para: hipertensão arterial (35,7%), cardiopatias (21,4%), além de Diabetes Mellitus, disfunção tireoideana, anemia, doenças vasculares e bronquite. A maioria dos doentes (71,4 %) fazia uso de analgésico, sendo a dor avaliada entre intensidade moderada a severa em 64,3% dos casos. O uso de anti-inflamatórios foi identificado em 28,6% dos doentes, sendo que nos portadores de tumor de cabeça e pescoço com metástase era feita a associação de analgésico e antiinflamatório. Também 35,7% dos consultados faziam uso de anti-hipertensivo, 21,4% usavam antibióticos e antieméticos, enquanto 7% usavam anticoagulantes e protetores gástricos. A maioria dos pacientes era portadora de tumor de cabeça e pescoço (57,1%), os demais apresentam tumor de próstata (21,4%), de intestino (14,3%) e de mama (7,1%). O câncer de cabeça e pescoço, que em nível mundial representa 10% dos tumores malignos, envolve vários sítios, tais como: cerca de 40% dos casos ocorrem na cavidade oral, seguindo-se a laringe, faringe e glândulas salivares13. O câncer de boca e orofaringe está relacionado principalmente ao tabagismo e etilismo. Ambos acometem principalmente pessoas do sexo masculino acima de 50 anos. No Brasil, a incidência do câncer bucal é considerada uma das mais altas do mundo, estando entre os seis tipos de câncer mais comuns para o sexo masculino e entre os oito mais comuns que atingem o sexo feminino14. p.248 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):246-51. Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Como terapêutica, os doentes em sua maioria receberam quimioterapia e/ou radioterapia, além de intervenções cirúrgicas. Nos tumores de cabeça e pescoço, a cirurgia e a radioterapia continuam sendo os principais e mais eficazes métodos de tratamento. Novos avanços têm sido incorporados ao tratamento como os diferentes protocolos de radioterapia, novas combinações de quimioterapia e marcadores moleculares, bem como a incorporação de terapia de reirradiação e tratamento adjuvante após cirurgia13, 15. A quimioterapia pode ocasionar toxicidade dermatológica local e sistêmica. A toxicidade local ocorre nos tecidos circunvizinhos à área de aplicação da droga, sendo elas: flebite, urticária, dor, eritema, descoloração venosa e necrose tecidual secundária ao extravasamento; já a sistêmica pode incluir náuseas e vômitos, constipação, alopecia, eritema de extremidades, urticária, fotossensibilidade, hiperpigmentação, alterações nas unhas e recidiva de reação cutânea pós-radioterapia, além de rash cutâneo, eritema de extremidades; além da mucosite que, quando ocorre na mucosa oral, denomina-se proctite e, na cavidade oral, estomatite4. Os efeitos adversos estão intimamente ligados ao tempo de tratamento. Neste estudo 21,4% dos doentes estavam em tratamento há mais de quatro anos, 35,6% de um a quatro anos e 42,9% há menos de um ano. Caracterização do Comprometimento Cutâneo-Mucoso Apresentado pelos Doentes em Decorrência da Doença e/ou do Tratamento do Câncer Todos os doentes consultados apresentavam uma ou mais lesão cutâneo-mucosa decorrente de cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, tendo quase a totalidade (92,8%) comprometimento cutâneo-mucoso decorrente de incisão cirúrgica, 42,8% com lesões causadas pela radioterapia e 50% pela quimioterapia; 28,6% tinham leões devido à imobilidade no leito e 14,3% apresentavam ferida maligna. Como lesões cutâneo-mucosas, os doentes apresentavam ao exame físico em sua maioria (66,6%) radiodermite local. O tratamento radioterápico tem por finalidade reduzir o tamanho da massa tumoral e facilitar sua ressecção. Cerca de 95% dos pacientes tratados com radiação externa - teleterapia desenvolvem alguma forma de reação de pele, um dos efeitos mais comuns do tratamento, podendo a intensidade da reação variar de um leve eritema e prurido, passando por descamação seca ou úmida, até ocasionar necrose tecidual16,17. Outros problemas com grande incidência foram: mucosite oral, glossite e alopecia que ocorreram em 55,5% dos avaliados. O tratamento radioterápico, principalmente na região da cabeça e pescoço, também Recebido em: 14.10.2008 - Aprovado em: 10.01.2009 Ferreira NMLA, Souza MBB, Costa DB, Silva AC Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación acarreta efeitos colaterais, complicações bucais como mucosite radioinduzida, disfunção das glândulas salivares, mudança na microbiota, xerostomia, reações cutâneas, edema de mucosa bucal, osteoradionecrose, cárie dentária, doença periodontal, entre outras4. A mucosite oral induzida pela radioterapia e quimioterapia é um efeito tóxico que ocorre frequentemente em pacientes com câncer. A mucosite grave tem um impacto importante na vida diária do paciente, em seu bem-estar e qualidade de vida. Ela também pode comprometer a capacidade do doente para tolerar a terapia, impondo um encargo econômico significativo, uma vez que prolonga a hospitalização e aumenta a utilização de analgésicos, aumentando substancialmente os custos do tratamento18. A xerostomia esteve presente em 42% dos consultados. Ela pode ser compreendida como secura da boca e espessamento do fluxo salivar e pode ser causada por antineoplásicos, principalmente quando associados à radioterapia de cabeça e pescoço. A saliva exerce papel protetor da mucosa oral, auxilia na remoção de alimentos, lubrificação e possui ação bactericida, prevenindo cáries e outras infecções, portanto, na ausência de saliva, a mucosa oral fica exposta a lesões19. Outros comprometimentos cutâneo-mucosos foram encontrados, como os decorrentes de procedimentos cirúrgicos: fístula, deiscência, estomas; e também outros decorrentes da quimioterapia e da radioterapia como: lesões por extravasamento de drogas, rash cutâneo, eritema de extremidades, hiperpigmentação sistêmica, rompimento do tumor ou lesões por imobilidade como as úlceras de pressão que atingiam 28,5% dos doentes. Cuidado Domiciliário Oferecido pela Família O período que se segue ao diagnóstico de câncer atinge toda a família e exige uma grande adaptação. É um momento em que muitas decisões precisam ser tomadas: como reorganizar a rotina doméstica, o orçamento familiar, a distribuição de tarefas; aprender a lidar com os inúmeros sentimentos e buscar melhores terapêuticas para o tratamento20. Quanto aos cuidados domiciliares preventivos e terapêuticos de lesões cutâneo-mucosas, adotados pela família, foram encontrados poucos indícios de que tenha havido orientação por parte dos profissionais da saúde. Assim é que apenas 21,4% das famílias consultadas informaram ter recebido alguma orientação escrita sobre esse cuidado no domicílio. Diante desse fato, a família faz o que sabe e o que considera ser necessário. Os principais cuidados adotados pela família no domicílio são apresentados na Tabela 1. Embora tenha havido grande preocupação da família quanto ao cuidado com a mucosa oral dos doentes, vemos que essa preocupação não esteve presente na totalidade das famílias consultadas, como seria esperado no cuidado domiciliário, pois pouco mais da metade dos entrevistados (64,3%) informou higienizar a cavidade oral após as refeições. Também apenas 28,6% dos pacientes consultaram o odontologista, índice considerado baixo diante do número de portadores de câncer de cabeça e pescoço, conforme Tabela 1. Muitos profissionais não têm conhecimento sobre aspectos relacionados às complicações bucais e ao tratamento de pacientes ditos especiais, negligenciando o atendimento a esses indivíduos21. Essa atitude também repercute na família quando não recebe dos profissionais a orientação necessária para o cuidado no domicílio. Quanto ao cuidado preventivo com a pele, 14,3% dos doentes utilizavam alguma substância emoliente. Quando já havia lesão cutânea, as famílias informaram utilizar, no cuidado dos ferimentos abertos, luvas não-esterilizadas (15,4%), segundo a Tabela 1. Uma família aplicava iodo tópico na incisão sem prescrição médica e outra família informou reaproveitar as gazes que sobravam passando-as a ferro quente. Não houve menção ao cuidado com mudanças de decúbito dos TABELA 1: Distribuição dos cuidados adotados pela família para manter/ restaurar a integridade cutâneo-mucosa do doente. São Carlos, SP 2007. (N=14) Cuidados adotados pela família Escovação oral cuidadosa após as refeições Consulta odontológica antes do tratamento Aplicação de medicação tópica prescrita Uso de luvas não estéril nos curativos Hidratação da pele com óleos e cremes Uso de colchão caixa de ovos Aplicação de iodo nas lesões cutâneas Aplicação de ferro quente nas gazes para curativo Bochecho com solução de água e vinagre Bochecho com suco de batata, água e sal Aplicação de amido de milho na radiodermite Compressas frias de chá de camomila na radiodermite % 64,3 28,6 21,4 15,4 14,3 14,3 7,7 7,7 7,1 7,1 7,1 7,1 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):246-51. • p.249 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Integridade cutâneo-mucosa e câncer doentes acamados. Esses dados indicam o despreparo da família nas ações de prevenção e recuperação de lesões cutâneas. Identificou-se, também, que as famílias realizavam alguns cuidados originários do conhecimento popular como o uso de amido de milho e de compressas frias com chá de camomila para o tratamento da radiodermite, sendo essas condutas avaliadas, pela família, como benéficas. A literatura aponta a utilização de bochechos com chá de camomila, associada ao alívio dos sintomas nas mucosites, fato que pode estar vinculado à ação anti-inflamatória da referida substância22. O uso da camomila nas radiodermites não é mencionado pela literatura, mas, sendo benéfica na mucosa, pode também ser eficiente na pele lesada. Outros cuidados populares como bochecho com água, vinagre e sal ou com suco de batata para a prevenção e tratamento da mucosite eram utilizados por um dos doentes e avaliados por ele como prejudicial para a mucosa oral. As famílias apontaram dificuldades de ordem técnica, financeira e emocional que estão detalhadas na Figura 1. As famílias registraram dificuldades em realizar cuidados como: curativo de lesões; preparo e administração de dieta enteral; manuseio de sondas e cateteres; e tratamento das úlceras por pressão. Quanto aos estomas, foram indicadas dificuldades na troca das bolsas, no manuseio dos equipamentos adaptadores das bolsas coletoras de estomas intestinais, bem como com a pele periestoma. Havia dúvidas também quanto à limpeza e troca das cânulas de traqueostomia e realização de curativos cirúrgicos. As dificuldades apontadas são pertinentes por se tratar de cuidados complexos. O que chama a atenção, no entanto, foram as dificuldades descritas na prestação de cuidados básicos de higiene e conforto o Dificuldades técnicas para o cuidado Cuidar dos estomas Manuseio de sondas, drenos e curativos Preparo e administração de dieta enteral Prestar cuidados de conforto e higiene Prevenir e tratar as úlceras por pressão que, a princípio, sugeriria que a família poderia estar mais preparada para executá-los. Muitas famílias também mencionaram carência de apoio financeiro. A dificuldade financeira, muitas vezes preexistente ao surgimento da doença, fica agravada com o seu advento; a família passa a ter outros gastos como: transporte do doente e acompanhante para realização das terapêuticas e dos exames; aquisição de suplementos nutricionais; gastos com absorventes higiênicos e com aluguel de equipamentos como colchão tipo caixa de ovo, cilindro de oxigênio, aspirador de secreções, além dos gastos com medicamentos e materiais para curativos que, embora cedidos pela rede, são insuficientes. Atrelados a essas dificuldades surgem também os problemas emocionais, que envolvem toda a família, em especial o binômio doente-cuidador, já que, muitas vezes, a sobrecarga do cuidado e o tempo de dedicação necessário tornam o cuidador vítima do isolamento social, o que lhe causa estresse emocional, tornando-o a susceptível ao desgaste e também à doença23-25. As maiores dificuldades destacadas pela família, no aspecto emocional, estão relacionadas ao próprio cuidado, denotando mais uma vez a falta de seu preparo para essa tarefa. A família necessita de orientações para garantir um cuidado adequado em domicílio, proporcionando ao doente uma melhor qualidade de vida, mas também orientações que facilitem a identificação de suas dificuldades e de suas potencialidades para o cuidado. CONCLUSÕES Muitas são as dificuldades, os transtornos e os desafios a serem enfrentados pelas famílias de um doente oncológico, para o cuidado no domicílio. A família necessita de orientações que a levem a identificar suas dificuldades e suas potencialidades para garantir Dificuldades financeiras Dificuldades emocionais/psicológicas Dificuldades físicas para o cuidado Falta de esperanças Despesa com suplemento alimentar Despesas com material para curativo Despesas com convênio Associação da doença a morte Despesas com transporte para outra cidade Não possuir emprego remunerado Despesas com medicação Despesas com equipamentos de suporte hospitalar Insegurança e medo para realizar o cuidado Depressão e abalo psicológico Não aceitação da doença Preocupação e tristeza FIGURA 1: Dificuldades técnicas, financeiras e emocionais/psicológicas apontadas pela família AO propiciar o cuidado domiciliário. São Carlos, SP 2007. p.250 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 abr/jun; 17(2):246-51. Recebido em: 14.10.2008 - Aprovado em: 10.01.2009 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación um cuidado adequado, proporcionando ao doente melhor qualidade de vida. As famílias mencionaram dificuldades nos cuidados aos clientes, principalmente aqueles voltados para manter/restaurar sua integridade cutâneo-mucosa. A família, em especial o cuidador, apresenta carência de orientações não só relacionadas ao cuidar de seu familiar em situações complexas, mas também nos cuidados considerados básicos, bem como no suprimento de necessidades oriundas da carência financeira e dos desgastes emocionais decorrentes da doença. Cabe lembrar que, ao incluir a família em ações de saúde, é preciso partilhar os conhecimentos, as decisões, as dúvidas, entre ela e os profissionais de saúde, criando espaço para a troca de informações sobre as crenças, valores e direitos de ambas as partes. Em especial na assistência de enfermagem ao paciente com câncer, a participação da família permitirá a verbalização dos sentimentos, a identificação e valorização das áreas potencialmente problemáticas para o paciente e a família, levando a identificar e mobilizar fontes de ajuda, informações, busca de soluções para os problemas, permitindo a tomada de decisões sobre o cuidado e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida para a família como um todo. Cabe à enfermagem ir ao encontro da família para oferecer o suporte da orientação e da ajuda necessária, o que só será satisfatório na medida em que forem conhecidas e consideradas suas reais necessidades. REFERÊNCIAS 1. Castro R. Câncer na mídia; uma questão de saúde pública. Rev bras cancerologia. 2009; 55(1): 41-48. 2. Secoli SR, Padilha KG, Oliveira Leite RCB Avanços tecnológicos em oncologia uma reflexão para a prática de enfermagem. Rev Bras cancerol. 2005; 51: 331-337. 3. Ferreira NMLA, Scarpa A, Silva DA. 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