Integridade Cutâneo-Mucosa: implicações para a família no cuidado

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Integridade cutâneo-mucosa e câncer
INTEGRIDADE CUTÂNEO-MUCOSA: IMPLICAÇÕES PARA A
FAMÍLIA NO CUIDADO DOMICILIÁRIO AO DOENTE COM CÂNCER
SKIN AND MUCOUS MEMBRANE INTEGRITY: IMPLICATIONS FOR THE FAMILY
IN HOME CARE OF CANCER PATIENTS
INTEGRIDAD CUTÁNEO-MUCOSA: IMPLICACIONES PARA LA FAMILIA EN EL
CUIDADO DOMICILIAR PARA LOS PACIENTES CON CÁNCER
Noeli Marchioro Liston A. FerreiraI
Mariza Borges Brito de SouzaII
Danielli Boer CostaIII
Aliane Callegari SilvaIV
RESUMO: Avaliar o comprometimento cutâneo-mucoso apresentado por doentes em decorrência do câncer e seu tratamento e conhecer as ações preventivas e restauradoras das lesões, adotadas pela família no cuidado domiciliário, foram os
objetivos deste trabalho que utilizou abordagem descritiva exploratória. A coleta de dados foi efetivada durante visita
domiciliária, no período de março a maio de 2007, com díades ou tríades de 14 famílias de clientes cadastrados no projeto
assistência de enfermagem ao doente com câncer, do Departamento de Enfermagem de uma universidade do interior de São
Paulo que estavam sendo cuidados pela família no domicílio e seguindo instrumento utilizado na clínica. Os resultados
apontaram comprometimento cutâneo-mucoso oriundo de quimioterapia, cirurgia, radioterapia, imobilidade no leito e
dificuldades para o cuidado domiciliário de cunho instrumental técnico, financeiro e emocional. Conclui-se que muitas são
as dificuldades da família nos cuidados aos clientes para manter/restaurar sua integridade cutâneo-mucosa. O profissional
deve conhecer as reais necessidades da família, orientando-a e ajudando-a no cuidado domiciliário ao doente.
Palavras-Chave: Família; câncer; enfermagem; enfermagem familiar.
ABSTRACT
ABSTRACT:: This exploratory descriptive study aimed to evaluate skin and mucous membrane impairment in patients
due to cancer and its treatment and to learn what preventive and lesion restoration actions were taken by families in home
care. Data was collected during home visits from March to May 2007, with dyads or triads from 14 families of clients
enrolled in the cancer nursing care project of a university nursing department in São Paulo State, who were being cared
for at home by their families, following guidelines used in the clinic. The results showed skin and mucous membrane
impairment from chemotherapy, surgery, radiotherapy, immobility in bed, as well as technical, financial and emotional
difficulties in home care. It was concluded that families encounter great difficulties in care to maintain or restore clients’
skin and mucous membrane integrity. Nursing professionals must learn the family’s real needs, and guide and help them
in home care for the patient.
Keywords: Family; cancer; nursing; family nursing.
RESUMEN: Evaluar el comprometimiento cutáneo-mucoso presentado por pacientes debido al cáncer y su tratamiento
y conocer las medidas preventivas y curativas de las lesiones, adoptadas por la familia en el cuidado domiciliario, fueron
los objetivos de este trabajo que utilizó enfoque descriptivo exploratorio. Los datos fueron recogidos en visitas a domicilios
en el período de marzo a mayo de 2007, con díadas o tríadas de 14 familias registradas en el proyecto de asistencia de
enfermería al enfermo con cáncer del Departamiento de Enfermería de una Universidad del interior de São Paulo-Brasil,
que estaban siendo cuidados por la familia, en casa pero siguiendo el instrumento utilizado en la clínica. Los resultados
mostraron comprometimiento cutáneo-mucoso proveniente de quimioterapia, cirugía, radioterapia, inmovilidad en la
cama dificultades para el cuidado domiciliario de cuño instrumental técnico, financiero y emocional, evidenciando la
necesidad de que el profesional de enfermería se encuentre con la familia para conocer sus reales necesidades, y así
pueda ofrecerles orientación y ayuda en el cuidado domiciliario al paciente.
Palabras Clave: Familia; cáncer; enfermería; enfermería familiar
INTRODUÇÃO
O aumento da expectativa de vida, oriundo dos
avanços científicos e tecnológicos no tratamento de
doenças, é um fato comprovado nos dias atuais. Na área
de oncologiaV, houve considerável incremento no campo do diagnóstico e tratamento, embora a tendência do
crescimento do câncer no país seja inquestionável1. No
I
Enfermeira. Doutor. Professor Associado do Departamento de Enfermagem Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil. Email: [email protected].
II
Enfermeira. Doutor. Professor Associado do Departamento de Enfermagem Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil.
III
Graduanda Departamento de Enfermagem - Bolsista Iniciação Científica Universidade Federal de São Carlos /CNPq. São Carlos, São Paulo, Brasil.
IV
Graduanda Departamento de Enfermagem Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil.
V
Resultados parciais do Projeto Iniciação Científica/CNPq 2006/2007 do Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos.
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entanto, por se tratar de um conjunto de doenças com
enormes diversidades biológicas, que atinge pessoas em
diferentes idades com distintas respostas à abordagem
terapêutica, tem havido um descompasso entre os avanços e os resultados, pois nem todos se beneficiam do
arsenal medicamentoso disponibilizado no mercado que
possibilita a cura ou a melhora da qualidade de vida2.
Para aqueles cujos avanços foram lentos e insuficientes para o sucesso terapêutico, resta a longevidade
acompanhada de baixa qualidade de vida, uma vez
que as modalidades disponíveis de tratamento do câncer (cirurgias, quimioterapia e radioterapia) resultam
em alterações orgânicas importantes, podendo acarretar reações físicas e efeitos colaterais indesejáveis
além de muitos problemas emocionais para a família3.
Nessa perspectiva, entre as alterações orgânicas
apontamos as que atingem a integridade cutâneomucosa. A integridade da pele prejudicada tem como
característica as lesões no tecido epidérmico e
dérmico, pele desnuda, eritema, lesões e prurido, que
surgem em decorrência de fatores relacionados a várias patologias, entre elas o câncer.
Assim, esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de avaliar o comprometimento cutâneo-mucoso
apresentado pelos clientes em decorrência da doença
e/ou do tratamento do câncer e conhecer as formas de
cuidado e prevenção de lesões adotadas pela família
no contexto do cuidado domiciliário.
MARCO REFERENCIAL
No doente com câncer, especificamente, o comprometimento cutâneo-mucoso está associado tanto à
terapêutica quimioterápica como à radioterápica e se
manifesta em: eritema, descamação cutânea, mucosite
oral, reações alérgicas cutâneas e lesões teciduais vinculadas a complicações cirúrgicas como deiscência,
formação de fístula, infecção, inflamação ou ainda está
relacionado à criação de estomas e às úlceras de pressão, decorrentes das complicações da doença, desencadeadas pela permanência no leito4.
Além disso, há fatores inerentes à própria doença que contribuem para o comprometimento da integridade cutâneo-mucosa como: diminuição do turgor
cutâneo, lentidão na cicatrização, ressecamento, desgaste, enfraquecimento e lesões malignas, que são de
difícil resolutividade5.
O longo período de tratamento, a debilidade orgânica imposta ao doente e as sequelas da doença e
tratamento levam a recorrentes internações e consequente encaminhamento do cliente para o domicílio,
mesmo que ele não tenha condições para o autocuidado,
necessitando, portanto, do suporte da família para os
cuidados domiciliários. Com isso, nas condições crônicas, a família tem sido colocada na agenda do cuidado
em saúde e considerada, por isso, uma unidade de cui-
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dado. O domicílio passa a ser visto como produtor de
saúde, pois recursos internos da família se somam aos
externos, visando manter e restaurar a saúde de seus
membros6.
O sistema familiar inclui um processo de cuidar
no qual a família supervisiona o estado de saúde de
seus membros, toma decisões sobre medidas que devem
ser adotadas em situações de desequilíbrios, avalia e
pede auxílio profissional quando se faz necessário6.
Incluir a família em ações de saúde exige uma
aproximação progressiva entre profissionais de saúde
e famílias, a construção conjunta de saberes e decisões, além de troca de informações sobre crenças, valores, direitos e conhecimentos sobre as responsabilidades de cada parte. Essa junção possibilita diagnosticar os problemas, definir os objetivos e planejar as
ações, envolvendo o profissional no acompanhamento, na estimulação e no apoio para buscar as soluções,
ao mesmo tempo em que a família descobre sua capacidade para o cuidado de saúde e recorre aos recursos
da comunidade para as ações7.
Essa perspectiva leva à constatação de que por mais
que a família esteja mobilizada para cumprir esse papel
nem sempre se encontra preparada o suficiente8-10.
METODOLOGIA
Este é um estudo descritivo e exploratório, com
aplicação do método estatístico. O estudo descritivo
preocupa-se com a descrição, classificação, análise e
interpretação de situações. A pesquisa exploratória permite ao investigador aumentar sua experiência em
torno de determinado problema11. A fase exploratória
consiste em descobrir o campo de pesquisa, os interessados e suas expectativas e estabelecer um primeiro
levantamento (ou diagnóstico) da situação, dos problemas prioritários e de eventuais ações12.
Foram consultadas díades ou tríades de todas as
14 famílias de adultos com câncer cadastrados no Projeto Assistência de Enfermagem ao Doente com Câncer do departamento de enfermagem de uma universidade do interior paulista, que estavam vivenciando
a situação de terem seu familiar em cuidados
domiciliários sem ajuda de equipe profissional e que
concordaram em participar da pesquisa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos (Parecer nº 037/08 fevereiro 2007).
A coleta de dados foi realizada durante visita ao
domicílio das famílias, no período de março a maio de
2007, mediante agendamento prévio e concordância
das famílias. Para a coleta dos dados foi preenchido
pelos pesquisadores um instrumento já utilizado na
prática clínica hospitalar e ambulatorial, considerando as especificidades da avaliação das mudanças que
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ocorrem com o doente durante o tratamento, e ajustado segundo revisão bibliográfica atualizada. Constavam do instrumento variáveis referentes à identificação da família, ao exame físico do doente, aos fatores de risco para o surgimento de lesões e às formas de
cuidado cutâneo-mucoso adotadas.
Os dados foram submetidos à análise estatística,
após os cálculos das frequências absolutas e percentuais
e sua organização na forma de tabelas e figura.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização das Famílias
As famílias consultadas, em sua maioria, utilizavam integralmente o Sistema Único de Saúde (85,7%)
e, assim, estavam distribuídas quanto aos rendimentos: com renda familiar de um salário mínimo (42,8%),
dois salários mínimos (35,7%) e três salários mínimos
(14,3%). Em 50% dos casos o cuidador principal era o
cônjuge, em 28,6% os irmãos e em 14,3% os filhos.
Os membros doentes eram na maioria homens
(71,4%), com idades entre 51 e 70 anos (57,1%), com
escolaridade de ensino fundamental incompleto
(78,6%), sendo a minoria (14,3%) analfabeta. Além
do câncer, os consultados apresentavam outras doenças, com destaque para: hipertensão arterial (35,7%),
cardiopatias (21,4%), além de Diabetes Mellitus,
disfunção tireoideana, anemia, doenças vasculares e
bronquite.
A maioria dos doentes (71,4 %) fazia uso de analgésico, sendo a dor avaliada entre intensidade moderada a severa em 64,3% dos casos. O uso de anti-inflamatórios foi identificado em 28,6% dos doentes, sendo que
nos portadores de tumor de cabeça e pescoço com
metástase era feita a associação de analgésico e antiinflamatório. Também 35,7% dos consultados faziam uso
de anti-hipertensivo, 21,4% usavam antibióticos e
antieméticos, enquanto 7% usavam anticoagulantes e
protetores gástricos.
A maioria dos pacientes era portadora de tumor
de cabeça e pescoço (57,1%), os demais apresentam
tumor de próstata (21,4%), de intestino (14,3%) e de
mama (7,1%). O câncer de cabeça e pescoço, que em
nível mundial representa 10% dos tumores malignos,
envolve vários sítios, tais como: cerca de 40% dos casos ocorrem na cavidade oral, seguindo-se a laringe,
faringe e glândulas salivares13.
O câncer de boca e orofaringe está relacionado
principalmente ao tabagismo e etilismo. Ambos acometem principalmente pessoas do sexo masculino acima de 50 anos. No Brasil, a incidência do câncer bucal é considerada uma das mais altas do mundo, estando entre os seis tipos de câncer mais comuns para o
sexo masculino e entre os oito mais comuns que atingem o sexo feminino14.
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Como terapêutica, os doentes em sua maioria
receberam quimioterapia e/ou radioterapia, além de
intervenções cirúrgicas. Nos tumores de cabeça e pescoço, a cirurgia e a radioterapia continuam sendo os
principais e mais eficazes métodos de tratamento. Novos avanços têm sido incorporados ao tratamento como
os diferentes protocolos de radioterapia, novas combinações de quimioterapia e marcadores moleculares,
bem como a incorporação de terapia de reirradiação e
tratamento adjuvante após cirurgia13, 15.
A quimioterapia pode ocasionar toxicidade
dermatológica local e sistêmica. A toxicidade local
ocorre nos tecidos circunvizinhos à área de aplicação
da droga, sendo elas: flebite, urticária, dor, eritema,
descoloração venosa e necrose tecidual secundária ao
extravasamento; já a sistêmica pode incluir náuseas e
vômitos, constipação, alopecia, eritema de extremidades, urticária, fotossensibilidade, hiperpigmentação,
alterações nas unhas e recidiva de reação cutânea
pós-radioterapia, além de rash cutâneo, eritema de
extremidades; além da mucosite que, quando ocorre
na mucosa oral, denomina-se proctite e, na cavidade
oral, estomatite4.
Os efeitos adversos estão intimamente ligados ao
tempo de tratamento. Neste estudo 21,4% dos doentes
estavam em tratamento há mais de quatro anos, 35,6%
de um a quatro anos e 42,9% há menos de um ano.
Caracterização do Comprometimento
Cutâneo-Mucoso Apresentado pelos
Doentes em Decorrência da Doença e/ou
do Tratamento do Câncer
Todos os doentes consultados apresentavam uma
ou mais lesão cutâneo-mucosa decorrente de cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, tendo quase a totalidade (92,8%) comprometimento cutâneo-mucoso
decorrente de incisão cirúrgica, 42,8% com lesões causadas pela radioterapia e 50% pela quimioterapia;
28,6% tinham leões devido à imobilidade no leito e
14,3% apresentavam ferida maligna.
Como lesões cutâneo-mucosas, os doentes apresentavam ao exame físico em sua maioria (66,6%)
radiodermite local. O tratamento radioterápico tem
por finalidade reduzir o tamanho da massa tumoral e
facilitar sua ressecção. Cerca de 95% dos pacientes
tratados com radiação externa - teleterapia desenvolvem alguma forma de reação de pele, um dos efeitos
mais comuns do tratamento, podendo a intensidade
da reação variar de um leve eritema e prurido, passando por descamação seca ou úmida, até ocasionar
necrose tecidual16,17.
Outros problemas com grande incidência foram:
mucosite oral, glossite e alopecia que ocorreram em
55,5% dos avaliados. O tratamento radioterápico, principalmente na região da cabeça e pescoço, também
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acarreta efeitos colaterais, complicações bucais como
mucosite radioinduzida, disfunção das glândulas salivares, mudança na microbiota, xerostomia, reações
cutâneas, edema de mucosa bucal, osteoradionecrose,
cárie dentária, doença periodontal, entre outras4.
A mucosite oral induzida pela radioterapia e
quimioterapia é um efeito tóxico que ocorre frequentemente em pacientes com câncer. A mucosite grave
tem um impacto importante na vida diária do paciente, em seu bem-estar e qualidade de vida. Ela também pode comprometer a capacidade do doente para
tolerar a terapia, impondo um encargo econômico significativo, uma vez que prolonga a hospitalização e
aumenta a utilização de analgésicos, aumentando substancialmente os custos do tratamento18.
A xerostomia esteve presente em 42% dos consultados. Ela pode ser compreendida como secura da
boca e espessamento do fluxo salivar e pode ser causada
por antineoplásicos, principalmente quando associados à radioterapia de cabeça e pescoço. A saliva exerce papel protetor da mucosa oral, auxilia na remoção
de alimentos, lubrificação e possui ação bactericida,
prevenindo cáries e outras infecções, portanto, na ausência de saliva, a mucosa oral fica exposta a lesões19.
Outros comprometimentos cutâneo-mucosos foram encontrados, como os decorrentes de procedimentos cirúrgicos: fístula, deiscência, estomas; e também
outros decorrentes da quimioterapia e da radioterapia
como: lesões por extravasamento de drogas, rash
cutâneo, eritema de extremidades, hiperpigmentação
sistêmica, rompimento do tumor ou lesões por imobilidade como as úlceras de pressão que atingiam 28,5%
dos doentes.
Cuidado Domiciliário Oferecido pela
Família
O período que se segue ao diagnóstico de câncer atinge toda a família e exige uma grande adaptação. É um momento em que muitas decisões precisam
ser tomadas: como reorganizar a rotina doméstica, o
orçamento familiar, a distribuição de tarefas; aprender a lidar com os inúmeros sentimentos e buscar melhores terapêuticas para o tratamento20.
Quanto aos cuidados domiciliares preventivos e
terapêuticos de lesões cutâneo-mucosas, adotados pela
família, foram encontrados poucos indícios de que tenha havido orientação por parte dos profissionais da
saúde. Assim é que apenas 21,4% das famílias consultadas informaram ter recebido alguma orientação escrita sobre esse cuidado no domicílio. Diante desse
fato, a família faz o que sabe e o que considera ser
necessário. Os principais cuidados adotados pela família no domicílio são apresentados na Tabela 1.
Embora tenha havido grande preocupação da família quanto ao cuidado com a mucosa oral dos doentes, vemos que essa preocupação não esteve presente
na totalidade das famílias consultadas, como seria esperado no cuidado domiciliário, pois pouco mais da
metade dos entrevistados (64,3%) informou higienizar
a cavidade oral após as refeições. Também apenas 28,6%
dos pacientes consultaram o odontologista, índice considerado baixo diante do número de portadores de câncer de cabeça e pescoço, conforme Tabela 1.
Muitos profissionais não têm conhecimento sobre
aspectos relacionados às complicações bucais e ao tratamento de pacientes ditos especiais, negligenciando o atendimento a esses indivíduos21. Essa atitude também repercute na família quando não recebe dos profissionais a
orientação necessária para o cuidado no domicílio.
Quanto ao cuidado preventivo com a pele, 14,3%
dos doentes utilizavam alguma substância emoliente.
Quando já havia lesão cutânea, as famílias informaram utilizar, no cuidado dos ferimentos abertos, luvas
não-esterilizadas (15,4%), segundo a Tabela 1. Uma
família aplicava iodo tópico na incisão sem prescrição
médica e outra família informou reaproveitar as gazes
que sobravam passando-as a ferro quente. Não houve
menção ao cuidado com mudanças de decúbito dos
TABELA 1: Distribuição dos cuidados adotados pela família para manter/
restaurar a integridade cutâneo-mucosa do doente. São Carlos, SP 2007.
(N=14)
Cuidados adotados pela família
Escovação oral cuidadosa após as refeições
Consulta odontológica antes do tratamento
Aplicação de medicação tópica prescrita
Uso de luvas não estéril nos curativos
Hidratação da pele com óleos e cremes
Uso de colchão caixa de ovos
Aplicação de iodo nas lesões cutâneas
Aplicação de ferro quente nas gazes para curativo
Bochecho com solução de água e vinagre
Bochecho com suco de batata, água e sal
Aplicação de amido de milho na radiodermite
Compressas frias de chá de camomila na radiodermite
%
64,3
28,6
21,4
15,4
14,3
14,3
7,7
7,7
7,1
7,1
7,1
7,1
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doentes acamados. Esses dados indicam o despreparo
da família nas ações de prevenção e recuperação de
lesões cutâneas.
Identificou-se, também, que as famílias realizavam alguns cuidados originários do conhecimento popular como o uso de amido de milho e de compressas
frias com chá de camomila para o tratamento da
radiodermite, sendo essas condutas avaliadas, pela
família, como benéficas. A literatura aponta a utilização de bochechos com chá de camomila, associada ao
alívio dos sintomas nas mucosites, fato que pode estar
vinculado à ação anti-inflamatória da referida substância22. O uso da camomila nas radiodermites não é
mencionado pela literatura, mas, sendo benéfica na
mucosa, pode também ser eficiente na pele lesada.
Outros cuidados populares como bochecho com
água, vinagre e sal ou com suco de batata para a prevenção e tratamento da mucosite eram utilizados por
um dos doentes e avaliados por ele como prejudicial
para a mucosa oral.
As famílias apontaram dificuldades de ordem
técnica, financeira e emocional que estão detalhadas
na Figura 1.
As famílias registraram dificuldades em realizar
cuidados como: curativo de lesões; preparo e administração de dieta enteral; manuseio de sondas e cateteres; e tratamento das úlceras por pressão. Quanto aos
estomas, foram indicadas dificuldades na troca das
bolsas, no manuseio dos equipamentos adaptadores das
bolsas coletoras de estomas intestinais, bem como com
a pele periestoma. Havia dúvidas também quanto à
limpeza e troca das cânulas de traqueostomia e realização de curativos cirúrgicos.
As dificuldades apontadas são pertinentes por se
tratar de cuidados complexos. O que chama a atenção, no entanto, foram as dificuldades descritas na
prestação de cuidados básicos de higiene e conforto o
Dificuldades técnicas
para o cuidado
Cuidar dos estomas
Manuseio de sondas, drenos
e curativos
Preparo e administração de
dieta enteral
Prestar cuidados de conforto
e higiene
Prevenir e tratar as úlceras por
pressão
que, a princípio, sugeriria que a família poderia estar
mais preparada para executá-los.
Muitas famílias também mencionaram carência
de apoio financeiro. A dificuldade financeira, muitas
vezes preexistente ao surgimento da doença, fica agravada com o seu advento; a família passa a ter outros
gastos como: transporte do doente e acompanhante
para realização das terapêuticas e dos exames; aquisição de suplementos nutricionais; gastos com absorventes higiênicos e com aluguel de equipamentos como
colchão tipo caixa de ovo, cilindro de oxigênio, aspirador de secreções, além dos gastos com medicamentos e materiais para curativos que, embora cedidos pela
rede, são insuficientes.
Atrelados a essas dificuldades surgem também os
problemas emocionais, que envolvem toda a família, em
especial o binômio doente-cuidador, já que, muitas vezes, a sobrecarga do cuidado e o tempo de dedicação
necessário tornam o cuidador vítima do isolamento social, o que lhe causa estresse emocional, tornando-o a
susceptível ao desgaste e também à doença23-25.
As maiores dificuldades destacadas pela família,
no aspecto emocional, estão relacionadas ao próprio cuidado, denotando mais uma vez a falta de seu preparo
para essa tarefa. A família necessita de orientações para
garantir um cuidado adequado em domicílio, proporcionando ao doente uma melhor qualidade de vida, mas
também orientações que facilitem a identificação de suas
dificuldades e de suas potencialidades para o cuidado.
CONCLUSÕES
Muitas são as
dificuldades, os transtornos e os
desafios a serem enfrentados pelas famílias de um doente oncológico, para o cuidado no domicílio. A família necessita de orientações que a levem a identificar
suas dificuldades e suas potencialidades para garantir
Dificuldades financeiras
Dificuldades
emocionais/psicológicas
Dificuldades físicas para o
cuidado
Falta de esperanças
Despesa com suplemento
alimentar
Despesas com material para
curativo
Despesas com convênio
Associação da doença a morte
Despesas com transporte para
outra cidade
Não possuir emprego
remunerado
Despesas com medicação
Despesas com equipamentos
de suporte hospitalar
Insegurança e medo para
realizar o cuidado
Depressão e abalo psicológico
Não aceitação da doença
Preocupação e tristeza
FIGURA 1: Dificuldades técnicas, financeiras e emocionais/psicológicas apontadas pela família AO propiciar
o cuidado domiciliário. São Carlos, SP 2007.
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um cuidado adequado, proporcionando ao doente
melhor qualidade de vida.
As famílias mencionaram dificuldades nos cuidados aos clientes, principalmente aqueles voltados para
manter/restaurar sua integridade cutâneo-mucosa.
A família, em especial o cuidador, apresenta carência de orientações não só relacionadas ao cuidar de
seu familiar em situações complexas, mas também nos
cuidados considerados básicos, bem como no suprimento de necessidades oriundas da carência financeira e
dos desgastes emocionais decorrentes da doença.
Cabe lembrar que, ao incluir a família em ações
de saúde, é preciso partilhar os conhecimentos, as decisões, as dúvidas, entre ela e os profissionais de saúde, criando espaço para a troca de informações sobre
as crenças, valores e direitos de ambas as partes. Em
especial na assistência de enfermagem ao paciente com
câncer, a participação da família permitirá a verbalização dos sentimentos, a identificação e valorização das
áreas potencialmente problemáticas para o paciente e
a família, levando a identificar e mobilizar fontes de
ajuda, informações, busca de soluções para os problemas, permitindo a tomada de decisões sobre o cuidado e, consequentemente, uma melhor qualidade de
vida para a família como um todo.
Cabe à enfermagem ir ao encontro da família para
oferecer o suporte da orientação e da ajuda necessária,
o que só será satisfatório na medida em que forem conhecidas e consideradas suas reais necessidades.
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