Parâmetros para a prova de FILOSOFIA no VESTIBULAR/UFPR (2ª. Versão) Universidade Federal do Paraná Departamento de Filosofia Curitiba, 04 de março de 2006 Eduardo Salles O. Barra Emmanuel Appel Geraldo Balduino Horn Luiz Antonio Eva Paulo Vieira Neto Rodrigo Brandão Apresentação: Em novembro de 2005, a comissão designada pelo Departamento de Filosofia e Núcleo de Concursos para propor um programa para a prova de Filosofia do vestibular da UFPR trouxe a público os primeiros resultados dos seus trabalhos, com a finalidade de receber contribuições de professores de Filosofia, colegiados de cursos e gestores das políticas públicas para o ensino da Filosofia. Estamos agora prestando conta dos primeiros aperfeiçoamentos da proposta original resultantes desse diálogo com nossos interlocutores prioritários. Como na primeira versão desses parâmetros, é aqui inicialmente apresentada uma proposta de programa da prova (com acréscimos e modificações significativas em relação à primeira versão). Em seguida, na seção “Simulado”, o programa da prova é detalhado a partir de exemplos de questões recolhidas de provas de Filosofia em vestibulares realizados recentemente em universidades brasileiras. Esse detalhamento – é bom que isso fique bem claro – não diz respeito necessariamente ao conteúdo bibliográfico do programa, mas às suas orientações gerais quanto a habilidades e competências requeridas dos candidatos. As questões escolhidas estão classificadas em quatro grupos, cada qual com outras subdivisões internas. A classificação dessas questões corresponde à orientação proposta para a estruturação das futuras provas da UFPR, que em sua maior parte deverão contemplar as mesmas espécies de questões aqui transcritas e discutidas. 2 1 3 Programa As questões versarão sobre temas e problemas de diferentes áreas da filosofia (lógica, ética, estética, epistemologia, metafísica e filosofia política, entre outras) e serão formuladas a partir de textos clássicos da história da filosofia, de diferentes épocas e orientações teóricas. Na avaliação, levar-se-á em conta a habilidade do candidato para identificar e compreender teses, argumentos, conceitos, polêmicas e problemáticas filosóficas presentes nos textos ou deles decorrentes. Será também requerido do candidato que revele conhecimento das circunstâncias históricas mais imediatas da produção e da recepção dos textos em análise, mediante a consideração das suas interlocuções com a tradição filosófica e cultural. A prova de filosofia pretende, portanto, aferir a competência dos candidatos numa prática que é, sob qualquer perspectiva que se encare a formação filosófica no ensino médio, rigorosamente indispensável: a leitura de textos filosóficos. Os pressupostos pedagógicos e filosóficos dessa orientação para a prova são (i) que as habilidades acima descritas constituem instrumentos universais para exercício da leitura reflexiva e crítica de textos filosóficos e (ii) que aquelas habilidades poderão ser despertadas, aprendidas e aperfeiçoadas independentemente dos textos ou dos autores analisados. Portanto, as indicações bibliográficas para a prova de filosofia que aqui se farão não devem ser encaradas como o resultado da identificação de um minimum de leituras que o estudante do ensino médio deve realizar durante as aulas de Filosofia. Visto que o objetivo não é averiguar conhecimentos cumulativos e textuais da história da filosofia, mas a capacidade de compreender e discutir textos filosóficos no contexto das questões e dos debates clássicos da filosofia, muitos outros tipos de formação e de preparação prévia são compatíveis com os objetivos da prova, mesmo aqueles que não contemplem o estudo das obras abaixo indicadas. Todavia, as questões da prova serão circunstanciadas em determinados textos filosóficos e, para uma boa preparação que contemple uma maior familiaridade com os objetos de análise nas questões e com a terminologia consagrada pelos textos empregados na sua formulação, recomenda-se a leitura prévia desses textos. Os textos indicados são os seguintes: DESCARTES, René. O Discurso do Método [trad. Bento Prado Jr.] São Paulo: Nova Cultural, 1987, 4.ed. (Col. Os Pensadores) MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe [trad. Lívio Xavier] São Paulo: Nova Cultural, 1987, 4. ed.(Col. Os Pensadores) PLATÃO. A República: Livro VII. [trad. Elza Moreira Marcelina] Brasília: Editora UnB, 1996, 2.ed. SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo é um Humanismo [trad. Rita Correia Guedes] São Paulo: Nova Cultural, 1987, 3. ed. (Col. Os Pensadores) (Obs.: As referências feitas aqui a determinadas edições das obras indicadas têm como objetivo apenas estabelecer um padrão; elas podem ser substituídas, sem qualquer prejuízo, por outras no mesmo nível ou ainda melhores, quando for o caso. São públicos e notórios os equívocos grosseiros cometidos em determinadas traduções de textos filosóficos fartamente disponíveis no mercado editorial brasileiro. O objetivo da indicação dessas edições é apenas possibilitar um patamar mínimo de rigor e qualidade acadêmica para a avaliação das edições a serem utilizadas na preparação para a prova.) 3 1 3 Simulado Grupo de questões 1: Análises de textos 1.1. Análise do conteúdo intrínseco ao texto proposto 1.1.1. Questão discursiva: Leia estes trechos: À parte a questão da honra, senhores, não me parece justo pedir e obter dos juízes minha absolvição, em vez de informá-los e convencê-los. ............................................... Pode alguém perguntar: "Mas não serás capaz, ó Sócrates, de nos deixar e viver calado e quieto?" De nada eu convenceria alguns dentre vós mais dificilmente do que disso. Se vos disser que assim desobedeceria ao deus e, por isso, impossível é a vida quieta, não me dareis fé, pensando que é ironia; doutro lado, se vos disser que para o homem nenhum bem supera o discorrer cada dia sobre a virtude e outros temas de que me ouvistes praticar quando examinava a mim mesmo e a outros, e que vida sem exame não é digna de um ser humano, acreditareis ainda menos em minhas palavras. Digo a pura verdade, senhores, mas convencer-vos dela não me é fácil. Acresce que não estou habituado a julgar-me merecedor de mal nenhum. .............................................. Perdi-me por falta, não de discursos, mas de atrevimento e descaro, por me recusar a proferir o que mais gostais de ouvir, lamentos e gemidos, fazendo e dizendo uma multidão de coisas que declaro indignas de mim, tais como costumais ouvir dos outros. [...] Quer no tribunal, quer na guerra, não devo eu, não deve ninguém lançar mão de todo e qualquer recurso para escapar à morte. PLATÃO. Defesa de Sócrates. (35c-38e). São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 26-31. Com base na leitura desses trechos e em outras informações presentes nesta obra de Platão, REDIJA um texto sobre o caminho escolhido por Sócrates para a elaboração de sua defesa. (Vestibular UFMG/2003) 1.1.2. Questão objetiva: Leia com atenção esta passagem introdutória de A Lógica da Investigação Científica (1934), de Karl Popper 1. O problema da indução “Costuma-se chamar de ‘indutiva’ a uma inferência se ela passa de enunciados singulares (também chamados, algumas vezes, enunciados “particulares”), tais como as descrições dos resultados de observações ou experimentos, aos enunciados universais, tais como hipóteses ou teorias. Ora, de um ponto de vista lógico, está longe de ser óbvio que estejamos justificados ao inferir enunciados universais a partir dos singulares, por mais elevado que seja o número destes últimos; pois qualquer conclusão que obtemos dessa maneira pode acabar sendo falsa: não importa quantas ocorrências de cisnes brancos possamos ter observados, isto não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos.” Segundo Popper, “indução” é: (a) Uma inferência que passa de particulares a universais. (b) Um método físico para o exame, tanto das partículas, quanto do universo. (c) Um raciocínio cuja justificação lógica é derivada de hipóteses e teorias. (d) Um método impróprio no caso da zoologia, mas não nas demais ciências. (e) Um método lógico que nos permite concluir com segurança que certas teorias são válidas a partir da observação (Vestibular UFPR/2001 – adaptado) 4 1 3 Comentário: Para além de uma questão interpretativa genérica, esta espécie de questão tem sua especificidade filosófica garantida, não apenas pelo conteúdo do próprio texto, mas também pela natureza daquilo que se pretende que o candidato seja capaz de identificar, através da consideração de teses, conceitos e argumentações ali presentes. Embora sejam privilegiados os próprios textos da bibliografia (podendo ser citados trechos diretamente a partir deles), não se exclui a possibilidade de serem usados textos diversos, na medida em que possam ser relacionados a temas e problemas centrais propostos na bibliografia Isso se mostra na questão 1.1.1, na qual, embora seja solicitado o uso de informações adicionais, admite uma resposta com base apenas nos textos propostos (embora não se exclua a possibilidade do uso de outros elementos que possam enriquecer a resposta). Já a questão 1.1.2 pode ser respondida apenas com base na interpretação do texto oferecido, ainda que a atividade de estudo de temas da filosofia da ciência (eventualmente conexos com obras da bibliografia sugerida) possa facilitar sua resolução. 1. 2. Análise do texto proposto considerando o seu contexto 1.2.1. Questão discursiva: De acordo com Descartes: a razão (...) “é naturalmente igual em todos os homens; e, destarte, que a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de serem uns mais racionais do que outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem.” DESCARTES. Discurso do Método, para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p.29. Com relação ao fragmento acima, responda: Quais são as vias diversas, que prejudicam a boa aplicação da razão? Comentário: Uma boa resposta para a questão 2.1.1 (que pode naturalmente apresentar diversos graus de aprofundamento) requereria que o aluno recorra às discussões cartesianas sobre os prejuízos da infância, sobre o poder da educação e principalmente do costume, e sobre a necessidade do método como condição para o conhecimento da verdade. (Vestibular UFU/2001) 1.2.2. Questão objetiva: Escolha a única alternativa correta Segundo Sartre, "A existência precede a essência"; pode ser interpretado como: (a) O homem se define pelo caminho que vai trilhando em sua existência e não pelo significado do conceito de homem. (b) A existência humana depende do plano que Deus determina a cada criatura. (c) O materialismo define a vida e o espírito não existe. (d) O entendimento que se tem de "natureza humana" é o que vai direcionar a existência humana. (e) A liberdade não participa do contexto da existência do homem. (Vestibular UFU/1997) Já a resposta da questão 2.1.2 exigiria que o aluno esteja familiarizado com uma obra do autor eventualmente proposta na bibliografia (neste caso, “O Existencialismo é um Humanismo”) A resposta correta é resposta A. Grupo de questões 2: Interlocuções 2.1. Interlocuções com a tradição filosófica 5 1 3 2.1.1. Questão discursiva: experiência como a uma escrava para conformá-la às suas opiniões”. O comentário abaixo foi feito por Kant (1724-1804) para justificar o início do novo estágio da filosofia moderna, almejado com a sua obra Crítica da Razão Pura. "Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém, todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que o nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob esta pressuposição." Kant. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p.14. Coleção "Os Pensadores" A partir desta citação, explique em que consiste a Revolução Copernicana realizada por Kant na filosofia. (Vestibular UFU/2001) 2.1.2. Questão objetiva: “[...] Aristóteles estabelecia antes as conclusões, não consultava devidamente a experiência para estabelecimento de suas resoluções e axiomas. E tendo, ao seu arbítrio, assim decidido, submetia a Comentário: Nesse tipo de questão, o candidato será solicitado a trata das interlocuções entre as filosofias presentes (ainda que o "presente" aqui represente algo tão distante quanto foram os séculos de Bacon e Kant) e aquelas outras tradições filosóficas do passado com as quais real ou potenciamente rivalizavam. Um resultado adicional desse tipo de questão é suscitar uma reflexão sobre o fato das idéias freqüentemente emergirem seja em BACON, Francis. Novum Organum. Trad. de José Aluysio Reis de Andrade. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 33. Com base no texto, assinale a alternativa que apresenta corretamente a interpretação que Bacon fazia da filosofia aristotélica. (a) A filosofia aristotélica estabeleceu a experiência como o fundamento da ciência. (b) Aristóteles consultava a experiência para estabelecer os resultados e axiomas da ciência. (c) Aristóteles afirmava que o conhecimento teórico deveria submeter-se, como um escravo, ao conhecimento da experiência. (d) Aristóteles desenvolveu uma concepção de filosofia que tem como conseqüência a desvalorização da experiência. (e) Aristóteles valorizava a experiência, por considerá-la um caminho seguro para superar a opinião e atingir o conhecimento verdadeiro. (Vestibular UEL/2005) oposição seja em apoio a alguma outra idéia correlata anteriormente disponível e, eventualmente, aceita. O filósofo articula seu pensamento sempre em diálogo com alguma tradição, e talvez nisto resida a receita para a sua eventual originalidade: uma atitude de profunda atenção, dedicação e reverência aos autores e filosofias do passado, concomitante a um sentimento contestador e iconoclasta que prenuncia o novo e o inesperado. 2.2. Interlocuções com a tradição cultural 2.2.1. Questão discursiva: Leia este trecho: "Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, enquanto se limitaram a costurar com espinhos ou com cerdas suas roupas de peles [...] – em uma palavra: enquanto só se dedicaram a obras que um único homem podia realizar, e a artes que não solicitavam o concurso de várias mãos, viveram tão livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam ser por sua natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de um comércio independente; mas, desde o instante em que um homem sentiu necessidade da ajuda de outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziuse a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs regar com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas." 6 1 3 ROUSSEAU, J.-J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 264-265. . A partir das idéias contidas nesse trecho e em outros conhecimentos presentes nessa obra de ROSSEAU, COMENTE a relação estabelecida pelo autor entre progresso e desigualdade. (Vestibular UFMG/2002) 2.2.2. Questão objetiva: O nada, impensado para Parmênides, encontrou em Sartre valor ontológico, pois o nada é o ponto de partida da existência humana, uma vez que não há nenhuma anterioridade à existência, nem mesmo uma essência. Esta tese apareceu no livro O Ser e o Nada. Tal afirmação encontra-se também em outro texto, O existencialismo é um humanismo, no qual está escrito: "Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é, de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência." SARTRE, J.P. O existencialismo é um humanismo. Trad. de Rita Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 6. Coleção "Os Pensadores". A responsabilidade para Sartre diz respeito: (a) ao indivíduo para consigo mesmo, já que o existencialismo é dominado pelo conceito de subjetividade que restringe o sujeito da ação à sua esfera interior, circunscrita pelas suas representações arbitrárias, que exclui o outro; toda escolha humana é a escolha por si próprio. (b) ao vínculo entre o indivíduo e a humanidade, já que para o existencialista, cada um é responsável por todos os homens, pois, criando o homem que cada um quer ser, estaremos sempre escolhendo o bem e nada pode ser bom para um, que não possa ser para todos. (c) à imagem de homem que pré-existe e é anterior ao sujeito da ação. É uma imagem tal qual se julga que todos devam ser, de modo que o existencialismo, em virtude da sua origem protestante com Kierkegaard, renova a moral asceta do cristianismo, que exige a anulação do eu. (d) ao partido político que tem a primazia na condução do processo de edificação da nova imagem de homem comprometido com a revolução e que faz de cada um aquilo que dever·ser, tal como ficou célebre no mote existencialista: o que importa é o resultado daquilo que nos fizeram. (Vestibular UFU/2003) Comentário: As questões exploram as possibilidades de estabelecer diálogos entre os textos filosóficos e os demais produtos culturais. Para melhor realizar o solicitado, por exemplo, na questão 2.2.1, isto é, o comentário do texto sob a ótica de uma inevitável relação causal entre progresso e desigualdade, um razoável conhecimento do pensamento social e econômico na época de Rousseau poderia ser de grande valia. O mesmo se pode dizer da questão 2.2.2, na qual um melhor desempenho pode ser fruto de um conhecimento mínimo das conseqüências das ações fundadas nas deliberações individuais desprovidas de vínculos sociais e culturais, nos códigos das religiões ou nos programas dos partidos políticos. Ambas as questões dizem respeito a teses filosóficas cuja inteligibilidade e eventual crítica dependem, em grande medida, da possibilidade de situá-las e confrontá-las às circunstancias históricas, sociais e culturais nas quais surgiram e vicejaram. 2.3. interlocuções intertextuais 2.3.1. Questão discursiva: Leia estes trechos: Trecho 1 Senhora, Algumas vezes eu coloquei a mim mesmo uma dúvida: saber se é melhor estar alegre e contente, imaginando que os bens que possuímos são maiores e mais estimáveis do que eles são e ignorando os que nos faltam, ou não parando para considerá-los, ou se é melhor ter mais consideração e saber, para conhecer o justo valor de uns e de outros, e com isto tornar-se mais triste. Se eu pensasse que o soberano bem fosse a alegria, eu nunca duvidaria de que deveríamos dedicar-nos a tornarmo-nos alegres a qualquer preço, e eu aprovaria a brutalidade daqueles que afogam suas mágoas no vinho ou as atordoam com o fumo. Mas eu distingo entre o soberano bem, que consiste no exercício da virtude[...] e a satisfação do espírito que acompanha esta posse. É por isto que é uma maior perfeição conhecer a verdade, mesmo que desvantajosa a nós, que ignorá-la, e eu confesso que é melhor estar menos alegre e ter mais conhecimento. DESCARTES, R. Carta a Elizabeth, de 6 de outubro de 1645. Trecho 2: Uma senhora vitoriana, mulher de um bispo, ficou famosa devido a um comentário que fez sobre a evolução. Não era tanto a respeito da circunspecta A origem das espécies (1859), de Darwin, mas sobre o beligerante livro de T. H. Huxley, O lugar do homem na natureza (1863). O jovem defensor de Darwin afirmara que o homem “não está separado dos animais por barreiras estruturais maiores do que aquelas que separam os animais uns dos outros”. Ao ouvir isso, a referida senhora mostrou-se perfeitamente integrada na cultura: “Descender de macacos! Meu caro, esperamos que não seja verdade, mas se for, rezemos para que não se fique sabendo! ” SHATTUCK, Roger. Conhecimento proibido. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.1617. IDENTIFIQUE e ANALISE a posição expressa, em cada um desses trechos, com relação à busca da verdade. (Vestibular UFMG/2004) 2.3.2. Questão objetiva: “Leni Riefenstahl destacou-se nos anos 20 e 30 como cineasta, dirigindo, entre outros, documentários encomendados pelo líder da propaganda nazista, Joseph Goebbels. Com os filmes “Triunfo da Vontade” (1935), sobre o culto ao “Führer” Adolf Hitler, e “Olímpia” (1938), um exemplo da devoção 7 1 3 nacional-socialista em torno do corpo e da beleza, Riefenstahl ganhou fama em todo o mundo. Mas também a estampa de ideóloga nazista.” O ressurgimento de Leni Riefenstahl. Disponível em: <http://www.uol.com.br/fsp/mais/fs1911200006 .htm> Acesso em 20 nov. 2002. “Sem dúvida Benjamin, como Marcuse, vê na arte de massa do fascismo, que surge com a pretensão de ser política, perigo de uma falsa dissolução da arte autônoma. Essa arte propagandística dos nazistas liquida efetivamente a arte como uma esfera autônoma, mas atrás do véu da politização ela está a serviço, na verdade, da estetização do poder político bruto.” FREITAG, Bárbara; ROUANET, Sérgio Paulo (Orgs.). Habermas. São Paulo: Ática, 1990. p. 175. Com base nos textos acima e em seu conhecimento sobre a relação entre cinema e política, é correto afirmar: (a) O caráter autônomo da arte cinematográfica impede que suas produções sejam apropriadas por regimes políticos, tais como o nazismo e o fascismo. (b) A propaganda ideológica contida nos filmes encomendados pelo nazismo valorizou a arte enquanto uma esfera autônoma. (c) A arte cinematográfica ao ser transformada em propaganda ideológica de regimes autoritários como o nazismo perde seu caráter de esfera autônoma. (d) Os filmes de Leni Riefenstahl constituem-se em documentários destituídos de qualquer natureza ideológica ou de propaganda do regime nazista. (e) A propaganda nazista, veiculada pelo cinema, tornou a arte um instrumento de crítica das desigualdades sociais. (Vestibular UEL/2003) Comentário: As questões acima permitem explorar um tipo muito particular de interlocução, aquelas que os autores dos textos postos frente a frente nunca pretenderam ou mesmo suspeitaram de seus possíveis pontos de conflito ou de consenso. Isso significa que, para respondê-las, será necessário preencher um vazio argumentativo e conceitual presente entre um texto e outro. Obviamente, as pistas para esse preenchimento já se encontram de maneira mais ou menos explícita nos próprios textos, mas isso naturalmente 8 1 3 apenas na medida em que satisfatoriamente compreendidos. sejam Grupo de questões 3: Outras linguagens 3.1.1. Questão discursiva: Leia esta afirmação: “Os homens normais não sabem que tudo é possível.” David Rousset, citado por Arendt, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 337. Observe esta fotografia: “Muitos argumentaram que a guerra contra o terrorismo é a desculpa esfarrapada do governo Bush [George W. Bush] para construir um império clássico, no modelo do romano ou britânico. Dois anos depois de iniciada a cruzada, fica claro que isso é um erro. A gangue de Bush não dispõe da persistência compulsiva necessária para ocupar sequer um país, quanto mais uma dúzia deles.” KLEIN, Naomi. Império cria ‘franquias’. Folha de São Paulo, 07 de setembro de 2003. “Creio que isto [a usurpação de um principado] seja conseqüência de serem as crueldades mal ou bem praticadas. Bem usadas se podem chamar aquelas (se é que se pode dizer bem do mal) que são feitas, de uma só vez, pela necessidade de prover alguém à própria segurança, e depois são postas à margem, transformando-se o mais possível em vantagem para os súditos. Mal usadas são as que, ainda que a princípio sejam poucas, em vez de extinguirem-se [as crueldades], crescem com o tempo.” MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo:Nova Cultural, 1987. p. 38. Coleção “Os Pensadores” REDIJA um texto estabelecendo uma correlação entre a fotografia e a citação. (Vestibular UFMG/2002) 3.1.2. Questão discursiva: O primeiro texto afirma a falácia do argumento da política bélica norte-americana após 11 de setembro de 2001. O texto de Maquiavel faz menção aos resultados do emprego da violência para a conquista de novos principados e, conseqüentemente, a expansão do poder despótico. Por que os recursos à agressão e à fraude são ineficazes, tal como assevera a autora do primeiro texto, só fazendo aumentar a violência e a instabilidade política, como concluiu Maquiavel, no segundo texto citado? (Vestibular UFU/2003) Analise os dois textos abaixo: Comentário: Esta terceira espécie de questões é feita a partir de outras linguagens (poesia, texto jornalístico, artes plásticas, fotografia etc.) com o intuito de suscitar discussões filosóficas, de acordo com a bibliografia sugerida. São questões que têm por objetivo exigir do candidato a redação de um texto argumentado e coerente, mostrando sua capacidade de identificar questões filosóficas em outra linguagem que não aquela própria da filosofia. Este tipo de questão além de aferir a capacidade do candidato de redigir um texto argumentativo, também visa a cumprir uma outra exigência, o diálogo da filosofia com distintas manifestações culturais. A questão 3.1.1. pode ser respondida de maneiras muito diversas. Não deixando de ser uma questão aberta, ela, no entanto, demanda certas considerações sobre problemas filosóficos como a condição humana, o problema do mal e o da liberdade, relacionando a eles uma linguagem distinta (fotografia). Na verdade, fotografia e texto interagem para suscitar elementos para uma discussão de caráter filosófico, remetendo o candidato a questões de seu tempo bem como a problemas da tradição. As diversas respostas podem ser avaliadas considerando-se, além de sua coerência e argumentação, alguns elementos que devem estar presentes na redação, tais como (i) o sentido de “homens normais” e sua relação com um evento como a Segunda Guerra Mundial, (ii) considerações sobre ética, guerra, violência e política, (iii) a questão dos regimes totalitários, (iv) política, mídia, 9 1 3 propaganda e massificação, (v) o problema do mal e o nazismo, (vi) responsabilidade e liberdade e (vii) história e política. Já a questão 3.1.2 permite que o candidato parta de uma linguagem mais conhecida, o texto jornalístico, para daí discutir tanto questões mais próximas, como a política externa norte-americana, quanto temas tradicionais da filosofia política, como a guerra e a violência. Na verdade, esta questão, pela citação de um texto filosófico, dirige a resposta a considerações calcadas na análise de elementos importantes da obra sugerida. O candidato pode ser avaliado a partir de sua capacidade de relacionar, de modo argumentado e coerente, questões de seu tempo expostas em linguagem que lhe sejam próximas a problemas de cunho filosófico, a saber: (i) poder e violência, (ii) guerra e política, (iii) a manutenção e expansão do poder. Grupo de questões 4: Críticas 4.1.1. Questão discursiva "Não devemos recorrer à verdade na formulação de nossos argumentos." ARGUMENTE a favor de ou contra essa afirmação. 4.1.2. Questão discursiva "Tudo compreender é tudo desculpar?" REDIJA um texto, posicionando-se em relação a essa pergunta. (Vestibular UFMG/2003) (Vestibular UFMG/2003) Comentário: Pretende-se, por meio deste gênero de questões, aferir a capacidade crítica do candidato. De fato, é comum entre nós tomar o termo “crítica” como sinônimo de detração ou desqualificação (e não raramente como ataque pessoal), mas isso é resultado, antes de mais, de uma compreensão pouco crítica desse próprio termo. Pensar criticamente, porém, é ser capaz de empregar critérios próprios e adequados para refletir sobre determinado tema ou problema, segundo as exigências conceituais que objetivamente ali se impõem; ser capaz de detectar aspectos diversos que podem se fazer pertinentes, por vezes originando ambigüidades; balancear adequadamente os argumentos que possam ser apresentados de ambos os lados. Pensar criticamente, portanto, é algo bastante diverso do que se confunde com isso pelos seus sinais externos; é ser capaz de pensar em sentido próprio, segundo uma independência reflexiva criteriosa, que pode conduzir, acerca de um mesmo problema, a posições favoráveis ou contrárias, segundo o sentido e a circunstância precisa com que tal problema possa ser considerado. Naturalmente, tal capacidade está diretamente relacionada com a capacidade do candidato em compreender as posições sustentadas pelos autores, tanto no que concerne ao seu sentido, quando às razões que se possam oferecer a seu favor, em contraponto com as razões contrárias que servem como pano de fundo destas. É neste sentido que questões de interpretação poderão ser propostas com base na bibliografia sugerida. Um exemplo disso é a primeira questão acima (4.1.1), na qual a própria formulação do problema dirige o candidato ao texto filosófico (ver questão 1.1.1 acima): ainda que não seja absolutamente indispensável para que o candidato possa respondê-la, o texto aparecerá ao aluno devidamente preparado como um recurso enriquecedor da discussão que poderá ser encetada a partir da frase proposta. De modo alternativo, essa questão poderia ser desdobrada, por exemplo, numa solicitação de que o candidato considere tanto os argumentos favoráveis quanto os argumentos contrários a essa formulação (podendo, certamente, posicionar-se ao fim da discussão a partir desse contraponto) 1 0 1 3 A outra questão (4.1.2), do mesmo modo, solicita que o candidato redija um texto posicionando-se diante da pergunta “Tudo compreender é tudo desculpar?”. Além de permitir ao candidato desenvolver linhas argumentativas diversas, permite-lhe igualmente enriquecer sua resposta com base na compreensão de um texto da bibliografia proposta em que se apresentem problemas filosóficos clássicos, tais como o problema da relação entre liberdade e da determinação das ações, e o problema da relação entre razão e sentimento. Avaliar-se-á a capacidade do candidato em compreender a questão e em se posicionar coerentemente a partir dela, distinguindo com clareza possibilidades diversas e opostas de posicionamento.